Escrita em Parceria

OBSESSÃO


Rasguei a pele

com a ponta fina

do azulejo

que solto no banheiro

encharcou

meu pé de azul


Ordenar o caos do real?


Não,

Não quero essa obsessão


Quero o caos como convidado

como a parte mais intrusa de mim


Quero sempre o azul

na ponta do pé...


Assim como o corte

E o azul na sequência

A música se pôs a repetir

Em minha cabeça


Aquela frase me lembrava ela

E ela vivia naquela música

Vivia no poema

Fazia da minha morada um caos


As cores, as frases

As dores, as tardes

Encontrando-se na multidão

Perdendo-se na solidão

Alguns diriam que é apenas o cotidiano

Mas eu, o nomeio de Obsessão.


(Fabiana Kretzer e Thiago Ricceli)

Ali(mo/vi)mento


Ali, o

ali-

mento: escasso.

Mo-

mento: fracasso.

De pé descalço,

na calçada,

revolve-se o lixo alheio

dos cidadãos alheios.

As sobras e

as sombras: enleio.


Escassez

não é

novidade.

Desde cavernas

nos perseguia,

ceifando a vida

de quem campo

para ceifar

não possuía.


Mas, olhem,

que alegria!

Eis o advento

da tecnologia:

revolução,

multiplicação

da produção.

Frutas, carne,

vegetal e grão.

Salvos todos estamos;

a fome não causará

mais danos.


Mas suficiente

virou excesso.

O excesso

virou luxo.

O luxo

virou lixo.

E o mero acaso

na roleta do destino -

um giro errado

mantém o não

privilegiado

dessa fartura

exilado.


Já foi da natureza

uma determinação.

Hoje, é apenas

uma opção.


Habemus papam!

JORNADA NAS ESTRELAS


Esses meus olhos ainda pueris

Com a doce curiosidade da infância

Aprenderam a se perder no céu

Que hipnotizava como canto da sereia


Como em um feitiço

Meu olhar me leva para longe daqui

Até aquela estrela em que minha iris teima em sempre estar


Queria por lá ir morar

Criar ali meu mundinho especial


Então, acoplo meu corpo na relva

Início a viagem na nave da imaginação

Com destino a estrela da saudade


No espaço, os olhos da alma regozijam-se

Com a beleza e o silêncio da imensidão


Enquanto, o coração pulsa acelerado

ansioso e saudoso do que encontrara por lá...


Pra mim é fácil seguir anos luz

Basta fixar meus olhos na infinitude

Pois lá meu verdadeiro lar vai sempre estar..


E embora a passageira a cada viagem

Esteja revestida de seu mesmo invólucro que se desgasta com o tempo

Seu interior segue sempre com nova bagagem…


(Adeneri Nogueira de Borba & Yohanna Rauber Gulanovski)

MORTE

(Augusto Rossini e Maria José de Melo)


Não foi com sorte no jogo

que fiz meu portifólio.

Foi encarando nos olhos as

encruzilhadas

que me fizeram existir.


Eu, no repouso posso afiançar:

viver é saber equilibrar o maior elevado

e o fundo do poço.

Ser prisioneiro de escolhas malfeitas

é a consequência do fim do começo.


E isso não é tudo

que eu desmereço.

Pois o sentir profundo

nunca tem preço.

É além do olhar e sentir

materialmente existir.


Inegavelmente, o meu portifólio

construir na certeza de sempre haver outra chance.

Ter clareza de nunca existir outra vida

é a cereja do nosso bolo.

O meu querer em desistir fica somente

nos devaneios.


Morte é fogo passageiro.

Cujo mote é a ausência

do caos primeiro.

Pode ser no matagal

ou no social trigueiro.


Não atropele o seu tempo do sossego natural.

Deixe a morte morrida chegar.

Não tire sua vida!

Deixe a morte morrida chegar

no seu tempo pra fazer sua estrela brilhar.

ÓDIO.COM

Naquele quarto escuro como uma caverna, só a luz do monitor me iluminava. Ao rolar o feed, vi um comentário em meu post.


"Na minha época, íamos a restaurantes", digitara o internauta anônimo.


"Hoje pedimos pelo app", respondi.


"Na minha época, alugávamos em locadora", insistiu o usuário.


"Hoje temos os streamings", escrevi.


"Na minha época, as pessoas conversavam."


Incapaz de externar meu deboche, publiquei:


"Hoje digitamos."


"Na minha época, a informação era controlada", continuava o velho.


Que saco!


"Agora ela é acessível, imbecil."


Eu poderia fazer mil coisas, mas decidi parar tudo só para discutir com alguém problemático.


Ajustei meu óculos sobre o nariz e, sem paciência de esperar a resposta, o questionei:


"Qualé teu problema com a internet?"


Após um instante fugaz, a resposta veio abaixo.


"O problema são as pessoas. Tornaram-se escravos da tecnologia, acomodados, presos em algorítmos que reforçam suas bolhas."


Aquilo soava como o olhar conservador de um homem frustrado pela sua falta de domínio no meio virtual.


A internet foi um grande upgrade na história da humanidade, mas acho que isso é difícil demais para gerações anteriores admitirem.


Insatisfeito, o sujeito continuou com seu discurso de ódio.


"É lamentável como os jovens de hoje se conectam e esquecem de viver."


Eu não tinha saco para responder de novo um velho que sequer foto no perfil possuía.


"Que bom que não conversamos pessoalmente", digitei. "Pois, pelo menos aqui, posso bloquear o que não quero ouvir."


Cliquei no botão vermelho e tornei a rolar o feed.


A internet facilitou tudo, até o distanciamento que sempre existiu entre nós, embora a proposta fosse o inverso disso.


Há uma grande guerra espalhada pelos cyberguetos deste mundo, tribos que se desprezam mutuamente, um retrato de nossa sociedade. Somos vítimas e cúmplices, alimentando a criatura que nos habita diariamente.


Eu não me isento disso, pois há um certo tipo de gente que me irrita muito, mas estou bem acreditando no que acredito e detestando o que detesto. Amor ou descaso? Eu já escolhi o meu, e estou pronto para colher os frutos disso.


Risos.

Metamórphosis

Enclausurado em meu silêncio

Lembrei-me de dias atrás

Onde alguém me disse:

"Quem tu pensas que é ó lagarta?"


Passei então, a comer sem parar

As folhas oportunas da vida

Tudo, tudo, tudo…

O que pudesse me dar asas um dia

Meu sonho sempre foi voar.


E agora aqui dentro de mim

Encapsulado

Pensamentos me corroem,

Lembranças me impulsionam, me destroem.


Tímido ante a imensidão

Por fora sou quase nada

Aqui dentro meu mundo transmuta.


Meu corpo em dor, modifica

A tristeza sorridente vira uma alegria muda.


Meu corpo ganha forma no entendimento

Assim como minha mente aflora em despertar


O cinza ganha tons vivos

Nascem outras cores

O eco das palavras malditas

Tornam-se o próprio pincel

Nas mãos do meu artesão chamado Sonho.


A dor da alegria de viver

O medo, a euforia, o prazer

Lentamente tomando forma

Crescendo como as asas.

A vida, o porquê do respirar

As formas, os sentidos, o pulsar.

Um novo cheiro ao meu redor se alastra

Emano um outro perfume, outro aspecto

Uma alma casta


Sim, é preciso transmutar, lapidar, polir, sofrer para colorir

E submergir de nossas profundezas…


Chegará o momento em que o casulo ficara pequeno demais para minhas aspirações

E a fina casca se romperá como novas portas da vida

Desponto silencioso minha nova versão para o mundo

Estico as asas para a luz

Aspiro o ar puro do horizonte sob nova perspectiva

E preparo-me para alçar voos

Que somente minhas asas podem voar …

Nascente entrópica


O sustentáculo da fé,

De tudo emerge,

E dá poente, que virá:

Natureza, poesia, vida.

Abandono. Ao homem,

O abandono de si.


Lamuriando o filho do caos,

Estraçalhando ao animal.

Sendo diferente dos demais,

Julgais ser além dos animais,

Consomes a tua carne saborosa

Ao sangrar na faca torporosa.


Ao teu perigo de lembrar

De quase ter morrido.

O ser evoluído agora,

Esconderá,

Junto às águas,

Esconderá que a terra chora,

E por teu horror a lágrimas,

Seca sua raiz.


Um dia entenderá à foice

Percorrendo seus pés,

A lâmina, cortando sua firmeza.

Ou às fúrias dos mares,

Afogando seu ego frágil.

Em certo momento, acaba

E você não acordou,

Um eterno sono aonde as ideias

Naufragam nas ilusões da vida.

RECOLORIR


O mundo encontrava-se preto e branco

na multidão cinzenta

não sinto nada

penso, esqueço

caindo…

na gama de cores de outra alma


Verde, preto, amarelo,

vermelho é o certo

Deslumbre completo,

me perco

nos traços feitos

pela sua tonalidade


Muito intenso,

coração fervendo

no rubor do descompasso

com sua completude

a quilômetros de distância

dos meus braços


Tudo que mais quero,

é sentir

a cor no seu detalhe,

do primeiro luzir do tom

a escuridão da sua falta


Perto de mim

seu olhar,

o sorrir

encantando, beijando.

Azul e vermelho

se conectando.


Trazendo ao mundo uma cor inédita

bela

de dentro pra fora

colorindo

os quatro cantos dos sentidos

presentes em cada ser


Me renovando,

indo e voltando

entre o ser e o estar

quebrando as ondas na orla

que delimita o meu (a)mar


Na arte, com vermelho e azul

pinto a alma

e findo esta poesia sobre a vida

escrita a quatro mãos

com um

ponto sem final