2. PREPARATIVOS
2.1. Sobre a viagem de Vasco da Gama
Vasco da Gama foi o capitão escolhido por D. Manuel I (1469-1521) para comandar a expedição que tinha como missão encontrar o caminho marítimo para a Índia. A armada de Vasco da Gama partiu do Restelo no dia 8 de Julho de 1497 e chegou a Calecute, na Índia, no dia 20 de Maio de 1498.
Figura 3: Primeira viagem de Vasco da Gama.
As dificuldades da viagem para a Índia, entre muitas outras coisas, prendiam-se com o conhecimento dos ventos, dos mares e dos céus. Repare-se que a viagem de ida se fez afastando-se a armada da costa africana; a viagem de volta, também por razões logísticas, já foi diferente, tendo sido feita mais perto da costa. Além disso, a interacção com os locais também foi um assunto fulcral. Naturalmente, todos estes factores aparecem no poema. Quanto aos eventos ocorridos na viagem portuguesa, pensa-se que Camões se guiou pelo Roteiro de Álvaro Velho (XV-XVI), que é hoje Património da Humanidade, classificado pela UNESCO [2].
2.2. Sobre a viagem de Os Lusíadas
A viagem de Os Lusíadas não é contada por ordem cronológica. A narração começa com a esquadra de Vasco da Gama já perto de Moçambique: nos primeiros cantos, Camões descreve a viagem da frota desde o Canal de Moçambique até Melinde. A descrição da viagem desde a largada de Lisboa até Melinde é feita no Canto V, contada na primeira pessoa por Vasco da Gama ao Rei de Melinde. A narração continua no Canto VI, com a travessia do Oceano Índico, de Melinde a Calecute.
Tabela 1: A viagem no espaço e no tempo de Os Lusíadas.
2.3. Sobre a viagem feita neste texto
Na versão online deste trabalho são utilizados alguns diagramas geométricos feitos no programa Geogebra [8]. Em particular, os autores conceberam uma plataforma, permitindo efetuar a viagem sobre uma projecção de Mercator (mexendo com o rato numa pequena caravela portuguesa) ao mesmo tempo que se acompanha uma visualização tridimensional e um mapa estelar dos céus de 1497/98. Todos os vídeos dos céus foram feitos com auxílio do programa Stellarium [16].
Visto que se pretende proporcionar, tanto quanto possível, uma experiência visual/sonora, na versão online, o leitor tem acesso ao áudio de algumas declamações. Segundo António José Saraiva (1917-1993),
Um velho preconceito tornou Os Lusíadas apanágio dos eruditos e das escolas; mas há no Poema uma oralidade viva, um sabor da palavra gostosa que é própria dos bardos, aedos, dos jograis, dos Antónios Aleixos que nos restam. É um livro para ser entoado por recitadores, e não analisado por gramáticos. Por vezes interessa pouco o que ele diz, e vale só a língua sonora que percorre os vários graus da escala, uma palavra que esplende, um som rouco de queixa ou um gesto teatral que se entrevê. Por vezes, também, é um brinco meio irónico com palavras que se repetem ou opõem, como os poetas sempre gostaram de fazer diante dos seus auditores… [5]
Inspirado nestas ideias, o actor português António Fonseca (1953-) decorou a obra para a poder declamar [4]. São dele os áudios que apresentamos. Muito lhe agradecemos por os ter disponibilizado.
Neste texto, que é uma versão alargada e melhorada do trabalho [6], usamos a primeira edição do poema, publicada três anos após o regresso do poeta do Oriente [13].
Figura 4: Esquerda - estátua de Camões de Victor Bastos, em Lisboa (wikipedia).
Direita - capa da primeira edição de Os Lusíadas.
2.4. Sobre a viagem celeste do poeta
São imensas as estâncias d’Os Lusíadas com referências astronómicas. A Lua e o Sol são usados em diversas ocasiões para indicação de tempo: a contagem de fases da Lua serve para indicação de intervalos de tempo, enquanto as datas são indicadas pela posição do Sol sobre o Zodíaco. Por outro lado, as estrelas são um precioso auxiliar para o conhecimento da posição dos navegantes: a Ursa Maior, ou Calisto, ou Carreta, indica o pólo enquanto os navegadores se encontram no hemisfério norte, mas quando a esquadra se aproxima d’"os moradores derradeiros, / Austrais, que nunca as Sete Flamas viram" (Canto VIII, 72), passa a servir-se do Cruzeiro do Sul, "nova estrella / não vista de outra gente, que ignorante / alguns tempos esteve incerta della" (Canto V, 14). É no entanto no Canto X, quando a Deusa Tétis mostra a Vasco da Gama "a grande machina do mundo" (Canto X, 80), que Camões revela ser conhecedor da astronomia do seu tempo, dando indicações de que a sua fonte principal é o Tratado da Sphera de Pedro Nunes.
Tabela 2: Ocorrências astronómicas n'Os Lusíadas.