PERSONAGENS HISTÓRICAS

Ambas as personagens pertencem a uma classe social privilegiada, que menospreza os interesses do povo, de duas cortes diferentes, a portuguesa e a austríaca.

Na caracterização destas personagens históricas, ao contrário do que era espectável pelo seu estatuto, o narrador usa sempre um tom depreciativo e irónico. Vejamos então a diferença da caracterização das personagens rei D. João V e rainha D. Ana Maria Josefa, na história e no romance.

RAINHA D. MARIA ANA DA ÁUSTRIA

Realidade

Maria Ana Josefa de Áustria, nasceu em Linz, a 7 de setembro de 1683, tendo falecido em Lisboa a 14 de agosto de 1754. Era filha do imperador Leopoldo I e da sua terceira mulher, a condessa Leonor Madalena e irmã dos imperadores José I e Carlos VI, também pretendente ao trono espanhol, e meia-irmã de Maria Antónia de Áustria, eleitora da Baviera, entre outros. Foi Rainha Consorte de Portugal de 1708 a 1750, enquanto esposa do Rei D. João V de Portugal, com o qual teve seis filhos, três dos quais reis de Portugal . É caracterizada como sendo muito culta, uma vez que conhecia e falava alemão, francês, italiano, espanhol, latim e português, além de perceber inglês.

Ficção

A rainha revela-se extremamente devota, dedicada à oração, e submissa à vontade de Deus e do rei. ("D. Maria Ana, como razões acrescentadas de recato, tem a mais a maníaca devoção com que foi educada na Áustria" capítulo III)

O seu papel reduz-se a uma mulher que tem por obrigação dar herdeiros ao rei (“devota parideira”) e que reprime os seus desejos sexuais, assumindo uma postura passiva, que depois extravasa nos sonhos. É no sonho que explora a sua sensualidade e a atração sentida pelo cunhado infante D. Francisco, o que a atormenta profundamente do ponto de vista moral. ("São meandros do inconsciente real, como aqueles outros sonhos que sempre D. Maria Ana tem (...) enquanto o infante D. Francisco, seu cunhado, cujo antigo quarto agora ocupa, alguma assombração lhe ficando, dança em redor dela " capítulo I)

Insatisfeita no casamento baseado na aparência, é uma mulher reprimida pela imposição de um código ético, moral e religioso.

A consciência da leviandade do marido, o peso da sua solidão e a abominação da sua condição de rainha e mulher resumem a forma como ela encara a vida.

D. JOÃO V

O MAGNÂNIMO

Realidade

João V nasceu em Lisboa a 22 de outubro de 1689, tendo falecido aos 60 anos, a 31 de julho de 1750. Filho do rei Pedro II e da sua segunda esposa Maria Sofia de Neuburgo, foi Rei de Portugal e Algarves de 1706 até à sua morte, tendo sido o seu longo reinado de 43 marcado por uma neutralidade em relação aos conflitos europeus. No entanto, empenhou-se na defesa dos interesses portugueses no comércio ultramarino, de que foi exemplo o Tratado de Utreque (1714), em que a França e a Espanha reconheceram a soberania portuguesa sobre o Brasil. Esta neutralidade apenas foi possível devido à riqueza do reino proveniente da exploração das minas de ouro brasileiras. Casou a 9 de julho de 1708 com D. Maria Ana da Áustria, com a qual teve seis filhos. Fora do casamento, para além de várias amantes, desenvolveu ainda um caso com a Madre Paula, com a qual teve um filho, que viria a tornar-se o Inquisidor-mor do reino.

Assim, D João V ficou marcado como um rei absolutista que seguia como exemplo Luís XIV, sendo os seus principais testemunhos materiais O Palácio Nacional de Mafra, a Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra, o Aqueduto das Águas Livres em Lisboa, e a maior parte da coleção do Museu Nacional dos Coches.

Ficção

No romance, a sua caracterização assenta na sátira e na ridicularização da sua forma de ser: caráter vaidoso, megalómano e caprichoso, caracterizado pela luxúria, gosto pelo luxo e um profundo egoísmo.

Representa o poder real absolutista, o megalómano e devoto fanático, que submete milhares de homens ao cumprimento do uma promessa e capricho pessoal, desviando as riquezas nacionais para a satisfação de uma vontade e vaidade pessoal.

A vaidade exagerada vai levar o monarca a equiparar-se a Deus nas suas relações com as religiosas, revelando-se altivo, arrogante, e infiel à rainha. É um “marido leviano” cuja relação com a rainha se pauta, essencialmente, pelo cumprimento dos deveres reais e conjugais, no entanto pela distancia física e artificialismo.

Perante a sua fragilidade humana, consciente da sua condição de mortal, procura antecipar a sua imortalidade, através da sagração do convento no dia do seu quadragésimo primeiro aniversario.