DO ENSINAR À ENSINAGEM
Léa das Graças Camargos Anastasiou
Universidade Federal do Paraná
Na história da Didática houve época em que a importância do ensinar predominou sobre o aprender. Nessa perspectiva, a ênfase nos métodos, nos recursos e no professor como figura central do processo constituiu base do conhecimento didático. Assim foi a didática comeniana, que se pretendeu uma arte de ensinar tudo a todos, a didática herbartiana, com a precisão dos passos formais definindo uma prescrição metodológica, e, em tempos mais recentes, a crença no poder das tecnologias e das mídias como formas mais eficazes para a transmissão das informações.
Por outro lado, após o estabelecimento da centralidade no "ser que aprende" — iniciado em Rousseau e amplamente desenvolvido no movimento da Escola Nova, no qual contam os interesses, a motivação e a atividade da criança, centro do processo do qual o professor é apenas um "orientador" e "organizador" das situações de ensino —, a aprendizagem tornou-se central.
Os avanços da Psicologia Cognitiva com as contribuições do construtivismo sociointeracionista, de um lado, e os avanços no campo da Didática aliados à própria profissionalização dos professores, de outro, deitando luzes sobre o fenômeno do ensino em situação complexa, permitem que se supere o falso dilema entre ensinar ou aprender ou a questão sobre o que determina o quê. Concorre para isso o entendimento da natureza do ensinar, que necessariamente, enquanto atividade social, tem como compromisso assegurar que todos aprendam, à medida que a escolaridade contribui para a humanização e, portanto, para a redução das desigualdades sociais.
Então, parece-nos que o conceito de ensinagem comporta em si a superação da falsa dicotomia, pois carrega consigo esses compromissos éticos, políticos e sociais da atividade docente para com os alunos, a qual se realiza em determinado espaço institucional.
Ao discutirmos a docência universitária, destacamos a necessidade de compreender o funcionamento do ensino, fenômeno complexo e em situação, suas funções sociais, suas implicações estruturais, e do ensinar como prática social. Ao enfatizarmos a questão da pesquisa da prática de sala de aula, na qual se realiza uma ação auto-reflexiva, propusemos a relação e diálogo com outros campos de conhecimento, porque o ensino não se resolve com um único olhar: exige constantes balanços críticos dos conhecimentos produzidos no seu campo (as técnicas, os métodos, as teorias), para deles se apropriar. Nesse processo, criam-se respostas novas sobre a natureza do fenômeno, suas causas, conseqüências e remédios, assumindo um caráter ao mesmo tempo explicativo e projetivo.
No contexto da análise dessa prática social, vamos centralizar nossas reflexões no ensino e na aprendizagem. Muitos processos de ensino em curso na universidade não passam de meras reproduções de mini-palestras ou reunião de um número determinado de pessoas ouvindo uma delas expor determinado assunto. Muitas críticas já se encontram registradas sobre esse aspecto, chegando a nomear aula magistral "local onde todos dormem e uma pessoa fala". Aí, de fato, o termo "ensinar" está sendo utilizado com a desconsideração de seus elementos essenciais. Nesse contexto, o ato de ensinar resume-se ao momento da aula expositiva, encerrando-se nele e desconsiderando que da ação de ensinar, se conduzida de acordo com os fins educacionais, decorreria a ação de aprender. Portanto, a prática social complexa efetivada entre os sujeitos professor e aluno em sala de aula engloba tanto a ação de ensinar quanto a de aprender.
Essa perspectiva difere daquelas que se referem à aprendizagem como alcance de uma meta e implicam intencionalidade de êxito. Assim, atingir a meta definiria o êxito da tentativa, e somente se poderia afirmar que houve ensino se, de fato, tivesse ocorrido a aprendizagem. Assim, o verbo ensinar contém uma utilização intencional — a intenção da aprendizagem — que nem sempre vem acompanhada da obtenção da meta — a efetiva ocorrência da aprendizagem por parte do aprendiz (cf. Sheffler, 1974). Na ensinagem, a ação de ensinar é definida na relação com a ação de aprender, pois, para além da meta que revela a intencionalidade, o ensino desencadeia necessariamente a ação de aprender. Essa perspectiva possibilita o desenvolvimento do método dialético de ensinar. Vários autores têm contribuído para sua formulação.
Candau (1986) analisa os elementos estruturantes do método didático, os quais fundamentam a ação docente de ensinar: o conteúdo, a estrutura e a organização interna específicos de cada área; o elemento lógico; o elemento contextual no qual se dá a prática pedagógica; o sujeito da aprendizagem e os fins da educação.
Libâneo (1990) enxerga na relação entre ensino e aprendizagem o elemento que possibilita a constituição da teoria didática e da orientação segura para a prática docente, destacando suas dimensões: a política, pois o ensino enquanto prática social favorece transformações; a científica, porque deve revelar as leis gerais e as condições concretas em que se manifestam; e a técnica, enquanto orientações da prática em situações concretas específicas. Nessa relação entre o ensinar da docência e o apreender do aluno, o autor aponta como ações docentes a explicitação de objetivos, a organização e seleção de conteúdos, a compreensão do nível cognitivo do aluno, a definição metodológica e dos meios e fins, demonstrando que o ato de ensinar não se resume ao momento da aula.
Em oposição ao processo de ensino centrado na transmissão pelo docente, do qual decorre a visão de aprendizagem como assimilação, Danilov (1985) destaca a concepção de aprendizagem assumida como desenvolvimento mental e intelectual contínuo dos educandos, durante um processo de apropriação ativa e consciente dos conhecimentos sobre os fundamentos das ciências e sua aplicação prática. Nesse sentido, é função do ensino o desenvolvimento da capacidade de pensar e a aquisição de instrumentos necessários à ação, mediante a "interinfluência entre o objetivo e o subjetivo, cuja essência é a experiência social em toda a suã multilateralidãde e complexidade que se transforma em conhecimentos, habilidades e hábitos do educando, em ideias e qualidade do homem em formação, em seu desenvolvi' mento intelectual, ideológico e cultural geral" (Danilov, 1985, p. 27).
Benedito (1995) aponta como responsabilidade do docente a efetivação das ações correspondentes aos três momentos do ciclo didático, a saber: 1) preparatório ou pré-ativo; 2) de ação docente ou interativo; 3) de avaliação ou pós-ativo.
Esses autores trazem elementos da teoria didática que nos remetem à compreensão de que a ação de ensinar não se limita à simples exposição dos conteúdos, mas inclui a necessidade de um resultado bem-sucedido daquilo que se pretendia fazer — no caso, ensinar. Portanto, tal ação se dirige a uma meta, que se pode encontrar para além dos limites da própria atividade ou de um de seus segmentos, exigindo condições temporais, local planejado e estipulado e participação conjunta dos sujeitos envolvidos no processo, professores e alunos.
Supera-se, portanto, a visão de senso comum da docência associada à aula expositiva como forma única de ensinar, visão que reforçava a ação do professor como palestrante e a do aluno como copista do conteúdo. Nessa superação, a aula — como momento e espaço privilegiado de encontro e de ações — não deve ser dada nem assistida, mas construída, feita pela ação conjunta de professores e alunos.
Na aula tradicional, geralmente se explicita o conteúdo da disciplina com suas definições ou sínteses, desconsiderando que foram historicamente construídas num dado contexto, como sínteses temporárias, afirmações técnicas, interligadas a uma pesquisa científica especial e com propósitos teóricos. Ao tomar a simples transmissão da informação como ensino, o professor fica como fonte de saber, tornando-se no portador e na garantia da verdade. Isso pode provocar, conforme expressão de Not (1979), uma adoção da estrutura do outro, e, quando se fala ao outro, utiliza-se até a mesma linguagem, as mesmas palavras.
O aluno registra palavras ou fórmulas sem compreendê-las. Repete-as simplesmente para conseguir boas classificações ou para agradar ao professor (...) habitua-se a crer que existe uma "língua do professor", que tem de aceitar sem a compreender, um pouco como a missa em latim. (...) O verbalismo estende-se até às matemáticas; pode-se passar a vida inteira sem saber por que é que se faz um transporte numa operação; aprendeu-se , mas não se compreendeu; contenta-se em saber aplicar uma fórmula mágica (Reboul, 1982).
Nessa visão do ensinar, expressão de um senso comum, ficam excluídos aspectos essenciais do processo, tais como a historicidade da ciência, a rede teórica que permitiu à ciência chegar àquela definição ou àquela fórmula, isto é, o conjunto de nexos determinantes daquele conceito ou a síntese teórica que possibilitou sua construção. A ausência desses aspectos sociais e históricos deixa o conhecimento solto, desconectado, sem nexos, fragmentado. Nas aulas, para além do "o quê" e do "como", deve-se ensinar também "a pensar", aspectos que se determinam e se condicionam mutuamente, configurando o ensino como atividade do professor e do aluno, acentuado na atividade do primeiro, e a aprendizagem como atividade do professor e do aluno, acentuada na atividade do segundo.
Ensino e aprendizagem constituem unidade dialética no processo, caracterizada pelo papel condutor do professor e pela auto-atividade do aluno, em que o ensino existe para provocar a aprendizagem mediante tarefas contínuas dos sujeitos do processo. Este une, assim, o aluno à matéria, e ambos, alunos e conteúdos, ficam frente a frente mediados pela ação do professor, que produz e dirige as atividades e as ações necessárias para que os alunos desenvolvam processos de mobilização, construção e elaboração da síntese do conhecimento (Vasconcelos, 1996). Destaca-se, assim, o princípio didático do papel condutor do professor e da auto-atividade dos alunos.
A aprendizagem exige a compreensão do conteúdo pelo aluno. Comprehendere, por sua vez, significa "aprender em conjunto". Isso exige a descoberta ou construção de uma rede de relações, de um sistema, em que cada novo conhecimento é inserido pelo aluno, ampliando ou modificando o sistema inicial, a fim de, a cada contato, alcançar melhor apreensão. Quando isso ocorre, a visão sincrética, inicial, caótica e não elaborada que o aluno trazia inicialmente pode ser superada e reelaborada numa síntese qualitativamente superior, com a análise via metodologia dialética.
Para Machado (1995, p. 21), "compreender é apreender o significado de um objeto ou de um acontecimento; é vê-lo em suas relações com outros objetos ou acontecimentos; os significados constituem, pois, feixes de relações que, por sua vez, se entretecem, se articulam em teias, em redes, construídas socialmente e individualmente, e em permanente estado de atualização". No nível individual e social, a idéia de conhecer assemelha-se à de enredar. Para dar conta desse "enredamento", há que superar por incorporação a simples memorização. O aluno tem de ativamente refletir (no sentido de dobrar-se de novo e de novo — tanto quanto seja necessário), para apropriar-se do quadro teórico objetivado pelo professor e pelo currículo no processo de ensino.
Para efetivar o processo de apropriação, é preciso superar o aprender, que significa "tomar conhecimento de, reter na memória mediante o estudo, a observação ou a experiência", na direção do apreender, do latim apprehendere, que significa "segurar, agarrar, prender, pegar, assimilar mentalmente, entender, compreender".
Daí a necessidade atual de revisar o "assistir a aulas", pois a ação de apreender não é passiva. Exige informar-se, exercitar-se, instruir-se. Pode-se apreender por imitação, por repetição, por ensaio e erro e, num nível superior, quando se atinge a verdadeira finalidade da aprendizagem, pode-se dispensar o modelo, indo além dele. Mas o verdadeiro desafio consiste na abstração, que se efetiva quando se podem conceber noções e princípios, independentemente do modelo ou exemplo estudado, associando idéias e chegando a deduzir conseqüências pessoais e inéditas, mediante uma ação predominantemente motora, reflexiva e/ou perceptiva.
Aprofundando esses processos, Zaballa (1998) diferencia, na aprendizagem, as características de quatro tipos de conteúdos: os conteúdos factuais (conhecimentos de fatos, acontecimentos, situações, fenómenos concretos e singulares, às vezes menosprezados, mas indispensáveis e cuja aprendizagem é verificada pela reprodução literal); os conteúdos procedimentais (conjunto de ações ordenadas e com um fim, incluindo regras, técnicas, métodos, destrezas e habilidades, estratégias e procedimentos, verificados pela realização das ações, dominados pela exercitação múltipla e tornados conscientes pela reflexão sobre a própria atividade); os conteúdos atitudinais (que podem ser agrupados em valores, atitudes e normas, verificados por sua interiorização e aceitação, o que implica conhecimento, avaliação, análise e elaboração); e a aprendizagem de conceitos (conjunto de fatos, objetos ou símbolos) e princípios (leis e regras que se produzem num fato, objeto ou situação).
Apreender não é um processo que se efetive sem rotinas ou ocorra de forma espontânea ou mágica. Ao contrário, exige, exatamente em virtude da intencionalidade contida no conceito de ensinagem, a escolha e execução de uma metodologia adequada aos objetivos e conteúdos do objeto de ensino e aos alunos. Exige do professor, além do domínio do conteúdo a ser ensinado, a competência para uma docência da melhor qualidade (Rios, 2001). Malgrado o fato de alguns alunos chegarem rapidamente às abstrações e sínteses pretendidas, não se deve generalizar essa expectativa aos outros. Ao contrário, exige-se do professor uma competência docente capaz de planejar e efetivar um processo contínuo de ações que possibilitem aos alunos ir construindo, agarrando, apreendendo o quadro teórico-prático pretendido em momentos seqüenciais e de complexidade crescente.
O desafio aí está: superar um modelo centrado na fala do professor — em que se toma o dizer do conteúdo como ato predominante do ensino e a repetição do aluno como ato de aprendizagem — em direção a uma nova construção da sala de aula, em que coabitem tanto o dizer da ciência — por meio ou não do dizer do professor — quanto a leitura da realidade (e a ação sobre ela), da qual o aluno, como futuro profissional, terá de dar conta. O paradigma tradicional, professor palestrante e aluno ouvinte, foi-nos ensinado pela nossa vivência de alunos, sendo, portanto, o que sabemos fazer, por experiência ou hábito, em contraposição a uma crescente necessidade da construção de um paradigma atual, em que o enfrentamento do conhecimento científico existente utilize um processo diferenciado, no qual a construção e a parceria sejam elementos fundamentais da relação.
Ao professor cabe organizar as atividades de ensino, de sua inteira responsabilidade, e as de aprendizagem. Elas deverão atender às características do conteúdo, do curso, da disciplina e, principalmente, dos alunos envolvidos no processo. Por esse referencial serão também organizadas as atividades de aprendizagem, na sala de aula e em outros espaços, individuais e coletivas.
Na organização das atividades de ensino, é importante rever o significado de cognição. Para Wachowicz (1992),
a cognição, enquanto possibilidade de expressar em símbolos conteúdos mentais apreendidos, não termina após formada a abstração desse mesmo conteúdo, mas inicia-se justamente aí, na abstração. Incorporando as operações realizadas, a cognição se realiza quando supera o isolamento em que se definem os conceitos, pondo-os em relação uns com os outros, de modo a comporem estruturas teóricas, estas, sim, explicativas da realidade.
Esse enfoque aponta a necessidade de continuar o caminho iniciado nessa etapa da simbolização, para o que se faz necessária a reflexão sistemática que se dá pelo pensamento e no pensamento, numa ação conjunta de alunos e professores sobre o conteúdo.
Assim, o processo de reflexão mediatiza a apreensão da realidade. Deve-se considerar que o momento de chegada ao símbolo, etapa final do ensino tradicional, se torna em ponto intermediário do processo de apreensão: é necessário realizar todo um "caminho de volta" do símbolo, ao ser confrontado com a realidade e com a teoria existente. Segundo essa lógica (a dialética), "o caminho do pensamento vai de uma totalidade da qual se buscam os nexos internos a outra totalidade, pensada e, portanto, criada no pensamento e pelo pensamento. (...) A totalidade real deve acompanhar todo o processo, e a busca das relações essenciais que organizam essa realidade deve indicar os conceitos que organizam o seu conhecimento" (Wachowicz, 1989, p. 109).
No processo tradicional de chegada ao símbolo, após a introdução, generalização e abstração, essa efetivação do concreto pensado não se dá. A construção do concreto pensado ocorrerá por ser o concreto a síntese das múltiplas determinações, síntese essa obtida pelo processo sistematizado de reflexão. Para isso, são necessárias ações docentes e discentes, próprias a cada área de conhecimento, respeitando suas especificidades determinadas pelo objeto de conhecimento da área, pois "o pensamento não é algo, mas pensamento de algo (...) o conhecido não é o objeto que se torna pensamento mediante um ato mágico, mas o objeto desconhecido, que estava à margem do pensamento, que se torna objeto conhecido através da ação do sujeito sobre ele" (Limoeiro, 1971, p. 116). A ação do aluno se efetivará conforme a direção dada pelo professor ao processo, que é, portanto, de inteira responsabilidade deste.
Um dos grandes desafios do professor universitário é selecionar, do campo científico, os conteúdos e os conceitos a serem apreendidos, em virtude da complexidade, heterogeneidade, singularidade e flexibilidade do conhecimento produzido e em produção, uma vez que a ciência está em constante mudança e construção. Conteúdos e conceitos são parte de uma disciplina e de um quadro teórico-prático global de um curso.
Contêm determinada lógica que leva a uma forma específica de percepção, pensamento, assimilação e ação. Ao apreender um conteúdo, apreende-se também determinada forma de pensá-lo e de elaborá-lo, motivo pelo qual cada área exige formas de ensinar e de apreender específicas, que explicitem as respectivas lógicas. Esse dado aponta para a necessidade de uma competência docente na definição de ações a serem efetivadas pelos alunos sob sua supervisão, visando aos objetivos pretendidos, ou seja, estabelecer um processo de apreensão e construção do conhecimento. Para que tal processo se efetive com a parceria e a colaboração do aluno, é importante o estabelecimento de uma relação contratual na qual ambos, professor e aluno, terão responsabilidades na conquista do conhecimento. A esse processo compartilhado de trabalhar os conhecimentos, no qual concorrem conteúdo, forma de ensinar e resultados mutuamente dependentes, é que estamos denominando de processo de ensinagem (Anastasiou, 1998).
Para ampliar a compreensão desse processo de ensinagem, incorporamos as contribuições de Vasconcellos (1995), referindo-se ao método dialético de ensino, no qual três momentos são fundamentais: a mobilização para o conhecimento, a construção do conhecimento e a elaboração da síntese do conhecimento.
Quanto à mobilização para o conhecimento, trata-se de possibilitar ao aluno um direcionamento para o processo pessoal de aprendizagem, o qual deve ser provocado, caso ainda não esteja presente nele. Caberá ao professor provocar, acordar, vincular e sensibilizar o aluno em relação ao objeto de conhecimento, de tal forma que ele permaneça "ligado" durante todo o processo. Para isso, o autor sugere que se estabeleça uma articulação entre a realidade concreta e o grupo de alunos, suas redes de relações, visão de mundo, percepções e linguagens, de modo que possa acontecer o diálogo entre o mundo dos alunos e o campo a ser conhecido. Ter clareza dos objetivos pretendidos e socializá-los com os alunos é uma maneira de iniciar a parceria, tendo em vista uma prática significativa nas aulas.
O papel do professor será, então, de desafiar, estimular, ajudar os alunos na construção de uma relação com o objeto de aprendizagem que, em algum nível, atenda a uma necessidade deles, auxiliando-os na tomada de consciência das necessidades apresentadas socialmente a uma formação universitária. Isso só se fará num clima favorável à interação, ao questionamento, à divergência, adequado para processos de pensamento críticos e construtivos.
A construção do conhecimento é o momento do desenvolvimento operacional, da atividade do aluno por meio da pesquisa, do estudo individual, dos seminários, dos exercícios, no qual se explicitam as relações que permitem identificar como o objeto de conhecimento se constitui (Libâneo, 1985). Nesse momento, a análise constitui a essência das atividades propostas ao aluno, de modo que possa superar sua visão inicial, caótica, sincrética sobre o objeto do conhecimento. Mediante a análise, poderá construir uma visão qualitativamente superior, uma síntese nova e reelaborada.
Algumas categorias poderão orientar a definição das atividades dos alunos:
· Significação: estabelecer os vínculos, os nexos do conteúdo a ser desenvolvido. A proposta efetivada em sala de aula deverá ser significativa para o aluno, tomando a significação anteriormente citada como o processo de vinculação ativa (mediante necessidades, finalidades) do sujeito ao objeto do conhecimento.
· Problematização: na origem do conhecimento está presente um problema, gênese que pode ser recuperada no estudo do conteúdo.
· Práxis: ação (motora, perceptiva, reflexiva) do sujeito sobre o objeto a ser conhecido. Toda a aprendizagem é ativa, exige essa ação, que também possibilita a articulação do conhecimento com a prática social que lhe deu origem.
· Criticidade: o conhecimento deve estar ligado a uma visão crítica da realidade, buscando a verdadeira causa das coisas, a essência dos processos, sejam naturais, sejam sociais, indo além das aparências.
· Continuidade—ruptura: partir de onde se encontra o aluno (senso comum, visão sincrética) para, sob o efeito da análise, possibilitar a construção de uma síntese que represente um conhecimento mais elaborado.
· Historicidade: trabalhar os conhecimentos em seu quadro relacional, ressaltando que a síntese existente no momento, por ser histórica e contextual, poderá ser superada por novas sínteses. Além disso, identificar e dar a conhecer as etapas de elaboração que a humanidade atravessou para chegar à síntese atual.
· Totalidade: combinar a síntese com a análise, articulando o conhecimento com a realidade, seus determinantes, seus nexos internos.
O terceiro momento refere-se à elaboração da síntese do conhecimento pelo aluno. É o momento da sistematização, da expressão empírica do aluno acerca do objeto apreendido, da consolidação de conceitos. É importante que sejam concebidas como sínteses provisórias, pois, embora superem a visão sincrética inicial, configuram etapas do processo de construção do conhecimento pelo aluno, visando à elaboração de novas sínteses a serem continuamente retomadas e superadas.
Segundo Vasconcellos (1995), a interação intencional, planejada, responsável entre aluno, professor e objeto de conhecimento configura a essência da relação pedagógica. Mediada pelo conhecimento, essa relação permite o alcance da lógica própria das diversas áreas, numa construção inovadora, mobilizando o envolvimento e o comprometimento de alunos e professores no processo de compreensão da realidade e do seu campo profissional nela. Para isso, o desenvolvimento do raciocínio, a precisão de conceitos básicos, o crescimento em atitudes de participação e crítica perante os conhecimentos constituem objetivos essenciais do processo de ensinagem.
Ensinar é um projeto coletivo. Embora cada professor, em sua sala de aula, possua autonomia para desenvolver sua disciplina, esta é parte integrante de um percurso formativo dos alunos. Os saberes do conhecimento específico da área de formação, de sua atuação profissional, de seu campo de pesquisa revestem-se de novas perspectivas, quando confrontados com os dos demais colegas de outras disciplinas. Por isso, faz-se necessário pensar as disciplinas no contexto de um quadro teórico-prático global no que se refere ao campo a que pertence e enquanto um quadro teórico-prático parcial de um processo de formação profissional. Esse é um exercício a ser construído coletiva-mente pelos integrantes dos cursos superiores, na definição do projeto político-pedagógico institucional e no desenvolvimento do curso, representando uma possibilidade de superar a fragmentação curricular: pensar coletivamente o curso, seus fins e valores, as séries iniciais, intermediárias e finais do processo de formação do profissional, os processos mentais necessários ao futuro profissional, a lógica das disciplinas, a melhor forma de trabalhar com os conteúdos tendo em vista os objetivos, as condições institucionais necessárias, etc.
O processo de ensinagem se efetivará nesse trabalho conjunto, na parceria de professores entre si e alunos, numa nova aventura do ensinar e apreender na sala de aula da universidade. Além disso, a aventura e o compromisso da conquista do conhecimento solicitarão posicionamentos de sedução e parceria, na direção de um fazer solidário.
A ensinagem na universidade exige considerações sobre a ciência, o conhecimento e o saber escolar, determinantes do trabalho de alunos e professores.
A maioria dos professores da educação superior teve nos seus cursos de graduação uma formação pautada pela visão moderna do conhecimento. Derivada da especialização, cada disciplina que cursou tinha função em si mesma, sendo assim avaliada. Sem haver um entrelaçamento curricular das disciplinas, cabendo ao aluno fazer as sínteses de que fosse capaz, o processo geralmente culminava num estágio, quando, então, deveria fazer a síntese e a aplicação de toda a teoria estudada nas diferentes disciplinas. Assim, justificava-se a situação do estágio ao final do curso.
Acrescente-se que, nessa formação básica universitária, foi reforçada a visão de que o senso comum é superficial, ilusório, falso e deve ser combatido; de que o conhecimento científico é neutro, verdadeiro em si, cabendo ao sujeito apreendê-lo com a máxima objetividade possível, sem a interferência de valores. A fragmentação conduziu à especialização, a despeito da perda de visão da totalidade, separando os que sabem (cientistas) dos que não sabem (cidadãos comuns), valorizando o conhecimento científico com status superior em oposição ao conhecimento do senso comum. Nosso modo de ver o mundo está impregnado dessa visão da ciência, assim como nossas salas de aula, marcando nossas relações com o conhecimento e com os alunos. Historicamente, os currículos foram estruturados sob a influência dessa visão de ciência, que se traduz no esquema de disciplinas autônomas entre si e em relação às necessidades formativas dos futuros profissionais.
O esgotamento dessa perspectiva manifesta-se na constatação dos problemas da civilização contemporânea. Se, de um lado, o avanço científico e tecnológico levou a sociedade humana a se apropriar de grandes benefícios, esse mesmo avanço, à medida que acarreta a perda da visão de totalidade e da complexidade da sociedade humana que o produz, revela-se gerador de graves problemas e insuficiente para resolvê-los.
No âmbito educativo, a retalhação da ciência em disciplinas isoladas e autônomas em relação aos fenômenos e aos problemas da realidade, gerando uma perda da visão de totalidade e do significado social e humano do conhecimento, impossibilita que se veja a complexidade do que é "tecido junto" (cf. Morin, 2001). Uma formação pautada pela separação, pela dissociação, pela eliminação de tudo o que causa desordem, pela decomposição que não sinaliza o momento de recomposição, de síntese, e não situa as informações em seu contexto e no conjunto a que pertencem estará reforçando a crença no poder da técnica na solução dos problemas. A essa perspectiva Morin opõe a que considera como conhecimento pertinente aquele que trata dos princípios organizadores, com os quais se podem recompor os processos, inserindo e situando a condição humana no cosmo, transformando as informações em conhecimento e este em saber, ultrapassando a causalidade linear e construindo novas respostas aos novos problemas.
Nesse sentido, tomar o senso comum como objeto de análise, a visão dos alunos como ponto de partida, é considerar que o seu pensamento e a sua fala revelam aspectos metodológicos a serem considerados no trabalho conjunto deles com os professores nas situações de ensino, com a finalidade de romper com a evidência do senso comum mediante um novo código de leitura da realidade, construindo um novo universo conceituai e aceitando o desafio de confrontar e transformar o senso comum e de transformar-se nesse processo. A ciência e o conhecimento, enquanto síntese (provisória) sobre o mundo por intermédio do processo de pesquisa, só terão sentido à medida que possibilitarem a compreensão e a transformação desse mesmo mundo (Morin, 2001).
Desse ponto de vista, a ciência pós-moderna caracteriza-se pela busca da superação do conhecimento dualista, pela revalorização dos estudos humanísticos, do conhecimento total, constituindo-se ao redor de temas. Sendo total, é, ao mesmo tempo, local, avança à medida que o objeto se amplia, alastrando-se como raízes em busca de novas e variadas interfaces. Assume que pressupostos metafísicos, crenças e valores fazem parte da explicação científica. Toma o objeto como continuação do sujeito, admitindo que todo conhecimento é autobiográfico. Dialoga com diferentes formas de conhecimento, tem virtude emancipatória e considera que o salto mais importante é aquele do conhecimento científico para o conhecimento do senso comum, visto que o primeiro só se realiza quando se transforma no segundo. O conhecimento se dá não apenas pela razão, mas pelo diálogo dela com o sensível e o emocional. O método, portanto, não é único.
Ao constituir-se pesquisador, efetivando processos de pesquisa, o professor vivência essas características: o autoconhecimento, a necessidade de dialogar com outras formas de conhecimento, a necessidade de socializar os resultados obtidos e a busca de métodos de pesquisa; enfim, o dinamismo da realidade impregna sua vivência e sua autoconstrução como pesquisador.
No entanto, na sala de aula, pelas diferenças existentes entre o método de pesquisa e o de ensino e pelas parcas possibilidades de refletir sistemática e institucionalmente sobre o processo de ensinagem, discutindo e interferindo na organização curricular, o professor acaba por adotar ação calcada no modelo tradicional da ciência moderna, tónica essencial do modelo de ensino em que foi formado. Isso explica o fato de os professores na universidade serem excessivamente preocupados em repassar as sínteses obtidas no avanço das pesquisas, portanto, o conhecimento científico existente, porém marcado pelas características da visão moderna, presentes na sua formação: neutro, descontextualizado, como síntese com valor em si mesma, distanciando o objeto de seu processo de construção, desconsiderando as questões que o senso comum poderia estar formulando sobre ele, tomando-o como definitivo, verdadeiro e inquestionável. A forma pela qual os conhecimentos são solicitados nos instrumentos de avaliação da aprendizagem dos alunos revela a veracidade dessa afirmação.
O conhecimento tomado apenas como produto perde a riqueza de seu processo de construção, elemento essencial na relação que o aluno precisará estabelecer nas sínteses provisórias do processo de aprendizagem. Considerá-lo como síntese comprovada pela autoridade do professor pode reduzi-lo a mera informação, que é captada pelo aluno ouvinte com a preocupação apenas de reproduzi-la na hora da avaliação, a fim de garantir sua aprovação. Dessa forma, o trabalho de ensinar pouco contribui para o desenvolvimento do pen-samento analítico, interpretativo e crítico do aluno. Pouco contribui para alterar suas estruturas mentais de pensamento e de compreensão do mundo. Pouco contribui para formar novos hábitos e atitudes. Pouco contribui, enfim, para sua formação científica profis' sional e humana, na direção de sua inserção nessas esferas com pensamento autónomo, investigativo, com condições para criar e propor. Esse circuito precisa ser rompido e modificado na sala de aula da universidade de hoje. Rompido e transformado, em outra direção.
Santos, B. (1996) aponta alguns componentes que propiciaram o emergir da crise desse paradigma: o conceito da relatividade e da simultaneidade de Einstein, que avança sobre os conceitos de tempo e espaço absolutos de Newton; como contribuições de Heisenberg e Bohr, a questão da interferência do pesquisador no objeto pesquisado e deste sobre o pesquisador, assim como o princípio da incerteza: temos do real apenas aquilo que nele introduzimos; da Biologia, a inviabilização do pressuposto determinista-mecanicista de que o real não se reduz à soma das partes; e os estudos químicos sobre a irreversibilidade dos sistemas abertos e as flutuações de energia que nunca são inteiramente previsíveis, nem lineares, com outra lógica de organização.
Nesse novo paradigma, a história ocupa o lugar do eterno; a imprevisibilidade, o do determinismo; a interpenetração, o da espontaneidade; a auto-organização, o do mecanicismo; a irreversibilidade e a evolução, o da reversibilidade; a desordem, o da ordem; e a criatividade e o acidente, o da necessidade (cf. Santos, B. 1996). Para isso, há que pensar a ordem e a utopia da ordem numa sociedade transparente e sem conflitos, renunciando à ideologia do determinismo. Tomar como objeto a ciência nova, considerando que o universo está submetido a processos de degradação, dispersão, agitação e desenvolvimento, pois ele se ordena, se organiza e se desenvolve desintegrando-se. Nesse sentido, a desordem aparece como um macroconceito que envolve realidades muito diferentes e comporta o aleatório: agitações, colisões, eventos, ruídos e erros, assim como reorganizações, interações, transformações no contexto — necessários à evolução natural. Parte do antigo sistema, em que prevalece a explicação estrutura história, para uma nova leitura, que comporta estrutura sistema evento história... (cf. Morin, 1994).
Esse paradigma — denominado da complexidade — obriga a unir noções que se excluem no marco do princípio da simplificação e redução da visão moderna. A nova lógica então proposta inclui flexibilidade, dialo-gicidade, dialeticidade, pluralidade, e trata o erro, o relativo, a contradição, a ambiguidade, a criatividade como elementos constitutivos essenciais. A essa perspectiva Morin chama ciência com consciência ou "a possibilidade de uma teoria do sujeito no coração da ciência, a possibilidade de uma crítica do sujeito na e pela epistemologia complexa". E continua: "Tudo isso pode iluminar a ética, levando a modificar o semblante do humanismo e permitindo igualmente voltar a abrir o problema político do progresso e darevolução" (Morin, 1994, p. 369). Ideia que se aproxima à de Santos, B., quando este sustenta que todo conhecimento científico-natural é também científico-social, todo conhecimento é local e total, todo conhecimento é autoconhecimento, todo conhecimento científico visa constituir senso comum, buscando um conhecimento prudente para uma vida decente (Santos, B., 1989).
Sobre o saber escolar
Qual a distinção e a relação entre conhecimento científico e conhecimento escolar?
Em Vieira Pinto (1969), encontramos o fundamento dessa distinção e relação, quando afirma que, pelo conhecimento, o homem adquire a capacidade de dominar a natureza, transformá-la, adaptá-la às suas necessidades e que o todo do conhecimento presente em cada época se constituiu pela acumulação de atos singulares — as distintas pesquisas da realidade — sendo, portanto, determinado pela totalidade do conhecimento existente até então.
Uma coisa é o conhecimento como ato vivo de apreensão de um conteúdo da realidade, outra é sua formulação mental e depois verbal. O conhecimento transfere do estado de fato para o estado de representação, no grau que é biologicamente possível a cada animal, a característica distintiva de todo ser vivo, o seu "estar no mundo", resultando da existência do ser vivo no mundo e supondo alguma forma de apreensão do estado presente do mundo e de resposta a ele (Vieira Pinto, 1969, p. 21).
A universidade cabe tratar o conhecimento/ciência, transformando-o em saber escolar, fazendo com que a síntese apresentada nas disciplinas em ação interdisci-plinar seja traduzida ao nível de apreensão dos alunos e efetivada em práticas pedagógicas que garantam a aprendizagem. Para isso, impõe-se uma mudança nas formas de organização de seus currículos que supere as características da ciência fragmentada (justaposição das disciplinas, organização hierárquica, pré-requisitos, disciplinas básicas e profissionalizantes, teóricas e práticas), herdadas do modelo napoleônico, e avance para processos interdisciplinares e para a integração disciplinar, com base na complexidade dos fenómenos que constituem seus objetos de estudo e apontam para uma abordagem temática, entendendo que "os temas são galerias por onde os conhecimentos progridem ao encontro uns dos outros" (Santos, B. 1989).
Todo curso pretende apresentar aos alunos um quadro teórico-prático global com o objetivo de possibilitar sua formação como futuro profissional da área escolhida. A integração das disciplinas curriculares pode ser efetivada mediante uma revisão e reestruturação geral, quando ocorre uma alteração curricular de fato e de direito, ou pode comportar processos de aproximações sucessivas entre as disciplinas, mantendo ainda uma organização interdisciplinar, porém pautada por alguns princípios integrativos, coletivamente identificados. Essas novas lógicas de organização curricular têm recebido várias denominações: ensino por problemas, ensino com pesquisa, eixos integrativos, estudos de meio, projetos integrados de trabalho, centros de interesse (cf. Zabala, 1998).
Em todos os autores citados, relação e parceria são princípios essenciais: da universidade com a realidade onde está inserida; dos professores entre si, na sua pro-fissionalidade, e com seus alunos; dos alunos entre si — num compromisso com a realidade histórica. Esses princípios norteiam a ação docente e impregnam o método de abordar a realidade (pesquisa) e o método de ensinar.
Assim, os momentos de mobilização para o conhecimento, de construção do conhecimento e de elaboração da síntese do conhecimento, a serem organizados e propostos pelo professor, tornam-se em compromisso do coletivo que atua, institucionalmente, em cada sala de aula onde os pares se encontrem.
As discussões acerca do processo de ensino e aprendizagem acompanham a trajetória dos professores há alguns anos. Mais recentemente, pesquisas sobre o ensino superior têm revelado alguns fatores intrínsecos ao ensino nesse nível de escolaridade, os quais podem explicar alguns de seus problemas, como a evasão, a desistência e os resultados precários das aprendizagens. Sem entrar em considerações a respeito de fatores externos, como os de natureza socioeconômi-ca, ligados ao mercado de trabalho e outros, podemos apontar três grupos de fatores: os referentes a uma concepção e prática tradicional do ensino, comportando uma separação entre ensino e pesquisa, com claro favorecimento desta; os referentes aos resultados da escolaridade prévia e ao universo cultural dos alunos; e os referentes às condições da profissionalização e às condições de trabalho dos docentes no ensino superior.
Considerando as concepções e práticas tradicionais, trazidas pelos jesuítas, que impregnaram fortemente o ensino em todos os níveis de escolaridade até os dias de hoje, constatamos que sua influência persiste com mais intensidade no ensino superior. Centrado quase exclusivamente na ação do professor, o ensinar reduz-se a expor os conteúdos nas aulas (ou explicá-los nos laboratórios); ao aluno, resta ouvir com atenção. O professor competente é aquele capaz de expor e explicar um conteúdo com clareza e propriedade e manter o aluno atento. Assim, um bom professor é o que consegue fazer uma boa palestra, cabendo ao aluno ouvir, anotar com atenção e memorizar o conteúdo exposto. Se o conteúdo está explicado, compete ao aluno memorizá-lo e repeti-lo no momento da avaliação, que se caracteriza por "cobrança fiel" do que foi dito pelo professor ou aprendido dos livros que este indicou. Em análise de instrumentos de avaliação utilizados por professores em universidades, são reveladas essas características da devolução ipsis litteris do conteúdo.
Esses procedimentos didáticos revelam uma visão de conhecimento, de ciência e de saber escolar fixa, verdadeira, inquestionável, característica da concepção moderna de ciência. O método de ensinar resume-se na capacidade docente de explicar os conceitos, tomados como sínteses absolutas, e, portanto, não se associa com o dinamismo próprio aos processos de pesquisa, centrados na historicidade, na problemati-zação, na elaboração e levantamento de hipóteses, na busca do novo, no desenvolvimento de habilidades de atenção, na criação de novas respostas a problemas existentes até mesmo mediante a revisão de diferentes teorias explicativas da realidade. Na docência universitária, essa fragilidade do ensinar é reveladora da incapacidade de associação da ação de pesquisar com a ação de ensinar, o que conduz a docência a ser identificada muito mais com a atividade de pesquisa do que com a de ensino.
Quem são os alunos
Ao entrar na sala de aula na universidade, o professor geralmente encontra numeroso grupo de jovens com faixa etária de 17 anos em média, bastante diferen-te do que, possivelmente, esperava encontrar. Muitas vezes, as características reais desses jovens não são objeto de preocupação por parte do professor, que inicia seu contato com os alunos já os identificando como futuros profissionais da área referente ao curso e esperando deles um desempenho ou comportamento direcionado à futura profissão. Outro dado interferente são as lembranças que o docente guarda de si, de quando era um jovem universitário, ou de seu grupo daquele período. E por isso que, muitas vezes, se decepciona com as manifestações dos alunos.
De maneira geral, a visão dos docentes sobre as turmas de alunos com que trabalham é bem pouco positiva. Segundo Chauí, os alunos vêm sendo submetidos a processos de ensino que consideram a ciência pronta e acabada, à espera de aplicação. Assim condicionados, abdicam da necessidade de pensar e de desentranhar o sentido de uma experiência nova ou de uma ação por fazer, sendo reforçados na repetição de modelos abstratos e na aplicação mecânica desses modelos sob a forma de estratégias variadas. Nesse contexto, "não é apenas o trabalho do pensamento que se perde, mas a própria ideia de ação como práxis social, uma vez que a atividade, longe de ser a criação de um possível histórico, se consome numa pura técnica de agir circunscrita ao campo do provável e do previsto" (Chauí, 2001, p. 62-65).
Para alterar essa situação, cabe aos professores, insti-tucionalmente organizados, proceder ao conhecimento e à identificação de quem são seus alunos, o que pensam, o que sabem, suas expectativas, a visão que têm do que é ser profissional da área "escolhida". Em pesquisa feita com 140 professores de uma instituição de educação superior que congrega seis cursos, predomi-nantemente noturnos, a descrição dos problemas percebidos pelos docentes em relação a seus alunos deu ênfase aos seguintes aspectos:
· falta de interesse, de motivação ou de comprometimento com a própria aprendizagem;
· passividade; individualismo. Interesse na nota e em passar de ano e/ou obter diploma;
· falta de disciplina, hábitos de estudo insuficientes.
Somados a esses, acrescentem-se fatores referentes à escolaridade anterior:
· nível de conhecimento ou pré-requisitos insuficientes para acompanhar a graduação;
· dificuldades na interpretação, redação, leitura;
· dificuldades de raciocínio, falta de criticidade;
· alta heterogeneidade em cada classe e diversidade de maturidade geral;
· interesse na nota e em passar de ano e/ou obter diploma;
· falta de tempo para estudar, com pouco contato extra-classe;
· aluno trabalhador.
Analisando esses aspectos, percebe-se que sua ênfase é sobre o desempenho dos alunos. A eles podemos acrescentar outros, que dizem das instituições e são, em grande parte, geradores dessas posturas:
· ausência de clareza da área do conhecimento, seu universo epistemológico e profissional e relações com o mundo, a sociedade, a vida;
· falta de informações claras sobre o percurso formativo que deverão realizar e sobre as exigências que lhes serão feitas;
· percursos formativos estritamente voltados a disciplinas, a aulas, sem perspectivas para o conhecimento das possibilidades de desenvolvimento de pesquisas, de estudos em outros espaços, como as escolas, os espaços culturais em geral, os campos de trabalho; sem perspectivas para o estabelecimento de relações interpessoais e de trabalho com colegas e com os professores.
Essas são algumas características que se reportam à falta de acolhimento da instituição aos alunos e geram as posturas negativas aludidas.
Para aprofundar a análise desses aspectos com o intuito de oferecer pistas para que os professores universitários possam organizar as ações mais significativas com respeito ao currículo dos cursos e em sala de aula, apresentamos alguns dados de pesquisas sobre o jovem no ensino superior.
Machado (1995), analisando pesquisa sobre os alunos do curso superior noturno, destaca os seguintes dados: são jovens, com idade inferior a 25 anos, solteiros, 30% deles dormem menos de seis horas diárias e 63% entre seis e oito horas; 61% declaram que se alimentam mal e 34% relatam que o tempo para repouso é insuficiente. Sem pretender generalizá-los, esses dados permitem indagar sobre o que sabem os professores a respeito das turmas com que lidam por um ou mais períodos letivos e sobre que situações específicas os alunos de suas classes universitárias enfrentam.
Castanho (1989) demonstra que, ao contrário do que se pensa, não há defasagem excessiva entre a faixa etária dos alunos do noturno e os do diurno, o que desfaz o mito de que aqueles são mais velhos. Em sua maioria, cursaram a escola pública noturna no segundo grau, têm pouca história de reprovação e nutrem a expectativa de que o diploma lhes trará mais habilitações. São alunos trabalhadores, o que permite aos professores, no curso superior, aproveitar-se dessa experiência para facilitar a aprendizagem em sala de aula.
Furlani (1998) identifica a questão de género, constatando a preferência masculina pelas áreas da engenharia e a feminina pelas ciências humanas. Também estabelece a diferença entre trabalhador-estu-dante, que depende unicamente de sua renda salarial, e estudante-trabalhador, que conta com a ajuda da família. Com base nesses dados caberia indagar: como estão as solicitações de materiais necessários ao estudo, levando em conta o poder aquisitivo do alunato, e como se dá a utilização do material disponível na instituição: biblioteca, laboratórios ou outros espaços para esses alunos?
Esses dados revelam a importância de identificar quem são os alunos com os quais se compartilhará um semestre ou ano letivo e que participarão no projeto da instituição em que se inserem, nessa rica e preciosa etapa de suas vidas. Se se tem como proposta um processo de ensinagem, tomar o aluno como sujeito desse processo é fundamental para que construa como sujeito. Para isso, há que elaborar e analisar, também com os alunos, instrumentos que permitam caracterizar o grupo em termos de origem geográfica e social, experiências anteriores de escolarização, faixa etária, turno diurno ou noturno, trabalhador ou estudante, inserção pro' fissional, significado desta na vida presente e futura, tempo livre; descobrir e analisar os motivos que os levaram ao curso, expectativas quanto a ele e à disciplina, a forma pela qual operacionalizam suas próprias aprendizagens (hábitos de estudo), o nível de conhecimento que possuem, habilidades que dominam e outros dados que sejam importantes para a compreensão da pessoa de cada aluno e das características dessa geração universitária com quem se partilha a saia de aula. Com os necessários cuidados com uma indevida generalização, esses aspectos vêm sendo apontados em diferentes encontros com docentes do ensino superior, numa análise e reflexão que ampliam a compreensão do porquê de sua presença em nossas salas de aula.
Sobre desinteresse, falta de comprometimento, passividade , individualismo e outros
Sobre desinteresse, falta de motivação ou de comprometimento com a própria aprendizagem, passividade, individualismo, interesse na nota e em passar de ano e/ou obter diploma — comportamentos amplamente constatados nos depoimentos dos professores —, é preciso considerar que essas posturas estão inseridas num contexto social cuja lógica dominante — que muitas vezes é adotada pelas próprias instituições e as estrutura — é a de considerar o aluno como "cliente", que ali está pagando por um "produto", sendo a função do professor tornar esse produto "atraente", numa situação em que o importante é o certificado, e não necessariamente a qualidade das aprendizagens.
Responsabilizar-se pela aprendizagem aponta para a necessidade de transformar essa lógica do lucro na da educação, o que supõe a discussão de valores com o alunato, a explicitação deles e em que base queremos nos fundamentar, para que se estabeleça um contrato de trabalho formativo, com responsabilidades claramente assumidas pelos alunos, os professores e a instituição. Estamos falando de valores, de um posicionamento não alienado sobre a própria vida e sobre o processo formativo que o aluno veio efetivar na graduação. Outrossim, do reposicionamento do eu do aluno diante do social, essencial à construção de um possível processo crescente de cidadania, de exercício profissional compromissado com a melhoria da qualidade da vida humana em geral. A "universidade de mercado" não dá conta dessa perspectiva.
Explicitadas as finalidades sociais da universidade, numa proposta curricular que desafia o aluno a realizar ações que relacionem a teoria e a prática desde o início do processo, o engajamento no curso torna-se mais possível, mediante a inclusão de situações sistemáticas de ensino que mobilizem a reflexão em torno das ações pretendidas, com um chamamento contínuo ao eu dos sujeitos alunos e professores para que despertem para os problemas presentes em nosso cotidia-no mundial, em busca de superar a alienação presente na formação discente.
Uma das formas que vêm sendo utilizadas diz respeito a ações mediante as quais o aluno tenha necessariamente de refletir sobre seu papel na construção do conhecimento e do seu próprio eu, como cidadão e futuro profissional. Nos cursos de formação contínua de docentes do ensino superior, tem sido utilizado um recurso interessante para viabilizar processos de reflexão: trata-se da construção do memorial pelos docentes participantes. Esse recurso tem-se mostrado muito eficaz na ampliação do autoconhecimento por parte dos docentes alunos. Na maioria das vezes, essa atividade constitui a primeira oportunidade de refletirem sobre seus percursos de vida, de formação académica e profissional, e os sistematizarem para si próprios, incluindo aí a percepção de como esses aspectos vêm determinando seu modo de ser no mundo, suas escolhas, suas dificuldades, seus limites e possibilidades e seu modo de ser professor. O roteiro desse memorial pode ser elaborado pelos docentes. Essa revisão dos próprios processos tem possibilitado a compreensão dos processos dos alunos no tocante ao estudar, ao aprender, ao fazer escolhas, ao tomar decisões, ajudando os professores a, por sua vez, realizar com eles essa atividade. O memorial, então, está se configurando como um recurso essencial na construção da identidade de professores e de alunos, no estabelecimento de seus contratos de ensino e aprendizagem, na conquista de maior autonomia de ambos em relação ao conhecimento produzido e na busca da construção de novos — à medida que lhes permite se situar como sujeitos.
Sobre heterogeneidade, diversidade de maturidade e aluno trabalhador
Sobre a elevada heterogeneidade em cada classe, a diversidade de maturidade dos alunos e o aluno trabalhador, convém admitir que lidar com o diferente não é fácil. Embora em nível discursivo se proclame a importância da diversidade, ao entrar numa sala de aula, seria mais fácil não ter de lidar com tamanha diversidade quanto ao domínio do conhecimento. Acreditar e apostar na riqueza das trocas e usar essa riqueza na organização das atividades na sala de aula é uma maneira de fazer frente à diversidade.
Para lidar com o diverso, a teoria pedagógica ressalta a importância do mediador nos processos de aprendizagem: o mediador entre o aluno e os processos que nos desafiam — a saber: conteúdo e forma de assimilação — pode ser o professor, uma atividade planejada (filme, visita, estudo de caso, texto) e/ou o próprio colega, que, por motivos vários, detém competência diferenciada sobre a questão tratada. É o caso do aluno trabalhador, que, quando atua no mercado referente ao curso, auxilia na associação dos elementos tratados com a realidade vivenciada; nestes casos, o aluno trabalhador pode atuar como excelente aliado ao processo vivenciado por toda a classe. Assim, contar nas salas de aula com a presença de alunos trabalhadores pode tornar-se num elemento de grande contribuição no processo de relação entre teoria e prática. No entanto, para isso é essencial que o professor conheça seus alunos e, pelo vínculo que constrói com o grupo de trabalho, destaque e aproveite a experiência de todos os participantes.
Sobre hábitos de estudo, dificuldades de raciocínio e falta de tempo para estudar
Sobre hábitos de estudo insuficientes, dificuldades de raciocínio e falta de tempo para estudar, é necessário deixar claro que aprender a estudar é sempre possível. Muitas vezes falta a orientação básica sobre como estudar um texto, como trabalhar com os modelos matemáticos, como encaminhar um trabalho, como consultar um fichário de biblioteca. Alguns cursos apresentam, no seu início, uma disciplina de metodologia científica cujo encaminhamento contempla esses aspectos. De qualquer forma, o colegiado docente pode se organizar em cada fase do curso para propor ações conjuntas que auxiliem na construção de uma autonomia crescente, em vista da competência necessária ao profissional que sairá do curso. É frequente o projeto político-pedagógico dos cursos explicitar um conjunto de habilidades que deverão ser desenvolvidas no seu decorrer com base no perfil profissional pretendido, mas raramente explicita um programa das aprendizagens necessárias a serem realizadas nas disciplinas que caminhe naquela mesma direção. O aluno passará conosco alguns preciosos anos, e é ali que o precisaremos estar ensinando ou fazendo apreender o que lhe será necessário para sua vida profissional.
A questão do tempo disponível é algo que não pode ser ignorado: há atividades que podem e devem ser desenvolvidas na sala de aula, sob a supervisão do professor, principalmente aquelas de maior complexidade e que exigem supervisão. Há outras que o aluno pode e deve fazer por si e independentemente da supervisão docente, pois é preciso construir a autonomia com o aluno, em processos paulatinos de soltura. Em currículos mais atualizados, a integração das disciplinas vem auxiliando sobremaneira, uma vez que atividades comuns conjugam disciplinas afins, o que representa ganho de tempo para o aluno e maior aprendizagem.
Não se trata aqui de ignorar as dificuldades constatadas; ao contrário, trata-se de conhecê-las e programar, o mais coletivamente possível, ações entre docentes e discentes a fim de superarem as dificuldades constatadas. Esse projeto pode ser até escalonado conforme as diversas fases do curso em questão. Quanto mais cedo forem percebidas as dificuldades e traçadas as linhas de ação, maiores serão as possibilidades de superação dos problemas no decurso dos anos, semestres ou fases dos cursos. Todavia, mesmo em se tratando de semestres finais, se os alunos estão prestes a concluir sua graduação, toda ação deve ser tentada no sentido de minorar ao máximo as dificuldades. O inaceitável, entre professores universitários, é estar acompanhando alunos que entram com certas dificuldades e concluem seus cursos, obtendo um diploma com a nossa conivência, sem terem superado as dificuldades inicialmente constatadas, mesmo tendo passado quatro ou cinco anos na universidade.
Em nossa experiência, acompanhando trabalhos diferenciados com alunos com as características citadas, constatamos grande avanço sobre a alienação, as dificuldades de se assumirem como sujeitos de seu trabalho discente, as falhas de redação, a falta de tempo para estudar e a falta de pré-requisitos. Em relação a esses aspectos, os resultados são visíveis já no primeiro semestre de trabalho, embora outros aspectos somente sejam superados no decorrer do curso.
Sobre falta de criticidade e questionamento
Um elemento muito destacado na descrição das dificuldades que os docentes identificam em seus alunos é a questão do criticidade. Como compreendê-la? Muitas vezes, a passividade corporal, a não-par-ticipação verbal, a timidez, o medo de estar em foco a que fomos condicionados nos ambientes escolares levam o aluno a uma aparente postura acrítica. O próprio condicionamento de repetição do que disse o professor nas avaliações também atua como reforçador dessa postura.
Em avaliação institucional que realizamos em instituições de ensino superior isoladas, verificamos que os alunos classificados por seus docentes como "não críticos" realizaram interessante avaliação institucional, registrando pareceres referentes a todas as categorias questionadas, desde o funcionamento institucional até o desempenho docente. Indivíduos acríticos teriam dificuldades em registrar estes dados:
Sinto-me desmotivado, pois o ambiente encontrado em sala de aula é muitas vezes parecido com um curso de nível secundário. Esperava que os assuntos de interesse da comunidade fossem trazidos para serem discutidos como envolvimento de todos os cursos...
Mais reunião pedagógica entre os professores para integrar conteúdos...
Inflexibilidade docente prejudica a manifestação... Banir uso do celular (professores e alunos) em aula...
Integrar mais o curso % com outros cursos da instituição. Não nos tratar como cobaias. Planejar melhor as fases que virão. Escolher profissionais com melhor didática de ensino...
Mais exercícios em sala de aula, visitar empresas, ouvir reclamações/críticas dos alunos...
Como podemos constatar, os alunos destacam pontos essenciais do sistema de ensino por eles percebidos: a continuidade da reprodução de conhecimentos, o trabalho docente não integrado, a distância do curso com a realidade, a questão didática, a questão ética e de postura, etc. Nesses depoimentos, observa-se grande coerência entre as citações dos alunos e as dificuldades mencionadas pelos próprios professores ao fazerem um levantamento dos problemas institucionais.
Poderíamos, então, perguntar: estará, de fato, faltando juízo crítico? Quais as situações planejadas pelos docentes para a expressão do juízo crítico do aluno? Como reagir quando os aspectos criticados têm que ver com o desempenho docente, com as dificuldades próprias das disciplinas ou da fase do curso em que se atua? Em que medida organizam-se ações nas quais esse juízo crítico possa ser aprendido, desenvolvido, aprimorado? Os currículos dão margem à flexibilidade que permita uma ação crítica aos professores? Os elementos de contradição entre a teoria e a prática, entre as disciplinas predominantemente teóricas e/ou reflexivas e as técnicas, assim como as situações de estágio são devidamente esgotados pelos docentes, visando até mesmo possibilitar o desenvolvimento do juízo crítico pelos alunos?
E, a partir daí, que compromissos institucionais são estabelecidos para a superação desses indicadores?
Não se pode negar que todos esses aspectos citados e outros são próprios a diferentes participantes do corpo discente das instituições e constituem desafios a um trabalho docente da melhor qualidade. Não se pode negar, outrossim, que seria mais fácil trabalhar com alunos que já tivessem superado muitas das dificuldades mencionadas. No entanto, um ponto de partida fundamental ao trabalho docente é o conhecimento do aluno universitário real, para organização do pro-jeto pedagógico institucional e do consequente trabalho docente, visando à superação desse real existente, em direção do desejável e necessário ensino que resulte em formação científica, profissional e humana dos alunos. Todas as pessoas, também alunos que apresentam maiores dificuldades, crescem e se modificam, superando dificuldades inicialmente apresentadas. São esses os alunos que precisam da ação competente do profissional docente; os que "vão sozinhos" prescindem de um comportamento docente diferenciado.
Cabe-nos perguntar: como alterar essa situação?
Faz-se necessária uma mudança na postura de professores e alunos diante da ciência e do conhecimento, conforme análise no item anterior. Fazem-se necessárias alterações nas condições de trabalho dos professores no ensino superior tanto no que concerne à jornada de trabalho — para permitir maior envolvimento institucional, projeto pedagógico coletivo, discussão, avaliação e proposição de novas práticas — como no que diz respeito à postura deles diante de sua profissionalização e identidade como professores. Faz-se necessário organizar os currículos e os percursos formativos dos alunos de modo que se ampliem as oportunidades de inserção pedagógica dos professores e dos alunos no curso que frequentam. Faz-se necessário, enfim, que as instituições de ensino superior possibilitem oportunidades de desenvolvimento profissional de seus professores por meio dos programas de pós-graduação stricto sensu e de programas institucionais de formação contínua, no âmbito da própria instituição, com base nos problemas e nas necessidades que são ali identificados, seja mediante avaliações externas, seja, principalmente, mediante avaliações internas.