3. Teorias da identidade

1. Identidade entre processos (não coisas) cerebrais e mentais

2. Motivação: dificuldades com o behaviorismo analítico

Parece que nem sempre o significado de um termo mental pode ser traduzido ou reduzido a expressões fisicalistas.

"No caso de conceitos cognitivos, como ‘conhecer’, ‘acreditar’, ‘compreender’, ‘relembrar’, e conceitos volitivos, como ‘querer’ e ‘intencionar’, não há muita dúvida de que uma análise em termos de disposições para se comportar (Wittgenstein, 1953; Ryle, 1949) faz muito sentido. Por outro lado, parece haver um resíduo intratável de conceitos relativos às noções de consciência, experiência, sensação e imaginação, onde algum tipo de relato sobre processos internos é inevitável (Place, 1954)."

[Ver Chalmers: questões fáceis (easy) vs. questões difíceis (hard) sobre a mente]

3. Não se trata de uma tese sobre a linguagem (nesse sentido, difere do behaviorismo analítico), mas de uma tese empíricamente testável:

"Dizer que sentenças sobre a consciência são sentenças sobre processos cerebrais é totalmente falso. Isto é sabido a) pelo fato de que você pode descrever suas sensações e sua imaginação sem saber nada sobre seus processos cerebrais ou mesmo se tal coisa existe; b) pelo fato de que sentenças sobre a consciência de alguém e sentenças sobre os processos cerebrais de alguém são verificadas de modos inteiramente diferentes; c) pelo fato de que a sentença ‘X tem uma dor mas não há nada acontecendo no seu cérebro’ não encerra nenhuma autocontradição. O que eu quero de fato asseverar, no entanto, é que a sentença ‘a consciência é um processo no cérebro’, embora não seja necessariamente verdadeira, não é necessariamente falsa. Essa sentença, segundo meu ponto de vista, não é nem autocontraditória nem autoevidente; é uma hipótese científica sensata, do mesmo modo que a sentença ‘o relâmpago é um movimento de cargas elétricas’ também é uma hipótese científica sensata."

4. O "é" da identidade, o "é" da composição e o "é" da predicação:

Identidade: "Um quadrado é um retângulo equilátero." [e mais nada] --> frases necessárias

Composição: "Sua mesa é um caixote velho", "Seu chapéu é um amontoado de palha amarrado por um cordão" [e mais nada: é só isso!] --> frases contingentes

Predição: "Seu chapéu é azul" [nesse tipo de frase não faz sentido acrescentar "e mais nada"]

5. Independência lógica de expressões não implica independência ontológica daquilo a que se referem

"Parece ser uma regra da linguagem que sempre que uma certa variedade de objeto ou estado de coisas tem duas características ou dois conjuntos de características, uma ou um dos quais pertence exclusivamente à variedade de objeto ou estado de coisas em questão, a expressão usada para referir à característica ou ao conjunto de características que define a variedade do objeto ou estado de coisas em questão implicará sempre a expressão utilizada para referir à outra característica ou ao outro conjunto de características. [...]

O argumento que, a partir da independência lógica das duas expressões, conclui pela independência ontológica das entidades às quais elas se referem fracassa no caso dos processos cerebrais e da consciência, segundo eu penso, porque este é um dos poucos casos em que a regra acima referida não se aplica. Essas exceções devem ser encontradas, sugiro eu, naqueles casos em que as operações que devem ser realizadas para verificar a presença dos dois conjuntos de características inerentes ao objeto ou estado de coisas em questão raramente podem ser feitas simultaneamente. Um bom exemplo aqui é o caso da nuvem e da massa de gotículas ou outras partículas em suspensão. Uma nuvem é uma grande massa semitransparente com uma textura lanosa, suspensa na atmosfera, cuja forma está sujeita à mudança contínua e caleidoscópica. Quando observada bem de perto, entretanto, descobre-se que ela consiste em uma massa de minúsculas partículas, normalmente gotas d’água, em contínuo movimento. Com base nessa segunda observação, nós concluímos que uma nuvem é uma massa de minúsculas partículas e nada mais. Mas não existe uma conexão lógica na nossa linguagem entre uma nuvem e uma massa de minúsculas partículas; não há nada de autocontraditório em falar de uma nuvem que não é composta de minúsculas partículas em suspensão. Não há contradição envolvida em supor que as nuvens consistem em uma massa densa de tecido fibroso; de fato, uma tal consistência pode ser deduzida a partir das várias funções realizadas pelas nuvens em histórias encantadas e na mitologia. Está claro então que os termos ‘nuvem’ e ‘massa de minúsculas partículas em suspensão’ significam coisas bastante diferentes. Entretanto, nós não concluímos, com base nisso, que deve haver duas coisas, a massa de partículas em suspensão e a nuvem. "

6. Mesmo evento ou eventos diferentes?

"O que é que nos leva, portanto, a dizer que os dois conjuntos de observações são observações do mesmo evento? Não pode ser meramente o fato de que os dois conjuntos de observações estão sistematicamente correlacionados, de tal forma que sempre que houver um relâmpago, haverá também um movimento de cargas elétricas. Existem inumeráveis casos de tais correlações em que nós não nos sentimos tentados a dizer que os dois conjuntos de operações são observações do mesmo evento. Há uma correlação sistemática, por exemplo, entre o movimento das marés e as fases da lua, mas isso não nos leva a dizer que os registros dos níveis das marés são registros das fases da lua ou vice-versa. Ao invés disso, nós falamos de uma conexão causal entre dois processos ou eventos independentes."

7. Falácia fenomenológica

"A falácia fenomenológica, sobre a qual este argumento se baseia, depende da suposição equivocada de que, uma vez que a nossa capacidade de descrever coisas em nosso ambiente depende da nossa consciência deles, nossas descrições das coisas são, em primeiro lugar, descrições de nossas experiências conscientes e, apenas em segundo lugar, descrições indiretas e inferenciais dos objetos e eventos em nossos ambientes. Presume-se que, devido ao fato de nós reconhecermos coisas em nosso ambiente pela sua aparência, pelo seu som, cheiro e gosto, nós começamos descrevendo suas propriedades fenomenais – as propriedades das aparências, dos sons, dos cheiros e dos gostos – e inferimos suas propriedades reais a partir dessas propriedades fenomenais. Na verdade, o que acontece é exatamente o contrário. Nós começamos aprendendo a reconhecer as propriedades reais das coisas em nosso ambiente. Nós aprendemos a reconhecê-los, é claro, pela sua aparência, pelo seu som, pelo seu cheiro e pelo seu gosto, mas isso não significa que nós temos que aprender a descrever a aparência, o som, o cheiro e o gosto das coisas antes de podermos descrever as próprias coisas. De fato, é somente após termos aprendido a descrever as coisas em nosso ambiente que nós aprendemos a descrever nossa consciência delas."

Para Place, processos mentais são constituídos por processos cerebrais, não idênticos. Para outros filósofos, como Smart, dizer que processos mentais são processos cerebrais são afirmações de identidade (como dizer que a estrela da manhã é a estrela da tarde, ou que Porto Alegre é a capital do RGS) em que expressões com significados distintos têm a mesma referência.