6. A evolução humana

A temática da Evolução parece encontrar o maior obstáculo à sua aceitação no domínio antropológico.

Na verdade, frequentemente surge a questão da descendência evolutiva e a simples menção de que somos "primos" dos símios (e do chimpanzé em particular) surge como uma aberração para a maioria das pessoas. E não é fácil explicar o seu significado, pois a tentativa de resposta implica, antes de mais, uma cultura científica que a maioria não possui (nem tão pouco quer vir a ter). Além disso, a interpretação corrente do senso comum constitui um obstáculo de peso.

O Homem tem sido considerado como uma figura que ocupa um lugar central e à parte dos outros seres, quer por ter sido criado à «imagem e semelhança de Deus», quer por se sentir como um ser superior - dotado da capacidade de reflectir sobre os seus actos, do engenho de descobrir e de inventar novos instrumentos, dotado do poder conferido pela própria tecnologia e ciência, entre outros atributos.

O Homem crê ocupar um lugar especial no mundo e na vida. Essa crença foi consubstanciada na teoria geocêntrica e primeiramente posta em causa pela teoria heliocêntrica. Não foi fácil destronar o planeta que habitamos do centro do universo, mas restava-nos a convicção do nosso estatuto absolutamente único. Aquilo que Copérnico, Galileu e Newton fizeram pela Física, viria a ser secundado por Charles Darwin no domínio da Biologia. Contudo, faltou a este último uma infirmação das suas teorias, que só viria a ser alcançada com os avanços no campo da Genética e a Síntese Evolutiva Moderna. Ora, o estatuto epistemológico da teoria da Evolução tem sido amplamente discutido e atacado - arrastando consigo a construção dos "factos científicos" para a categoria de "meras suposições" e, consequentemente, destituindo a ideia de evolução humana de um real valor para o conhecimento humano.

a) Novas descobertas

Figura: árvore filogenética da família dos primatas (Fonte: Smithsonian Human Origins)

Devido aos milhões de anos de evolução, os humanos compartilham genes com todos os demais organismos vivos - facto comprovado pela percentagem de ADN em comum. No caso dos símios como os chimpanzés, a percentagem de genes semelhantes atinge cerca de 98%.

Os seres humanos pertencem ao grupo dos Primatas, e estão classificados na ramificação dos grandes símios, um dos maiores grupos de primatas da árvore da vida. Além da similitude a nível anatómico e comportamental, a nossa ligação biológica está inscrita no ADN. Contudo, o ser humano não evoluiu directamente de nenhum primata vivo, antes partilhamos um ancestral comum (do qual divergimos há 6 a 8 milhões de anos) e ocupamos "ramos" diferentes na árvore da vida.

Figura: Linha do tempo contendo as diversas descobertas de fósseis humanos.

Esta nova linha do tempo mostra os fósseis em que nos baseamos actualmente para compreender a evolução humana. O novo fóssil de Ardipithecus ramidus, conhecido como "Ardi", preenche um longo hiato entre o esqueleto de "Lucy", um Australopithecus afarensis, e a linha dos hominídeos que remonta à linhagem dos chimpanzés.

(Fonte: Science magazine).

Descoberta do ano 2009: "Ardi"

A identificação do Ardipithecus ramidus, uma espécie de hominídeo que viveu há 4,4 milhões de anos na actual Etiópia e conhecido por "Ardi", lidera a lista das dez principais descobertas do ano de 2009 eleitas pela revista "Science". Os seus restos fossilizados precedem em mais de um milhão de anos os de "Lucy", o mais antigo esqueleto parcial conhecido de um hominídeo e aproximam os investigadores do último antepassado comum a humanos e chimpanzés. O trabalho de recuperação dos ossos envolveu dezenas de cientistas do mundo todo e quando a montagem do esqueleto finalmente terminou, em 1997, a equipa tinha mais de 125 peças de um indivíduo – uma fêmea de 4,4 milhões de anos de idade - o mais antigo esqueleto de hominídeo encontrado. A nova criatura foi classificada como Ardipithecus ramidius ("raíz dos macacos terrestres").

O que “Ardi” representa para nós:

- É o esqueleto de hominídeo mais antigo já encontrado;

- Coloca em causa a ideia de que o ancestral primitivo mais próximo ao homem é o chimpanzé;

- Aponta para que a transição para o bipedalismo e a alteração na função canina ocorreram provavelmente antes e independentemente das características existentes nos primatas;

- Os pequenos caninos na Ardipithecus indicam uma profunda mudança no complexo sócio-comportamental dos nossos primeiros ancestrais;

- A postura bípede deve ter sido a consequência de uma grande adaptação que proporcionou vantagens biológicas para os antigos hominídeos.

Evidence for Human Origins

Um curto vídeo de apresentação de algumas evidências da evolução humana, sob a forma de fósseis e artefactos, apresentado pelo Dr. Rick Potts.

Um curto vídeo que mostra o elo dos seres humanos com outros primatas, uma vez que estes são capazes de comunicar através do uso de símbolos. Em termos de linguagem, a novidade evolutiva humana reside na escrita.

Disponível em:

http://link.brightcove.com/services/player/bcpid68357708001?bctid=70113981001

b) O estatuto do ser humano

Figura: Comparação dos crânios desde o chimpanzé ao homem moderno.

O registo arqueológico dos hominídeos por um lado, é já bastante satisfatório, permitindo conhecer as transições entre as espécies; por outro, é ainda escasso para que se que se possa responder de uma vez por todas às questões relativas à origem dos seres humanos. Contudo, podemos afirmar com segurança que:

1. Os seres humanos modernos (Homo Sapiens) evoluíram a partir de ancestrais semelhantes a primatas, através de uma série de passos intermédios. O Homem e os grandes Símios (sobretudo os chimpanzés) divergiram a partir de um ancestral comum há cerca de 7-8 milhões de anos;

2. A evolução dos hominídeos não é linear, outrossim importantes aspectos desenvolveram-se em períodos diferentes, uns mais cedo e outros mais tardiamente, bem como em diferentes escalas. Por exemplo, o grande cérebro e o bipedismo, marcas indeléveis do humano, não são concomitantes, pois o bipedismo surgiu milhões de anos mais cedo.

O carácter inacabado do Homem subtrai-o à fixidez instintiva e torna-o apto a desenvolver uma multiplicidade de comportamentos que lhe permitem uma melhor adaptação ao meio. Foi esta plasticidade comportamental que possibilitou a sobrevivência da espécie, tendo conseguido ultrapassar com sucesso as vicissitudes ao longo da filogénese. Assim, é a «abertura do programa genético» que, simultaneamente obriga e permite a aprendizagem.

«A flexibilidade comportamental e cognitiva é talvez a maior vantagem adaptativa da espécie humana». Em conclusão: o carácter inacabado do ser humano não é, portanto, fonte de fragilidades, mas a razão da sua força.

Acerca de Neanderthais e Homo Sapiens (2010)

A revista Science publicou um artigo importantíssimo em Maio de 2010 que abre uma janela sobre a evolução recente da nossa espécie. O artigo publicado pela equipa de Svante Paabo, do Max-Plank Institute de Leipzig, está disponível em http://www.sciencemag.org/special/neandertal e conclui que afinal existe parentesco entre as espécies do Homo Sapiens e do Neanderthal.

O laboratório de Svante Paabo é talvez o único actualmente com capacidade para realizar uma tarefa tão difícil como a de extrair e analisar DNA fóssil de Neanderthais. Contudo, esta investigação só se tornou possível graças aos mapas genéticos de muitos organismos que entretanto foram sendo sequenciados e disponibilizados em bibliotecas de sequências de ADN.

O que nos diz o estudo?

«Comparando sequências extraídas de três ossos provenientes da localidade de Vindija, na Croácia (que se determinou pertencerem a três mulheres diferentes) com o de chimpanzé, e de cinco humanos (um francês, um chinês Han, um papuano da Nova Guiné, um africano San (bosquímano) e Yoruba (África ocidental), os investigadores chegaram à conclusão que há maior semelhança, relativamente a variantes novas de genes, dos Neanderthais com os europeus e asiáticos que com os africanos. A explicação mais plausível é que, quando os antepassados humanos saíram de África, há 80 mil anos, ter-se-ão cruzado com os Neanderthais no médio oriente. Estes cruzamentos tiveram que acontecer nessas populações ainda pequenas e antes de ocorrer a grande dispersão pela Ásia e a Europa dos homens modernos. De outro modo não é possível ter esta distribuição.

Prova-se inequivocamente que houve cruzamentos e que nós temos entre 1 e 4% de genes provenientes de Neanderthais. É uma pequena fracção, mas importante, tanto mais que está presente numa parte muito substancial da população humana.

Prova-se ainda que esses cruzamentos não ocorreram mais tarde na Europa ao longo dos 60 mil anos em que as duas sub-espécies conviveram. Se ocorreram foram muito limitados e pontuais, não havendo evidências neste estudo. Este resultado não vem corroborar as teses de João Zilhão e Eric Trinkaus sobre o menino de Lapedo, que tem sido mantido longe da investigação por outros cientistas. Não prova que ele seja um híbrido nem o seu contrário. Prova apenas que a hibridação era possível e aconteceu. Sabemos que aconteceu no Médio Oriente há 80 mil anos. Mas não há dados de que tenha acontecido na Europa mais tarde. Se tivesse sido muito extensa, então as semelhanças com os Europeus seriam maiores que com os Asiáticos, o que não se verifica. Serão necessários mais dados e de fósseis de outras regiões da Europa para poder ir mais longe.»

(Fonte: http://dererummundi.blogspot.com/2010/05/o-sangue-neanderthal-que-nos-corre-nas.html )

Figura: Três cenários/hipóteses sobre o surgimento do Homo Sapiens e a sua disseminação pelo planeta. (Fonte: Hominidés)

Para saber mais, visite o site francês "Hominidés", onde poderá encontrar diversos materiais sobre a história do Homem, disponível em: http://www.hominides.com

O Projecto Genográfico tem como objectivo registar novos dados sobre a história migratória da raça humana e responder a perguntas antigas sobre a diversidade genética da humanidade. O projecto envolve uma associação de pesquisa sem fins lucrativos entre a National Geographic Society e a IBM, criada em 2005, para durar cinco anos. Utiliza a Genética como ferramenta para obter respostas para questões antropológicas (i.e., acerca do Homem) à escala global.

O geneticista Spencer Well, líder do Projecto Genográfico,, descobriu evidências no nosso ADN que o levaram à teoria de que as primeiras migrações do Homo Sapiens, dentro e fora da África, ficaram a dever-se a mudanças drásticas no clima da Terra. Nos últimos quatro anos, Wells e a equipa internacional do Projecto visitaram os cantos do mundo, recolhendo e analisando amostras de ADN de diversas populações. O projecto oferece a imagem mais detalhada até agora da variação antropológica e clarifica a história genética e migratória do ser humano, o que permite compreender melhor as suas conexões e diferenças na espécie humana.

c) Os PROJECTOS "GENOMA HUMANO" e "GENOGRÁFICO"

O “Projecto Genoma Humano”: a 12/02/2001 foi divulgado na Internet o esquema quase completo do genoma humano (o conjunto dos genes onde está toda a informação para a construção e funcionamento do organismo), onde se constata que o código genético do Homem tem menos genes do que se esperava: uns meros 30 mil. A diferença em relação ao genoma do chimpanzé é também muito pequena, o que prova que não há relação estrita entre a complexidade do organismo e a quantidade de ADN deste. Para além disso, entre cada ser humano são partilhados 99,99% dos genes e daí resultou uma das principais mensagens da comunidade científica: a composição dos seres humanos é igual em todas as regiões do mundo e o conceito de raça não faz sentido!

Há também um conjunto de informações e recursos disponíveis na página http://www.sciencemag.org/special/neandertal/feature/index.html

Figuras: Sequenciação dos genes dos cromossomas X e Y (par 23), com indicação do número de genes e doenças associadas.

Figura: O mapeamento do genoma humano permitirá compreender melhor o funcionamento do organismo a nível celular - dos genes às proteínas.

Figura: Estudo dos marcadores genéticos dos indivíduos, visando o estudo da sua localização na árvore genealógica da humanidade e as suas rotas migratórias.

Para saber mais, consulte:

- O site oficial do Projecto, em: https://genographic.nationalgeographic.com/genographic/index.html

- Veja os vídeos "A Jornada do Homem" (2009) e "A Árvore Genealógica da Humanidade" (2010) da National Geographic Society;

- Realize uma experiência virtual de extracção de ADN em: http://learn.genetics.utah.edu/content/labs/extraction/

PARA SABER MAIS...

- Consulte o excelente site do "Smithsonian Human Origins Program" em: http://humanorigins.si.edu/evidence

- Consulte também "NOVA: Evolution" em: http://www.pbs.org/wgbh/nova/beta/evolution/ e "Becoming Human" em: http://www.becominghuman.org/

Sobre este último, encontra uma transcrição do documentário em anexo(pdf).

- Poderá explorar melhor o projecto "Ardi" no site http://dsc.discovery.com/tv/ardipithecus/ardipithecus.html?smid=YTDSC-YTD-SHP onde encontrará disponíveis os seguintes materiais: Manual interactivo (1. Descoberta; 2. Ardi revelada; 3. Árvore da família humana); vídeos diversos; galeria de fotos da descoberta; trabalho artístico de reconstituição da aparência física de Ardi.