5. A árvore da vida

Darwin dependia dos seus cadernos: neles esboçava ideias, anotava questões, desenhava formas e fragmentos de conversas. Con­tendo as notas dos últimos meses no Beagle e os primeiros meses em Inglaterra, o "caderno vermelho" aborda pela pri­meira vez a evolução - a que chamou transmutação. De 1837 em diante, os livros de notas de Darwin revelam, de forma progressi­vamente mais clara, a construção de uma grande ideia: as plantas e os animais não são imutáveis, pelo contrário, as espécies transformam-se com o tempo e todas se encontram relacionadas por ancestralidade comum.

Na sua obra principal, Darwin afirma: «As afinidades de todos os seres da mesma classe tem sido por vezes representada como uma grande árvore. Penso que esta imagem aproxima-se bastante da verdade. Os verdes e germinados galhos podem representar as espécies existentes; aqueles produzidos durante os anos precedentes representam uma longa sucessão de espécies extintas. (Origem das Espécies, 1872 - 6ª edição)

Vídeos de David Attenborough acerca da "árvore da vida". Saiba mais em: http://www.wellcometreeoflife.org/

A categorização é um dos processos cognitivos essenciais ao ser humano, uma vez que permite incluir objectos singulares num determinado conjunto, facilitando assim a organização de um mundo aparentemente caótico, economizando estratégias de pensamento e facilitando ainda a identificação e actualização do conhecimento.

Numa ciência como a Biologia, os sistemas de classificação são um dos aspectos essenciais para colocar ordem no mundo natural, segundo determinados critérios que estabelecem diferentes configurações da realidade. Em termos filosóficos, o problema do Nominalismo ou do Realismo surge aqui em toda a sua premência: os conceitos universais (género, espécie, etc.) não serão afinal apenas "nomes" que atribuímos ao conjunto de indivíduos que se assemelham sob certos aspectos, mas que carecem de valor objectivo e ontológico - pois apenas os indivíduos existem?

a) A árvore filogenética: percurso histórico

A vida é tão diversificada, que os cientistas têm necessidade de a organizar para a poderem compreender. O primeiro sistema usado para este fim foi a denominada “Escala da Natureza”.

Figura: Aristóteles (384-322 a.C.)

Aristóteles, um dos mais importantes filósofos gregos da antiguidade, classificou todos os organismos vivos então conhecidos em plantas e animais, e criou um sistema no qual as espécies eram ordenadas por ordem crescente de “complexidade” (um critério bastante subjectivo de classificação). Os animais eram, por sua vez, subdivididos de acordo com o meio em que se moviam (terra, água e ar). Esta escala dos seres vivos foi geralmente representada por patamares, sugerindo que os organismos colocados nos patamares mais elevados eram superiores aos demais, e em que o ser humano ocupava o lugar de topo.

Figura: Charles Bonnet (1720-1793)

No século XVIII, Charles Bonnet classificou os seres vivos segundo uma escala mais complexa, publicando a imagem da sua "ideia de uma escala dos seres naturais" na obra Traité d'insectologie (1745) - figura à direita.

A classificação científica moderna radica no sistema de Carl von Linée (ou Carolus Linnaeus), que agrupou as espécies de acordo com as características morfológicas por elas partilhadas. Fixou a nomenclatura binominal, em que o nome de cada espécie é formado por duas palavras: o nome do género e a característica específica.

Figura: A classificação de Lineu com base em características morfológicas.

Charles Darwin encarava os seres da natureza em termos das suas relações e dos seus ancestrais comuns, procurando evidenciar os caminhos da evolução. Neste sentido, representou essa ordem dos seres vivos num modelo filogenético, usando a imagem da árvore.

Figura: Árvore da vida de Darwin (1º esboço, 1837)

Em 1837, Darwin escreveu “I think” (penso que) num dos seus cadernos e desenhou uma árvore para representar a descendência evolutiva.

O grupo ancestral fundador, designado por "1" no desenho, ocupa a base. Os ramos representam grupos de descendentes. O grande intervalo entre os ramos "A”' e "D" indica uma relação de ancestralidade distante. Ramos sem letras, como os que surgem logo depois de "A", à direita e à esquerda do tronco principal, indicam formas entretanto extintas.

Esta representação gráfica da “transmutação” mostra as formas ancestrais na base e os seus descendentes como ramos de um tronco, alguns extintos e outros ainda vivos. Darwin tinha compreendido então que todos os seres vivos estavam relacionados entre si.

Figura: Árvore da vida de Darwin em "Origem das Espécies",1859.

Darwin foi o primeiro a construir uma árvore da vida evolutiva, mas foi muito cauteloso acerca da possibilidade de reconstruir em pormenor a história da vida. No capítulo VI de "Origem das Espécies" apresenta um diagrama abstracto de uma hipotética árvore da vida representativa da evolução das espécies. Assim, esboça uma ideia geral, à qual podem ser aplicados uma série de exemplos.

Figura: A árvore da vida de Ernst Haeckel, em "Pedigree of Man" de 1876.

Será Ernst Haeckel a introduzir legendas na árvore, incluindo o nome das espécies e um esquema mais linear, desde a base até ao alto.

Actualmente, já não se utiliza a noção de complexidade, antes critérios morfológicos e, mais recentemente, similitudes genéticas. O advento da sistemática molecular, que utiliza a análise do genoma e os métodos da biologia molecular, levou a profundas revisões da classificação das espécies e as alterações taxonómicas.

Esta revolução teve o importante contributo de Carl Woese, o qual se baseou na classificação das moléculas. Esta transição de uma classificação baseada no fenótipo (taxonomia) para uma outra, radicada no genótipo, permitiu-lhe determinar as relações evolutivas (uma filogenia) entre as bactérias – aspecto onde outros investigadores tinham falhado. O trabalho de Woese tinha como princípio que «as moléculas são documentos da história evolutiva». Com base na análise filogenética do 16S RNA ribossómico (rRNA), segundo uma técnica pioneira levada a cabo nos anos 70, descobriu organismos primitivos que não encaixavam na classificação existente: introduziu então um novo domínio da vida que denominou “Archae”.

Figura: A nova classificação proposta por Woese.

Woese foi igualmente dos primeiros a propor o RNA World Hypothesis, considerando o RNA como a primeira forma de vida na Terra, tendo este desenvolvido posteriormente uma membrana celular e transformando-se na primeira célula procariótica. Esta hipótese é suportada pela capacidade do RNA armazenar, transmitir e duplicar a informação genética, bem como em agir como um ribossoma. Por ser capaz de se reproduzir, fazendo as tarefas do DNA e das proteínas (enzimas), julga-se que o RNA já foi capaz de uma vida independente.

Figuras: O papel do RNA (RiboNucleic Acid) a nível celular.

Woese considera que cedo na história da vida, quando as células microscópicas singulares reinavam, o material genético deverá ter circulado livremente num processo denominado “transferência horizontal de genes” (HGT), ainda comum nas bactérias actuais, que teria ocorrido antes do desenvolvimento da vida nos três domínios. O Last Universal Common Ancestor (LUCA)* dos três domínios teria provavelmente existido entre 3,6 a 4,1 biliões de anos atrás, mas a transferência horizontal de genes torna muito difícil esse mapeamento. Carl Woese propôs que LUCA seria realmente uma enorme “piscina de genes” (gene pool), uma comunidade de organismos com uma vasta gama de material genético partilhado, de tal modo que tudo seria essencialmente um mega-organismo, mas outros discordam.

*Para saber mais sobre LUCA: http://www.actionbioscience.org/newfrontiers/poolearticle.html

Figura: Comparação entre a perspectiva tradicional e a de Woese.

Figuras: Carl Woese (1925-) e um esquema do seu estudo a nível do rRNA.

Nos anos 90, Carl Woese, propôs, baseado nos seus trabalhos de estudo das proximidades genéticas, um sistema que dividia os seres vivos em três novas categorias taxonómicas: Archaea, Bacteria e Eukarya. Esta concepção veio substituir a dicotomia eucariota/procariota e durante muito tempo não foi aceite no seio da comunidade científica.

b) Evidências da relação entre as espécies

O caso das homologias

Figura: O gradualismo, segundo Darwin.

Segundo Darwin, a evolução processa-se de um modo lento e gradual, sem saltos repentinos, com pequenas alterações cumulativas ao longo do tempo. Estas pequenas mudanças permitiram àqueles organismos que se adaptavam melhor às condições do meio existente viverem mais tempo e reproduzirem-se mais (mecanismo da selecção natural), transferindo essas características para a sua descendência (hereditariedade).

Neste paradigma, é importante encontrar os "elos perdidos", bem como outras provas que evidenciem a evolução em acção.

Figura: Transição de peixe a anfíbio, nem eixo temporal.

Figura: Exemplo de revisão da cladogénese, de acordo com novas descobertas.

As homologias, em sentido clássico, enquanto similitude na estrutura e posição de elementos anatómicos entre diferentes organismos, foram um dos factos evidenciados por Darwin como prova da evolução. Entretanto, o conceito foi redefinido como a estrutura que regista os traços que permitem traçar a linhagem até um antepassado comum. Em 1982, Ernst Mayr afirmou: «Após 1859 houve apenas uma definição de “homologia” de cariz biológico. (…) Considerava que dois organismos eram homólogos quando derivavam de características equivalentes a partir de um ancestral comum.»

Figura: Exemplo do princípio da homologia ilustrado pela adaptação do membro anterior dos mamíferos, onde o pentadáctilo foi modificado para os diferentes usos.

Note-se que a homologia é diferente da analogia. Por exemplo: as asas dos insectos, das aves e dos morcegos são análogas, mas não são homólogas (fenómeno denominado “homoplasia”). Estas similitudes estruturais deveram-se a um tipo de desenvolvimento distinto em termos de linhagens evolutivas, através de um processo de “evolução convergente” (i.e., resultados análogos, mas processos diferentes).

Figura: Exemplo de analogia.

Assim, as homologias constituem uma das evidências da linhagem e ancestralidade dos organismos existentes na Terra.

O caso da comparação genética

Figura: Comparação do ADN comum a diferentes espécies.

Figura: Comparação entre o Homem e a Mosca, a nível de cromossomas.

c) Filogénese e Ontogénese

Ernst Haeckel (1834-1919), estabeleceu em 1866 uma determinada relação entre a ontogénese e a filogénese: segundo ele, as fases de desenvolvimento do embrião humano reproduziriam as fases percorridas pelos organismos inferiores na escala filogenética (recapitulavam os estádios de evolução da vida das espécies).

1. Desenvolvimento ao nível da espécie:

FILOGÉNESE

O termo filogénese refere-se à origem e evolução das espécies, desde as formas mais elementares até ao aparecimento de seres mais complexos, como o ser humano.

É neste âmbito que a teoria da evolução por selecção natural ganha premência: processo evolutivo de sobrevivência daqueles que estão melhor adaptados ao meio em que vivem e, consequentemente, eliminação dos seres vivos que carecem de qualidades para se adaptarem. Transmitidas às gerações vindouras, as capacidades adaptativas permitem a continuação da espécie.

2. Desenvolvimento ao nível do indivíduo:

ONTOGÉNESE

O termo ontogénese indica o desenvolvimento do indivíduo ao longo da vida, desde a fase embrionária à velhice. Tal ocorre na sequência de alterações graduais no sentido do mais simples ao mais complexo; dos diversos estádios de desenvolvimento; da maturação e da socialização.

Contudo, não deveremos esquecer que o programa genético do Homem é aberto: este possui apenas uma programação biológica básica; apresenta esquemas de comportamento não determinados e não especializados como os outros animais; exibe sobretudo potencialidades e não uma programação estritamente orientada para a sobrevivência e adaptação.

A crítica de Stephen Jay Gould a Ernst Haeckel:

«A ontogénese é a causa da filogénese» (e não o contrário), pois...

- A filogénese é o resultado das transformações e processos adaptativos dos indivíduos (das ontogéneses);

- A filogénese é uma sucessão de ontogéneses: as espécies sobrevivem e evoluem devido às mutações genéticas e à selecção natural que ocorre nos indivíduos;

- A ontogénese integra, em cada um dos seus momentos, os efeitos combinados da maturação e da experiência, das interacções genéticas e epigenéticas.

Para saber mais sobre S.Jay Gould, consulte: http://www.stephenjaygould.org/

Figura: A "rede da vida" segundo Doolitle (2000). Fonte: Scientific American.

Assim, alguns biólogos e os filósofos colocam em questão a representação da árvore da vida. Argumentam que não existe um conceito unívoco e coerente dos procariotas; que a vida evoluiu como uma rede e não como uma árvore; e que não existem garantias da possibilidade de reconstrução da história evolutiva. Devido à reticulação derivada do fluxo de genes e da mesclagem de linhagens, os esforços para reconstruir filogeneticamente a evolução humana sofrem as mesmas dificuldades. Estamos perante desafios metodológicos e epistemológicos que urge continuar a pensar e a elucidar.

Recentes descobertas indicam que uma árvore da vida verdadeiramente não existe , pelo que a ideia de um arbusto sem raiz e de forma circular imperfeita tem vindo a substituir a antiga imagem.

Figura: Os 3 domínios da vida, representados num arbusto sem raiz.

Figura: A rede de Ciccoli, gerada por computador com base no genoma (2006).

A sinopse sobre este excelente documentário relativo à Sistemática encontra-se na secção Outros recursos deste site (vídeo disponível na loja francesa da livraria online "Amazon").Poderá ainda descarregar a ficha de exploração do vídeo em "anexo" no fim desta página.

Para saber mais, consulte os sites: - "Evolutionary Genealogy" : http://evogeneao.com/index.html - "Tree of Life Web Project": http://tolweb.org/tree/phylogeny.html - "Yale Peabody Museum - Tree of Life": http://www.peabody.yale.edu/exhibits/treeoflife/learn.html