A minha vida entre o pecado, Beatriz Lopes, 10.ºA
Como é que conto uma história bem estruturada quando a minha vida é um caos? Tudo começou no dia 13 de outubro, quando mudei de casa. Se pesquisarem online “casas abandonadas”, a minha casa é logo a quinta. O preço era uma pechincha e eu comprei-a no fim do curso de direito, altura em que não acreditava voltar a ter um lar…O que eu não tinha maneira de saber era que esta casa já se encontrava habitada por… bem, sete celebridades infernais. - Sai da frente do espelho, Orgulho! Temos de ver quem é o desgraçado que vem legalmente roubar a nossa propriedade! Recuso-me a partilhar casa outra vez! - gritou a Inveja, desejosa de possuir a casa só para si novamente.- Pensa de forma positiva! O frigorífico estará sempre cheio, o que dá jeito porque o tipo das pizas já não faz cá entregas. Mais comida para mim! - refutou a Gula, ansiosa por usurpar o frigorífico ao novo morador.- Sim, sim, isso tudo, mas, por favor, deixem-me em paz! Por amor de Lúcifer, já ninguém se cala nesta casa! -implorou a Preguiça, sem mover o espectro no sofá.Ainda a discutir, os sete demónios foram silenciados com a minha entrada em casa. Todos tiveram oportunidade de se esconder exceto a Preguiça, que flutuou para o armário, e a Gula, que observava do frigorífico. Atirei com as malas para o chão e deixei as poucas cervejas que ainda não tinha bebido no frigorífico antes de me atirar para o sofá e chorar até adormecer enquanto olhava para as fotos da minha ex.A Preguiça e a Gula sentiram-se envergonhadas com o meu comportamento, mas também um pouco comovidas. Chamaram os outros para a cave e lideraram uma reunião decisiva para o meu futuro.-…garanto-vos, o miúdo está um palito! Juro-vos por Mefistófeles, nunca vi nenhum alcoólico tão malnutrido! - continuou a Gula a descrever a minha miséria.- Até eu fiz mais do que ele quando cá chegamos há …não me dei ao trabalho de contar o tempo. O que interessa é que nem sequer a Inveja arranjou algo para invejar nele, e isso é obra. Não tem autoestima e vai acabar morto num beco por este andar - murmurou a Preguiça, a menos violenta dos pecados.- Sinceramente, até me custa dizer, mas temos de ajudá-lo. Recuso-me a viver com alguém tão depressivo e, se matarmos mais um, podem demolir a casa - concluiu o Orgulho, conseguindo um consentimento de todos os presentes.- Irrita-me que saiba tomar tão mal conta de si! - rosnou entre dentes a Ira que, segundo reza a lenda, me cobriu com um cobertor e tirou-me as fotografias da mão enquanto me secava as lágrimas, que mesmo durante o sono não cessavam.- Oh meu Belzebu! Que roupas são aquelas?! Aquilo é tão deprimente! Vai precisar de uma roupas novas, um corte de cabelo, bastante comida, uma paixão e talvez um pouco de ginásio… – enumerava escandalizada a Luxúria, incentivando a Gula a ir cozinhar qualquer coisa.Não sei o que aconteceu, entretanto, mas, quando acordei, já não estava mais sozinho. Sete seres de aspeto humano viam televisão no mesmo sofá que eu, rindo-se de um filme de tragédia que eu não reconheci. Apesar das máscaras humanas, qualquer um conseguiria distinguir os daemoniums de uma pessoa normal: era possível cheirar a sua aura e espalhavam um odor a medo pela sala. Tal como qualquer macho honrado faria, eu berrei que nem uma menina e comecei a chorar de pânico, tentando ligar à polícia.- Shhhh rapaz, não vais chamar ninguém - ameaçou suavemente a Ganância, uma mulher negra e musculada de cabelo rapado dos lados, tirando o telemóvel da minha mão petrificada. - Como te chamas?- X-x-xavier…Xavier Santos…-Bem, Xavier, - disse o Orgulho, um rapaz moreno alto de fato branco e cabelo perfeito - nós somos os sete pecados mortais. Chama-lhe o que quiseres: destino, pena, conveniência… mas irás ter a honra de ser ajudado por nós. Eu sou obviamente o Orgulho.- Espero que tenhas fome! - disse uma figura pálida, baixa com um pouco de barriga mas um sorriso acolhedor, estendendo-me um prato de massa à bolonhesa coberta de queijo. - Eu sou a Gula, prazer. - Olá, borracho, sou a Luxúria - apresentou-se a própria, uma mulher mulata de vestido cocktail vermelho com uma enorme racha na perna.- Preguiça – murmurou a própria apontando para si, uma adolescente pálida de cabelos pretos oleosos e de fato de treino escuro.- Sou a Ganância, prazer. Presumo que deverias comer pelo menos um bocado, Xavier.Eu ainda estava a limpar lágrimas e a temer o pior, mas resolvi comer um pouco. Se tivesse sorte, estava envenenado. Mas, na verdade, estava mesmo muito bom.-Mhhm, Gula, isto está espetacular! Cumprimentos ao chefe!7 MESES E ALGUMAS VISITAS À ESQUADRA DEPOIS- Ok, gente, acho que finalmente encontrei o melhor plano de reforma de sempre para o Xavier! Bem, técnica e legalmente é fraude fiscal apoiada num esquema em pirâmide, mas quem é que está a contar? - gritou da cave a Ganância, subindo a escadas.Desde que mudei de casa que tinha deixado de beber, talvez graças à Preguiça. Estava, finalmente, enamorado outra vez e a vida tinha tomado rumo. A Luxúria estava a ajudar-me a preparar o meu primeiro encontro depois do desastre anterior. Segundo o demónio, o fato preto carvão que eu tinha escolhido do armário do Orgulho era muito mais elegante do que o azul noite que este me sugeriu e “realçava as minhas belas formas”. Também me tinha ido buscar as flores: um ramo romântico de cravos vermelhos. “Patriotas quanto baste e possuem uma ironia literária. Além disso, as rosas estão demasiado usadas, tens de ser original!”- Lembra-te, Xavier! Eu reservei a mesa no nome de Senhor Santos. Não comas nada com muito alho, afasta-te do vinho e sê tu próprio. A Luxúria continuava a preparar-me enquanto me apertava a gravata vermelha à volta do pescoço. - Eu vou tirar esta gente de casa e preparar um pouco o ambiente para quando vocês chegarem - piscou-me o olho e não pude evitar corar um pouco.Estava tudo preparado. Eu só precisava agora de coragem para realmente aparecer. Comecei novamente a sentir-me inseguro, a ansiedade a voltar e os pensamentos negativos tomaram conta de mim outra vez. Não importava os esforços, eu seria sempre um inútil.Foi a Gula quem notou isto e deu-me um abraço forte. É sempre a Gula que nota primeiro quando estou a ficar deprimido e ansioso.- Vai correr bem! Não te preocupes Xavi… - ajudava a Gula.- Mas e se eu fizer asneira? E se eu…- Tu vais arrasar, Xavier. Podes não ser como eu, mas orgulho-me do teu progresso. Vai correr bem - encorajava o Orgulho. - Tu mereces.Pela primeira vez desde que havia chegado inspirei fundo e sorri, um sorriso verdadeiro e confiante. - Sabem que mais? Têm razão, eu mereço!Despedi-me e saí disparado com a minha carteira cheia de dinheiro, que a Ganância me dera, o telemóvel, as chaves do carro e as flores.Consegui ouvir um compasso de espera dentro de casa e os meus colegas de casa a celebrar sonoramente o meu primeiro sorriso em mais de meio ano.Afinal, sempre consegui contar uma história bem estruturada com os alicerces de uma vida repleta de caos, mas isto foi o início de algo mais caótico, consigo senti-lo. Pode soar doido, mas a minha vida entre o pecado foi a melhor que alguma vez tive até agora e juro por Belzebu que não estou disposto a trocá-la por uma vida normal.