4. Funcionalismo e inteligência artificial

1. A tese da realizabilidade múltipla do mental (Putnam)

2. Funcionalismo: um estado mental é o que quer que cause um determinado comportamento.

'Olho', em biologia, é qualquer órgão que desempenhe funções análogas aos nossos olhos nas interações de um organismo com o ambiente (i.e., capta padrões luminosos no ambiente e os transmite ao sistema nervoso central de tal modo a permitir que este faça discriminações no ambiente e facilite a locomoção e interação). Olhos podem ser fisiologicamente muito diferentes (por exemplo, os olhos de moscas e os olhos humanos) mas desempenharem a mesma função.

Analogamente, 'desejos' são o que quer que causem aqueles comportamentos que tipicamente associamos a desejos; idem para 'memórias', 'pensamentos', 'sensações', etc.

3. Antecedentes: behaviorismo, inteligência artificial (Turing)

Turing: A pergunta sobre se máquinas podem pensar usa termos ambíguos e não tem como ser respondida adequadamente. Em vez disso, podemos formular outras perguntas, que admitem respostas precisas, e que podem elucidar os fenômenos que parecem estar em questão: "É teoricamente possível para um computador digital finito, fornecido com uma tábua de instruções, ou programa, grande mas finito, fornecer responstas a questões que enganariam um interrogador de tal modo a levá-lo a pensar que se trata de um ser humano." (Teste de Turing)

4. Tipos de funcionalismo:

  • "Funcionalismo do Estado de Máquina"
  • Psicofuncionalismo
  • Funcionalismo analítico

5. Fodor (1981): "As filosofias tradicionais da mente podem ser divididas em duas grandes categorias: as teorias dualistas e as teorias materialistas. Segundo a abordagem dualista, a mente é uma substância não-física. Para as teorias materialistas, o mental não é diferente do físico; na verdade, todos os estados, propriedades, operações e processos mentais são, em princípio, idênticos a estados, propriedades, operações e processos físicos. Alguns materialistas, conhecidos como behavioristas, afirmam que toda discussão sobre causas mentais pode ser eliminada da linguagem da psicologia e substituída pela discussão dos estímulos ambientais e das respostas comportamentais. Outros materialistas, os teóricos da identidade, defendem a existência de causas mentais e a identidade dessas com eventos neurofisiológicos no cérebro.

Nos últimos 15 anos, surgiu uma filosofia da mente chamada de funcionalismo. Essa filosofia, que não é nem dualista nem materialista, é o resultado de uma reflexão filosófica sobre os desenvolvimentos da inteligência artificial, da teoria computacional, da lingüística, da cibernética e da psicologia. Todos esses campos, conhecidos coletivamente como as ciências cognitivas, possuem em comum um certo nível de abstração e uma preocupação com sistemas e processos de informação. O funcionalismo, que é uma tentativa de fornecer uma explicação filosófica desse nível de abstração, reconhece a possibilidade de sistemas tão diversos como os seres humanos, as máquinas de calcular e os espíritos desencarnados poderem ter estados mentais. Segundo a visão funcionalista, a psicologia de um sistema não depende da matéria a partir da qual ela é feita (células vivas, energia mental ou espiritual), mas sim do modo como ela é arranjada. ‘Funcionalismo’ é um conceito difícil e uma das maneiras de lidar com ele é rever as deficiências das filosofias dualistas e materialistas que ele pretende substituir.

O principal inconveniente do dualismo é o seu fracasso em explicar adequadamente a causação mental. Se a mente é não-física, ela não ocupa posição no espaço físico. Como, então, pode uma causa mental provocar um efeito comportamental que tem uma posição no espaço? Em outras palavras, como pode o não-físico dar origem ao físico, sem violar as leis da conservação de massa, de energia e do momentum?

O dualista poderia responder que o problema de como uma substância imaterial pode causar eventos físicos não é mais obscuro do que o problema de como um evento físico pode causar outro. Entretanto, há uma diferença importante: existem muitos casos evidentes de causação física, mas nenhum caso evidente de causação não-física. A interação física é algo com que os filósofos, como todas as outras pessoas, têm que conviver. A interação não-física, por outro lado, pode ser apenas um artefato da construção imaterialista do mental. Hoje em dia, a maioria dos filósofos concordam que nenhum argumento demonstrou com sucesso por que a causação mente-corpo não deve ser considerada como uma espécie de causação física.

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Na década de 20, John B. Watson, da John Hopkins University, fez a sugestão radical de que o comportamento não tem causas mentais. Ele considerou o comportamento de um organismo como sendo suas respostas observáveis a estímulos, que seriam as verdadeiras causas do comportamento. Nos 30 anos posteriores, psicólogos como B. F. Skinner, da Harvard University, desenvolveram as idéias de Watson, construindo uma elaborada visão de mundo, na qual o papel da psicologia era catalogar as leis que determinam as relações causais entre estímulos e respostas. Segundo essa visão do “behaviorismo radical”, o problema de explicar a natureza da interação mente-corpo desaparece, uma vez que tal interação não existe.

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O mais forte argumento contra o behaviorismo é que a psicologia não seguiu esse caminho, mas exatamente o oposto. À medida que a psicologia vem amadurecendo, a estrutura de estados e processos mentais aparentemente necessária para explicar as observações experimentais vem se tornando cada vez mais elaborada. Particularmente no caso do comportamento humano, as teorias psicológicas que satisfazem os princípios metodológicos do behaviorismo radical têm sem mostrado em grande parte estéril, como seria de se esperar, caso os processos mentais postulados sejam reais e a causalmente efetivos.

No início dos anos 60, os filósofos começaram a duvidar que o dualismo e o behaviorismo radical eram as únicas abordagens possíveis na filosofia da mente. Já que ambas as teorias não pareciam atraentes, a estratégia correta poderia ser o desenvolvimento de uma filosofia materialista da mente que aceitasse, entretanto, causas mentais. Assim, surgiram duas novas filosofias da mente, a saber, o behaviorismo lógico e a teoria da identidade.

O behaviorismo lógico é uma teoria semântica sobre o significado dos termos mentalistas. Sua idéia básica é que atribuir um estado mental (digamos, sede) a um organismo é o mesmo que dizer que o organismo está disposto a se comportar de um determinado modo (por exemplo, beber, se houver água disponível). De acordo com esse ponto de vista, toda atribuição mental é semanticamente equivalente a uma sentença do tipo “se-então” (denominada hipotético comportamental), que expressa uma disposição comportamental. Por exemplo, a sentença “Smith está com sede” poderia ser considera equivalente à sentença disposicional “Se houvesse água disponível, então Smith beberia um pouco”. Por definição, um hipotético comportamental não inclui termos mentalistas. A oração iniciada pelo “se” do hipotético refere-se apenas a estímulos e a oração iniciada pelo “então” faz referência somente a respostas comportamentais. Uma vez que os estímulos e as respostas são eventos físicos, o behaviorismo lógico é um tipo de materialismo.

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Uma outra teoria materialista da mente, que se apresenta como alternativa ao behaviorismo lógico, é a teoria da identidade. De acordo com essa teoria, os eventos, estados e processos mentais são idênticos a eventos neurofisiológicos no cérebro, e a propriedade de estar em um certo estado mental (tal como ter uma dor de cabeça ou acreditar que irá chover) é idêntica à propriedade de estar em um certo estado neurofisiológico. A partir disso, é fácil compreender a idéia de que um efeito comportamental poderia, algumas vezes, ter uma cadeia de causas mentais. Isso acontecerá sempre que um efeito comportamental for contingente em relação à seqüência apropriada de eventos neurofisiológicos.

A teoria da identidade reconhece a possibilidade das causas mentais interagirem causalmente sem gerarem qualquer efeito comportamental, como, por exemplo, quando uma pessoa pensa por um momento sobre o que ela deveria fazer e então decide não fazer nada. Se os processos mentais são neurofisiológicos, eles devem ter as propriedades causais dos processos neurofisiológicos. Já que esses últimos são presumivelmente processos físicos, a teoria da identidade assegura que o conceito de causação mental é tão rico quanto o conceito de causação física.

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A teoria da identidade pode ser considerada ou como uma doutrina sobre particulares mentais (a dor atual de John ou o medo que Bill tem de animais) ou como uma doutrina sobre universais ou propriedades mentais (ter uma dor ou ter medo de animais). As duas doutrinas, denominadas, respectivamente, fisicalismo de eventos (token physicalism) e fisicalismo de tipos (type physicalism), diferem tanto em termos de força quanto em termos de plausibilidade. O fisicalismo de eventos sustenta apenas que todos os particulares mentais até então existentes são neurofisiológicos, enquanto que o fisicalismo de tipos faz a asserção mais arrebatadora de que todos os particulares mentais possivelmente existentes são neurofisiológicos. O fisicalismo de eventos não elimina a possibilidade lógica de máquinas e espíritos desencarnados terem propriedades mentais. O fisicalismo de tipos rejeita essa possibilidade porque nem as máquinas e nem os espíritos possuem neurônios.

O fisicalismo de tipos não é uma doutrina plausível sobre as propriedades mentais, ainda que o fisicalismo de eventos esteja certo sobre os particulares mentais. O problema com o fisicalismo de tipos é que a constituição psicológica de um sistema parece depender não de seu hardware, ou seja, sua composição física, mas sim de seu software, isto é, seu programa. Por que o filósofo deveria rejeitar a possibilidade de marcianos constituídos de silicone sentirem dor, desde que o silicone esteja adequadamente organizado? E por que o filósofo deveria eliminar a possibilidade de máquinas terem crenças, desde que as máquinas estejam corretamente programadas? Se é logicamente possível que marcianos e máquinas poderiam ter propriedades mentais, então essas últimas não podem ser idênticas a processos neurofisiológicos, independentemente do quanto esses possam ser coextensivos àquelas.

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Tudo isso surgiu há 10 ou 15 anos atrás, como um sério dilema para o programa materialista na filosofia da mente. Por um lado, o teórico da identidade (mas não o behaviorista lógico) estava certo em relação ao caráter causal das interações entre mente e corpo. Por outro lado, o behaviorista lógico (mas não o teórico da identidade) estava certo no que diz respeito ao caráter relacional das propriedades mentais. O funcionalismo aparentemente conseguiu resolver o dilema. Ao enfatizar a distinção que a ciência da computação traça entre o hardware e o software, o funcionalista pode compreender tanto o caráter causal quanto o caráter relacional do mental.

O funcionalismo elabora o conceito de ‘papel causal’ de um modo tal que um estado mental pode ser definido por suas relações causais com outros estados mentais. Nesse sentido, o funcionalismo é completamente diferente do behaviorismo lógico. Outra grande diferença é que o funcionalismo não é uma tese reducionista. Ele não prevê, nem mesmo em princípio, a eliminação dos conceitos mentalistas do aparato explicativo das teorias psicológicas.

A diferença entre o funcionalismo e o behaviorismo lógico é trazida à tona pelo fato do funcionalismo ser totalmente compatível com o fisicalismo de eventos. O funcionalista não ficaria desconcertado se fosse demonstrado que os eventos cerebrais são as únicas coisas dotadas das propriedades funcionais que definem os estados mentais. De fato, a maioria dos funcionalistas espera que esse será o rumo tomado.

Uma vez que o funcionalismo reconhece que os particulares mentais podem ser físicos, ele é compatível com a idéia de que a causação mental é uma espécie de causação física. Em outras palavras, o funcionalismo tolera a solução materialista para o problema mente-corpo fornecida pela teoria da identidade. É possível para o funcionalista afirmar tanto que as propriedades mentais são definidas tipicamente em termos de suas relações quanto que as interações entre a mente e o corpo são tipicamente causais, independentemente da força da noção de causalidade requerida pelas explicações psicológicas. O behaviorista lógico pode aceitar somente a primeira asserção, enquanto que o fisicalista de tipos apenas a segunda. Como conseqüência, o funcionalismo parece capturar as melhores características das alternativas materialistas ao dualismo. Não chega a ser uma surpresa que o funcionalismo venha se tornando cada vez mais popular.


comportamento 1 --> estado mental --> comportamento 2



6. Objeções

  • Holismo: a determinação de uma função é sempre holística; portanto, não se tem como identificar funções isoladamente
  • Irrelevância causal do estado mental de ordem superior (consciente)
  • Parece que temos conhecimento de estados introspectivos, independente de qualquer função causal que eles possam ter.
  • Parece que temos conhecimento de qualia fenomenais, e que qualia diferentes podem ter a mesma função causal em pessoas



METÁFORAS (ver Lakoff)