Há mais de 31 anos, o Instituto Socioambiental (ISA) atua ao lado de povos indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais para desenvolver soluções que protejam seus territórios, fortaleçam sua cultura e saberes tradicionais e desenvolvam economias sustentáveis.
Ao longo de nossa trajetória, acompanhamos experiências pautadas na relação profunda e ancestral do ser humano com a natureza, que reforçam nosso lema, “socioambiental se escreve junto”, e que demonstram na prática como o enfrentamento às mudanças climáticas depende dos modos de vida destes povos e da proteção de seus territórios.
Com a chegada da COP 30, em Belém, temos a oportunidade de apresentar à comunidade climática internacional esses caminhos e resultados, inspirando negociações e decisões mais justas e eficazes. Entendemos que a relevância das COPs para o desenvolvimento e implementação de soluções contra o colapso climático está condicionada à participação protagônica da sociedade e à valorização de saberes e práticas de povos indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais nos processos de tomada de decisão entre as Partes.
Nos temas-chave Mitigação, Adaptação Climática e Transição Energética Justa, é imperativo considerar as contribuições desses povos, que devem ser referenciadas nos textos finais. Da mesma forma, a implementação de medidas para o alcance das metas acordadas entre as Partes deve incluir e beneficiar estes povos e seus territórios. Só assim, as negociações climáticas estarão fundamentadas na Justiça Climática.
Este documento apresenta caminhos socioambientais para orientar tomadores de decisão a partir de experiências e soluções concretas que emergem de territórios tradicionais, pois proteger os direitos e a cultura dos povos da floresta é, em essência, proteger o futuro do planeta.
concentra cerca de 68% de Áreas Protegidas. No Brasil, a área localizada no estado do Amazonas é uma das mais preservadas do bioma; já em Roraima, vem sofrendo grande impacto socioambiental pelo garimpo ilegal de ouro e desmatamento. A região abriga 23 povos indígenas, dois patrimônios culturais – Cachoeira de Iauaretê e Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro – o maior Sítio Ramsar do mundo e o ponto mais alto do Brasil – o Pico da Neblina, lugar sagrado dos Yanomami. O trabalho é realizado em parceria com a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), a Hutukara Associação Yanomami e o Conselho Indígena de Roraima (CIR), entre outras organizações indígenas, da sociedade civil e instituições de pesquisa.
situada entre os estados de São Paulo e Paraná, abriga 88 comunidades autodenominadas quilombolas, além de povos indígenas, comunidades caiçaras e outras comunidades tradicionais, que mantêm conservado o maior remanescente contínuo de Mata Atlântica do Brasil. Este bioma é o mais ameaçado e devastado do país: já perdeu cerca de 90% de sua extensão original e tem sua biodiversidade extremamente comprometida. Mesmo diante de ameaças por ações estatais, especulação imobiliária, mineração, criação de Unidades de Conservação de Proteção integral sobrepostas aos territórios tradicionais e outras violações de direitos desses povos, eles mantêm suas culturas vivas e suas práticas de manejo e gestão territorial e ambiental que conservam a vegetação nativa, geram serviços ecossistêmicos e contribuem ao equilíbrio climático. O trabalho na região acontece em parceria com as associações quilombolas.
abrange 27 povos indígenas e centenas de comunidades ribeirinhas, florestas e rios que nascem no Cerrado e desembocam na floresta Amazônica, entre os estados do Mato Grosso e do Pará. Grande parte desta diversidade socioambiental está dentro de um “corredor” de áreas protegidas (Terras Indígenas e Unidades de Conservação) conectadas entre si e fornece inúmeros serviços ecossistêmicos para o país, mas está ameaçada pelo desmatamento, degradação e ressecamento de florestas e rios; pela grilagem de terra, uso intensivo de agrotóxicos, garimpo e exploração ilegal de madeira; e por grandes empreendi mentos de energia e transporte. O trabalho na região acontece em parceria com a Associação Terra Indígena Xingu (ATIX), a Rede Terra do Meio, as associações de moradores de Reservas Extrativistas da Terra do Meio, e a Rede Xingu+, que agrega 51 organizações indígenas, ribeirinhas e da sociedade civil.
SOBRE OS TERRITÓRIOS QUE INSPIRAM OS CAMINHOS SOCIOAMBIENTAIS
Foto: Lucas Lima/ISA
MAPEAMENTO DURANTE OFICINA REGIONAL DO PLANO DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL (PGTA) EM SURUCUCUS, TERRA INDÍGENA YANOMAMI, RORAIMA
As experiências e resultados relatados neste documento vêm sendo desenvolvidas em comunidades indígenas, quilombolas e extrativistas no bioma Mata Atlântica, mais especificamente na bacia do Vale do Ribeira no estado de São Paulo, e no bioma Amazônia, nas bacias do Rio Negro e do Xingu, que abrangem 4 estados da região amazônica: Amazonas, Roraima, Pará e Mato Grosso.
Povos indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais são grupos culturalmente distintos que se autodefinem como tal, cuja territorialidade baseada em relações sociais pautadas na ética e na coletividade é central para sua reprodução cultural, social e econômica. Cada povo e comunidade têm suas formas próprias de organização social e de ocupação, utilização e relação com o espaço geográfico e os recursos naturais, conformando práticas e saberes de gestão territorial e ambiental desenvolvidos ao longo da história.
No Brasil, a partir da mobilização destes povos, o Estado criou a Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas (PNGATI) e a Política Nacional de Gestão Territorial eAmbiental Quilombola (PNGTAQ), que visam fortalecer a gestão
dos territórios e seus recursos de forma autônoma. Para tal, as políticas preveem a elaboração de Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs), instrumentos importantes para que cada povo identifique e organize suas necessidades, potencialidades, estratégias e ações no território.
Outro instrumento fundamental criado por cada povo ou comunidade é o Protocolo de Consulta, que define as regras sobre como desejam ser consultados pelo Estado ou por empresas antes da tomada de decisões que possam afetar seus territórios e modos de vida. Esse instrumento assegura que o processo de consulta ocorra de forma livre, prévia, informada e de boa-fé, conforme estabelece a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Foto: FREDERICO VIEGAS/ISA
LIDERANÇAS QUILOMBOLAS DURANTE OFICINA DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL QUILOMBOLA (GTAQ), OCORRIDA NO QUILOMBO RIBEIRÃO GRANDE - TERRA SECA, NO MUNICÍPIO DE BARRA DO TURVO (SP)
Além da garantia do direito ao território, o fortalecimento e implementação dos instrumentos e processos de gestão territorial e ambiental são essenciais para que os povos sigam contribuindo de forma significativa para o equilíbrio climático planetário a partir de seus modos de vida e suas práticas regenerativas.
Para tal, é preciso ampliar e qualificar o financiamento, combinando recursos nacionais e internacionais que fomentem tanto as políticas públicas, como o apoio aos processos conduzidos de forma autônoma nos territórios.
Os territórios de povos indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais são áreas de imensa importância social e cultural, como também a mais potente e eficiente barreira contra a degradação ambiental e as mudanças climáticas.
Com seus modos de vida e sistemas de governança territorial, estes povos prestam serviços ambientais e contribuem para a conservação das florestas, da biodiversidade e dos estoques de carbono, elementos vitais ao equilíbrio ecológico e climático global.
No Brasil, esses territórios representam um escudo contra o desmatamento em diferentes biomas. Pesquisas atestam que a maior contribuição provém das Terras Indígenas demarcadas, das Unidades de Conservação e dos Territórios Remanescentes de Quilombo titulados, o que reforça a urgente demanda de assegurar os direitos territoriais desses grupos.
Ignorar essa realidade não é apenas uma falha em reconhecer direitos históricos, mas também uma decisão estratégica equivocada que desperdiça a solução climática mais evidente e de melhor custo-benefício.
Segundo o MapBiomas, entre 1991 e 2021 as Terras Indígenas (TIs) no Brasil perderam apenas 1,2% de sua área de vegetação nativa, enquanto nas áreas privadas foi 19,9%. Ocupando cerca de 13% do território nacional, as TIs são cruciais para a proteção de 19% de toda a vegetação nativa do país [1]. Juntas, Terras Indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia armazenam 58% de todo o carbono da região, estimado em 41,1 bilhões de toneladas, sendo essenciais para a regulação climática global.[2] Os Territórios Quilombolas (TQs) no Brasil seguem o mesmo padrão. Entre 1985 e 2023, a perda de floresta nestes territórios foi de apenas 4%, contra 17% em seu entorno, atestando que a conservação da vegetação nativa foi maior nos TQs do que nas áreas privadas [3]. Na Amazônia, os TQs titulados mantêm 91% de suas florestas em pé, enquanto que os não titulados mantêm 76%, mostrando que a segurança jurídica é um fator determinante para a conservação [4]. Adicionalmente, a manutenção do carbono florestal é 12% mais eficiente nos territórios com a regularização fundiária concluída [3]. Na Mata Atlântica, um bioma sob intensa pressão, os TQs registraram um ganho líquido de 7,8 mil hectares de vegetação nativa, evidenciando seu papel ativo também na recuperação de ecossistemas [5].
Foto: FÁBIO NASCIMENTO/ISA