D. PERSEVERAR ATE O FIM
Capítulo 16
1 Vigiem sobre a vida de vocês. Não deixem que suas lâmpadas se apaguem, nem soltem o cinto dos rins, Fiquem preparados, porque vocês não sabem a que hora o Senhor nosso vai chegar.
2 Reúnam-se com freqüência para procurar o que convém a vocês. Porque de nada lhes servirá todo o tempo que vocês viveram a fé, se no último momento vocês não estiverem perfeitos.
3 De fato, nos últimos dias, os falsos profetas e os corruptores se multiplicarão, as ovelhas se transformarão em lobos e o amor se transformará em ódio,
4 Crescendo a injustiça, os homens se odiarão, se perseguirão e se trairão mutuamente. Então aparecerá o sedutor do mundo, como se fosse o Filho de Deus, e fará sinais e prodígios. A terra será entregue em suas mãos e cometerá crimes como jamais foram cometidos desde o começo do mundo.
5 Então toda criatura humana passará pela prova de fogo, e muitos ficarão escandalizados e perecerão. Contudo, aqueles que permanecerem firmes na fé serão salvos por aquele que os outros amaldiçoam.
6 Então aparecerão os sinais da verdade. Primeiro, o sinal da abertura no céu; depois, o sinal do toque da trombeta e, em terceiro lugar, a ressurreição dos mortos.
7 Ressurreição sim, mas não de todos, conforme foi dito: "O Senhor virá, e todos os santos estarão com ele".
8 Então o mundo verá o Senhor vindo sobre as nuvens do céu.
Explicações
Explicações do Pe. Ivo Storniolo e Euclides Martins Balancin – "Didaqué – O catecismo dos primeiros cristão para as comunidades de hoje" – São Paulo: Edições Paulinas, 1989.
Cap. 1 a 4 - Catequese fundamental para aqueles que desejam viver e se comportar de modo cristão. O caminho da vida é apresentado nos capítulos 1-4; o da morte, no capítulo 5; o capítulo 6 traz a exortação final desta parte.
1,1 - 0 cristão deve fazer uma escolha fundamental, que definirá toda a sua vida e destino. Não é possível andar com os pés em duas canoas. Só há um caminho que produz vida e realização. Os outros caminhos levam inevitavelmente para a morte em diversos sentidos e níveis.
1,2 - 0 ponto de partida da vida cristã é o amor a Deus, a si mesmo e ao próximo. A medida do amor ao próximo é a mesma do amor que se tem para consigo mesmo. E todas as pessoas, até mesmo os inimigos, são indistintamente o próximo. O amor aos inimigos mostra a originalidade, a radicalidade e gratuidade do amor cristão. Isso não significa que os cristãos não têm inimigos, e sim que eles não são inimigos de ninguém.
1,4 - 0 cristão não age por simples impulso instintivo. Diante da violência, ele não responde com outra semelhante, mas com a violência maior do amor, que é capaz de desarmar o violento. A proibição no final do versículo se refere ao empréstimo ao pobre, que poderia passar necessidade se tivesse de devolver (cf. Dt 24,10-13).
1,5 - Deus dá os bens da vida para serem repartidos entre todos. Por isso, o cristão é capaz de partilhar seus bens com aqueles que não têm. Quem recebe deve ter discernimento, pois o espírito de partilha não deve ser usado como pretexto para acumular ou desperdiçar. Toda contribuição social deve reverterem beneficio do bem comum e não em privilégio daqueles que manipulam a máquina social.
1,6 - Não basta ajudar materialmente o necessitado para desencargo de consciência. É preciso entrar em comunhão, participando de toda a situação do pobre, porque nem sempre a ajuda material é o aspecto mais importante. O grande desafio é acabar com a pobreza, e não simplesmente conservar os pobres como ocasião de fazer caridade.
Capítulo 2
2, 1 a 7 - É uma espécie de recapitulação e ampliação das consequências do Decálogo, retomando o mandamento do amor ao próximo (1,2). O relacionamento interpessoal é enfocado a partir da integridade e veracidade em relação aos outros. As diversas normas podem ser resumidas em três grandes linhas: o respeito à vida, aos bens e à fama do próximo. Tais normas não devem ser compreendidas apenas em si mesmas; elas pressupõem o clima fundamental da vida cristã, que exige fraternidade e partilha (cf. 1,5). O que se requer em primeiro lugar não é a bondade, mas a justiça.
Capítulo 3
3,1: Principio geral: evitar o mal que, a seguir, é apresentado como conseqüência do egoísmo, da falta de auto-controle e da ambição.
3,2 e 3 - Homicídio e adultério têm suas respectivas raízes na falta de auto-controle e na cobiça. Cobiçar não é simplesmente desejar, mas fazer planos e armadilhas para se apropriar daquilo que se deseja.
3,4 - Idolatria é a manipulação do sagrado ou de alguma coisa que é apresentada como sagrada, em vista dos próprios interesses. Essa é a magia que as pessoas usam para conseguir poder e dominação sobre os outros. A pessoa que tem poder acaba acreditando e fazendo os outros acreditarem que ela é absoluta e divina. Essa é a raiz de todo o processo de dominação e opressão religiosa ou política.
3,5 - A mentira oculta uma verdade, à qual o próximo tem direito. Essa ocultação visa os interesses de alguém: dinheiro, prestigio, fama. Ao lado do poder, a riqueza é o outro grande ídolo. Se o poder-dominação é roubo da liberdade, a riqueza é roubo dos bens a que todos têm direito.
3,6 - Blasfêmia é dizer que o projeto de Deus é mau. A murmuração, a insolência e a mente perversa levam à dúvida, à reclamação e, por fim, à blasfêmia. Cf. Ex 16,1-3.
3,7-9 - Desde o inicio de sua existência, a comunidade cristã é convidada a optar pelas pobres, pois são eles que buscam e podem realizar a justiça que Deus quer. Todas as qualidades aqui apresentadas pertencem aos pobres e justos que acreditam no anúncio do Evangelho e lutam pelo reino da justiça. Sua força não vem das armas, mas da violência do amor que persevera, certos da promessa de que os mansos receberão a terra como herança.
3,10 - O cristão sabe que a vida e a história obedecem em primeiro lugar ao projeto de Deus, que quer a vida para todos. Por isso, ele é sempre levado a buscar o significado profundo dos acontecimentos, para além de nus caprichos e interesses imediatos.
Capítulo 4
4,1-14 - Centralizada no amor a Deus e ao próximo, a vida cristã é essencialmente uma realização essencialmente, onde tudo é partilhado fraternalmente.
4,1 - As comunidades ainda não conhecem os Evangelhos escritos. O Evangelho é uma palavra viva, preservada anunciada por pregadores itinerantes, que servem as comunidades e, ao mesmo tempo, dependem delas.
4,2-3 - A comunidade é o ambiente vital dos cristãos, onde eles partilham a vida e encontram apoio para perseverar. Sendo ela mesma o valor máximo, a comunidade deve ser preservada de qualquer divisão, que provém principalmente da competição pelo poder, da busca de privilégios e de sectarismos. A preocupação com a reconciliação é um dever de todos, e supõe imparcialidade quando aparecem conflitos.
4,4-8 - A comunidade cristã reconhece que tudo o que ela é e possui é dom de Deus. Ao mesmo tempo, desde a sua origem, ela se voltou para acolher os pobres e marginalizados. Ora, estes dependem estritamente do espírito de dom e partilha. O importante é que na comunidade o espírito de posse é totalmente superado pelo conceito de necessidade do uso e partilha Deus dá tudo, para que todos repartam tudo, segundo as necessidades de cada um. Viver em comunidade, portanto, supõe que cada um confie plenamente no dom de Deus, libertando-se da preocupação individual e calculista com o amanhã (v. 4).
4,9 - Viverem comunidade supõe educação para isso. E o ponto fundamental é a instrução no temor de Deus. Não se trata de ter medo de Deus, mas de reconhecer que Deus é o Senhor e doador da vida, e seu projeto é que todos repartam a vida entre todos. A educação cristã começa por aqui, mostrando para as pessoas que elas não são auto-suficientes e independentes, mas interdependentes, complementando-se mutuamente na partilha do que cada um é e tem.
4,10-11 - O projeto de Deus é a fraternidade, que desfaz toda e qualquer desigualdade entre as pessoas, para formar a grande família humana. Isso não quer dizer que as pessoas se tornem idênticas; cada um é original e tem sua função própria dentro da sociedade, em proveito do bem comum. Função diferente não quer dizer que uma pessoa seja mais que a outra ou que tenha mais direitos e privilégios, em vista do que é, do que faz ou produz. Todos são necessários e todos têm direito ao necessário para viver dignamente. O v. 11 mostra que as comunidades nascentes ainda não tinham consciência de que o Evangelho exige transformações estruturais para acabar com a desigualdade e a exploração. Todos devem ser respeitados, porque todos são imagem de Deus.
4,12-13 - Defender uma doutrina sem se preocupar com a prática é hipocrisia, um dos grandes males que ameaçam a comunidade. Por outro lado, guardar os mandamentos não é simplesmente repeti-los de cor, mas fazer o que eles ordenam. Trata-se certamente do mandamento de amar a Deus e ao próximo.
4,14 - A confissão aqui não aparece como sacramento juridicamente estruturado. Provavelmente, os cristãos declaravam meus pecados em comunidade, e esta era responsável pelo perdão. Para que a comunidade esteja viva são necessários a confissão e o perdão, que abrem sempre a possibilidade de se converter ao projeto de Deus. A oração autêntica é feita dentro do projeto de Deus e em vista da sua realização (Cf. 1Jo 5,14).
Capítulo 5
5,1-2 - Se o caminho da vida é temer a Deus e amar a Deus e ao próximo; a caminho da morte é o contrário: começa com a ausência do temor de Deus. Sem esse temor, o homem se coloca no lugar de Deus e passa a se julgar como centro e senhor da vida, dispondo de tudo e de todos sem amenor consideração pela vida e liberdade se seus semelhantes. Quando o homem usurpa o lugar de Deus, cria automaticamente o projeto da escravidão e da morte. A lista de vicios e pecados testemunha a monstruosidade da auto-suficiência.
Capítulo 6
6,1-3 - É a conclusão da primeira parte, exortando ao discernimento para não desfigurar o caminho da vida cristã. 0 jugo do Senhor é, provavelmente, o Evangelho vivo, que está representado nesta primeira parte. Não se trata, porém, de imposição, mas de proposta e convite a serem aceitos na medida da possibilidade de cada um. A perfeição deve ser entendida aqui como integridade. 0 v. 3 se refere às disposições tomadas no Concílio de Jerusalém (Cf. At 15,29).
Capítulo 7
Cap. 7 a 10 - É um antigo ritual litúrgico com instruções para administração do batismo (7), sobre o jejum e a oração (8) e sobre a celebração eucarística (9 e 10).
7,1-4 - Nesse tempo, a administração do batismo era feita depois de uma etapa de catequese (‘depois de ditas todas essas coisas"), representada certamente pelos capítulos 1 a 6. Antes da cerimônia, fazia-se um jejum, do qual participavam o batizando, aquele que batizava e outras pessoas que pudessem. A cerimônia propriamente dita era realizada em comunidade. O ritual é simples e se reduz ao batismo com a água e à invocação da Trindade.
A menção de diversas possibilidades (vv. 1-3) faz supor que o mais usual era a imersão em água corrente (rio), ou em outra água (piscina, reservatório). Na impossibilidade disso, bastava derramar três vezes água na cabeça do batizando.
A instrução e o jejum mostram que o batismo era administrado somente para as pessoas adultas. A administração do batismo parece não estar restrita a um ministro especial.
Capítulo 8
8,1-2 - Oração e jejum são duas práticas intimamente ligadas. O jejum lembra à pessoa que existe uma fome maior, que só a vinda do Reino de Deus pode satisfazer. A oração mantém a pessoa aberta para o projeto de Deus e consciente dos pedidos essenciais, para que esse projeto se realize.
O povo desnutrido que passa fome está fazendo jejum contra a sua vontade e, ao mesmo tempo e por causa disso, erguendo o seu clamor para que venha o Reino, a fim de que este, com sua justiça, o liberte de todas as fomes.
Capítulos 9 e 10
Cap. 9 e 10 - A Eucaristia aqui mencionada diverge bastante do rito eucarístico que hoje conhecemos. Talvez não existisse uma fórmula fixa de celebração. O texto deixa claro que a Eucaristia era celebrada dentro de uma refeição comum, que podia ser participada unicamente pelos batizados, isto é, por aqueles que, após a instrução, se haviam comprometido com o projeto de Jesus. Destaca-se também o aspecto da Eucaristia como sacramento de unidade da Igreja (9,4 e 5,5). A observação de 10,7 mostra o ritmo da celebração, que era bastante livre e participativo.
Capítulo 11
Cap. 11 a 15 - Disposiç5es sobre a vida comunitária, com especial atenção para com a hospitalidade e o discernimento dos verdadeiros pregadores (11 e 13), o culto (14) e a organização (15).
11,1-12 - Segundo a Didaqué, as comunidades da Igreja primitiva conheciam os apóstolos, os profetas e mestres. Difícil saber a diferença entre eles, pois parece que a função dos três era anunciar o Evangelho e ensinar. Por outro lado, a insistência na hospitalidade para esses três tipos de pessoas indica talvez que eles exerciam seu ministério de maneira itinerante, visitando as diversas comunidades. Uma das principais dificuldades era distinguir o verdadeiro do falso pregador. Para isso, a comunidade chegou a diversos critérios para reconhecer o verdadeiro pregador: ensinara justiça e o conhecimento do Senhor (v. 2), falar sob inspiração (v. 7), viver como o Senhor (v. 8), praticar o que ensina (v. 10). O falso pregador é aquele que explora a comunidade (v. 5-6.9) e não pratica o que ensina (v. 10).
O respeito pelos pregadores é muito grande, pois nesse tempo a comunidade dependia deles para conhecer o Evangelho. De certa forma, podemos dizer que o pregador, através de sua palavra e vida, era a personificação viva do Evangelho. Porque os Evangelhos que hoje conhecemos eram escritos que circulavam somente em algumas comunidades.
Capítulo 12
12,1-5 - A comunidade cristã vive o clima da fraternidade e da partilha e, por isso, está sempre aberta para acolher aqueles que necessitam de ajuda. Isso, porá», pode tornar-se ocasião para que aproveitadores explorem a boa vontade da com unidade, O discernimento deve atingir também outras áreas de exploração, para que a comunidade não aja manipulada em favor de interesses alheios ao projeto de Jesus. Não basta ser bom: é preciso ser justo e ter muito bom-senso.
Capítulo 13
13,1-7 - O pregador ou agente de pastoral, que emprega todo o seu tempo na evangelização, fica por isso mesmo dependendo das comunidades para sobreviver. Sua situação equivale à dos pobres. Toda comunidade deve preocupar-se não só em sustentar seus agentes, mas também dar-lhes possibilidade para que, de fato, possam prover às necessidades da evangelização.
Capítulo 14
14,1-3 - A Eucaristia é a celebração da fraternidade. Para que ela não seja profanada no seu significado profundo, exige-se reconciliação, não só no momento do culto, mas na vida concreta. Sem isso, o culto não tem sentido.
Capítulo 15
15,1-2 - A Igreja nascente viu-se logo diante dois modelos de comunidade. O primeiro era a comunidade palestinense, mais ligada à tradição, e onde estavam presentes os apóstolos e presbíteros. Na Didaqué, as figuras dos apóstolos, profetas e mestres parecem lembrar esse tipo de Igreja, de modelo judaico, onde também encontramos os sacerdotes, profetas e mestres de sabedoria, O outro modelo de Igreja nasceu fora da Palestina, e era muito mais voltado para a missão e as necessidades que daí surgiam. Esse segundo tipo de Igreja logo teve necessidade de servidores para a comunidade (diáconos) e de supervisores para as diversas comunidades (bispos), escolhidos em clima democrático.
Toda comunidade vive na tensão entre a tradição e a missão. Tradição significa ser fiel ao compromisso com o projeto de Jesus, e a misto significa encarnar esse projeto, respondendo aos desafios de cada tempo e lugar. Essa tensão se resolve quando mantemos um olho no Evangelho e o outro na vida.
15,3 - 0 cimento da vida comunitária é a correção mútua, feita com espírito fraterno. Perdoar-se e reconciliar-se mutuamente é o sacramento básico, porque não é bom viver sozinho, como não é fácil viver junto. De tal modo isso é importante que a comunidade deve ser implacável: isolar completamente quem ofendeu o próximo, até que ele aprenda na própria pele a necessidade da reconciliação.
15,4 - A vida cristã tem na sua frente o Evangelho em exprime como oração (ligação com Deus), esmola (socorro imediato ao próximo necessitado) e ação (transformação da sociedade pecadora na comunidade fraterna que Deus quer).
Capítulo 16
16,1-8 Os cristãos vivem continuamente à espera que se manifestem Jesus e o seu projeto. Isso se realizará totalmente no fim da história. Contudo, é através do momento presente que esse final vai sendo pouco a pouco construído. É essa a esperança que produz perseverança.
16,1-2 - Jesus chega no momento em que a comunidade está colocando em prática o projeto dele. Por isso, a comunidade se reúne para discernir o modo como irá realizar o projeto de Jesus, respondendo aos problemas e desafios do ambiente em que ela vive.
16,3-5 - A comunidade vive na história em constante prova de fogo, porque deve enfrentar projetos contrários ao de Jesus. Muito se apresentam semeando a injustiça, a desigualdade e o ódio, com todas a conseqüências que daí provêm. Por isso o testemunho cristão se faz em meio a conflitos e lutas, e a comunidade deve estar sempre discernindo, para fazer a coisa certa no momento certo. A união e a solidariedade são necessárias para evitar o desespero e o desânimo.
16,6-8 - É através do testemunho cristão que, pouco a pouco, aparecem os sinais da verdade. A abertura no céu permite que os cristãos compreendam o que acontece na história, porque são capazes de ver com os olhos de Deus. Então compreendem que o julgamento (toque da trombeta) se realiza através do testemunho. E quem testemunhar até o fim terá o mesmo destino que Jesus: a ressurreição. Fica então claro que a ressurreição é para os justos, isto é, para aqueles que se comprometem com Jesus e seu projeto. É desse modo que Jesus aparecerá vitorioso, e o projeto de Deus estará completamente realizado: liberdade e vida para todos através da fraternidade e partilha.