Doutoranda PPGF / UFRJ

2 de Julho de 2021

Amor Filial: relações entre partes

O recorte de objeto desta pesquisa exige do leitor três considerações iniciais que pretendo sustentar até o fim deste artigo. As faces deste objeto de pesquisa são encarnadas aqui em palavras, a perceber pelo título, são elas Amor, Filiação e Parcialidade, sendo a primeira o ponto de partida para o desenvolvimento do texto que justificará sua importância.

Sobre o amor, este não ganha aqui condição de conceito, mas pode ser compreendido como conjunto, pela união de seus elementos e por vezes presente em determinadas estruturas relacionais. Será na sua condição de manifestação dentro de uma estrutura que ele, o amor se destaca com sua particularidade filial, o que possa ser o amor neste contexto, mas sem a pretensão de derrogar outras manifestações do amor, ou seja, tecemos considerações sobre como o ele admite sua existência simultânea de outros tipos, classificações ou conceitos.

Demonstrar como o amor filial pode existir em sincronia ou diacronia com outras classificações exige considerações prévias sobre sua natureza e articulações, justamente o que pretendo agora, a saber:

O que caracteriza como amor filial (a semelhança e a incompletude)

Como o amor se manifesta na filiação (sob quais condições)

Após o detalhamento das condições do Amor Filial, poderemos lançar luz aos modos de tratamento em diferentes relações filiatórias e suas hierarquias com particularidades dentro do contexto brasileiro.

Levantamos a questão sobre a prática de chamar parceiros sexuais de “pai” e de “mãe”, potencializando a análise do que aparece nestas enunciações que nos guia ao terreno das hierarquias das relações filiatórias e suas fantasias incestuosas, considerando a heterogeneidade com a qual o amor se manifesta em diferentes filiações.


Este artigo é motivado pela classe do professor Jean-Yves Beziau, aulas ministradas de março a agosto de 2021, cujo tema foi “Amor”. A aula foi um convite à implicação de seus alunos no trabalho de produção filosófica sobre o tema nas suas infinitas possibilidades.

Como ponto de partida, Beziau nos oferece o Amor sob as diferentes classificações como as seguintes:

Amor-próprio

Amor apaixonado

Amor sexual

Amor casal

Amor divino

Amor doméstico

Amor fraterno

Amor Biológico

Amor cultural

Amor Filial


A iniciativa de categorizar o amor em tipos faz parte do processo de reconhecimento do mesmo, dividindo-o em conjuntos de sentido para destacar suas diferenças, sem a pretensão de que façam alguma função entre si, isto é, deixando livre ao trabalho de produção intelectual a possibilidade para que as diferentes categorias de amor se mostrem tão heterogêneas quanto a capacidade de seu analista de discorrer sobre o conjunto analisado e possíveis relações entre conjuntos.

Ainda que a análise não dispense o que a literatura filosófica traga sobre o tema Amor, discorrer sobre ele demanda a produção de um saber que dê conta, ainda que provisoriamente, de classificá-lo, justificá-lo, e transmiti-lo como tal.

O professor nos lembra de que a categorização é um “mecanismo fundamental para a razão, a comunicação, a cognição e a significação humana”, ou seja, num modo de organização de ideias. Esta organização possível de transmissão pela linguagem, minimamente submisso à estrutura com a qual ela se impõe em determinada sociedade, a partir dos sujeitos que a compartilham.

O amor filial como categoria privilegiada expõe o amor no contexto das relações e suas economias. A filiação como terreno onde o amor se manifesta torna possível na sua condição de palavra, objeto de linguagem, transmissível, dirigido ao outro, apreendido pelo conjunto de elementos que o compõe e justifica sua natureza.

O objeto de pesquisa como objeto de linguagem e transmissão é também o objeto que falta no outro e que o recebe em discurso, correspondendo a uma lógica na qual as hierarquias geracionais, presentes nas sociedades de sujeitos falantes, determinam suas formas de manifestação, ao mesmo tempo, é por amor que a produção de sentido sobre ele se justifica.

Elevar o amor à condição de palavra é um recurso de trabalho intelectual, que o eleva à condição de objeto em si, a coisa em si, para ser manipulado em estudo sobre as relações filiatórias, bem como a economia na qual ele participa nesta perspectiva.

1-

Consideremos as condições de manifestação do amor, ou seja, a causa da estruturação a partir da qual ele é possível, e então o amor pode ser entendido na condição de efeito de determinada organização lógica, e como, a partir dele, deduzimos a estrutura pela qual ele se manifesta e a ela é submisso. Para trabalhar com o objeto causa da filiação, evocamos o conceito de Pulsão em Freud.

A trieb (pulsão) em Freud é compreendida como uma excitação endógena, física, que não tem objeto específico que a satisfaça, e que marca a constituição psíquica do sujeito em relação aos seus variados modos de satisfação. (Freud, 1914) ela nos implica aos investimentos libidinais, investimentos em busca de saciedade cujo objeto de desejo não é único nem suficiente, diferentemente da sensação de fome e sede, por exemplo, nas quais o ato de comer e o objeto aplacam a excitação do corpo.

Assim, o movimento pulsional não só deflagra a memória do corpo sobre o que foi uma satisfação primeva, como também atualiza este momento mítico, implicando um 1º objeto de amor e uma filiação necessária para que acontecesse tal satisfação. O único modo de reviver esta mítica relação satisfatória seria através de elementos que os identifiquem ao objeto e esta alienação primordial.

É possível entender a relação filiatória como um movimento pulsional de um sujeito ao outro por identificação, e neste sentido, evocamos o conceito de função, usado na matemática para estabelecer a relação entre conjuntos (universos possíveis) (Mortari, 2016). A identificação do que seria o objeto de satisfação da pulsão deflagra que há função/ filiação entre o conjunto domínio (individuo) e o conjunto imagem (outro).

O amor nestas perspectivas se manifesta a partir de uma função entre conjuntos, universos possíveis. Nela, 2 elementos (no mínimo) se singularizam ao mesmo tempo que se identificam entre si. Este processo resulta intuitivamente em uma terceira condição. Todavia, do que podemos chamar esta terceira condição da filiação, considerando que ela carrega consigo a condição de ser ao mesmo tempo igual e diferente?

Proponho tomarmos como semelhante o que aparece no estabelecimento de uma filiação possível entre dois elementos. Ele caracteriza e localiza um conjunto em função do outro, um sujeito em filiação ao outro, cuja pulsão o move para o estabelecimento destas relações na busca de satisfação.


Estrutura e parcialidade

A filiação depende de no mínimo 2 elementos, de um movimento pulsional entre eles, mas só se estabelece em uma relação de estrutura triádica, onde o amor filial se manifestaria. O amor filial pode ser entendido como amor ao semelhante, tal como ele se apresenta:

Parcial

parcialmente igual.

parcialmente diferente.


Neste contexto, o amor se manifesta e se destina a um objeto sempre parcial. Como vimos, o sujeito que ama se manifesta parcial, assim como seu objeto amado, por seu lugar na filiação entre semelhantes.

O sujeito que ama o semelhante automaticamente se manifesta parcial, tal como seu objeto amado. Eles não dependem do amor como sentimento, sensação ou ideia para sustentar a relação entre semelhantes, mas uma vez os sujeitos envolvidos se manifestam em nome dele, do amor, este está condicionado à mesma lógica filiatória a partir da qual seus sujeitos o evocam.

Aquele que ama também se torna parcial quando é amado, pois o outro o ama na sua condição de semelhante, logo, parcial. Amar o semelhante frustra qualquer ambição de identificação absoluta com o objeto amado, assim como a pulsão fundamental no movimento filiatório está fadada à satisfação sempre parcial. Mesmo assim a pulsão em Freud é uma força constante (Konstant Kraft) até sua satisfação, e mesmo assim o amor se manifesta.

Portanto, o semelhante performa a fantasia de satisfação absoluta para o outro que o ama. Em outras palavras, ele performa uma relação binária onde há uma estrutura triádica.

Natureza do amor filial e como a partir dele deduzimos uma organização lógica à qual ele é submisso. Se a relação de amor filiatório for comparada à uma função, sua condição estrutural não corresponderia à função bijetora, talvez injetora.


Todavia, no caso onde o sujeito ama e é amado pelo objeto de amor semelhante nos dá a esperança de alguma possibilidade de satisfação narcísica. Neste caso, a parcialidade estaria fora de questão?

Ø Considerações sobre a natureza do amor

Ø Efeitos das hierarquias no amor – pai e mãe( questões pulsionais)/ problemática do “sister?

Ø Diferença entre outras categorias do amor.

BIBLIOGRAFIA

FREUD, Sigmund. (1914) Introdução ao narcisismo e Instinto e seus destinos In: Introdução ao narcisismo: Ensaios metapsicológicos e outros textos [1914-1916]. Tradução e notas de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

MORTARI, Paulo Cesar. Introdução à Lógica. São Paulo: Unesp, 2016.