NOVO CÓDIGO FLORESTAL - DESFIGURAÇÃO PREMEDITADA

Veja aqui o que esta acontecendo no congresso nacional com referência a aprovação do desmanche do código florestal

Leia tudo, para assim poder ver e entender

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23 de setembro de 2011

Brasil

Código Florestal é aprovado sem resolver principais problemas de constitucionalidade

[22/09/2011 09:56]

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) aprovou nesta quarta-feira (21/9) o relatório do senador Luiz Henrique (PMDB-SC) sobre o projeto de reforma do Código Florestal (PLC30/11), sem, no entanto, resolver os principais problemas de constitucionalidade do texto.

Senadores de vários partidos – PT, PSDB, PDT, PRB, PSOL, PSB e até do DEM – questionaram vários pontos do projeto, e levantaram dúvidas quanto a constitucionalidade de diversos aspectos. Assim mesmo, e apesar de terem sido apresentadas 96 emendas, a maioria deu um “voto de confiança” ao Relator Luiz Henrique (PMDB/SC), e concordou que todas as questões, inclusive de caráter jurídico, serão discutidas e votadas nas outras comissões (Comissão de Agricultura e Reforma Agrária – CRA; Comissão de Ciência e Tecnologia – CCT; e Comissão de Meio Ambiente – CMA), nas quais a bancada ruralista tem maioria. O acordo foi que, se os problemas de constitucionalidade permanecessem, o texto voltaria à CCJ para ser corrigido, o que contraria o discurso de pressa que motivou a não votação da matéria na comissão ontem. Dos 27 presentes, oito senadores votaram contra o adiamento da discussão, pedindo a votação das emendas: Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), Marcelo Crivella (PRB-RJ), Ana Rita (PT-ES), Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), Lindbergh Faria (PT-RJ), Pedro Taques (PDT-MT), Roberto Requião (PMDB-PR) e Pedro Simon (PMDB-RS).

Voto em separado

No começo da discussão, Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) apresentou voto em separado pela rejeição do relatório de Luiz Henrique. Ele apontou uma série de dispositivos que, no seu entendimento, afrontam a Constituição Federal. “A possibilidade de supressão de APPs, a soma da área de APP como de Reserva Legal, a anistia aos desmatadores, a possibilidade de que Estados e municípios determinem níveis menores de proteção ao meio ambiente, dentre outros aspectos do PLC 30, bem como do parecer do relator nesta comissão denotam evidente afronta a este princípio constitucional”, afirmou, referindo-se ao princípio da proibição de retrocesso.

Ele ainda destacou que o relatório final não levou em consideração a opinião dos especialistas que defendem a manutenção das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e a Reserva Legal (RL), assim como a posição dos movimentos sociais representantes dos pequenos agricultores e da agricultura familiar. Para o senador, o relatório também fere o artigo 225, que garante o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ao permitir a realização de atividades agrossilvopastoris, de ecoturismo e turismo rural nas APPs “sem quaisquer condicionantes”. (Leia aqui a íntegra do voto do senador.)

Também o senador Pedro Taques (PDT-MT) alertou que se o projeto for aprovado, violará a Constituição e não trará segurança jurídica ao setor produtivo. Lindbergh Faria (PT-RJ) disse que o projeto mantém os problemas graves aprovados na Câmara, ou sejam, anistia aos desmatadores e permissão a novos desmatamentos. “É um prêmio à ilegalidade”, disse.

Em defesa do relatório, e contra mudanças no texto, se destacaram a senadora Kátia Abreu (em transição do DEM para o PSD do Tocantins), presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), e Waldemir Moka (PMDB-MS), principais representantes dos interesses dos ruralistas.

Encerrada a votação, o senador Lindberg Farias disse ao site do ISA que considerava uma derrota a decisão da CCJ. “Tínhamos hoje uma clara maioria favorável a mudanças no Código. O problema é que houve uma divergência na tática. Alguns acharam que temos de deixar a discussão de mérito e de constitucionalidade para outras comissões. Se fôssemos entrar no debate mesmo, iríamos impor várias mudanças no projeto. Acho que foi uma perda porque na CCJ é onde tínhamos a melhor correlação de forças.”

Entretanto, o senador do PT do Rio mostrou-se otimista: “Temos de lembrar que vamos ter a Rio+20 no próximo ano e sinto no Senado um movimento favorável a mudanças. Hoje ficou claro que a maioria queria alterações. A forma de encaminhamento é que fez com que houvesse essa derrota. Mas estou muito esperançoso com o que vi hoje na discussão de mérito.”

Para Mário Mantovani, da Fundação SOS Mata Atlântica, o revés foi menor do que ele temia: “O que vimos foi uma discussão sem o nervosismo que tivemos em outros momentos, um entendimento muito forte daqueles que argumentavam contra os ruralistas e eu fiquei muito bem impressionado. A gente sai daqui com certeza de que o debate vai ter muito mais consequência aqui no Senado. Mas ainda tem muito jogo pela frente.”

Mantovani destacou o trabalho de pressão decorrente da mobilização promovida pelos movimentos “Floresta faz a Diferença” e “Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável”. Para ele, “mobilização é a palavra-chave”.

O advogado Raul do Valle, coordenador adjunto do ISA, considera que será uma tarefa difícil para o relator conseguir incorporar - e aprovar – as modificações apresentadas ontem na CCJ, pois a composição das próximas duas comissões é desfavorável a mudanças substanciais. “Agora está tudo nas mãos do senador Jorge Viana, no qual temos total confiança, mas que precisará de uma complexa amarração política para poder fazer o seu trabalho, que é melhorar um texto bastante ruim.”

Para o advogado André Lima, membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente, assessor de Políticas Públicas do IPAM e consultor da SOS Mata Atlântica, o governo teve responsabilidade no resultado de quarta-feira. "Lá na Câmara, em maio, o governo plantou omissão e colheu derrota. O primeiro teste seguinte seria essa votação na CCJ do Senado, mas, também aí, o governo perdeu oportunidade de reverter a derrota anterior e melhorar o texto. Na CCJ tínhamos pelo menos 50% dos senadores com boas emendas, mas, diante da orientação do governo, perdemos esses votos."

Propostas de mudanças

São muitas as divergências quanto aos casos de ocupação das áreas protegidas, em especial cultivos temporários, como lavoura de grãos, feitos nas margens de rios. Para especificar as situações passíveis de regularização, o texto aprovado na Câmara apresenta um conceito genérico de área rural consolidada: "ocupação antrópica pré-existente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvopastoris, admitida, neste último caso, a adoção de regime de pousio". O marco temporal, no entanto, não coincide com nenhuma das modificações pelas quais passou a lei, mas com a edição do Decreto 6.514/2008, que modifica o regulamento da lei de crimes ambientais para incluir sanções administrativas aos proprietários que se recusarem a recuperar as áreas de APP e RL de seus imóveis.

O relator Luiz Henrique manteve o entendimento da Câmara, mas especialistas ouvidos em audiências públicas no Senado afirmam não haver justificativa para a chamada "data mágica". Esse também é o pensamento dos senadores Aloysio Nunes (PSDB-SP), Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) e Lindbergh Farias (PT-RJ), que apresentaram emendas alterando o corte temporal previsto no conceito de área consolidada.

Aloysio Nunes e Valadares sugerem que sejam regulamentadas atividades consolidadas até 24 de agosto de 2001, data da edição da Medida Provisória 2.166/67, que alterou as regras previstas no Código Florestal para áreas protegidas. Conforme argumentam, as novas regras passaram a valer a partir da edição da MP, sendo o decreto de 2008 restrito à definição de sanções aos que descumprirem tal regramento.

Já Lindbergh Farias propõe a data de 12 de fevereiro de 1998, quando entrou em vigor a Lei 9.605/1998, que trata de crimes ambientais. O senador considera que, após essa data, infringiram a lei e são passíveis de punição todos aqueles que desmataram suas propriedades rurais de forma irregular. Ele também propõe suprimir do conceito de área consolidada a possibilidade de regime de pousio - período no qual a área não é cultivada, visando à recomposição de nutrientes pelo "descanso" da terra. Lindbergh argumenta que a prática se justifica apenas em casos de agricultura de subsistência e que, se adotada como regra geral, poderá servir de argumento "sempre que for detectado um processo de desflorestamento".

Regularização de Reserva Legal

A definição do marco temporal no conceito de área consolidada também tem consequência direta nos programas de regularização de Reserva Legal, previstos no artigo 33 do projeto. Para agricultores que participarem desses programas, assumindo compromissos de recuperação florestal, o texto aprovado na Câmara suspende sanções por desmatamento irregular feito até 22 de julho de 2008.

Também para esses casos de isenções quando da adesão a programa de regularização ambiental (PRA), Aloysio Nunes quer fixar o marco temporal em 22 de agosto de 2001. Na emenda apresentada, o senador tucano inclui ainda regra para limitar em um ano o prazo de prorrogação da adesão dos agricultores ao PRA, limitação também defendida em emenda do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES).

Outra emenda apresentada por esses dois senadores, e também por Valadares e Lindbergh, exclui dispositivo que torna legítima toda área consolidada em propriedade que cumpra compromissos do PRA. O projeto já prevê que o agricultor, ao cumprir as obrigações, será beneficiado pela suspensão das multas. Para os parlamentares, uma possível legitimação de cultivos em área protegida impedirá a conversão da multa em serviços de recuperação ambiental.

"A contradição poderá gerar incerteza e insegurança jurídica, além de inserir a conotação de anistia, pelo que se faz necessária a supressão proposta", explica o senador Ricardo Ferraço.

CNBB entra na campanha

Ao som de “Cio da Terra”, música de Milton Nascimento, foi plantada nesta quarta-feira, dia 21, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília, uma muda de ipê branco, em celebração ao Dia da Árvore e também num ato público, organizado pelo Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável, fundado em junho deste ano, do qual a Conferência dos Bispos faz parte.

Representantes de diversas entidades da sociedade civil, ligadas a preservação do meio ambiente, das florestas, dos biomas, e também, os interessados no novo texto do Código Florestal, que tramita no Senado, estiveram presentes. (Leia mais.)

Depois da solenidade, o secretário-geral da CNBB, dom Leonardo Ulrich Steiner, disse ao ISA que gostaria que o novo Código ajudasse a evitar novos desastres. “Também, esperamos que combata a cultura da impunidade, as leis do passado quando não foram observadas, mas também, esperamos a partir desse Código que s leis sejam realmente observadas quanto às florestas. Que ajude a garantir água de boa qualidade para as cidades, acabe de vez com o desmatamento, mas também seja digno do século 21, do Brasil e das futuras gerações.”

No mesmo Dia da Árvore, dom Leonardo foi nomeado pelo papa Bento XVI bispo-auxiliar da Arquidiocese de Brasília, transferindo-o da Prelazia de São Felix do Araguaia (MT). “Plantamos um ipê branco, árvore que floresce teimosamente, que não se entrega, e floresce no período de maior seca do ano”, disse o religioso. Ele adiantou que as paróquias de todo o Brasil vão trabalhar com o Comitê Brasil em Defesa das Florestas para coletar assinaturas em apoio a um Código Florestal que não conceda anistia nem favoreça desmatamentos.

O ex-ministro de Meio Ambiente, Henrique Brandão Cavalcanti, elogiou a participação da CNBB e da Comissão Brasileira Justiça e Paz na campanha em defesa do Código. “Sou muito otimista sobre a consequência desta solenidade. O debate deixa os gabinetes de deputados e senadores e ganha as ruas.” Em seguida recordou uma reunião que manteve com outros ex-ministros do Meio Ambiente no Palácio do Planalto: “A presidente Dilma nos disse que estava muito preocupada com certos favores a desmatadores. Ela nos deixou a impressão de que não vai permitir que isso aconteça.”

Alô Senado recebe mensagens

O canal de comunicação do Senado, para contato da população com os senadores,via twitter, o "Alô Senado", passou a receber, nesta semana, um grande volume de manifestações em sua maioria, contra a aprovação do PLC 30/2011, conhecido como o novo Código Florestal. Entre aqui no "Alô Senado" e mande sua mensagem.

(Com informações da Agência Senado.)

ISA, Julio Cezar Garcia.

Luiz Henrique e Jorge Viana conversam em reunião da CCJ. (Foto: Luiz Alves/Agência Senado)

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VOTO EM SEPARADO

Do Senador RANDOLFE RODRIGUES sobre o Projeto de Lei da Câmara n° 30 que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa, altera as Leis nºs 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nºs 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências.

1 - RELATÓRIO.

Trata-se de exame do PLC 30 de 2011, originário do PL 1876 de 1999 da Câmara dos Deputados, que “dispõe sobre a proteção da vegetação nativa, altera as Leis nºs 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nºs 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências”, também conhecido como Novo Código Florestal Brasileiro.

Este texto resultou da Comissão Especial destinada a proferir parecer ao PL 1.876 de 1999, também conhecida como Comissão Especial do novo Código Florestal, que desde o início teve sua composição, majoritariamente formada por deputados da bancada ruralista, questionada por ambientalistas e pequenos produtores rurais.

No decorrer dos trabalhos da Comissão Especial, que foi presidida pelo Dep. Moacir Micheletto (PMDB/PR) e teve relatoria do Dep. Aldo Rebelo (PC do B/SP), foram aprovados 89 requerimentos de audiências públicas, com um total de 203 convidados. Destas, foram realizadas 14 audiências públicas, sendo ouvidos 36 especialistas na área ambiental.

Apesar do número de audiências públicas realizadas, onde foram ouvidos representantes de todas as opiniões à respeito da legislação ambiental, nota-se que o texto final não levou em consideração a opinião dos especialistas que defendem a manutenção das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente (APP) e a Reserva Legal (RL), assim como a posição dos movimentos sociais representantes dos pequenos agricultores e da agricultura familiar.

Em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados em 26 de novembro de 2009, ainda no início das discussões sobre as alterações na legislação ambiental, o Sr. Luiz Henrique Gomes de Moura deixou bastante clara a posição dos movimentos sociais de pequenos agricultores e agricultores familiares ligados à Via Campesina:

“Trago a defesa de que não há necessidade concreta de se alterar a legislação, mas, sim, de fazê-la realizável e, ao fazê-la realizável, aí, sim, debater se ela é adequada ou não. Necessitamos, então, da efetivação da política de assistência técnica e qualificação dos técnicos na prática de manejo florestal; de fomento à implementação de sistemas produtivos agrossilvopastoris — fomento, porque crédito sacrifica o agricultor em áreas que não deveria sacrificar. A recuperação de reserva legal e de APP tem de ser feita com fomento, não com crédito.

Também precisamos de garantia de compra da produção diversificada e de preços dos produtos da sociobiodiversidade; criação de amplo programa de regularização ambiental com reestruturação dos órgãos de meio ambiente; ações capilarizadas; prazos para adequação e recursos para a implementação de projetos de recuperação, e instituição de programa de pagamento de serviços ambientais.

Repito a pergunta: a questão é de legislação, ou de regulamentação e execução?”

Foi também ignorada a posição do Ministério Público Federal, que se manifestou através do Coordenador de sua 4ª Câmara de Coordenação e Revisão, Dr. Mario Gisi, que em documento entitulado “Os projetos de alteração do Código Florestal na visão do MPF” discorre sobre a importância dos mecanismos de defesa do meio ambiente previstos na atual legislação ambiental, tais como as áreas de preservação permanente e reserva legal, destacando, inclusive, a atual flexibilidade destes:

“Se da revisão da lei florestal não se pretende derrubar uma única árvore, como afirmou a Senadora Katia Abreu em audiência púbica no Senado Federal, o atual Código Florestal traz respostas bastante flexíveis para aquelas situações em que a propriedade encontra-se em situação irregular. Uma delas é o zoneamento ecológico-econômico, que permite e tem permitido a redução da reserva legal para fins de recomposição, como já vem ocorrendo em diversos Estados da federação, e em especial na amazônia legal. São exemplos o ZEE dos Estados de Rondônia, do Pará e Mato Grosso. Alguns inclusive já concluídos.

Aliás, o regime jurídico para a reserva legal não poderia ser mais flexível, pois permite: a) recompor a reserva legal de sua propriedade mediante o plantio, a cada três anos, de no mínimo 1/10. Prazo esse que foi renovado pela MP 2.166; b) compensar a reserva legal por outra área equivalente; c) desonerado das obrigações relativas à recomposição, mediante a doação ao órgão ambiental competente de área localizada no interior de unidade de conservação de domínio público, pendente de regularização fundiária; d) possibilidade de recomposição da reserva legal mediante o plantio temporário de espécies exóticas como pioneiras; e) possibilidade de reserva legal em regime de condomínio entre mais de uma propriedade; f) a reserva legal não é mata intocável, pois pode ser utilizada sob regime de manejo florestal sustentável.” .

Também não foi levado em consideração documento elaborado pela Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência em conjunto com a Associação Brasileira de Ciências, que alerta sobre os problemas existentes nas alterações propostas pelo Dep. Aldo Rebelo nas regras sobre APPs e à RL, uso do solo, dentre outros temas.

Desta forma, conclui-se que, sob o argumento de estar fazendo alterações com base científica, e para auxiliar os pequenos agricultores, a Câmara dos Deputados aprovou um texto que contraria a opinião dos primeiros e os interesses dos segundos, privilegiando, mais uma vez, o grande produtor do agronegócio, da monocultura de exportação.

Cumpre ainda salientar que em votação no Plenário da Câmara dos Deputados foi aprovada, com o voto da bancada ruralista e de membros da oposição de direita ao governo, a emenda 164, que alterou o Art. 8° do Projeto de Lei, legalizando as atividades implantadas em APP até o dia 22 de julho de 2008, concedendo, assim, verdadeira anistia aos desmatadores.

Em análise no Senado Federal desde 01 de junho de 2011, o PLC 30 de 2011 parece estar seguindo o mesmo caminho trilhado na Câmara dos Deputados, onde aqueles que têm opinião contrária ao projeto são ouvidos, mas não são levados em consideração.

A visão da bancada ruralista parece ter se tornado uma verdade inquestionável, sendo os críticos ao texto acusados de querer impedir o crescimento da agricultura no país.

Dentre as principais medidas presentes no texto enviado pela Câmara dos Deputados, e que receberam críticas de cientistas, ambientalistas e pequenos produtores rurais, destacam-se:

- Criação do conceito de “Área Rural Consolidada”: O Art. 3°, III do PLC 30 estabelece como área rural consolidada aquela com ocupação existente até 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvopastoris.

- Alteração do conceito de leito regular: Atualmente para a demarcação das APPs , é utilizado o conceito de leito maior, ou seja, o ponto mais alto atingido pelo curso d’água. Com esta alteração, as APPs de beira de rio serão significativamente reduzidas.

- Legalização das atividades implantadas em APP até 22 de julho de 2008 e possibilidade de supressão de vegetação em APP nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas em lei, bem como nas atividades agrossilvopastoris, ecoturismo e turismo rural.

- Criação do Programa de Regularização Ambiental, de caráter local, que poderá estabelecer atividades não constantes na lei para regularização de ocupação em APP. Na prática, uma “estadualização” das normas para APP.

- Cômputo da APP no calculo do percentual da RL: O PLC 30 não altera diretamente a porcentagem da propriedade que deve ser mantida como Reserva Legal. No entanto, apresenta a possibilidade de converter a APP em RL, abrindo a possibilidade de novos desmatamentos.

- Recomposição da RL com espécies exóticas: Atualmente permitida como forma de acelerar a restauração do ecossistema, a plantação de espécies exóticas para recomposição de RL poderá ocorrer em até 50% da área, em sistema agroflorestal.

- Possibilidade de compensação de RL em outra microbacia hidrográfica e em outro estado: Pelas regras atualmente em vigor, o proprietário que tenha área de RL menor que a exigida, pode compensá-la em outra propriedade localizada na mesma microbacia ou, caso não seja possível, na mesma bacia, no mesmo estado.

O PLC 30 permite que a compensação se dê no mesmo bioma, ainda que em outra bacia ou estado.

Em seu parecer, apresentado em 31 de agosto de 2011, o Senador Luiz Henrique (PMDB/SC) manteve aqueles pontos polêmicos e acrescentou outros, tais como o enfraquecimento do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA); a inclusão no conceito de utilidade pública das obras de infraestrutura para a realização de atividades esportivas; inclusão no conceito de atividade eventual ou de baixo impacto ambiental o plantio de qualquer tipo de espécie vegetal.

Após este breve relatório, partiremos para a análise da constitucionalidade do PLC 30 de 2011.

2 - ANÁLISE.

De acordo com o Art. 101 do Regimento Interno do Senado Federal, cabe à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania opinar sobre a constitucionalidade, juridicidade e regimentalidade das matérias que lhe forem submetidas despacho da Presidência.

2.1. Retrocessos ambientais presentes no PLC 30 de 2011

Antes, porém, de adentrarmos à questão constitucional, cabe uma análise mais detalhada dos retrocessos na legislação ambiental apresentados pelo PLC 30 de 2011. Para tanto, nos utilizaremos de brilhante estudo realizado pela Consultoria Legislativa do Senado Federal.

2.1.1 Conceito de Área Rural Consolidada

A Área Rural Consolidada é definida no PLC 30 como “área de imóvel rural com ocupação antrópica pré-existente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias e atividades agrossilvopastoris (...)”. A aplicação desse conceito isenta de multa quem desmatou ilegalmente até essa data e ampara a regularização das ocupações realizadas ao arrepio das normas ambientais vigentes.

A data proposta como marco para estabelecimento deste conceito coincide com a publicação da última versão do regulamento da Lei de Crimes Ambientais, o Decreto nº 6.514, de 2008, que dispõe sobre as infrações e as sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações, e dá outras providências. O referido decreto apenas regulamenta as sanções pelo descumprimento dos dispositivos já vigentes do Código Florestal, cuja última modificação ocorreu com a edição da Medida Provisória 2.166-67 de 2001. Não é compreensível ou justificável, desta forma, o motivo do estabelecimento desta data.

O conceito de área rural consolidada é utilizado, como veremos adiante, para legalizar a intervenção ou supressão de vegetação em APP e a manutenção de atividades consolidadas até 22 de julho de 2008 nas hipóteses de utilidade pública, interesse social ou de baixo impacto previstas em Lei.

O PLC, no entanto, não esclarece se a lei que estabelecerá essas hipóteses deverá ser federal, estadual ou municipal.

Em seu relatório, o Senador Luiz Henrique descreve os conceitos de utilidade pública, interesse social e de atividades de baixo impacto ambiental, incluindo neste último o “plantio de espécies produtoras de frutos, sementes, castanha e outros produtos vegetais, plantados junto ou de modo misto”. Por este conceito, a plantação de soja, cana de açúcar ou café, por exemplo, poderia ser classificada como uma atividade de baixo impacto ambiental.

2.1.2 Áreas de Preservação Permanente

2.1.2.1. Delimitação das Áreas de Preservação Permanente e Regime de Proteção

O art. 2º do Código Florestal vigente estabelece como de preservação permanente (APP) as áreas marginais a cursos d’água, nascentes, lagos e lagoas; topo de morros, montes, montanhas e serras; restingas e mangues; encostas com declividade acentuada, bordas de tabuleiros ou chapadas; e áreas em altitude superior a 1.800 metros – localizadas em áreas públicas ou em propriedades privadas.

Pelo efeito do mesmo dispositivo, ficam definidos os limites relativos à faixa de proteção coberta por matas ciliares, os quais variam de acordo com a largura do corpo d’água – sendo, no mínimo, de trinta metros e, no máximo, de seiscentos metros. Nas nascentes, ainda que intermitentes, e nos chamados “olhos d’água”, a área de preservação permanente situa-se num raio mínimo de cinquenta metros de largura.

A proposta aprovada pela Câmara dos Deputados reduz o nível de proteção da vegetação de restinga e das regiões de mangue, que não mais serão consideradas APP em toda sua extensão. Essas áreas, alvo de enorme especulação imobiliária, apresentam extrema importância ecológica, sendo os manguezais ecossistemas vitais para a sustentabilidade dos recursos pesqueiros e das comunidades que vivem em seu entorno.

Outra importante modificação trazida pelo PLC diz respeito ao referencial adotado para definir a faixa de APP marginal aos cursos d’água, que passa a ser a borda da calha regular e não mais do leito maior (nível mais alto), como é atualmente.

Muito embora o projeto não altere numericamente a largura das APP associadas aos cursos d’água, ocorre que, na prática, em função do novo referencial adotado, a extensão das áreas protegidas na forma de APP hídricas será significativamente reduzida e a ocupação de áreas de várzeas, permitida. Como se observa, deixa de ser considerada APP a várzea fora dos limites das faixas marginais dos cursos d’água medidas a partir do leito regular.

Além disso, o PLC estabelece que no caso de áreas rurais consolidadas localizadas em APP nas margens de cursos d’água de até dez metros de largura será admitida a manutenção das atividades agrossilvopastoris desenvolvidas e exigida a recomposição de apenas quinze metros.

Embora o projeto defina como APP áreas de topo de morros, montes, montanhas e serras e áreas em altitude superior a 1.800 metros, o pastoreio passa a ser admitido nessas regiões. Atividades agrossilvopastoris terão o uso liberado em encostas entre 25º e 45º de inclinação. Vale observar que áreas em altitude superior a 1.800 metros são regiões de grande valia para a conservação da biodiversidade por serem ambientes com alto grau de ocorrência de endemismo[1].

Do ponto de vista ambiental, a vegetação situada em APP desempenha importante papel ecológico: a proteção e a manutenção da oferta e da qualidade dos recursos hídricos; a conservação da diversidade biológica; o controle da erosão dos solos e do assoreamento e da poluição dos corpos d’água, entre outros benefícios.

Eventual redução das matas ciliares, por exemplo, tornaria o remanescente de cobertura vegetal insuficiente para que a APP cumpra sua função ecológica, sobretudo nos aspectos essenciais para a manutenção da qualidade ambiental dos corpos d’água, com consequências indesejáveis não só para a população local. É preciso lembrar que os efeitos adversos decorrentes de intervenções em determinado ponto da bacia hidrográfica não se restringem apenas à área diretamente afetada, mas a todo ecossistema.

As matas ciliares protegidas, além de essenciais para o equilíbrio dos ecossistemas aquáticos, são vitais como corredores ecológicos, conectando fragmentos de vegetação natural com o objetivo de facilitar o fluxo gênico entre as populações de espécies animais e vegetais de diferentes regiões.

Por sua vez, a manutenção da vegetação em encostas é crucial para conter o processo erosivo e o deslizamento de terras que estão inevitavelmente associados ao desmate dessas áreas.

2.1.2.2. Anistia aos desmatadores e supressão de APPs

É bastante preocupante a permissão, prevista no Art. 8°do PLC, para que o desenvolvimento de atividades agrossilvopastoris seja justificativa para intervenção e supressão de vegetação de APP, pelo só efeito do novo Código Florestal, independente de qualquer outra autorização ou regulamentação. Tal possibilidade, na prática, pode extinguir todas as Áreas de Preservação Permanente na zona rural.

Da mesma forma, está prevista neste artigo a legalização de todas as atividades implantadas em APPs até 22 de julho de 2008.

Decorre desse artigo a possibilidade de os Estados legislarem de modo a estabelecer suas próprias regras para as APPs. Do ponto de vista técnico, essa competência pode ser questionada, uma vez que os biomas não conhecem fronteiras e não há razão para que o grau de proteção de um mesmo bioma seja variável. Além disso, os governos estaduais são mais suscetíveis à pressão dos setores econômicos dominantes e, no limite, o fato poderá ensejar uma “guerra ambiental”, na medida em que os Estados passem a flexibilizar cada vez mais as exigências de proteção ambiental para atrair investimentos.

Esse artigo resultou da aprovação, pela Câmara dos Deputados, da Emenda de Plenário nº 164, de autoria da bancada ruralista, tendo sido rejeitado o dispositivo do texto base, negociado com o Ministério do Meio Ambiente, que previa que os casos possíveis de intervenção em APP seriam definidos em regulamento do Poder Executivo Federal, cabendo aos órgãos estaduais conceder, com base nessas definições, as autorizações pertinentes.

Os parâmetros mínimos sobre intervenções em APP devem ser previstos em lei federal e não definidas em decreto do Poder Executivo, de modo a garantir segurança jurídica e impedir que critérios vitais à proteção de áreas de extrema importância ecológica sejam alterados com base em fatores circunstanciais.

Recordamos que a lei florestal vigente define o que vem a ser “utilidade pública” e “interesse social” e já identifica, para fins de supressão de vegetação nativa em APP, alguns dos casos que se enquadram nessas definições.

Nos termos do art. 24 da Constituição Federal, compete à União, no âmbito da legislação concorrente, estabelecer normas gerais sobre “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição”, sendo que a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário. Assim sendo, constitucionalmente leis estaduais não podem estabelecer padrões de proteção ambiental menos restritivos que os estatuídos em lei federal.

2.1.3. Reserva Legal

2.1.3.1. Delimitação da Área de Reserva Legal

O art. 16 do Código Florestal, com a redação dada pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001, estabelece que as propriedades rurais devem manter, a título de Reserva Legal (RL), um percentual mínimo de 20%, 35% ou 80% de sua vegetação nativa, estando esses índices condicionados ao bioma no qual se insere a propriedade rural e à característica da vegetação nativa.

O instituto da Reserva Legal, vinculada a cada propriedade ou posse rural, foi concebido com o intuito de consolidar uma malha de cobertura vegetal natural capaz de garantir o equilíbrio ecológico dos diversos ecossistemas nacionais, além de assegurar o fornecimento de matéria-prima florestal, uma vez que nessas áreas admite-se regime de utilização limitada. Ou seja, pelas normas em vigor, a vegetação nativa da área definida como RL não pode ser suprimida (corte raso), mas pode ser explorada mediante manejo florestal sustentável – não só para o fornecimento de madeira, como também de outros produtos, florestais ou de natureza compatível com as normas de proteção aplicadas à reserva legal, sendo falso o argumento de que a Reserva Legal caracterizaria um “confisco” de parte da propriedade.

Embora o PLC não modifique os percentuais mínimos de vegetação nativa a serem mantidos como Reserva Legal – previstos pelo Código Florestal vigente – altera substancialmente as obrigações do proprietário quanto à recomposição e recuperação das áreas desmatadas e em relação às medidas referentes à compensação de RL.

2.1.3.2 Cômputo da APP no cálculo do percentual da RL do imóvel

De acordo com as regras do Código vigente, as APP somente poderão complementar o percentual exigido de Reserva Legal nos casos em que a soma da vegetação dessas áreas exceder a: (i) 80% da propriedade rural localizada na Amazônia Legal; (ii) 50% da propriedade rural localizada nas demais regiões do País; e (iii) 25% da pequena propriedade.

No entanto, o PLC em comento não estabelece qualquer limite para que esse que esse cômputo seja efetuado (art.16), permitindo que toda vegetação de área de preservação permanente, independente do tamanho da propriedade rural, seja computada como Reserva Legal.

Como se observa, as APP, atualmente, não são computadas para o cálculo do percentual de RL do modo amplo como ora se propõe, sendo admitida a possibilidade somente nos casos em que as APP efetivamente correspondam a parcela significativa do imóvel. Com as alterações propostas haverá redução expressiva do total das áreas protegidas.

2.1.3.3. Recomposição de Reserva Legal

De acordo com o art. 44, I, § 2º, do Código Florestal vigente, a recomposição de RL poderá ser realizada mediante o plantio temporário de espécies exóticas como pioneiras, visando à restauração do ecossistema original, de acordo com critérios técnicos estabelecidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).

O PLC é mais permissivo do que a lei atual quanto ao uso de exóticas para fins de recomposição de RL. Pela proposta, admite-se o plantio intercalado de espécies nativas e exóticas, em sistema agroflorestal, de acordo com critérios técnicos estabelecidos em regulamento, desde que a área recomposta com exóticas não exceda a 50% da área total a ser recuperada. Além disso, como recorrente em todo o texto do projeto, retira-se a competência do Conama, instituído pela Lei de Política Nacional do Meio Ambiente.

Ainda no que concerne à recomposição, a medida deixa de ser exigida para as propriedades com área de até quatro módulos fiscais. Em decorrência desta determinação, já podem ser verificadas ocorrências de fracionamento de propriedades rurais, com a finalidade de burlar a recomposição de RL.

Outro ponto crítico refere-se ao inciso I do art. 14 do PLC. De acordo com esse dispositivo, o poder público, quando indicado pelo Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) estadual, poderá reduzir, exclusivamente para fins de regularização da área rural consolidada, a Reserva Legal de imóveis situados em área de floresta localizada na Amazônia Legal para até 50% da propriedade.

O Código Florestal vigente admite, quando indicado pelo ZEE, reduzir a RL na Amazônia Legal para até 50% da propriedade, excluídas as APP, para fins de recomposição, ouvido o Conselho Nacional do Meio Ambiente, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

Com a mudança proposta pelo PLC, não será exigida a recomposição da vegetação desmatada ilegalmente, além de serem permitidos futuros desflorestamentos.

2.1.3.4. Compensação de Reserva Legal

O art. 44, III, do Código Florestal, com a redação dada pela MPV nº 2.166-67, de 2001, prevê que o proprietário ou possuidor de imóvel rural com RL inferior aos percentuais legais exigidos poderá compensar a RL por outra área equivalente em importância ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizada na mesma microbacia hidrográfica. A compensação deverá ser submetida à aprovação pelo órgão ambiental estadual e poderá ser implementada mediante o arrendamento de área sob regime de Servidão Florestal ou Reserva Legal, ou mediante aquisição de Cotas de Reserva Florestal (art. 44, § 5º).

Na impossibilidade de compensar a RL dentro da mesma microbacia, admite-se que essa compensação se dê na mesma bacia e no mesmo Estado, devendo o órgão ambiental estadual competente aplicar o critério de maior proximidade possível entre a propriedade desprovida de RL e a área escolhida para a compensação (Código Florestal, art. 44, § 3º).

Pelo PLC em análise, a área a ser utilizada para a compensação deverá ser equivalente em extensão à área de RL compensada e estar localizada no mesmo bioma da RL compensada.

Como se observa, não é mais exigida a compensação na mesma microbacia ou, em casos excepcionais, na mesma bacia ou Estado. A regra subverte o papel ecológico da RL, uma vez que o conceito de bioma é amplo, tanto quanto aos aspectos fitofisionômicos quanto à localização geográfica. Ademais, vários estados da Federação compartilham o mesmo bioma, podendo haver conflitos no que tange às ações de controle e fiscalização, que são da competência dos órgãos estaduais de meio ambiente. Como, por exemplo, o órgão ambiental de um Estado irá autorizar e fiscalizar a compensação da RL em outro Estado?

A par do comprometimento da função ecológica da RL, essa medida também permitirá que imóveis rurais situados em áreas mais valorizadas de determinados Estados tenham sua RL compensada em locais nos quais o valor de mercado das terras é menor.

2.1.4. Cadastro Ambiental Rural

O PLC nº 30, de 2011, institui o Cadastro Ambiental Rural (CAR), no âmbito do Sistema Nacional de Informações de Meio Ambiente (SINIMA), obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações das propriedades e posses rurais. O cadastro deverá ser implementado em até noventa dias contados a partir da publicação da lei e a inscrição do imóvel rural deverá ser feita, pelo proprietário ou detentor da posse rural, no órgão municipal, estadual ou federal, no prazo a ser definido em regulamento.

A averbação da Reserva Legal via registro de imóveis, exigida nos termos do art. 16, § 8º, do Código Florestal, será substituída pelo CAR, ficando o Programa de Regularização Ambiental (PRA) vinculado a esse instrumento.

Há inconsistência em alguns dispositivos que suscitam dúvidas, como, por exemplo: se os dois regimes – averbação e inscrição no CAR – irão coexistir; como se dará a repartição de competências entre os órgãos ambientais federal, estaduais e municipais, que serão responsáveis pela implantação e operacionalização do cadastro; e o que ocorrerá na hipótese de o CAR não ser implementado no prazo previsto.

2.1.5. Programa de Regularização Ambiental

As disposições relativas aos Programas de Regularização Ambiental (PRA) instituídos PLC são genéricas e pouco claras – tanto em relação ao grau de proteção requerida e às exigências para que se recupere o passivo ambiental existente, quanto no que se refere às competências de cada uma das esferas governamentais na elaboração e implantação do PRA. Por consequência, isso poderá dar margem a interpretações ambíguas e conflituosas, comprometendo a aplicação da lei e a recuperação das áreas degradadas, assegurando a permanência das irregularidades e possibilitando a anistia para quem desmatou ilegalmente até julho de 2008.

2.2. Aspectos Constitucionais

Do estudo apresentado no tópico anterior, verifica-se que o PLC 30 de 2011 é inconstitucional em sua própria essência, conforme demonstraremos a seguir:

2.2.1. Afronta ao Art. 225 da Constituição Federal.

Diz o Art. 225 da Constituição Federal:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

(...)

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

(...)

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

(...)

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

(...)”

Da simples leitura do artigo acima, nota-se que os artigos do PLC 30 de 2011 que tratam sobre Áreas de Preservação Permanente, Reserva Legal, Áreas Rurais Consolidadas estão contaminados com flagrante inconstitucionalidade.

A permissão para realização de atividades agrossilvopastoris, de ecoturismo e turismo rural nas APPs sem quaisquer condicionantes, constante do caput do Art. 8°, por exemplo, fere o disposto no inciso I do § 1° do Art. 225.

Ademais, nota-se em todo o projeto uma tentativa de valorização do direito à livre iniciativa e à propriedade em detrimento do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Vale salientar que a Constituição Federal determina que é garantido o direito à propriedade e que esta atenderá à sua função social. Os requisitos para o cumprimento da função social da propriedade se encontram inscritos no Art. 186, que diz:

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Não há que se aventar, portanto, a possibilidade do direito à propriedade e à livre iniciativa se sobreporem ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como pretende o PLC 30 de 2011, uma vez que a utilização adequada dos recursos naturais e a preservação do meio ambiente fazem parte do conceito de propriedade.

2.2.2 Ofensa às normas constitucionais de repartição de competências

O art. 24, IV da Constituição Federal de 1988 estabelece ser competência concorrente da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios legislar sobre “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição”.

É certo que no âmbito da competência concorrente à União é dado estabelecer normas gerais, sem excluir a competência dos Estados da Federação para definir normas suplementares, atendendo às suas especificidades regionais (art. 24, § § 2º e 3º)

Cumpre, então, definir o papel das normas gerais em matéria ambiental, tarefa desempenhada, no caso da proteção das florestas, pelo Código Florestal.

A natureza e a complexidade das questões ambientais colocam ao legislador desafios específicos em relação à repartição de competências: os biomas e ecossistemas não se subsumem às fronteiras políticas; problemas ambientais nascidos em um Estado podem afetar outros Estados até mesmo com mais força, ou até produzir danos além das fronteiras nacionais, gerando, por força de Convenções Internacionais, a responsabilidade da União.

Além disso, como lembra o constitucionalista José Afonso da Silva, “quando um Estado regula o meio ambiente, a atividade regulada pode evadir-se para outro, onde não encontra restrições”, gerando uma situação perversa à proteção ambiental, que fica então sujeita, em um mesmo país, a critérios diferenciados, a depender de circunstâncias econômicas. (José Afonso da Silva, Direito Ambiental Constitucional, Malheiros, 2009, p. 75).

Nesse contexto, o papel das normas ambientais editadas pela União têm como objetivo primordial estabelecer padrões uniformes de proteção, que, observados por todos os Estados e Municipais confiram segurança jurídica e um padrão de proteção suficiente à garantia do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao cumprimento do princípio da função social da propriedade.

Fixados esses pontos, a vislumbra-se desrespeito ao mandamento constitucional tanto no PLC 30, quanto no texto substitutivo proposto pelo relator uma vez que estes trazem em seu conteúdo a permissão para que as normas gerais estabelecidas pela legislação federal sejam suplantadas pela legislação estadual ou mesmo municipal.

Essa situação acaba por, de forma inconstitucional, equiparar a competência concorrente à competência exclusiva dos Estados e Municípios.

Em voto na ADI 1086 que questionava a constitucionalidade de artigo da Constituição de Santa Catarina que criava exceção à exigência de estudo de impacto ambiental em áreas florestadas ou objeto de reflorestamento para fins empresariais, afirmou o Min. Sepúlveda Pertence: ... “(...) Não pode a Constituição Estadual, por conseguinte, excetuar ou dispensar nessa regra ainda que, dentro de sua competência supletiva, pudesse criar formas mais rígidas de controle. Não formas mais flexíveis ou permissivas.”

É preciso deixar claro que a legislação federal estabelece padrões mínimos de proteção que podem ser aumentados pelos Estados em razão de particularidades regionais, mas jamais diminuídos ou desconsiderados.

2.2.3. Desrespeito ao princípio da proibição do retrocesso.

As mudanças propostas pelo PLC 30 de 2011 trazem claramente retrocessos nos níveis de proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado encontrados em nosso ordenamento jurídico.

Pelo princípio da proibição do retrocesso, implícito em nossa Carta Magna e reconhecido em nossa doutrina constitucional, “uma lei posterior não pode extinguir um direito ou uma garantia, especialmente os de cunho social, sob pena de promover um retrocesso, abolindo um direito fundado na Constituição.” (Luis Roberto Barros, em Interpretação e Aplicação da Constituição).

Da mesma forma nos ensina o constitucionalista Joaquim José Gomes Canotilho, especificamente no que diz respeito ao direito fundamental ao meio ambiente, que “a menos que as circunstâncias de fato se alterem significativamente, não é de se admitir o recuo para níveis de proteção aos anteriormente consagrados. Nesta vertente, o princípio põe limites à adoção de legislação de revisão ou revogatória”

A possibilidade de supressão de APPs, a soma da área de APP como de Reserva Legal, a anistia aos desmatadores, a possibilidade de que estados e municípios determinem níveis menores de proteção ao meio ambiente, dentre outros aspectos do PLC 30, bem como do parecer do Relator nesta Comissão denotam evidente afronta a este princípio constitucional.

3 - VOTO.

Ante o exposto, e sendo flagrante a inconstitucionalidade pelo desrespeito ao Art. 225, § 1°, I, II, III, V e VII; ao Art. 186, II; e ao Art. 24 §s 2° e 3°, todos da Constituição Federal, bem como ao princípio da proibição do retrocesso, voto pela rejeição do PLC 30 de 2011.

Sala da Comissão em,

Senador RANDOLFE RODRIGUES

PSOL/AP

[1] As espécies endêmicas são de ocorrência restrita a determinada área.