O narrador e a sua visão crítica/consciência social

Genericamente falando estamos na presença de um narrador heterodiegético (ou seja, uma entidade exterior à história que assume a função de relatar os acontecimentos), omnisciente, e deve assumir ainda uma focalização interventiva (interação com a obra) e judicativa (quando existem valores de juízos).

Como o narrador adota muitas posições em relação à história, e tem uma posição parcial na obra, não é possível afirmar que só existe um tipo de narrador.


Seguidamente estão alguns exemplos textuais e o respetivo comentário relativamente ao narrador:

  • “São pensamentos confusos que isto diriam se pudessem ser postos por ordem, aparados de excrescências, nem vale a pena perguntar, Em que estás a pensar, Sete-Sóis, porque ele responderia, julgando dizer a verdade, Em nada, e contudo já pensou em tudo isto,”

  • “Já lá vai pelo mar fora o Padre Bartolomeu Lourenço, e nós que iremos fazer agora, sem a próxima esperança do céu, pois vamos às touradas que é bem bom divertimento”

  • “Se Deus é maneta e fez o universo, este homem sem mão pode atar a vela e o arame que hão-de voar. Mas tem cada coisa seu tempo.”

  • “Mas, sobretudo, porque um infante macho daria maior contentamento a el-rei.”

  • “acabadas as orações deu em chover, enfim, que já se diz que o nascimento da infanta trouxe auspícios de felicidade, pois agora chove tanto que só Deus a pode estar mandando”

Uma visão crítica da histórica

O narrador afirma querer contar, não a História protagonizada pelas figuras tradicionalmente nomeadas nos livros, mas a História protagonizada por um herói coletivo, o povo anónimo.


A visão crítica da narrativa é, pois, observada ao longo de todo o romance, pelo destaque que é dado ao povo anónimo, mas também pelo retrato que é feito dos poderosos e da sociedade que eles governam.

Manuel Milho

Em "Memorial do Convento", José Saramago apresenta um contador de histórias, Manuel Milho, trabalhador na construção do Convento de Mafra e amigo de Baltasar Sete-Sóis, um dos protagonistas da narrativa. Em volta de uma fogueira, antes de dormir, sentavam-se os amigos para ouvir a história contada por Manuel Milho por etapas, deixando o melhor da história sempre para o dia seguinte, acirrando, assim, a curiosidade dos ouvintes que resistiam contra a postergação do fim da narrativa:

"O José Pequeno protestou, Nunca se ouviu história assim, em bocadinhos, e Manuel Milho emendou, Cada dia é um bocado de história, ninguém a pode contar toda".

A história de Manuel Milho termina com uma lição que ensina aos ouvintes o exemplo daqueles que perseguiram viciosamente as suas vontades.