O primeiro caso envolve o assédio moral descrito por mim no assunto Desinformação do site Duraverum. Sua análise requer um pouco de compreensão sobre o contexto, coisa que não acontecerá com o Caso 2, por se tratar de uma situação bem mais evidente.
Partiremos do pressuposto de que a diretoria da Polícia do Senado Federal desenvolveu um mecanismo baseado no lançamento de informações incompletas e inverídicas que, mescladas a outras informações e com o formato apropriado, adquire um ar de legalidade perante às demais instituições, sejam integrantes da estrutura interna do Senado Federal ou de órgãos externos. Ao final, o leitor concluirá que o pressuposto é um fato até que bastante evidente.
Nesse primeiro caso em questão, o Ministério Público Federal recebeu denúncia contra um servidor que havia denunciado o Diretor da Polícia do Senado. Receberam tal denúncia exatamente do mesmo Diretor que foi denunciado, formando um quadro surreal de ação conjunta contra a ação de um Whistleblower.
Ainda que o MPF pudesse argumentar deter a competência para receber e dar prosseguimento a qualquer denúncia, tal órgão simplesmente não confronta as informações quando a origem é uma Instituição Policial. Se para o cidadão a regra é exigir documentos e provas comprobatórias das informações ínsitas à denúncia, no tocante às instituições esse cuidado não é observado. De forma injusta e até suspeita, o MPF assume o pressuposto de que as informações oriundas de órgãos públicos são verdadeiras, tornando essa instância de correição tanto vítima de uma artimanha quanto algoz da pessoa que está sendo ilegalmente acusada.
Na primeira página do assunto Whistleblower eu já havia divagado:
O caso 1 inicia no momento em que SENADO FEDERAL ofereceu uma denúncia contra um de seus agentes, na forma de um P.I.C. - Procedimento Investigatório Criminal.
Esse teria sido o primeiro Procedimento aberto pelo Senado Federal envolvendo uma denúncia sem que existisse Processo Administrativo ou Sindicância.
A seguir, o documento através do qual tomei conhecimento da abertura de tal PIC. Esse documento foi encaminhado à Diretora-Geral pelo diretor denunciado como resposta às acusações de improbidade na aquisição do sistema de radiocomunicação.
Destacado em amarelo está a parte que interessa ao tema. Se o leitor quiser mais informações sobre as denúncias, estão disponíveis no assunto Desinformação.
Vou destacar duas informações do documento acima.
Atenção para o fato de que esse documento acima nada tem a ver com a ocorrência aberta contra mim pelo Senado. Ele trata de uma denúncia contra o Diretor da Polícia do Senado e nada tem a ver com o PIC.
A ocorrência que teria originado o PIC trata de um suposto furto de um reles Bonsai, vasinho com miniatura de uma planta, posteriormente devolvido. Diferente do alegado, em nenhum ponto da oitiva citada o agente foi informado sobre crime de violação de sigilo. Naquela ocasião, mais precisamente dia 16, o agente citado acessou o sistema e criou backups das imagens do sistema de CFTV (vídeos) da ocorrência, em razão desta ser uma obrigação do operador, já que as imagens são automaticamente sobrescritas em cerca de 1 mês. A extração para outro dispositivo de armazenamento foi realizada a pedido da Delegacia do Senado (COPINV), e para lá foram enviadas. Essas informações, por sua vez, não eram classificadas como sigilosas, logo, eram ostensivas, pois legalmente a transparência é a regra, e não a exceção.
Apesar do texto citado no item 1 relatar que o agente foi cientificado sobre a acusação de violação de sigilo funcional, em nenhum momento, fosse nas ocorrências, registros ou nas oitivas, o agente foi acusado ou responsabilizado por tal.
Só após a devolução do bonsai, que na verdade foi pego por engano, houve um aditamento, em 26/10/2015, informando que o "fato" seria comunicado ao MPF.
Mas que fato seria esse? A ocorrência só tratou de um suposto furto e a devolução de um bonsai.
Ocorre que foi exatamente nesse dia, 26/10/2015, que ficou pronta a Portaria de Aposentadoria do agente em questão, atendendo requerimento protocolado um mês antes.
Foi nesse exato momento que "surgiu" o Memorando 149/2015, também do mesmo dia, solicitando apuração da conduta do agente.
Ora, como o agente poderia estar ciente de que era investigado por violação de sigilo funcional desde 19/10/2015, se nem os investigadores sabiam de tal denúncia? Ela simplesmente não fazia parte da ocorrência. O termo "violação de sigilo funcional" só surgiu, sem nenhuma referência, prova, acusação nem justificativa, dia 26.
A tal denúncia, segundo o diretor da Polícia do Senado na representação do PIC, estaria amparada pela seguinte afirmação, tomada durante uma oitiva do caso:
Segundo o diretor, esse trecho seria uma afirmação da vítima do suposto furto. Agora, comparemos o trecho da denúncia acima com os trechos dos depoimentos. Primeiro, o que o servidor citado na denúncia realmente declarou:
Bastante diferente, portanto, do alegado pelo diretor no PIC. Abaixo, trecho sobre a obtenção de informações visando identificar a autoria, se referindo a uma outra pessoa que teria presenciado o furto:
E finalmente o trecho referente ao contato com o agente acusado de extração ilegal de imagens:
E isso é tudo. A contradição dos depoimentos para com a acusação é flagrante. A princípio, é óbvio que não existe nada na ocorrência ou nos depoimentos que pudesse chegar a algum argumento que embasasse a denúncia, pois toda a apuração diz respeito a um suposto furto de um Bonsai.
Mas, então, qual fator poderia explicar o surgimento de tal denúncia, e porque em 26/10/2015? Isso eu posso supor: porquê o diretor tinha pressa. Como comentei, nesse mesmo dia foi redigida a portaria de aposentadoria do agente em questão.
Agente que estava coletando informações para apresentar denúncias de improbidades praticadas pelo mesmo diretor, e era uma questão de poucos dias. A urgência era justificada pela necessidade de formular algum argumento que ajudasse a barrar o processo de aposentadoria e assim, iniciar o assédio moral ao denunciante.
Por mais absurdo que possa parecer, conseguiram atrasar um pouco a aposentadoria pois a publicação, que era para ocorrer no DOU em 29/10, ocorreu em 03/11/2015. Para mais detalhes sobre esse assédio basta clicar neste link.
Apesar de não lograrem êxito em impedir a aposentadoria e, consequentemente, ganharem tempo para tentar impedir as denúncias, outras ferramentas foram utilizadas para desqualificar denúncia e denunciante. A denúncia de violação de sigilo contra o denunciante internamente não prosperou, tendo sido arquivada.
Disso tudo, cabe a pergunta: como uma denúncia baseada em um argumento falso e que não foi objeto de qualquer apuração ou sindicância poderia ser recepcionado pelo MPF? O MPF aceita tudo e qualquer coisa? Não existe naquele órgão a confrontação das informações?
A princípio, dependeria do que fosse recepcionado pelo MPF. Vamos agora tratar dessas informações.
O PIC foi autuado junto ao MPF em 01/02/2016.
No ofício encaminhado ao MPF, além da informação falsa já citada, não há mais nenhum trecho que ampare a denúncia. Aparentemente o Procurador que recepcionou o PIC não observou a discrepância.
Teve nova oportunidade de vislumbrar a inconsistência quando, através do Despacho 2257/2016 de 23/02/2016, o Procurador determinou a requisição de algumas informações.
Dentre elas, atenção para as duas transcrições abaixo.
À direita, o item d) dentre as questões a serem respondidas pelo diretor da polícia do Senado.
E aqui à direita, a resposta. Um desafio à inteligência do Procurador, como explicarei abaixo.
Essa resposta, de aparência bastante formal, traz uma impropriedade praticada pelo diretor da Polícia do Senado. Ocultar informação necessária à compreensão do conteúdo.
O Procurador foi cientificado de que a alta direção foi informada através do documento 00100.151337/2015, e que instauração de procedimento administrativo dependia de decisão do primeiro-Secretário.
Na verdade, essa atitude, de mencionar mas não anexar, é um verdadeiro modus operandi do diretor, que usa tal como subterfúgio para ocultar ou embasar impropriedades.
De fato, o tal comunicado mencionado existe. O que o diretor "esqueceu" de mencionar, e que ficaria evidente se o Procurador requisitasse a cópia, é que tal comunicado já havia sido transformado no processo 00200.016796/2015, e que na data da resposta do diretor ao Procurador o processo já contava até com um Parecer da Advocacia do Senado Federal.
O "esquecimento" tinha um bom motivo: a leitura do conteúdo do processo evidenciaria o assédio e traria ao conhecimento do MP as denúncias envolvidas.
Quanto ao PIC, o mesmo foi arquivado no MPF "por insignificância" e " reduzidíssimo grau de culpabilidade e reprovabilidade da conduta". Isso se, em tese, houvesse culpa, pois o MPF não apurou absolutamente nada, se limitando às informações que recebeu, sem sequer convocar a parte denunciada. Entendo que esta é uma forma de conseguir certa economia processual, mas com isso deu tratamento absolutamente desigual para a parte prejudicada.
O agente não sofreu consequência alguma no MPF, mas mesmo assim o processo teve uma consequência bastante danosa junto ao Senado:
Não há como negar essa minha afirmação, pois tal situação é bem evidente no documento já anexado a esta página. Não há, também, como negar que o MPF contribuiu, ainda que indiretamente, para a prática de tal impropriedade. Afinal, palavras do procurador foram usadas pelo diretor denunciado. Isso é fato. Está destacado em amarelo no PDF desta página. É inegável.
Para o caso de alegarem que o MPF não tinha como saber de tal improbidade, e que caberia representação ao MPF denunciando a utilização imprópria do texto de autoria do Procurador, aqui vai uma conclusão: foi através desse mau uso que tomei conhecimento do PIC, então, se o acusado tivesse sido convocado, o MPF ficaria sabendo.