Sob o princípio da igualdade é possível um tratamento discriminatório? As quotas seriam medidas constitucionais?

De fato, o Brasil é um país que sempre se despreocupou com o desmantelamento da discriminação. Assim, a discriminação permaneceu sob resquícios em nosso país desde a edição da Lei Áurea. Não é por menos que, principalmente os negros, pardos e deficientes são alvos de chacotas e discriminação por alguns indivíduos ignorantes da sociedade, nos dias atuais.

Existe, no entanto, a pressão constitucional em repelir essa atitude discriminatória, através do caput, artigo 5º da Carta Maior – “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos ...”

Ao fitar a interpretação do caput, do artigo 5º, chega-se à conclusão de que este se reveste do princípio da igualdade à aplicação de lei, caso contrário, se torna inconstitucional, no todo ou em parte, o ato praticado ou decisão proferida.

Tais atos praticados, decisões proferidas, inconstitucionalmente falando, são condutas discriminatórias, preconceituosas ou racistas, sob pena de responsabilidade civil ou penal, nos termos da legislação em vigor.

No princípio da igualdade, conforme preceitua Pedro Lenza, “deve-se, contudo, buscar não somente esta aparente igualdade formal (consagrada no liberalismo clássico), mas, principalmente, a igualdade material, na medida em que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades”.

A formalização perante a lei não se configura com muita importância, sendo aquela de extrema aplicação a igualdade mais real perante os bens da vida. Ao se aprofundar nessa igualdade material, a Constituição Federal prevê algumas hipóteses, tais como nos arts. 3º. Incisos I, III e IV; 4º, inciso VIII; 5º, incisos I, XXXVII, XLI e XLII; 7º, incisos XX, XXXI, XXXII e XXXIV; ; 12. §§2º e 3º; 14, caput; 183, §1º ; 189 e seu parágrafo único; 203, incisos IV e V; 206; 208, inciso III; 226, §5º; 231, §2º e etc.

Há outras desigualdades previstas na constituição federal em relação ao homem e mulher (art. 5º, inciso I da CF/88) em direitos e obrigações: Condições às presidiárias para que possam permanecer com os seus filhos durante o período de amamentação (art. 5º, inciso L da CF); Licença-maternidade e licença-paternidade (art. 7º, inciso XVIII e XIX da CF); Serviço militar obrigatório (art. 143, §§1º e 2º da CF); artigo 201, §7º, incisos I e II e §§8º e 9º da EC/ nº 20/98; art. 40 da CF/88; art. 8º da EC nº 20/98; e regras sobre aposentadoria referente ao tempo de contribuição na previdência social.

Diante dessas desigualdades é difícil estabelecer se há parâmetros de inconstitucionalidades.

Celso Bandeira de Mello estabelece três questões a serem observadas, a fim de se verificar o respeito ao princípio da igualdade:

a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação;

b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecidade no tratamento jurídico diversificado;

c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados.[1]

São critérios utilizados nas denominadas discriminações positivas, na medida em que o constituinte tratou de proteger certos grupos que, a seu entender, mereceriam tratamento diverso. Por outro lado, nota-se uma contra-balança afim de compensar, em parte, uma igualdade de oportunidades com os demais indivíduos, que não sofreram as mesmas espécies de restrições.

Exemplo disso são as cotas nos vestibulares, destinados a negros, pardos e deficientes.

Ao meu ver, a medida é constitucional, se não vejamos: Os negros, pardos e deficientes são seres humanos que ainda sofrem discriminação em nosso país. Ora, a Constituição Federal busca equilibrar o princípio da igualdade. São discriminações imposta pelo homem branco e não pela Constituição Federal. Isso resulta em falta de oportunidades e alcance imediato da pobreza aos negros, pardos e deficientes. Da pobreza inexiste, ainda, a falta de escolaridade de qualidade, nível de vida superior e demais possibilidades de trabalho com ganho satisfatório, obstruindo uma qualidade de vida digna a essas pessoas. Embarga, no entanto, o rumo ao conhecimento suficiente para prestar o vestibular de uma universidade que possa alavancar seu futuro. Nota-se que essa raça discriminada é uma grande parcela de pobres no Brasil. Nada mais justo do que oportunizar os inoportunos, desde que haja a razoabilidade e proporcionalidade.

Por outro lado, essa teoria sofre um desgaste cruel em face de outra teoria. O ser humano é capaz daquilo que objetiva. Sendo assim, a disputa por vagas pela universidade depende de inteligência e não oportunidade. Pessoas ainda afirmam que “as cotas acusam uma incapacidade dos negros, pardos e deficientes, menosprezando-os e oportunando seres ignorantes”. Em outras palavras, são indivíduos que desmerecem as cotas e a disputa por vagas seja como sempre foi. Por outro lado, este é o ponto fraco. A vaga é conquista àquele que é inteligente, se dedicou e que obteve a OPORTUNIDADE de estudar em escolas do ensino fundamental e médio de altíssima qualidade. Por fim, resultam os filhos de famílias ricas que facilmente conseguem estudar em universidades públicas (USP, UNICAMP e etc).

Essa forma de raciocínio sim é inconstitucional, pois de fato, a Constituição Federal é bem claro ao expressar a igualdade a todos. Conclui-se, portanto, que a cota é constitucional, a fim de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.

Em vista disto, temos um exemplo a afirmação do Ministro Marco Aurélio, depois que o Presidente Lula indicou um ministro negro ao STF:

“Estamos vivendo um período bastante positivo em que este governo está, de fato, sendo propositivo e indicando pessoas que não tiveram acesso ao poder, considerando que o nosso país é bastante discriminatório e racista”[2].

[1] Celso Antônio Bandeira de Mello, conteúdo jurídico do princípio da igualdade, p. 21 e desenvolvimento, p. 23-42.

[2] Notícias STF, 7.4.2003- 16:59 – “Lula pretende indicar negro para o Supremo, diz secretária ao presidente do STF” (in: www.stf.gov.br).