Memorial do Convento é um romance histórico, na medida em que nos descreve a sociedade portuguesa do século XVIII, os Autos de Fé e a Inquisição, a vida na Corte, refere a Guerra da Sucessão, na qual Baltasar se vê amputado da mão esquerda, a construção da Passarola e do Convento de Mafra, acontecimentos e factos de e durante o reinado de D. João V. Constitui assim um romance histórico, mas também um romance social, uma vez que analisa as condições sociais, morais e económicas do povo, clero e Corte.
Ao mesmo tempo, toda esta realidade se difunde num mundo de ficção da mestria de José Saramago.


D. JOÃO V

1689-1750, aclamado Rei em 1707

D. João V, O Magnânimo, o Rei de Portugal e Algarves, tornou-se rei aos 17 anos de idade e governou durante 43 anos.

No seu papel de Rei, D. João V queria elevar Portugal a uma potência internacional, tenho enviado embaixadas ao Rei Luis XIV de França, por exemplo, e preocupava-se em ostentar a prosperidade do reino.

Numa primeira fase, o reino de Portugal desempenhou um papel ativo na política da Europa e do Mundo e a partir da década de 1730, Portugal, que estava estrategicamente aliado à Grã-Bretanha, começou a estagnar.


Quando subiu ao poder, o país enfrentava a Guerra da Sucessão Espanhola e após as desgastantes lutas da Restauração, o país passou a encontrar-se num período de paz, mas com o Tesouro em rotura.

Contudo, o decorrer do seu reinado foi marcado pela descoberta de ouro e pedras preciosas no Brasil, o que contribuiu maioritariamente para a construção de grandes monumentos, investimento no ensino e para a implementação da sua política absolutista.


A partir da década de 1720, reunir com a Corte começou a deixar de ser uma prioridade, chegando a ser uma ideia abandonada.

D. João V tomava todas as decisões, estando a par de todos os acontecimentos e desta forma:

  • governava sem reunir com a Corte;

  • acreditava-se que o seu poder tinha origem divina;

  • tinha poder absoluto (detinha todos os poderes).


O Magnânimo consolidou as fronteiras do Brasil, tratou do povoamento do território enviando famílias portuguesas e incentivou o desenvolvimento económico da colónia.

Contudo, em Portugal, a agricultura estava em crise, a indústria estava pouco desenvolvida e o país muito dependente das importações; mesmo com o ouro da colónia brasileira, a situação não ficou resolvida. Em vez de essa riqueza ser aplicada no desenvolvimento da indústria e agricultura, foi esbanjada em doações e construções, por exemplo.


Apesar do seu reinado ser conhecido pelos gastos exorbitantes, o monarca também enriqueceu culturalmente o país, sendo responsável pela construção de edifícios como o Aqueduto das Águas Livres, em Lisboa, a Capela de São João Baptista, na Igreja de São Roque, em Lisboa, e o Palácio e Convento de Mafra, a "sua" mais emblemática obra.


Para além disso, o monarca investiu na formação intelectual e modernização do ensino, tendo formado a Academia Real da História, em Lisboa, a Academia de Portugal, em Roma, observatório astronómico do Colégio de Santo Antão e a Escola do Seminário da Patriarcal, que veio a ser uma das mais importantes instituições de ensino da música em Portugal.


No que toca ao avanço científico e técnico, contratou professores estrangeiros, incentivando os estudos da matemática, ciências naturais e medicina, e também estimulou experiências tecnológicas, como o engenho voador, Passarola, do padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão.



D. João V era apaixonado pela música e literatura, tendo incentivado a vinda de autores estrangeiros, a compra de livros, a construção de bibliotecas e a introdução da ópera italiana em Portugal.



No início da década de 1740, o monarca ficou hemiplégico (uma alteração neurológica em que um dos lados do corpo fica paralisado), vítima de uma apoplexia, mas prosseguiu com os seus deveres até 1750, ano em que faleceu, deixando uma Corte luxuosa e obras grandiosas.


D. Maria Ana de Áustria

D. Maria Ana Josefa de Áustria, nascida em 1683, na Áustria, filha do imperador Leopoldo I e da condessa Leonor Madalena, foi rainha de Portugal devido ao seu casamento com D. João V.

Durante os primeiros anos do seu matrimónio, D. Maria foi considerada estéril, o que incentivou D. João a mandar construir o Convento de Mafra. O que parece ter resultado, uma vez que após essa decisão a rainha teve seis filhos.


D. Maria regeu Portugal duas vezes, mostrando a sua sensatez, competência e dedicação. A sua primeira regência foi em 1716, quando D. João V se retirou da capital para o Alentejo, seguindo-se o período do fim do reinado do marido, em 1742. O reinado seguinte foi muito influenciado, em termos políticos, religiosos e económicos, pela liderança de D. Maria.



A PASSAROLA E BARTOLOMEU DE GUSMÃO


A Passarola, um instrumento pensado por Bartolomeu de Gusmão, era uma máquina voadora; a junção de duas imagens que Bartolomeu tinha em mente: um barco e um pássaro. Esta invenção foi uma ideia um tanto polémica, visto que, para as autoridades da Igreja do século XVIII, ideias consideradas revolucionárias e tecnológicas eram tidas como ideias pecaminosas.

Durante muitos anos, o padre jesuíta Bartolomeu de Gusmão, apesar de ser um homem do Clero, foi perseguido pela Inquisição, acusado de bruxaria por ter conseguido “subir aos céus” e por não se ver nos fanatismos religiosos da época. Com isso, acabou por fugir para Espanha onde acaba por morrer.


Em Memorial do Convento, a Passarola representa a concretização do sonho e é um símbolo da ligação do céu e da terra, uma vez que um instrumento construído por um Homem, e com características semelhantes às de um barco, porém voador, chega ao céu.


O voo da passarola também está associado à mitologia grega, a história de Faetonte, filho de Apolo, que queria imitar o pai, fez com que Apolo o deixasse guiar o carro do sol por um dia, porém Faetonte não conseguiu sustentar o carro no céu, e acabou por cair na Terra, morrendo num incêndio. Da mesma forma, o padre Bartolomeu de Gusmão morreu devido ao seu desejo de voar, de estar nos céus como Deus.

Domenico Scarlatti


Domenico Scarlatti foi um compositor italiano, nascido em Nápoles em 1685 e morreu em Madrid em 1757.


Scarlatti iniciou os seus estudos musicais com o seu pai, Alessandro Scarlatti, e com dezasseis anos começou a sua carreira de compositor, com a produção da ópera Ottavia Restituita al Trono.


Em 1714, tornou-se maestro da capela do embaixador português. Em 1720, viajou para Portugal, após ter sido nomeado maestro da capela da Corte de Lisboa. Um ano depois, foi para Madrid, onde passou o resto da sua vida como maestro da capela da corte.


Nos arquivos da Sé encontram-se vestígio do trabalho de Scarlatti em Portugal, como a peça realizada para a cerimónia de casamento da Infanta D. Maria Bárbara. Porém foi em Espanha que Scarlatti compôs as suas melhores obras. Pouco antes de morrer escreveu Salve Regina que, posteriormente, foi considerada a sua composição mais bonita e mais apreciada.










O BARROCO JOANINO

Em Portugal, o Barroco surge em 1580, durante o período de colonização do Brasil, ao mesmo tempo que a Holanda cobiçava terras portuguesas.

O Barroco acompanhou a transição de ideias, em que o conhecimento científico evoluiu provocando o surgimento de dúvidas, principalmente em relação à religião.


No reinado de D. João V, a corrente artística assumiu a designação de Barroco Joanino. O seu objetivo consistia na demonstração do grande poder do Rei através da ostentação e grandeza das construções assim como o excesso de decoração e detalhe.


A arte barroca em Portugal foi fortemente influenciada pelo Barroco internacional, nomeadamente de França e Itália, uma vez que houve uma abertura a obras de arte e artistas estrangeiros.

  • De Itália foram importadas obras, gravuras e tratados e artistas italianos formados em Itália, como Nicolau Nasoni e Domenico Duprà que vieram para Portugal.

  • França deixou a sua marca ao nível do comportamento social, etiqueta e luxo da moda na Corte portuguesa e artistas como Quillard deixaram um legado requintado.


Esta corrente manifestou-se não só nas tradicionais formas de arte como arquitetura, escultura e pintura, mas também nas artes decorativas, nomeadamente, talha e azulejo, ourivesaria e mobiliário.


CARACTERÍSTICAS DO BARROCO EM PORTUGAL:

  • Exagero e rigor nos detalhes;

  • Temática religiosa e profana;

  • Dualidade e complexidade;

  • Uso abundante de recursos expressivos, como a perífrase;

  • Contrastes e conflitos;

  • Teocentrismo vs antropocentrismo;

  • Cultismo e conceptismo.


PALÁCIO-CONVENTO DE MAFRA

O Convento de Mafra foi construído a partir de 1711 e surgiu de uma promessa feita pelo Rei D. João V que jurou erguê-lo caso obtivesse sucessores do seu casamento com D. Maria Ana de Áustria. Nesse mesmo ano, deu-se o nascimento da primeira filha do casal, a princesa Maria Bárbara, fazendo com que o monarca ordenasse a construção do Convento de Mafra. Para esta obra estiveram presentes 50000 trabalhadores e soldados, número que sofreu um aumento devido à necessidade de acelerar a obra. Com isto, fizeram-se recrutamentos forçados por todo país, para que o monumento estivesse concluído antes de o Rei falecer. Para esta grandiosa construção, foram também chamados os melhores artistas plásticos estrangeiros e portugueses. A edificação deste edifício está também presente na obra Memorial do Convento de José Saramago.


Em 1714, D. João V ordena a construção do novo Palácio Real em Mafra em estilo barroco e com influências romana e germânica, anexo ao Convento Franciscano que apenas é concluído em 1737. Esta construção teve como objetivo atingir o nível do rei de França, Luís XIV e do Palácio de Versalhes e apesar de não equivaler ao palácio francês, foi a maior construção de sempre em Portugal.


A grandiosidade deste palácio é bastante visível no seu exterior e interior, com um grande esplendor e demonstração de riqueza em todos os compartimentos, mas com especial atenção para a Basílica, que foi inspirada nas igrejas de Roma, e a Biblioteca, que é a sala mais importante de todo Palácio-Convento e uma das bibliotecas mais importantes do país. Neste compartimento, encontram-se variadas obras, com datas distintas e com elevado valor simbólico que são guardadas por morcegos, que garantem a conservação de todos os livros. Destacam-se um volume da segunda edição de Os Lusíadas, de Luís de Camões, de 1520, a maior coleção mundial de livros proibidos pela Santa Inquisição e uma Bula Papal.


O palácio está classificado como Monumento Nacional, desde 1907 e em 2019 foi inscrito na lista do Património Mundial da Humanidade pela UNESCO.



QUINTA DO DUQUE DE AVEIRO (Lisboa)

A Quinta foi cedida pelo Duque de Aveiro ao rei para a construção da Passarola.


A INQUISIÇÃO EM PORTUGAL E NO TEMPO DE D. JOÃO V


A Inquisição, também conhecido como Tribunal do Santo Ofício, era exercido pela Igreja Católica Romana, que foi criado no século XVIII -- Idade Média.

Era composta por tribunais que defendiam a fé e as crenças católicas, cujo principal objetivo consistia em condenar todos aqueles que fossem suspeitos de praticar outras religiões, nomeadamente os muçulmanos e os judeus, e todos aqueles que tivessem ideias contrárias às que eram impostas pelo Clero. Todos os suspeitos eram perseguidos e julgados, e aqueles que eram condenados, cumpriam penas que variavam desde o confisco de bens e prisão temporária até à pena de morte, muitas vezes na fogueira em praça pública.


Em Memorial do Convento, a Inquisição está presente nos autos de fé e nas torturas (Blimunda conhece Baltasar no Rossio, enquanto a mãe é julgada num auto de fé, onde acaba por ser açoitada como forma de tortura), sendo caracterizada por uma cerimónia que tinha por base as sentenças determinadas pelo Tribunal do Santo Ofício.

O narrador é muitas vezes crítico ao abordar este tema, usando a ironia para se expressar, mostrando-se surpreso ao aperceber-se de que o povo é sanguinário a ponto de ir dançar em volta das fogueiras onde eram queimados os condenados.

“E estando já passados quase dois anos desde que se queimaram pessoas em Lisboa, está o Rossio cheio de povo, duas vezes e festa por ser domingo e haver auto-de-fé, nunca se chegará a saber de que mais gostam os moradores, se disto, se das touradas, []- página 52


“Começou a sair a procissão, vêm os dominicanos à frente, trazendo a bandeira de S. Domingos, e os inquisidores depois, [] até aparecerem os sentenciados (…) e tudo são rezas e murmúrios, por diferenças de gorro e sambenito se conhece quem vai morrer e quem não, embora outro sinal haja que não mente, que é ir o alçado crucifixo de costas voltadas para as mulheres que acabarão na fogueira, pelo contrário mostrando a sofredora e benigna face àqueles que desta escaparão com vida, []- páginas 53 e 54


I. Vestes

  • A época de D. João V ficou eternizada devido ao esplendor da Corte em todos os aspetos, tais como as roupas usadas pelos elementos da nobreza e as grandiosas festas e acontecimentos.

  • Relativamente às vestes usadas no século XVIII em Portugal, estas sofriam influências da corte francesa e eram usadas para demonstrar o poder social que os estratos sociais privilegiados detinham.

  • Sendo assim, em meados do século XVIII, as senhoras da nobreza vestiam um dos trajes típicos do Rococó, chamado de vestido à francesa que era composto por uma saia, uma sobresaia e um pedaço de tecido triangular que cobria o peito e o estômago e era encaixado numa abertura frontal do vestido. Para além disto, os vestidos eram também decorados com amarrações, fitas e flores artificiais.

  • Por outro lado, a moda masculina era ricamente decorada, cheia de fitas e rendas. Com coletes e calças até ao joelho, complementadas com meias brancas.

  • Já na segunda metade do século XVIII, as roupas femininas sofreram algumas alterações, tornando-se exageradamente pesadas e volumosas, o que chegava a dificultar o andar de quem as vestia. As saias eram extremamente volumosas e muito estendidas lateralmente, a parte de cima era afinada pelo uso de espartilhos que deixavam os sapatos à mostra. Os penteados eram imensos e empoados de branco e intocados durante meses. Por último, a maquilhagem assumia um papel importante, visto que apenas as mulheres da corte podiam utilizar círculos bem definidos de blush um vermelho intenso nas bochechas.

  • A roupa de homem também sofreu algumas alterações, tornando-se mais simples. As calças eram justas até aos joelhos, usavam camisa, colete, casacos largos, golas baixas e sapatos de salto. Os cabelos ou as perucas eram amarrados atrás em rabo de cavalo. As perucas, que tiveram origem na corte de Luís XIV, eram usadas pelos nobres e simbolizavam riqueza e imponência. Eram feitas originalmente de cabelo humano ou crina de cavalo, as versões mais baratas das perucas podiam ser de lã.

  • Em relação ao povo que foi enriquecendo (ao qual chamaríamos, mais tarde, a partir do século XIX, burguesia), não era muito rico nem poderoso, como acontecia com outros países. Devido a este fator, era clara a diferença entre esta classe social e a nobreza. A burguesia distinguia-se do povo em termos de vestes e adereços, na qualidade das mesmas e o uso comum do chicote de cavalo.

  • O povo português apresentava um vestuário pouco semelhante, mas haviam algumas características comuns para todas as regiões. Os homens usavam um chapéu simples, de tecidos baratos ou feito com restos de várias peças de vestuário. Uma camisola longa e pouco ajustada ao tamanho do corpo, com possibilidade de ter várias funções. As mulheres usavam roupas largas e simples, normalmente de um só tecido, ou então um conjunto de tecidos. Estas peças de vestuário, usadas pelas famílias do povo, eram normalmente feitas pelas mulheres da casa.









Roupa da burguesia séc. XVIII

II. Costumes

  • A sociedade portuguesa apresentava alguns aspetos particulares relativamente aos costumes de sociabilidade. As mulheres de todos os níveis sociais viviam confinadas às suas casas. Normalmente apenas saíam para eventos religiosos que se realizavam nas ruas ou nas igrejas. Esta é uma realidade presente na obra Memorial do Convento, no capítulo IIII da Quaresma, através das seguintes frases "Nas janelas só há mulheres, é esse o costume" (página 15) e "o costume de deixar que as mulheres corram as igrejas sozinhas na Quaresma, contra o uso do resto do ano, que é tê-las em casa presas" (página 16).

  • Para além disto, era habitual nas casas portuguesas encontrarem-se os homens e as mulheres em divisões distintas, e normalmente as mulheres ficavam sentadas no chão.

  • As senhoras de elevado estatuto saíam de liteira, acompanhadas por um escudeiro a cavalo e as filhas de burgueses andavam a pé, seguidas das suas criadas.

  • Na segunda metade do século XVIII, surge um novo entendimento de limpeza, apoiado em novas descobertas por parte da ciência relacionadas com a importância da higiene, e com isto, a saúde passa a sobressair relativamente à aparência. Sendo assim, começam a aparecer, nas casas senhoriais e nas residências de pessoas mais ricas, as casas de banho “com as suas porcelanas, jarras e bidés (embora raros), correspondendo a uma limpeza mais secreta”.


Todas as páginas referidas correspondem ao seguinte pdf da obra Memorial do Convento: