3.3. Sofia Malheiro

Sofia Malheiro da Silva

É Licenciada, Mestre e Doutorada em Ciências da Educação, nas áreas de especialização de Educação Especial, Teoria e Desenvolvimento Curricular e Comunicação Educacional, respectivamente.

O último grau, obtido na Universidade Aberta, incidiu no âmbito da especificidade da temática do E-learning.

Dedica-se, há mais de uma década, à Formação de Professores, exercendo funções docentes no que aos ambientes presenciais e online diz respeito, estabelecendo multiplas parcerias nacionais e estrangeiras

1. Com vasta experiência no eLearning, gostaríamos de saber como é que a Professora lê a evolução do ensino a distância tendo em conta o seu passado, o presente e como perspectiva o futuro?

Quando se analisa a evolução histórica da Educação a Distância verifica-se que a mesma atravessou diferentes transformações geracionais, onde é notória a relação entre o nível de evolução tecnológica e o modo como a utilizamos enquanto ferramenta para troca de informação.

No entanto, um aprofundamento das raízes histórico - filosóficas deixa transparecer que a Educação a Distância não é assim tão recente quanto julga o nosso preconceito cultural.

Na verdade, podemos considerar que na Antiguidade Clássica, tanto as cartas de Platão, quanto as Epístolas de São Paulo, constituem formas de Educação a Distância, cada uma atendendo aos seus objectivos gerais e aos seus propósitos de formação específicos: por um lado, a educação integral do cidadão grego e, por outro, a tarefa de evangelização cristã.

Em concreto, a alternativa que primeiro e propriamente permitiu a comunicação entre as pessoas, prescindindo da necessidade de estarem face-a-face, foi a escrita. Ou se quisermos a invenção da imprensa, porque, antes de Guttenberg, os livros, copiados manualmente, eram muito caros e inacessíveis à população.

Perspectivas mais recentes, apontam o surgimento da Educação a Distância como forma de a viabilizar aos indivíduos que, pela circunstância e condicionalismo geográfico, profissional ou físico, não podiam, presencialmente, participar no leque de ofertas educativas tradicionalmente propostas mas que, mesmo assim e apesar dessas limitações, seriam pessoas interessadas numa formação / aprendizagem mais formal.

A Educação a Distância espelha, assim, o cenário de um estudante e de um professor que, separados espácio-temporalmente, utilizam os meios tecnológicos disponíveis para comunicarem e efectuarem a mediação do ensino e da aprendizagem os quais possibilitam o desenho de novas formas de ensinar e aprender. Assim, não é de estranhar que a Educação a Distância tenha sido sempre interpretado como um caminho paralelo às formas de educação tradicional e, talvez por isso, também sempre associado à ideia de educação compensatória ou de segunda oportunidade

As metamorfoses evolutivas que, ao longo do tempo, se têm verificado nestes meios de comunicação pautam, no entanto, por algumas mudanças nos suportes tecnológicos, metamorfoses essas que têm conseguido esbater distâncias, quer físicas, quer temporais, aproximando visivelmente estudantes e professores. Este facto conduz a discutir a problemática das cinco gerações que se deixam caracterizar, não apenas pelos suportes tecnológicos que utilizam para possibilitar o ensino, mas também, e sobretudo, pelos modelos comunicacionais e pedagógicos que viabilizam. A problemática da mediação tecnológica da Educação a Distância não é uma variável suficiente para determinar a geração de Educação a Distância, mas sim a sua conjugação com o modelo pedagógico e comunicacional subjacente.

Tais evidências têm trazido, à esfera da educação e da formação, em qualquer nível de ensino a que nos possamos referir, um conjunto de mais valias que enriquecem e aperfeiçoam a pedagogia, na sua arte de ?fazer aprender? de forma motivada, multifacetada, gerindo o tempo e o espaço de forma flexível e dinâmica, retirando daí todos os benefícios para um processo de aprendizagem espiralizado e ao longo de toda a vida de um individuo.

Sendo assim e mais especificamente no contexto do ensino superior que é a realidade que melhor conheço, quer ao nível de formação inicial, quer no que diz respeito à formação contínua perspectivada ao longo da vida, se a pedagogia se deixar imbuir, de forma a fazer emergir modelos pedagógicos virtuais sustentados pela psicologia da aprendizagem, pela filosofia, sociologia e história da educação, e por estes ?admiráveis novos mundos? da tecnologia, permeando novas formas de ?aprender e ensinar?, novos métodos, técnicas, procedimentos, posturas, funções de ensinante e aprendente, teremos um futuro muito mais inclusivo no seio de uma literacia digital motivo e motor de todas as outras.

2 - De que forma o contexto de mudança cultural introduzido pela transformação tecnológica influencia/desafia o comportamento nas práticas pedagógicas do professor de EaD? Neste âmbito quais as abordagens que defende?

Sabemos que o Ensino a Distância dependeu sempre de uma infra-estrutura tecnológica.

O facto de se definirem gerações distintas de Ensino a Distância, com base nas tecnologias maioritariamente utilizadas, deve ser entendido como uma abordagem instrumental que visa sistematizar a evolução do Ensino a Distância em termos dos meios / canais de suporte ao desenvolvimento do ensino e da aprendizagem neste contexto.

Na verdade, há uma coexistência de gerações tecnológicas no panorama mundial, ou seja, nuns locais faz-se de uma forma, noutros de outra, conforme o peso conferido a determinados aspectos. E, mesmo a nível interno, no seio de uma determinada organização, podem / devem coexistir diferentes gerações tecnológicas e, naturalmente, com o que elas implicam, diferentes modelos pedagógicos e distintas modalidades de comunicação.

Neste contexto, uma geração poderá provocar mudanças no Ensino a Distância, se alterar a sua visão dos modelos pedagógicos e de comunicação subjacentes.

O cerne da discussão está, então, no facto da inclusão de uma nova tecnologia num determinado modelo de Ensino a Distância não ser, simplesmente, algo com carácter adicional: uma geração de Ensino a Distância não se constrói automaticamente com a mais-valia tecnológica.

Bates discutiu amplamente esta problemática, defendendo qual deve ser o lugar da tecnologia. Para este autor, uma nova tecnologia que domine e defina uma nova geração só poderá produzir alteração no paradigma da instrução, se discutir as mudanças pedagógicas para a sua concretização.

Numa perspectiva pessoal, constato que deve ser a Pedagogia a orientar o uso das tecnologias enquanto instrumentos de suporte à operacionalização de uma determinada visão do ensino e da aprendizagem.

O desafio passa sempre pela evolução das metodologias pedagógicas que são, ou não, utilizadas, independentemente das tecnologias que as suportam. A nova imagem (re)construída do Educação a Distância com base numa abordagem tridimensional poderá, talvez, espelhar:

- o resultado de um processo de evolução das tecnologias;

- o resultado de um processo de evolução da pedagogia;

- o fruto de novas necessidades educativas geradas por novos contextos sociais.

De notar, ainda, que as metamorfoses evolutivas na educação a distância, se bem que impulsionadas pelo desenvolvimento tecnológico, favoreceram a criação de novos contextos, que ultrapassaram algumas dificuldades associadas aos modelos anteriores, nomeadamente em relação à interacção entre os intervenientes no processo ensino / aprendizagem, conduzindo, por outro lado, à emergência de novos ambientes educativos e formativos, aos quais se associa uma grande diversidade de pretextos que os enquadram.

Nas modalidades de Educação a Distância ditas convencionais a independência e a cooperação eram conceitos opostos, sem possibilidade de se co-agruparem, na medida em que a uma maior independência do aluno correspondia (em ordem de espaço e tempo) um maior isolamento e, consequentemente, uma menor colaboração.

Curioso notar que autores há que entendem a evolução das “tecnologias transmissivas” - transmissão e distribuição de conteúdos – génese da Educação (possibilidade do aprendente interagir com o conteúdo por intermédio da máquina) como a forma de fazer emergir as “tecnologias colaborativas”, as quais possibilitam já a interacção entre indivíduos através de redes de comunicação. Actualmente, urge evoluir das “tecnologias colaborativas” para a utilização colaborativa das tecnologias.

Conhecemos hoje os cenários desenhados pelas novas tecnologias quando inter- relacionadas com propostas pedagógicas desafiantes e inovadoras.

Mais do que instrumentos de um currículo concebido de forma inteligente e actual, a aplicação das novas tecnologias ao ensino e à aprendizagem produzem novas formas de organizar e gerir todo o processo e as relações entre os intervenientes.

Estas premissas têm o “condão” de conseguir transformar e reciclar a formação, não só alterando e aperfeiçoando contextos anteriores, como semeando e gerando novos contextos.

Desta forma, é importante tomar consciência de que o “admirável mundo novo” das novas tecnologias de comunicação, caracterizado por atributos como a interactividade, a mobilidade, a convertibilidade, a inter-conectividade, a globalização e a velocidade, se reveste apenas como o denominador comum que pode influenciar o sucesso das actuais práticas pedagógicas ditas presenciais.

Tanto assim é que ousamos, inclusive, afirmar que se pode mesmo até gerar “novas e boas práticas” pedagógicas online.

A criação de novos ambientes de aprendizagem, para dar resposta às necessidades de formação anteriormente citadas, tendo em conta a Era em que vivemos, é, na verdade, algo de prometedor.

3 - A passagem do ensino face-a-face para o ambiente virtual de aprendizagem, pressupõe uma formação do docente. Como considera a professora a questão da formação, de forma a tornar as suas práticas pedagógicas mais efectivas?

Na verdade, o ensino presencial, entenda-se o face a face, requer, da profissão docente, um perfil de competências que enraiza um conjunto de 3 dimensões:

    • de natureza técnico-científica,

    • de cariz didáctico-pedagógico

    • de foro psico-emocional

que, articuladas entre si, permitem ensaiar um conjunto de competências que nos permitem chegar a um perfil de “docente eficaz” no desenrolar das dinâmicas inerentes ao processo ensino aprendizagem.

Quando pressupomos a passagem para o ambiente virtual, errado seria supor que nada de mais-valia poderíamos precisar para manter os nossos níveis de eficiência e eficácia na dita relação pedagógica profícua.

Na verdade, o perfil desejável para um docente online é exactamente o mesmo do docente dito presencial, acrescido de um conjunto de mais-valias que se tornam essenciais e que, se não desenvolvidas, podem "hipotecar" todo o processo.

Tais mais-valias, que não vou enumerar aqui porque se tornaria muito exaustivo e demorado passam pelas mesmas dimensões mas, num contexto muito específico como o ambiente virtual de aprendizagem. A título de exemplo poderei referir que são competências de natureza técnico científica não apenas ligadas ao nosso domínio de saber, mas relacionadas com um leque de domínio transversal à própria internet no geral e plataforma de ensino em particular, entre outras; por outro lado, acresce que, do ponto de vista didáctico pedagógico, as metodologias de ensino ditas presenciais não podem, nem devem, de forma alguma, serem transpostas para o mundo virtual sem as devidas adaptações. Urge desenhar um e-design curricular (e-conteúdos, e-actividades, e-experiências de aprendizagem, e-avaliação, e-recursos etc) de forma a que não seja “calçado o mesmo sapato em diferentes pés”; da mesma forma posso acrescentar que, aspectos relacionados com a postura empática, o domínio da e-escrita, formas de ser e de estar a distância, são aspectos que um docente virtual tem que estar consciente para que continue a estabelecer uma relação pedagógica que alicerce e enraize o processo virtual de ensino aprendizagem.

Tudo o que acabei de referir, tem/deve passar, por um processo de formação inicial ao qual devem ser acrescidos, de forma contínua e sistemática, up-loads formativos de actualização, aperfeiçoamento de competências, por instituições e/ou profissionais credíveis na área.

Pelo que descrevi e para não me alongar muito mais, apenas reforço que, para se ser um docente online consciente e reflexivo temos que dar espaço, a nós mesmos, enquanto docentes, para aprendermos e/ou aperfeiçoarmos, de forma permanente e contínua, para que possamos, cada vez mais e melhor, fazer os outros aprender online.