Você já ouviu falar de Neurociência?
Para muitos esse é um assunto completamente novo e vamos desbravar juntos essa aventura!!
Tenho certeza que muitos já imaginam que o cérebro é um órgão completo, mas talvez não saibam ainda o quão complexo o nosso sistema nervoso é.
Mas o que a neurociência tem a ver com educação? Sem dúvida que a educação é uma área crucial para a sociedade. Ao falar de neurociência na educação, estamos falando de uma nova forma de olhar a criança, o seu comportamento, a sua forma de aprender e com isso uma nova reflexão dentro da área.
Qual é o grande objetivo da educação? Educar!! Que o aluno aprenda!! E para aprender precisamos do cérebro, ou seja, é importante que os profissionais dessa área tenham também o olhar de como o cérebro aprende. É um novo olhar dentro dos outros que também são importantes.
Ao pensarmos em ciência, a primeira coisa que vem na nossa cabeça é um cientista e um laboratório. Nesse caso, não seria diferente. Porém, ao falarmos de neurociência na área da educação não é algo tão simples pensarmos em crianças em laboratórios, não é mesmo? Por isso, o mais importante é agregar esse olhar à prática dos professores. A partir do momento que este entende as descobertas que a neurociência traz, é possível transformar a prática para que ela tenha mais sucesso em realizar o grande objetivo da aprendizagem.
Nossa, mas daí vocês me perguntam... tá, e como o cérebro funciona? Como a criança aprende? O que significa esse novo olhar?
Primeiro, gostaria de retomar alguns conhecimentos básicos do corpo humano para daí focarmos mais no neurodesenvolvimento.
Todos sabem que temos no nosso corpo o sistema nervoso – o central que é a médula e o encéfalo – cerebelo, tronco encefálico e o cérebro e o SN periférico que são os gânglios (terminações nervosas) e os nervos (ramificações). Além disso, o cérebro é dividido por hemisférios (esquerdo e direito) que têm funções localizadas. Mas nossa, quer dizer que não precisamos do outro lado para determinadas coisas? Não!!! Muitas vezes utilizamos os dois hemisférios para realizar tarefas do dia-a-dia até mesmo como falar e muitos processos exigem essa ativação bilateral. As funções da linguagem estão localizadas no lado esquerdo, mas se alguém lesionar o lado direito pode ter problemas na fala. O corpo caloso que fica no meio é essencial porque permite a transferência de informações entre os dois hemisférios (como se fosse um tronco com ramificações que unem as áreas que necessitam de conexões). Mas então não temos mais divisões no cérebro? Já vi muitas pessoas falarem que cada parte do cérebro é responsável por uma coisa. Não, ainda temos os lobos cerebrais que são divisões do cérebro de acordo com a função de cada um. Por exemplo, o lobo frontal é responsável pelo planejamento, controle inibitório, tomada de decisão. É como se fossem bairros do cérebro.
Ah, agora já sei de tudo... posso entender o neurodesenvolvimento do ser humano...
Para isso, é importante saber que ao falar de neurodesenvolvimento, estamos falando de neurônio – que são as estruturas básicas de processamento de informação no sistema nervoso central. O neurônio recebe, processa e transmite informações e estímulos. Ele recebe a informação pelo dendrito, processa pelo corpo celular e transmite pelo axônio – libera pelo botão sináptico. A informação química precisa de neurotransmissores e a informação física precisa de impulso nervoso que ocorre dentro do neurônio. Os neurônios são divididos em: motores, sensoriais e interneurônio. Ao transmitir essa informação para outros neurônios chamamos de sinapse.
Agora que entendemos a importância do neurônio, podemos começar a falar de neurodesenvolvimento.
Ah, antes que eu me esqueça. Vocês entenderam o que é sinapse né? Vamos falar dela muitas vezes !!! A sinapse significa as conexões feitas pelos neurônios e ela vai ser a base da nossa conversa de hoje !!
O neurodesenvolvimento da criança se inicia durante a gestação, entre a terceira e quarta semana. O recém-nascido até os seus dois anos tem o mesmo número de neurônios, porém o que muda é o número de sinapses que aumenta muito devido aos estímulos do ambiente em que a criança está inserida. Ou seja, quanto mais conexões maiores as possibilidades de aprendizagem.
A criança tem o que chamamos de exuberância sináptica nos primeiros anos de vida e com isso apresenta uma maior facilidade para aprender. Entretanto, o processo de amadurecimento das áreas do cérebro demora.
O ambiente e os estímulos externos que ela recebe são importantes para a aprendizagem. Por isso, é essencial refletir sobre as escolhas e formas que vamos incentivar as crianças, ou seja, refletir sobre a intencionalidade.
Levando em consideração os exemplos que vou pontuar agora:
Será que vocês estão prontos para alguns exemplos que vão mudar a sua forma de enxergar alguns comportamentos? Descobertas que justificam muitas coisas e ao mesmo tempo são uma ferramenta para transformar muitas práticas e ações pensando em se tornarem práticas mais sucedidas com o seu grande objetivo: Educar.
1) Quando falamos que a educação se faz pelo exemplo. É de senso comum ouvirmos aquela frase ''olha o exemplo que você está dando'' tanto para comportamentos positivos como uma sanção ao outro por comportamentos negativos. Se eu falo para uma criança que não pode mentir, mas eu peço para que ela minta por mim em algumas situações. Ela não vai entender que mentir é errado, já que o meu exemplo está mostrando exatamente o contrário.
2) Sempre comentamos na escola ou em casa que temos que respeitar o tempo da criança. E muitas vezes isso passa despercebido até pela correria. É muito mais fácil amarrarmos o sapato da criança ao invés de ensinar mil vezes como a criança a amarrar sozinha. E o respeitar o tempo da criança não é só vinculado à autonomia e ao que ela está se desenvolvendo, mas também ao amadurecimento cerebral. As primeiras áreas a amadurecerem no cérebro da criança são: sensoriais e motoras e só ocorrem aos 5 anos. Tendo isso em mente, os estímulos precisam ter a intencionalidade de desenvolver essas áreas antes de outras. Não que a criança não tenha contato dentro do seu meio, mas que não tenhamos isso como expectativa. Às vezes, o excesso de estímulo é tão ruim quanto nenhum já que ao ter muitos você deixa de estimular o que é realmente importante e a criança está pronta para desenvolver, por exemplo crianças serem alfabetizadas antes de estarem maduras e não terem tido a sua competência motora desenvolvida. Além disso, existe o perigo de forçar o estímulo, ao invés de respeitar o momento que a criança está pronta para aprender.
3) Existe uma grande influência do meio no qual a criança está inserida. Já que mesmo que ela não esteja pronta biologicamente, muitas vezes o contexto interfere nas suas ações. Por exemplo, crianças que por alguma necessidade precisam tomar decisões de adulto, mas não têm o seu discernimento e funções executivas maduras. Ou ao contrário, crianças que estão prontas cognitivamente, mas não estão prontas emocionalmente por conta do seu ambiente.
4) A criança como todos os mamíferos aprende através da brincadeira. Além de ser um direito.
Nesse primeiro momento dei alguns exemplos da primeira fase da vida. Entretanto, existe uma grande mudança da criança para o adolescente. Alguns fatores justificam isso:
1) Poda neural. Nossa, poda neural, igual às plantas? Mais ou menos isso, em algumas fases da vida como aos 3, 7, 10, 12 anos ocorre uma poda (corte) das conexões que não foram muito utilizadas ou estimuladas ao longo desses períodos. E existe uma poda grande aos 15 anos, ou seja, na qual ocorre a retirada de conexões que não foram muito utilizadas ao longo da vida e são mantidas somente as conexões principais.
2) A dopamina é o neurotransmissor (lembra do neurotransmissores dos neurônios? Então...) a dopamina é vinculada a sensação de prazer. As crianças têm muita dopamina e muitos receptores e por isso consideram que tudo é sempre muito legal. Entretanto, o adolescente perde 1/3 desses receptores e tudo que era legal, não é mais. Uma grande característica do adolescente é sentir tédio.
3) Você sabia que a melatonina que é responsável pelo sono, no corpo do adolescente tem uma mudança significativa, o que resulta em uma organização diferente de horários? A melatonina reage no corpo de madrugada até às nove da manhã e com isso o aluno vai dormir mais tarde e não tem atenção até essa hora, o que prejudica a sua compreensão/aprendizagem em aulas dentro desse turno. Ou seja, se você é pai de um adolescente ou é professor, você consegue entender agora que não é algo particular a sua aula ou até mesmo o seu filho é o único que tem dificuldade de acordar ou chega no final de semana e fica dormindo até tarde e quer jogar vídeo game de madrugada... esse é um exemplo como esse novo olhar traz novas reflexões sobre o comportamento das crianças e adolescentes.
4) Os adolescentes precisam fazer escolhas, controlar os impulsos, mas ainda não amadureceram essas áreas. O adolescente precisa de limites claros e precisa reconhecer o adulto responsável como autoridade, mas para isso, ele precisa ser ensinado. Os adolescentes são conhecidos como ‘‘rebeldes’’ sempre testando os limites e nessa fase precisam mesmo fazer isso: testar, experimentar e se reorganizar. Vocês lembram do lobo frontal que comentei no começo do podcast? Então, a maturação do córtex pré-frontal que coordena as funções executivas como o planejamento e a inibição do impulso ocorre só aos 20 anos podendo se estender até a fase adulta.
Entretanto, mesmo com a intencionalidade nos estímulos e as transformações biológicas que acarretam em mudanças de comportamento nos adolescentes não são via de regra para o aprendizado. Os primeiros anos de vida podem ser considerados como ‘‘período de ouro’’, mas as modificações acontecem por toda a vida por conta da neuroplasticidade que é responsável pela aprendizagem e esquecimento. A neuroplasticidade é a capacidade do ser humano de preservar as sinapses mais importantes e que tiveram mais estímulos e esquecer aquelas que não tem mais relevância para o viver. Dessa forma, mesmo que o aprendizado não ocorra com a mesma facilidade, ele continua acontecendo todos os dias!
Lembra que falei que sinapse seria uma palavra importante... então, vamos voltar para ela... a neuroplasticidade nos mostra que ela ainda pode acontecer por toda a nossa vida. As conexões ainda são presentes, talvez não com a mesma facilidade. Mas é possível.
Mas porque a sinapse é tão importante quando falamos de aprendizagem? Porque a sinapse é a conexão, por exemplo, durante a poda as sinapses mais estimuladas são as que permanecem, ou seja, as mais importantes. Mas como podemos transformar uma sinapse em uma das mais importantes? Podemos fazer uma analogia em relação a uma trilha. Formar uma trilha seria criar uma sinapse importante. E você quer que a sua trilha seja importante, mas quando você só passa uma vez no mato – você amassou um pouco o mato que você passou, mas se você não passar de novo – o mato cresce de volta. Se você passar 17 vezes pelo mesmo caminho, você passou do mesmo jeito, será que fez a trilha?
E se você passar 3 vezes só que de formas diferentes – andando, com uma foice e colocar pedrinhas, formou trilha ?
O aprendizado ocorre ao fortalecer as sinapses, com a repetição.
Além disso, diferentes formas de estímulo, ou seja, quanto mais recursos eu tenho é uma ótima estratégia pois terei mais chances de formar a trilha. A repetição com diferentes estímulos é essencial para a aprendizagem.
Entretanto, tem um fator importante que faz com que a trilha se forme em uma só caminhada. O sentimento. Tenho certeza que todos que estão aqui ouvindo lembram de algum momento importante que aconteceu em suas vidas: o nascimento de alguém da família, o casamento, o nascimento de um filho ou a morte de algum ente querido. A emoção é como se fosse passar pela primeira vez pela trilha com cimento. Isso porque a emoção e a memória ficam perto e por isso se ligam tanto. A emoção ajuda na aprendizagem. Mesmo que na escola não tenha tanto significado como esses exemplos que eu elenquei, mas com emoção você facilita a aprendizagem.
Seja através do tom de voz, do vínculo com o professor, do conteúdo discutido ou algum momento importante, alguma relação com a vida do aluno. Muitas vezes a emoção vem através da prática do professor ao invés de ideias mirabolantes.
A aprendizagem vem com o criar a trilha, revisitar o estímulo e com o sono. A aprendizagem acontece durante o sono. A noite as sinapses arrumam a casa e reforçam o aprendizado.
A aventura de hoje começou com algumas informações sobre o corpo humano, neurônios, neurodesenvolvimento da criança e do adolescente e a sua relação direta com o aprendizado, com a importância das sinapses e como garantir que a trilha seja formada.
Como disse Roberto Lent, um neurocientista importantíssimo para área, o que acontece no cérebro precisa ser estudado. Criar uma avaliação baseada na ciência. É necessário pesquisas atuais para entender a saúde, mas também para entender a educação.
Infelizmente, existe uma carência de financiamento dentro de todas as áreas da ciência. Além disso, vocês me perguntam porque todas essas informações não chegam até os professores nas universidades? Temos muitos motivos que justifiquem isso como: é difícil convencer os políticos e educadores que com a ciência na educação a eficiência se torna maior.
Os estudos são novos e não entram nas universidades. Além disso, partimos do senso comum, que muitas vezes os cientistas são arrogantes por se acharem os donos da razão e com isso apresentam uma grande dificuldade de se colocar perante a um grupo de professores ou até mesmo os professores já apresentam um certo preconceito.
Um outro ponto é que por conta da diferença de formação em relação a metodologia e prática. A faculdade precisaria de laboratórios para os estudos de neurociência no mesmo espaço que os educadores.
Mas sem dúvida nenhuma que a neurociência enriquece a prática dos professores com resolução de problemas e dificuldades baseados na ciência. Entretanto, não que a ciência seja a resolução de todos os problemas, mas é um novo olhar que precisa ser agregado a essa área.
Por hoje é só pessoal ! Até o próximo capítulo da nossa aventura no mundo da neurociência
Referência da imagem de fundo: https://pixabay.com/pt/illustrations/estrelas-dourado-natal-conex%c3%a3o-209371/