Ordem Econômica possui normas e institutos diferentes da Ordem Financeira?

Através da nova Constituição Federal, surgiram normas referentes à Ordem Econômica e Financeira, no Título VII, subdividido em quatro capítulos:

a) Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica (arts. 170 a 181 da CF);

b) Da Política Urbana (arts. 182 a 183 da CF);

c) Da política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária (arts. 184 a 191 da CF);

d) e Do Sistema Financeiro Nacional (art. 192 da CF).

Como ressaltado por José Alfredo de Oliveira Baracho, a “relação entre Constituição e Sistema Econômico ou mesmo Regime Econômico, é freqüente nas constituições modernas, que contemplam pautas fundamentais em matéria econômica. Chega-se a falar que, ao lado de uma constituição política, reconhece-se a existência de uma Constituição econômica”.[1]

Os princípios gerais da atividade econômica estão elencados no art. 170 da CF[2], vejamos:

No caso de intervenção, o Estado é o agente normativo e regulador, no domínio econômico, inclinando a sua função de fiscalização, incentivo e planejamento indicativo ao setor privado, com fiel observância à lei e princípios constitucionais da ordem econômica. Deste modo, ressalta Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a ordem econômica está “sujeita a uma ação do Estado de caráter normativo e regulador”.[3]

No âmbito da regulação da ordem econômica, o texto constitucional estabeleceu, em seu art. 149, a competência exclusiva da União pata instituir contribuições de intervenção no domínio econômico, cuja natureza jurídica é tributária.[4]

A contribuição de intervenção de domínio econômico incide sobre os produtos elencados no art. 149, §2º, inciso II da CF[5], prevendo que a lei que as instituí-las deverá atender a determinados requisitos (art. 177, §4º da CF[6]), de tal forma, a alíquota da contribuição poderá ser diferenciada por produto ou uso ou reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, independentemente do princípio da anterioridade (art. 150, inciso III, alínea “b” da CF[7]). A contribuição de intervenção de domínio econômico aplicado §4º do art 177, é destinado ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e gás e ao financiamento de programas de infra-estrutura de transportes.

O usucapião constitucional de área urbana está exposto no art. 183 da CF[8], aplicando-se, ainda, o entendimento do STF que decidiu, para os fins previstos neste artigo supra mencionado, não se considera o tempo de posse anterior à promulgação da Carta de 1988, não se aplicando o entendimento da Súmula 445 do STF (“A lei nº 2.437/55, que reduz prazo prescricional é aplicável às prescrições em curso na data de sua vigência (1-1-56), salvo quanto aos processos então pendentes”).[9] A política agrícola está exposta no art. 187 da CF[10].

Sobre as terras devolutas, previsão elencada no art. 188 da CF[11], Hely Lopes Meirelles as definem como “todas aquelas que, pertencentes ao domínio público de qualquer das entidades estatais, não se acham utilizadas pelo Poder Público, nem destinadas a fins administrativos específicos. São bens públicos patrimoniais ainda não utilizados pelos respectivos proprietários. Tal conceito nos foi dado pela Lei Imperial 601, 18-5-1850 e tem sido aceito uniformemente pelos civilistas. Estas terras, até a proclamação da República, pertenciam à Nação, pela Constituição de 1891 foram transferidas aos Estados-Membros (Art. 64) e alguns destes as transpassaram, em parte, aos Municípios. Constituem, todavia, domínio da União as terras devolutas dos Territórios Federais e as que forem por lei declaradas indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacionais, nos termos do art. 4º, inciso I, da Constituição da República. Dentre estas últimas estão as terras devolutas situadas na faixa de cem quilômetros de largura em cada lado do eixo das rodovias da Amazônia legal, que o Decreto-Lei nº 1.164/71 declarou indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacionais e incorporou ao patrimônio da União (arts. 1º e 2º)”.[12]

Ressalte-se, como ensina Celso de Mello, que “ a inexistência de registro imobiliário não é suficiente para a caracterização do domínio público. Essa circunstância não induz à presunção de que as terras sejam devolutas. O fato de o imóvel não se achar registrado em nome de um particular não o converte em terra devoluta (RTJ 65/856, 99/234, 81/191; RJTJSP 19/54, 23/260, 26/246; RT 405/153, 411/120, 419/129, 490/65, 551/110, 520/141, 549/204). Nesse mesmo sentido: Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, Borsoi, v. 12, §1.419. Em sentido contrário: Considera-se devoluta toda a terra sobre a qual não racaia título registrado no Registro de Imóveis (RF 159/71, 116/470; RT 388/619, 307/260, 257/465). Trata-se de posição atualmente minoritária (RDA 134/208). Registre-se, ainda, que não basta a mera alegação de ser, a terra, devoluta. É necessário que o Poder Público prove que o imóvel é de sua propriedade: RT 537/77, 541/131, 555/223, 558/95”.[13]

Quanto à reforma agrária observa-se o art. 184 da CF que, aos olhos do Supremo Tribunal Federal, a reforma agrária deve ser entendida como um conjunto de notas e planejamentos estatais mediante intervenção do Estado na economia agrícola com a finalidade de promover a repartição da propriedade[14] e renda fundiária. Esse procedimento expropriatório de vistoria e prévia notificação ao proprietário, uma vez que haverá privação de bens particulares.[15]

Portanto, a reforma agrária, é permissiva através do cumprimento de alguns requisitos, quais sejam:

a) descumprimento da função social: raciocínio do artigo 186, incisos I, II, III e IV da CF[16];

b) cumprimento do art. 184 da CF[17].

A vedação de desapropriação para fins de reforma agrária está exposta no art. 185 da CF[18].

Sobre o usucapião constitucional ou pro labore de área rural a Constituição Federal a prevê no artigo 191[19].

Sobre o sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram (texto extraído, integralmente, do artigo 192 da CF).

[1] BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O princípio de subsidiariedade: conceito e evolução. Cadernos de direito constitucional e ciência política. Nº 19. p. 11.

[2] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

[3] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direito constitucional econômico. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 10.

[4] RREAL JÚNIOR, Miguel. Casos de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 8. Nesse sentido: FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direito constitucional econômico. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 9. Conferir ainda: STF – Pleno –AI nº 244.578/RS – Rel. Min. Celso de Mello. Informativo SSTF nº 154; RTJ 163/795.

[5] Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: II - incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços;

[6] Art. 177...§ 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: I - a alíquota da contribuição poderá ser: a) diferenciada por produto ou uso; b) reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150,III, b; II - os recursos arrecadados serão destinados: a) ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo; b) ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás; c) ao financiamento de programas de infra-estrutura de transportes.

[7] Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III - cobrar tributos: b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

[8] Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

[9] RE 145.004-MT, Rel. Min. Octávio Gallotti, 21-5-96- Informativo STF, nº 32, 29 maio 1996; STF – AI nº 154.069-9/MG, Rel. Min. Celso de Mello, Diario da Justiça, Seção I, 23 jun. 1997, p. 28.957. Cf. Ainda: BARRUFINI, José Carlos Tosetti. Usucapião constitucional urbano e rural. São Paulo: Atlas, 1998. p. 175 ss.

[10] Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente: I - os instrumentos creditícios e fiscais; II - os preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de comercialização; III - o incentivo à pesquisa e à tecnologia; IV - a assistência técnica e extensão rural; V - o seguro agrícola; VI - o cooperativismo; VII - a eletrificação rural e irrigação; VIII - a habitação para o trabalhador rural. § 1º Incluem-se no planejamento agrícola as atividades agroindustriais, agropecuárias, pesqueiras e florestais. § 2º Serão compatibilizadas as ações de política agrícola e de reforma agrária.

[11] Art. 188. A destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária. § 1º A alienação ou a concessão, a qualquer título, de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares a pessoa física ou jurídica, ainda que por interposta pessoa, dependerá de prévia aprovação do Congresso Nacional. § 2º Excetuam-se do disposto no parágrafo anterior as alienações ou as concessões de terras públicas para fins de reforma agrária.

[12] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo… Op. Cit. P. 494.

[13] MELLO FILHO, José Celso. Constituição... op. Cit. P. 36-37.

[14] Conforme decidiu o STF: “Reforma agrária. Movimento sem-terra. Movimento popular visando a implantar a reforma agrária não caracteriza crime contra o patrimônio. Configura direito coletivo, expressão da cidadania, visando a implantar programa constante da Constituição da República. A pressão popular é própria do Estado de Direito Democrático” (HC nº 5.574/SP – 6º T. – Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 8-4-97).

[15] STF – Pleno – MS º 22364/SP – Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, seção I, 17 nov. 1995, p. 39.206. No mesmo sentido: STF – MS 22164-SP (DJ, de 17-11-95). MS: 22165/MG (DJ, de 7-12-95). MS 22.320-SP, Rel. Min. Moreira Alves, 11-11-96 – cf. Informativo STF nº 53.

[16] Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

[17] Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

§ 1º As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.

§ 2º O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação.

§ 3º Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação.

§ 4º O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida agrária, assim como o montante de recursos para atender ao programa de reforma agrária no exercício.

§ 5º São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária.

[18] Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra; II - a propriedade produtiva. Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social.

[19] Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.