WIDU, MUITO ALÉM DO SILÊNCIO
(Romance sobre a existência do universo pensada como enigma)
SINOPSE
Em Julho de 2009, um navio no qual professores universitários brasileiros viajavam desapareceu misteriosamente nas águas do Oceano Pacífico.
De acordo com o noticiário, teria ocorrido um naufrágio nas imediações de Papua-Nova Guiné, em consequência de um “Tsunami”.
Ex-alunos daqueles professores reúnem-se anualmente para uma singela homenagem. Eis aí a motivação para que alguns espíritos inquietos iniciem um angustiante debate para elucidação de um enigma primordial.
Ao percorrerem trajeto semelhante àquele que os desaparecidos professores tinham seguido, o filósofo agnóstico Russell Blade e a médica Eva Marcela envolvem-se, juntamente com um rabino, um bispo católico, e um cientista ateu numa incrível aventura num ambiente incomum _ “Widu”, uma floresta localizada no extremo sudoeste da Ilha Garove _, habitado por seres humanos incomuns...
Neste romance, um homem maduro, casado, logo após conhecer uma linda mulher (também casada) vence seus escrúpulos, senta-se diante da escrivaninha e escreve, num bilhete, o que lhe vem da alma:
“A lua está linda... e penso em você.”
O filósofo Alcino Lagares Côrtes Costa convida os leitores a se entreterem com a leitura da magia de um amor proibido num apaixonante romance nascido no plenilúnio, e lança-lhes o desafio de decifrar o enigma proposto:
“Por que o universo existe... ao invés do nada?”
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UM ROMANCE POLIFÔNICO
Audemaro Taranto Goulart
(Doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada)
Não se pode ler impunemente o Widu – muito além do silêncio. O livro pede – mais do que pedir, o livro exige – um leitor comprometido com um modo particular e contemporâneo de encarar a narrativa literária. A começar pelo fato de que o texto já se anuncia como uma obra que persegue agudas sensibilidades, pelo fato mesmo de lidar com reflexões que se organizam de modo bastante original. Isso é como uma advertência que já se faz ao leitor, na medida que o romance transita na senda do conhecimento, perguntando (-se) sobre um mistério, tal como está registrado em sua capa: “a existência do universo pensada como enigma”.
Lembro, para tanto, a quantas andou a angústia existencial do ser humano ao se ver confrontado com um enigma que anda paralelo a este que o livro anuncia. Na época em que o Humanismo seduzia o homem com suas conquistas e um progresso irrefreável, surge a grande revolução promovida por Copérnico, ao propor sua teoria heliocêntrica. Na verdade, pensar o Sol como centro do sistema e a Terra como um mero participante, numa posição periférica, correspondia a um terrível enigma. Isso tem muito a ver com a Reforma protestante que foi lançada por Martinho Lutero e com a paralela Contrarreforma que foi disparada pela Igreja católica, para combater os efeitos da Reforma. Esse embate jogou o homem num abismo sem precedentes, de vez que na crença do geocentrismo predominava uma noção clara de finito que colocava o homem no centro do universo. Deslocando-se a Terra para a extremidade do sistema, perguntava-se o que representaria o espaço posterior à relação com o Sol. E aí, tinha-se a resposta: é o infinito. Mas também se perguntava: o que é o infinito e a resposta não poderia ser mais ambígua: é o tudo; mas o que é esse tudo? é o nada. Essa contraposição é resultante do processo mesmo em que se deu o confronto entre o humanismo renascentista e o teologismo medieval que representavam, respectivamente, a esperança no homem e a crença em Deus. Tem-se, aí, a angústia de um desconhecimento que tornava o homem um ser desconfiado de quem realmente ele era e o que representava.
Reflexões desse tipo são importantes para mostrar o que eu chamaria de planta baixa do romance de Alcino Lagares. A narrativa se faz numa espécie de amálgama entre a tradicional trama de acontecimentos e um processo singular de narrar essa trama. Lá tem-se, pois, o romance tradicional, com sua paisagem de aventuras e de acontecimentos fabulosos, tal como se deu com o que os personagens enfrentaram na ilha de Widu, tem-se a história de amor representada no casal enamorado Russel Blade e Eva Marcela, além das desavenças e os enleios dos relacionamentos familiares, os desejos frustrados e desmotivadores, enfim, uma torrente de ações acessórias ligadas à ação principal, compondo um todo de inúmeras ramificações.
Mas há algo instigante que pode passar despercebido do leitor menos atento. Refiro-me às páginas introdutórias dos capítulos, onde pousa uma notável alegoria do que o livro coloca como matéria a ser narrada. Assim, em tais páginas, transitam reflexões filosóficas, que vão desde a antiguidade clássica até a filosofia da modernidade, a psicanálise freudiana, a tragédia shakespeariana, a psicologia, as considerações einsteinianas sobre instigantes teorias científicas, a sociologia. Ali se projetam reflexões que ultrapassam a dimensão filosófico-científica para se incorporarem ao processo narrativo, emblemando a linha de força do romance, sobretudo no que diz respeito aos aspectos do conhecimento e da insignificância do homem diante do majestoso, enigmático e desconhecido universo.
O leitor atento vai dar-se conta disso, percebendo que a leitura do livro se faz em todas as páginas e não apenas nos lances dramáticos dos acontecimentos que produzem a fabulação da estória. Vendo que um segmento se completa no outro, o leitor atento vai também deixar-se atravessar por uma angústia bastante característica que é a angústia do saber. É aí que ele vê brilhar a famosa frase atribuída a Sócrates, o só sei que nada sei, frase que, na antropologia e na filosofia contemporâneas, reverberam em vários autores, como é o caso de Lévi-Strauss que toma o mito de Édipo, analisando-o de uma perspectiva antropológica para mostrar que a sua estrutura põe à mostra o agudo problema do conhecimento. Na análise do mestre belga, vê-se que as duas teorias existentes para explicar a origem do ser humano – o criacionismo e o evolucionismo – são inconsistentes em si mesmas e não conseguem jogar mais luz sobre o problema, para além daquela já antiga luminosidade que está amparada na dogmatização da fé e no entusiasmo cientificista de Darwin que, ao fim e ao cabo, não consegue uma explicação isenta de lacunas e de falhas. Aliás, esse ponto é significativamente abordado no Widu, sobretudo nos discursos dos cientistas e dos religiosos que se enfrentaram nos debates na tribo Forê.
Se se toma a angústia do conhecimento, transitam no livro páginas e páginas que se voltam para a questão, tanto no corpo da narrativa fabular como no das páginas introdutórias dos capítulos. Ali fica estampado quão insignificante é a reserva de conhecimento que o homem tem, coisa que pode ser rastreada nas páginas da Lógica do sentido, de Gilles Deleuze. Para tanto, basta acompanhar o raciocínio do filósofo quando mostra que o universo começou a significar bem antes de que o homem existisse e se desse conta, posteriormente, de que precisava compreender o que o universo lhe oferecia. Essa equação era bastante simples. O homem lida com uma infinidade de significantes e com um limitadíssimo número de significados, o que torna a relação entre o que é preciso saber e o que é possível saber bastante desequilibrada. Enfim, esse é o dilema que onera o ser humano: a impossibilidade de um saber totalizador. No corpo da estória, isso fica nítido na contenda entre os quatro discursadores na aldeia Forê. Cada um deles detém uma teoria do conhecimento que sequer consegue mobilizar a boa vontade do outro para acolhê-la. O conhecimento é, assim, sempre precário, fragmentário e insuficiente.
Tudo isso é possível no livro porque a narrativa que ele põe em circulação funciona como um imenso conjunto de vozes que se cruzam, se alternam e se movimentam o tempo todo. Esse é o modelo do chamado romance polifônico de que fala o filósofo e homem da cultura Mikhail Bakhtin que exemplificou essa teorização com a análise dos romances de Dostoievski. No caso da narrativa de Widu, veja-se que além dos discursos dos personagens, surgem também as vozes dos filósofos e cientistas que são focalizados nas páginas introdutórias dos capítulos. Além dessas vozes todas, lembre-se também do que faz o narrador que, além de contar a estória e convocar as referidas outras vozes na abertura dos capítulos, estabelece também uma espécie de diálogo com o leitor, o que, de certa maneira, arrasta quem lê para o centro de gravidade do romance. É nessa situação que o leitor consegue dar-se conta de que é impossível ter certezas, de que não se consegue encontrar uma verdade que predomine sobre tudo e sobre todos. É esse o motivo de o livro articular o real e o imaginário sem privilegiar um ou outro. Inexiste um saber que ultrapasse todas as situações e condições. Nessa situação, faz muito sentido uma das cenas finais, quando ex-alunos promovem uma pequena cerimônia para lembrar o grupo de professores que desapareceu, anos atrás, na viagem para Papua-Nova Guiné. É sintomático que um dos nomes chamados na homenagem seja o de Russel Blade. Real, imaginário, verdade, ilusão misturam-se na narrativa para dizer o que se deve esperar de um mundo controverso, misturado, desprovido de clareza.
Por tudo isso é que se pode dizer que a leitura de Widu – muito além do silêncio tem de ser feita numa perspectiva de suplementação de todas as suas partes, não se podendo dizer qual delas é mais importante, de vez que todas elas se interpenetram para tentar dizer o mais possível. Digo isso porque o dizer tudo é uma ambição vã, basta ver como a narrativa trata com desconfiança tudo que aspira a uma totalidade.
É preciso, pois, desconfiar sempre. Veja-se, a propósito, as citações de Albert Einstein, apresentadas no capítulo “Epílogo”. Mostro apenas uma, das mais expressivas: “Minha condição humana me fascina. Conheço o limite de minha existência e ignoro por que estou nesta terra, mas às vezes o pressinto”. A afirmação corrobora a frase famosa de Voltaire: “Só os tolos não duvidam”. E é por isso que o livro de Lagares elege o enigma como ponto nodal de suas reflexões. É também por isso que, ao final, considerando a pergunta da possibilidade de se ir além do silêncio para a decifração do enigma original, o narrador prefere calar-se. Sábia conclusão. Quando não se pode responder a alguma pergunta, o melhor é calar-se, até porque o silêncio é uma resposta e uma das respostas mais significativas para o aclaramento dos mistérios. Essa resposta talvez seja um privilégio dos loucos, aqueles que, ao fim e ao cabo, são os que melhor compreendem o mundo e seus enigmas.
E para fazer um romance como este, é preciso um autor que tenha ilustração e conhecimento especiais, que tenha um mais-dizer, como Alcino Lagares. A ele, Alcino-autor-narrador, com seu claro saber filosófico, cabe bem uma outra frase famosa, cunhada por Machado de Assis: “Outros leram da vida um capítulo, tu leste o livro inteiro”.