O Que É o Espiritismo
Allan Kardec
Tradução de Wallace Leal V. Rodrigues
Notícia sobre o livro de J. Herculano Pires
LAKE — Livraria Allan Kardec Editora
(Há necessidade de revisão do itálico e do negrito)
Este volume de Allan Kardec apresenta-nos o texto de uma obra de iniciação à Doutrina. Muitos espíritas pensam que estes pequenos livros introdutórios não têm mais nenhum interesse. É uma ideia falsa, resultante da falta de estudo metódico e, portanto, sério do Espiritismo. Nenhum estudante consciencioso endossa esta opinião. Pelo contrário, todos compreendem o valor permanente destas páginas iniciáticas, que até mesmo os maiores conhecedores do assunto devem reler e consultar periodicamente.
O Espiritismo é ainda tão mal conhecido e compreendido — mesmo dos que mais o estudam e mais falam e escrevem a respeito — que estes pequenos trabalhos de Kardec, justamente por sua simplicidade e seu caráter de síntese, oferecem aos mais "velhos" espíritas a possibilidade de perceberem novas perspectivas e surpreendentes aspectos da Doutrina.
"O Que é o Espiritismo", escrito e publicado por Kardec em 1859, é um pequeno livro introdutório ao estudo da Doutrina, que não se inclui propriamente na codificação, mas que está diretamente relacionado com "O Livro dos Espíritos", editado em 1857, decorrendo da "Introdução" e dos "Prolegômenos". Isso demonstra que Kardec, depois da divulgação de "O Livro dos Espíritos", pedra fundamental e marco inicial da codificação, sentiu a necessidade de oferecer aos interessados um roteiro inicial bem resumido e simples.
Ninguém se iluda, porém, com essa simplicidade aparente. Mesmo nesta cartilha espírita muitos veteranos terão o que aprender. Por outro lado, é inegável a importância didática dessas súmulas, que servem ao mesmo tempo para avivar a memória, reajustar a visão global do assunto e não raro chamar a atenção do estudante, do professor e mesmo do mais profundo conhecedor para certos problemas que escaparam a uma apreciação acurada. Kardec sempre insistiu na necessidade de estudo assíduo, metódico e incessante do Espiritismo. E quanto mais seguimos o seu conselho mais compreendemos a sua razão.
Resta acentuar a importância destes livros de iniciação no tocante ao aspecto metodológico do ensino espírita. Com eles Kardec inaugurou no Espiritismo uma disciplina hoje indispensável em todas as escolas de estudos superiores de Ciência, Filosofia, Religião, Artes e Técnicas: a Introdução. Com seu agudo senso de professor, formado na escola pestaloziana e orientado pela disciplina e o rigor lógico do pensamento francês, Kardec imprimiu a forma decisiva a essa disciplina no campo do conhecimento espírita. Por mais que se queira hoje escrever novos trabalhos de introdução à Doutrina, o que é evidentemente necessário, não se pode relegar ao passado nem simplesmente esquecer o que estes livros oferecem. Temos sempre que partir das suas premissas e de lembrar aos interessados a conveniência (e mais do que isso: a absoluta necessidade) de lerem e estudarem essas obras do Mestre. Porque, no passado e no presente, ninguém ainda surgiu no mundo com maior capacidade e mais profunda compreensão do Espiritismo do que o autor desta obra.
Todos podem dar a sua contribuição à obra de divulgação do Espiritismo em nosso tempo, dentro de suas possibilidades de experiência e conhecimento. Todos podem ajudar as novas gerações a encontrar as relações das novas conquistas da cultura com os princípios espíritas ou, de outro lado, a encontrarem as antecipações dessas conquistas no Espiritismo. Mas ninguém tem condições intelectuais e espirituais para superar Kardec — simplesmente pelo fato de que Kardec não é um autor isolado, um solitário do pensamento, mas o Codificador, assessorado na Terra pelos companheiros de missão e assistido do além pelos espíritos do Senhor. A obra que nos deixou não é dele, como ele mesmo sempre o afirmou, mas dos seus mestres espirituais. A Doutrina que nos legou não é o Kardecismo, mas o Espiritismo, ou seja, a Doutrina dos Espíritos.
Os livros de iniciação não escapam a essa condição. Foram escritos por Kardec, não há dúvida, mas sob a orientação dos Espíritos, que não se interessavam somente pelo momento em que o Espiritismo surgia, mas principalmente pelo futuro da Humanidade, pelo desenvolvimento geral da cultura em nosso mundo. O Espiritismo marcou um momento de transição da Terra para o plano superior e veio fundamentar essa fase. Não é obra de um século, mas a abertura de um novo ciclo na evolução dos séculos futuros.
J. Herculano Pires
As pessoas que têm do Espiritismo apenas um conhecimento superficial, são naturalmente levadas a fazer determinadas perguntas cuja resposta, sem dúvida, obteriam por um estudo completo da questão. Falta-lhes, porém, o tempo e quase sempre, também, a vontade necessária para se entregarem a observações perseverantes. Desejariam, antes de iniciar a empresa, pelo menos saber com o que estarão tratando, e se tal coisa merece o trabalho de se ocuparem dela. Por essa razão pareceu-nos útil apresentar, num rápido esboço, a resposta a algumas das questões fundamentais que nos são dirigidas diariamente. Isso constituirá para o leitor uma iniciação preliminar, e para nós tempo ganho, visto ficarmos dispensados de repetir constantemente a mesma coisa.
O primeiro capítulo contém, sob a forma de diálogos, resposta às objeções mais comuns da parte dos que ignoram os princípios fundamentais da doutrina, bem como a refutação dos principais argumentos de seus contraditores. Esta forma pareceu-nos mais conveniente, por não se revestir da aridez própria ao estilo dogmático.
O segundo capítulo foi destinado à exposição sumária das partes da ciência prática e experimental, sobre a qual, à falta de uma perfeita instrução, o observador estreante deve convergir a atenção, se quiser julgar com conhecimento de causa. Constitui, de certa maneira, um resumo do Livro dos Médiuns. As objeções nascem, as mais das vezes, das falsas ideias feitas a priori sobre aquilo que se não conhece. Corrigir essas ideias é fazer frente às objeções. Tal é a finalidade deste apanhado.
O terceiro capítulo pode ser considerado um resumo do Livro dos Espíritos. Contém a solução, pela Doutrina Espírita, de um certo número de problemas de maior interesse, problemas esses de ordem psicológica, moral e filosófica, diariamente discutidos e dos quais, até hoje, nenhuma filosofia apresentou soluções satisfatórias. Que se tente resolvê-los com o auxílio de toda e qualquer teoria, à exceção da chave oferecida pelo Espiritismo, e ver-se-á quais são as respostas mais lógicas, e as que mais inteiramente satisfazem à razão.
Este resumo não é apenas útil aos estreantes, que poderão, aqui, em tempo restrito e a pequeno custo, colher as noções essenciais da questão, mas também aos adeptos, aos quais fornecerá o recurso da pronta resposta às objeções que não deixarão de lhes ser apresentados e, principalmente, porque encontrarão, reunidos num esboço sintético, e num golpe de vista, os princípios que jamais deverão deixar de ter presentes à memória.
Para responder antecipadamente e em resumo à questão formulada no título, diremos que:
O ESPIRITISMO É, AO MESMO TEMPO, CIÊNCIA EXPERIMENTAL E DOUTRINA FILOSÓFICA.
COMO CIÊNCIA PRÁTICA, TEM A SUA ESSÊNCIA NAS RELAÇÕES QUE SE PODEM ESTABELECER COM OS ESPÍRITOS.
COMO FILOSOFIA, COMPREENDE TODAS AS CONSEQUÊNCIAS MORAIS DECORRENTES DESSAS RELAÇÕES.
Pode ser definido assim:
O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal.
Visitante — Digo-lhe, senhor, que minha razão se recusa a admitir a realidade dos fenômenos extraordinários atribuídos aos Espíritos que, estou persuadido, existem apenas na imaginação. Entretanto, temos que nos inclinar ante à evidência; e isso eu faria se tivesse provas incontestáveis. Venho, pois, solicitar de sua bondade a permissão para assistir, não desejando tornar-me indiscreto, pelo menos a uma ou duas experiências que me convencessem, se isso for possível.
Allan Kardec — Caro senhor: se a sua razão se recusa a admitir o que nós consideramos fatos irrecusáveis, é que o senhor considera a sua razão superior à de todas as outras pessoas que não participam de suas opiniões. Não duvido absolutamente de seus méritos e nem tenho a pretensão de alçar minha inteligência acima da sua. Admita, pois, que eu esteja errado, pois é a razão quem lhe fala, e paremos por aqui.
V. — Entretanto, se o senhor chegasse a convencer-me, a mim que sou conhecido como um antagonista de suas ideias, isso constituiria um milagre favorabilíssimo à sua causa.
A.K. — Lamento-o; mas não possuo o dom de fazer milagres. O senhor pensa que uma ou duas sessões serão suficientes para o convencer? Isso seria, efetivamente, um verdadeiro prodígio. Foi-me preciso mais de um ano de trabalhos para me convencer a mim mesmo, o que pode provar que, se hoje creio, a isso não cheguei levianamente. Ademais, não organizo sessões; e, ao que parece, o senhor se engana quanto ao objetivo de nossas reuniões, de vez que não fazemos experiências tendo em vista satisfazer à curiosidade de quem quer que seja.
V. — Quer dizer, então, que não se importa de fazer prosélitos?
A.K. — Por que, pois, desejaria eu fazer do senhor um prosélito, quando o senhor mesmo não deseja sê-lo? Não forço quaisquer convicções. Quando encontro pessoas sinceramente desejosas de se instruírem e que me dão o prazer de solicitar esclarecimentos, torna-se-me uma satisfação e um dever responder-lhes nos limites de meus conhecimentos. Quanto aos antagonistas, porém, que como o senhor têm convicções arraigadas, não dou um passo para os desviar, mesmo porque o número dos que encontro bem preparados é considerável; e isso me dispensa de perder tempo com os que não o estão. A convicção virá, cedo ou tarde, pela força mesma das coisas; e os mais incrédulos serão arrastados pela correnteza. Neste momento, uns partidários a mais ou a menos não pesam na balança. Eis porque jamais serei visto preocupado em atrair às nossas ideias aqueles que têm tão boas razões, quanto o senhor, para se distanciarem delas.
V. — Há, não obstante, mais interesse em me convencer do que o senhor imagina. Permita que eu me explique com franqueza e prometa não se ofender com minhas palavras. Eis as minhas ideias sobre a coisa em si, e não sobre a quem me dirijo. É óbvio que posso respeitar a pessoa sem participar das suas opiniões.
A.K. — O Espiritismo ensinou-me a dar pouco valor às mesquinhas suscetibilidades do amor próprio, a não me ofender com palavras. Se as suas ultrapassarem os limites da urbanidade e das conveniências, concluirei, apenas, que o senhor é um homem mal educado: só isso. Quanto a mim, prefiro deixar nas pessoas os seus defeitos, a partilhar deles. Observe, só por isso, que o Espiritismo, afinal de contas, serve para alguma coisa. Repito-lhe, senhor: não tenho absolutamente a pretensão de o fazer participar de minhas opiniões. Respeito a sua, se for sincera, assim como desejo que respeitem a minha. Mas, considerando o Espiritismo um sonho absurdo, naturalmente, ao se encaminhar para minha casa, o senhor dizia de si para si: "Vamos ver esse louco!" Confesse-o francamente: não me zangarei por isso. Todos os espíritas são loucos; isso é coisa convencional. Pois muito bem! O senhor considera tudo isso como uma doença mental e eu sinto um certo escrúpulo, confirmando seu juízo, e me espanto de que, com tal pensamento, tivesse vindo adquirir uma convicção que o incluiria no número dos loucos. Estando persuadido, de antemão, da impossibilidade de ser convencido, o senhor deu um passo inútil, pois só tem por finalidade satisfazer uma curiosidade. Sejamos breves, pois; eu lhe peço. Não tenho tempo a perder em conversas sem objetivo.
V. — Podemos nos iludir e nos enganar, sem que por isso sejamos loucos!
A.K. — Fale sem rodeios. O senhor insinua, como tantos outros, que isto é uma novidade de curta duração. Mas é preciso convir que uma novidade, que em alguns anos fez milhões de prosélitos em todos os países, que conta, entre seus adeptos, sábios de toda ordem, que se difunde de preferência entre as classes cultas, é uma singular mania digna de ser examinada.
V. — Tenho minhas ideias a respeito, é certo; mas não são tão firmes que não possam ser sacrificadas à evidência. Disse-lhe que o senhor teria um certo interesse em convencer-me. Confesso que tenho em vista publicar um livro no qual me proponho demonstrar, ex professo, aquilo que considero um erro. Como esse livro deverá ter grande alcance e, ao que suponho, abrir uma brecha no Espiritismo, não o publicaria se chegasse a ser convencido.
A.K. — Eu me sentiria desolado, senhor, se o privasse dos benefícios de um livro que deve ter tamanha transcendência. Aliás, não tenho interesse em sustar-lhe a publicação. Muito pelo contrário, auguro-lhe uma grande popularidade, principalmente porque o mesmo nos servirá de prospecto e de anúncio. O que é atacado, via de regra, desperta a atenção. Inúmeras pessoas desejam conhecer os prós e os contras e a crítica as leva a conhecer, por si mesmas, coisas que não supunham existissem na questão. É assim que, muitas vezes, e sem querer, faz-se reclame do que se tinha em mente combater. A questão dos Espíritos é, por outro lado, cheia de palpitantes interesses; aguça a curiosidade a tal ponto, que basta chamar a atenção, para provocar o desejo de aprofundá-la. ([1])
V. — Dessa maneira a crítica, na sua opinião, é inútil. A opinião pública não vale nada?
A.K. — Não considero a crítica como expressão da opinião pública, mas como opinião pessoal, passível de engano. Consulte a história e observe quantas obras primas sofreram críticas, quando de seu lançamento; entretanto, não deixaram de ser autênticas obras primas. Se uma coisa for má, todos os elogios possíveis não chegarão a torná-la boa. Se o Espiritismo é um erro, destruir-se-á por si mesmo; se é uma verdade, todas as diatribes imagináveis não o transformarão em mentira. Seu livro será uma apreciação pessoal, o seu ponto de vista: — a verdadeira opinião pública decidirá se é exato. Para isso desejarão ver a coisa em si. E se mais tarde reconhecerem que ouve engano da sua parte, seu livro tornar-se-á tão ridículo, quanto os outros que foram publicados, não há muito tempo, contra a teoria da circulação do sangue, da vacina, etc.
Eu me esquecia, entretanto, de que o senhor vai tratar a questão ex professo, o que equivale a dizer que a estudou sob todos os aspectos; que já viu tudo o que se pode ver; leu tudo o que foi escrito sobre a matéria; analisou e comparou as diferentes opiniões; que esteve nas mais favoráveis condições de observação própria; que dedicou ao assunto suas vigílias durante anos inteiros; numa palavra: que não negligenciou absolutamente nada para chegar à constatação da verdade. Sou levado a acreditar que tal se tenha dado porque o senhor é um homem sensato, e, também, porque só os que passaram por tudo isso têm direito de dizer que falam com conhecimento de causa.
Que pensaria de um homem que se erigisse em crítico de obra literária, sem conhecer literatura; de um quadro, sem ter estudado pintura? É princípio elementar de lógica que o crítico deve conhecer, não superficialmente, mas a fundo, aquilo que comenta. De outra maneira, sua opinião se torna destituída de valor. Para combater um cálculo, é preciso opor-se-lhe outro cálculo; mas para isso é preciso saber calcular. O crítico não pode limitar-se a dizer que determinada coisa é boa ou má. É mister que justifique sua opinião por uma demonstração clara e categórica, baseada nos próprios princípios da arte ou da ciência. E como poderá fazê-lo se ignorar esses princípios? Poderia o senhor apreciar as qualidades e os defeitos de uma máquina, se não sabe mecânica? Não! Pois muito bem! Sua opinião sobre o Espiritismo, desde que o senhor o desconhecesse, não teria maior valor que a opinião emitida sobre a máquina. Seria a cada instante apanhado em flagrante delito de ignorância, pois os que estudaram a matéria veriam imediatamente que o senhor estava alheio à questão e daí concluíram que o senhor não tem responsabilidade, ou que age de má fé. Num e outro caso estaria exposto a receber desmentidos pouco lisonjeiros ao seu amor próprio.
V. — Precisamente para evitar esse risco vim pedir-lhe que me permita assistir a algumas experiências.
A.K. — E o senhor pensa que só isso basta para falar ex professo do Espiritismo? Como poderia compreender essas experiências, julgá-las à luz da razão, se não estudou os princípios que lhes servem de base? Como poderia apreciar o resultado satisfatório de ensaios metalúrgicos, por exemplo, se não conhecesse a metalurgia a fundo? Permita-me dizer-lhe, senhor, que seu projeto é absolutamente idêntico ao de quem, ignorando Matemática e Astronomia, se dirigisse a um desses chefes de observatório, dizendo: "Senhor, desejo escrever um livro sobre Astronomia, provando que o vosso sistema é falso. Como, porém, ignoro os rudimentos dessa ciência, deixai que por uma ou duas vezes eu olhe através dos vossos telescópios; isso me bastará para ficar sabendo tanto quanto vós".
Apenas por extensão, a palavra crítica pode ser considerada sinónimo de censura. Em sua acepção própria e segundo a etimologia, o termo crítica significa julgar, apreciar. A crítica pode, pois, ser aprobativa ou desaprobativa. Fazer a crítica de um livro não é necessariamente condená-lo. Aquele que empreende essa tarefa não deve fazê-lo com ideias preconcebidas. Se, porém, antes de abrir o livro, já o condena mentalmente, o exame feito não pode ser considerado imparcial.
Em semelhante caso enquadram-se em maioria as pessoas que falam do Espiritismo. Só pelo nome formam uma opinião, e procedem como o juiz que proferisse uma sentença sem se dar ao trabalho de examinar os autos do processo. Disso tem resultado que o julgamento descamba para a farsa e, em vez de persuadir, provoca riso. Quanto aos que levaram o estudo da questão a sério, em sua maioria mudaram de opinião; e mais de um adversário tornou-se partidário, ao constatar que se tratava de coisa inteiramente diversa do que julgava.
V. — O senhor fala do exame de livros, em geral. Acredita que seja materialmente possível a um jornalista, ler e estudar todos os que lhe passam pelas mãos, sobretudo quando tratam de teorias novas, que demandariam de sua parte uma verificação aprofundada? Equivaleria a exigir de um impressor que lesse todas as obras saídas de seus prelos.
A.K. — A tão criterioso raciocínio não tenho mais nada a responder senão que, quando não se tem tempo para fazer uma coisa conscienciosamente, é melhor não se meter com ela. É preferível fazer-se uma só boa, do que dez más.
V. — Não pense, entretanto, que minha opinião seja fruto de leviandade. Vi mesas girarem, ouvi pancadas, observei pessoas que escreviam, conforme asseguravam, sob influência dos Espíritos. Mas estou convencido de que havia charlatanismo nisso tudo.
A.K. — E quanto o senhor pagou para apreciar tudo isso?
V. — Coisa nenhuma, naturalmente.
A.K. — Eis aqui, então, charlatães de uma espécie singular e que reabilitarão este nome. Até o presente não se tinha visto ainda charlatães desinteressados. Se um certo pândego de mau gosto divertiu-se certa feita e ocasionalmente, com essas manifestações, seguir-se-á daí, forçosamente, que todas as outras pessoas sejam embusteiras? Ademais, a troco de quê tornar-se-iam cúmplices de uma mistificação? Para divertir a sociedade, dirá o senhor. Admito que uma vez se preste alguém a um brinquedo. Mas se uma brincadeira se prolonga por meses e anos é que, penso eu, o mistificador está sendo mistificado. É concebível que, pelo simples prazer de fazer os outros acreditarem numa coisa que sabe ser falsa, se imobilize uma pessoa horas inteiras, sobre uma mesa? O prazer não pagaria o trabalho.
Antes de concluir pela fraude, é preciso, de início, perguntar-se a si mesmo que interesse pode haver na trapaça. Ora, o senhor concordará que existem posições sociais que excluem toda suposição de embuste; pessoas cujo caráter, por si só, constitui garantia de probidade.
Coisa diversa seria se se tratasse de uma especulação, pois a ganância é má conselheira. Admitindo-se, porém, que neste último caso uma manobra fraudulenta seja positivamente constatada, o fato nada prova contra a realidade do princípio. Basta levar-se em conta que tudo é passível de abuso. Porque se vendem vinhos falsificados, não se pode concluir que não exista vinho verdadeiro. O Espiritismo não é mais responsável pelos atos daqueles que abusam de seu nome, explorando-o, do que a ciência médica o é pelos atos dos charlatães que impingem drogas, ou a religião pelos atos dos sacerdotes que abusam de seu ministério.
O Espiritismo, por ser coisa recente, e por sua própria natureza, presta-se aos abusos. Ele, porém, forneceu os meios de os reconhecer, deixando claramente definido o seu verdadeiro caráter, negando toda solidariedade aos que o exploram ou o desviam do seu objetivo exclusivamente moral, para o transformar em ofício, em instrumento de adivinhação ou de fúteis investigadores.
Uma vez que o próprio Espiritismo traça os limites em que se fecha, define o que prescreve e o que não prescreve, o que pode fazer e o que não pode fazer, o que está ou não está em suas atribuições, o que aceita e o que repudia, errados estão os que não se dão ao trabalho de estudá-lo e o julgam pelas aparências, pois, topando saltimbancos disfarçados em espíritas, para atraírem os transeuntes, dirão gravemente: "Eis o que é o Espiritismo".
Afinal de contas, sobre quem recai o ridículo? Não é sobre o saltimbanco, que está no seu ofício, nem sobre o Espiritismo, cuja doutrina teórica desmente semelhantes asserções, mas exatamente sobre os críticos pretensiosos, que falam daquilo que não sabem ou que, sabendo, adulteram a verdade. Os que atribuem ao Espiritismo o que é contrário à sua própria essência, ou o fazem por ignorância ou intencionalmente. No primeiro caso existe leviandade; no segundo existe má fé. Neste último caso agem como certos historiadores que adulteram os fatos históricos no interesse de um partido político ou de uma opinião. Com o emprego de semelhantes meios, amiúde o partido se desacredita e não atinge o seu objetivo.
Note bem, senhor, que eu não pretendo que a crítica deva, necessariamente aprovar nossas ideias, mesmo depois de as ter estudado. Não nos revoltamos absolutamente contar os que não pensam como nós. Aquilo que se nos torna evidente pode não se afigurar tal a outras pessoas. Cada um julga as coisas do seu ponto de vista; do fato mais positivo nem todos deduzem idênticas consequências. Se, por exemplo, um pintor põe no seu quadro um cavalo branco, alguém poderá dizer que produz um mau efeito e que um cavalo preto ficaria muito melhor. Seria erro, entretanto, dizer que, sendo preto, o cavalo é branco. É o que faz a maior parte dos nossos adversários.
Em suma, cada qual é perfeitamente livre de aprovar ou desaprovar os princípios do Espiritismo, de deduzir deles as consequências boas ou más que lhe aprouverem. Mas a consciência impõe um dever a todo crítico honesto: o dever de não dizer o contrário daquilo que realmente é. Ora, para isso, a primeira condição é calar sobre o que ignora.
V. — Eu lhe peço para voltarmos às suas mesas que se movem e falam. Não poderia acontecer que fossem preparadas de antemão?
A.K. — É sempre a questão de boa fé, à qual já dei resposta. Quando um embuste for averiguado, eu o chamarei para seu exame. Se encontrar fatos constatados, de fraude, de charlatanismo, de exploração ou de abuso de confiança, entregarei os culpados ao seu açoite, declarando-lhes antes que não lhes tomarei a defesa, pois o Espiritismo verdadeiro será o primeiro a repudiá-los, porque acusar os abusos é ajudar a evitá-los e prestar um serviço à doutrina. Mas generalizar semelhantes acusações, lançar sobre um certo número de pessoas respeitáveis a pecha que merecem determinados indivíduos isolados é um abuso e, de certo modo, uma calúnia.
Admitindo, como o senhor supõe, que as mesas estivessem preparadas, fora preciso um mecanismo assaz engenhoso para executar movimentos e ruídos tão variados. Como, então não se conhece ainda o nome do hábil artífice que os confecciona?
Ele deveria, entretanto, desfrutar de uma grande celebridade, visto que seus aparelhos estão espalhados pelas cinco partes do mundo. É preciso também convir que o processo é terrivelmente engenhoso, uma vez que pode adaptar-se à primeira mesa que se tenha à mão, sem que fiquem quaisquer traços exteriores. Por que será que, desde Tertuliano, que já andava às voltas com as mesas girantes e falantes, até a atualidade, jamais alguém conseguiu vê-lo ou descrevê-lo?
V. — Nisso o senhor se engana. Um célebre cirurgião constatou que certas pessoas podem, pela contração de um músculo da perna, produzir um ruído semelhante ao que se atribui à mesa. Daí ele conclui que os médiuns divertem-se à custa da credulidade.
A.K. — Então, se é um estalido do músculo não é a mesa que está preparada. Se cada um explica esse pretenso embuste à sua maneira, isso constitui a prova mais evidente de que desconhecem a verdadeira causa.
Respeito a competência desse eminente facultativo, mas a aplicação, às mesas falantes, do fato assinalado por ele, apresenta-se-me com certas dificuldades. Primeiramente, acho singular que essa faculdade, até o presente excepcional e observada como um caso patológico, tenha-se tornado subitamente tão comum. Depois, é preciso ter-se uma renitente vontade de mistificar, para ficar castanholando um músculo durante duas ou três horas seguidas, sem que isso resulte dor e cansaço. Afora isso, não posso compreender como é que o referido músculo entra em contato com portas e paredes, nas quais se fazem ouvir os golpes. Minha quarta razão, finalmente, é que é necessário emprestar a esse músculo uma propriedade maravilhosa, qual a de pôr em movimento uma mesa pesada, suspendê-la, abri-la, fechá-la, mantê-la no ar sem ponto de apoio e, por fim, despedaçá-la deixando-a cair. Certamente ninguém desconfiava que esse músculo possuísse tanta força. (Revue Spirite, Junho de 1859, pág. 141: Le muscle craqueur).
O célebre cirurgião de que o senhor fala terá estudado o fenômeno da tiptologia naqueles que o produzem? Não! Observou um efeito fisiológico anormal em certos indivíduos que jamais se ocuparam com as mesas girantes, efeito esse que tem certa analogia com os ruídos nelas produzidos e, sern maior exame, concluiu, com toda a autoridade da sua ciência, que todas as pessoas que fazem as mesas falar devem ter a propriedade de fazer estalar o músculo curto-perônio e que não passam de embusteiros, quer sejam príncipes quer operários; quer recebam pagamento, quer não o recebam. Terá entretanto, ao menos, estudado o fenômeno da tiptologia em todas as suas fases? Terá verificado se, com o auxílio do estalido muscular, é possível produzir todos os efeitos tiptológicos? Não, é lógico; pois de outro modo ter-se-ia convencido da insuficiência do processo. Mas isso não o impediu de apresentar, de proclamar sua descoberta em pleno Instituto. Para um homem de ciência não será um julgamento demasiado apressado? E quem ainda pensa assim, hoje em dia? Confesso que se tivesse de sofrer uma intervenção cirúrgica, hesitaria bastante em confiar nesse especialista, temeroso de que diagnosticasse o meu caso com tão minguada perspicácia.
Já que esse juízo parece ser uma das autoridades sobre as quais o senhor se apoia para abrir uma brecha no Espiritismo, fico inteirado da força dos outros argumentos que apresentará, caso não os tenha buscado em fontes mais autorizadas.
V. — O senhor não negará, entretanto, que as mesas girantes já saíram de moda. Durante certo tempo fizeram furor: hoje delas ninguém se ocupa. Por que, se se trata de coisa tão séria?
A. K. — Porque as mesas girantes foram o ponto de partida de uma coisa mais séria ainda. Delas saiu toda uma ciência, toda uma doutrina filosófica, do maior interesse para os pensadores. Quando estes esgotaram a fonte de observações das mesas em movimento, delas não se ocuparam mais. Para as pessoas fúteis, que não se importam em aprofundar as coisas, o fenômeno era um passatempo, um divertimento que abandonaram quando se aborreceram dele. Essas pessoas são um ponto morto na ciência. O período de curiosidade teve o seu tempo. Sucede-o o da observação. O Espiritismo passou então ao domínio de indivíduos criteriosos, que nele não encontraram motivo de divertimento, mas de instrução. Também essas pessoas, que o consideram coisa séria, não se prestam a quaisquer experiências visando satisfazer à curiosidade e, menos ainda, destinadas à observação de pessoas movidas por intenções hostis. Como eles próprios não se divertem, não procuram divertir os outros. Eu pertenço a esse número.
V. — Entretanto, só a experiência pode convencer mesmo aqueles que de começo eram movidos pela curiosidade. Se o senhor trabalha exclusivamente em presença de pessoas convictas, permita que lhe diga que faz prédica a convertidos.
A.K. — Uma coisa é estar convencido e outra estar disposto a ser convencido. A estes últimos é que me dedico e não aos que julgam rebaixar sua capacidade de raciocínio, vindo escutar o que classificam de fantasias. Com estes não me preocupo, absolutamente. Quanto aos que dizem ter o mais sincero desejo de se esclarecerem, a melhor maneira que têm de o provar é demonstrar perseverança. Reconhecemo-los, não pelo desejo de assistir a uma ou duas sessões, mas pelo desejo sincero de trabalhar.
A convicção só se adquire com o tempo, através de uma série de observações feitas com zelo todo especial. Os fenômenos espíritas diferem essencialmente dos que se nos apresentam nas ciências exatas: não se produzem à vontade do experimentador. É preciso colhê-los quando se apresentam. Só observando muito e longamente, se descobre a infinidade de provas que escapam à primeira vista, principalmente quando não se está familiarizado com as condições em que se podem dar, e se as sondarmos com espírito de prevenção. Para o observador agudo e constante, as provas abundam: uma palavra, um fato aparentemente sem significação podem constituir um raio de luz, uma confirmação. Para o observador superficial ou adventício, para o que é movido por simples curiosidade, nada seria. Eis porque não me presto às experiências cujo resultado não pode ser assegurado.
V. — Mas, enfim, tudo quer um princípio. Que pode fazer o estreante que não sabe nada, que não viu coisa nenhuma e que deseja esclarecer-se, se o senhor lhe nega os meios?
A.K. — Faço uma distinção considerável entre o incrédulo por ignorância e o incrédulo sistemático. Quando vejo disposições favoráveis em alguém, nada me custa esclarecê-lo. Pessoas há, entretanto, em quem o desejo de instruir-se é apenas uma falsa aparência. Com esses, a gente perde tempo porque, se não encontrarem imediatamente aquilo que parecem procurar, e que, muito provavelmente, os aborreceria se encontrassem, o pouco que veem é sempre insuficiente para lhes destruir as prevenções. Julgam mal o que viram e aí encontram motivos para caçoadas. Donde se conclui que é um contrassenso fornecer esses motivos. Direi ao que tiver o desejo de instruir-se: "Não se pode fazer um curso de Espiritismo experimental como se faz um curso de Física ou de Química, pois a ninguém é dado provocar os fenômenos à vontade. Além disso, as inteligências que são os seus agentes muitas vezes frustram nossas previsões. Os que, acidentalmente, poderá ver, não apresentam continuidade nem a necessária ligação, e seriam pouco inteligíveis para o senhor. Instrua-se primeiro pela teoria. Leia as obras que tratam dessa ciência e medite. Nelas encontrará os princípios fundamentais, a descrição de todos os fenômenos. O senhor compreenderá sua possibilidade pela explicação dada e pela descrição de inumeráveis fenômenos espontâneos de que, muito possivelmente, mais de uma vez foi testemunha involuntária, e que lhe retornarão à memória. Irá assim se inteirando de todas as dificuldades que ocasionalmente se lhe podem apresentar e adquirirá uma convicção moral preliminar. Então, quando se lhe apresentarem as circunstâncias de ver ou de operar por si mesmo, saberá agir, qualquer que seja a ordem em que os fatos se apresentem, visto já nada mais lhe ser estranho".
Senhores: eis o que aconselho a todo aquele que desejar instruir-se; e, pela resposta, fácil me é conhecer se o move alguma coisa mais que simples curiosidade.
Visitante. — Compreendo, senhor, a utilidade do estudo preparatório de que acaba de falar. Quanto à minha predisposição pessoal, dir-lhe-ei que não sou partidário nem inimigo do Espiritismo. Por si mesmo, porém, o assunto desperta-me o mais alto interesse. No círculo de minhas relações contam-se partidários e detratores. Neste particular tenho ouvido os mais contraditórios argumentos. Desejaria submeter ao seu pronunciamento algumas das objeções feitas em minha presença e que me parecem dotadas de certo fundamento, pelo menos para mim, pois reconheço minha ignorância.
Allan Kardec. — Respondo com satisfação às perguntas que me são dirigidas, quando feitas com lealdade e sem segundas intenções; mas não me julgo capaz de responder a todas. O Espiritismo é uma ciência que acaba de nascer, da qual muito resta a aprender ainda. Seria muita presunção minha pretender solucionar todas as dificuldades. Só posso falar do que sei.
O Espiritismo prende-se a todos os ramos da Filosofia, da Metafísica, da Psicologia e Moral: é um campo imenso que não podemos percorrer em poucas horas. O senhor compreende, pois, que me seria materialmente impossível repetir de viva voz, e a cada pessoa em particular o que tenho escrito a respeito da matéria, para o público em geral. Por outra parte, na leitura séria e preparatória encontrar-se-á resposta à maior parte dessas questões. Essa leitura, aliás, tem a dupla vantagem de evitar repetições desnecessárias e comprovar um real desejo de instruir-se. Se, depois disso, ainda restarem dúvidas ou pontos obscuros, nossa explicação tornar-se-á mais fácil, porque então contaremos com um certo apoio, e não perderemos tempo insistindo sobre os princípios elementares da doutrina. Se o senhor me permite, limitar-nos-emos, até nova ordem, a determinadas questões de ordem geral.
V. — Muito bem. Eu peço que me chame à ordem sempre que eu as ultrapassar.
V. — Principiarei por lhe perguntar que necessidade havia de criar os novos vocábulos espírita e espiritismo, em substituição a espiritualista e espiritualismo, que pertencem à linguagem popular e são compreendidos por toda gente. Já tenho ouvido a muitos que classificam os novos termos de barbarismos.
A.K. — A palavra espiritualista tem, de há muito, uma acepção bem determinada. É a Academia que no-la dá: Espiritualista, aquele ou aquela pessoa cuja doutrina é oposta ao materialismo. Todas as religiões fundam-se necessariamente no espiritualismo. Quem quer que creia que existe em nós algo mais que matéria, é espiritualista, o que não implica, absolutamente, a crença nos Espíritos e na realidade de suas manifestações. Como, pois, faria o senhor a distinção entre os dois grupos? Seria obrigado a lançar mão de uma perífrase e dizer: Espiritualista é aquele que crê ou não crê nos Espíritos. Para evitar a confusão somos levados a criar termos novos para as coisas novas. Se eu houvesse classificado a minha Revista de espiritualista, não teria especificado a sua finalidade, pois, sem lhe desmentir o título, poderia perfeitamente nada dizer com relação aos Espíritos e até mesmo combatê-los. Li há algum tempo num periódico um artigo a propósito de uma obra filosófica em que se dizia que o autor a escrevera sob o ponto de vista espiritualista. Ora, os partidários do Espiritismo ficariam solenemente desapontados se, fiados naquela indicação, esperassem encontrar nas sua páginas a mínima concordância com suas ideias. Se adotei, os vocábulos, espírita e espiritismo, foi porque eles expressam, sem anfibologia (·), as ideias relativas aos Espíritos.
Todo espírita é, necessariamente, espiritualista, mas levará ainda muito tempo até que todos os espiritualistas se tornem espíritas.
Mesmo que o Espiritismo fosse uma quimera, seria útil estabelecer termos especiais, designando as coisas que lhe concernem, visto que as palavras são imprescindíveis, tanto às ideias falsas, quanto às verdadeiras.
Estas palavras não são, por outro lado, mais bárbaras do que as que as artes, as ciências, a indústria, criam cada dia e, seguramente, não são tão bárbaras quanto as que Gall imaginou para a sua nomenclatura das faculdades, como por exemplo: secretividade, afetividade, etc.
Pessoas há que, por espírito de contradição, criticam tudo quanto não procede de si próprias. Tomam, então, interesse pela oposição. Os que se apegam a ninharias, como esta de palavras, apenas provam a curteza de suas ideias. Agarrar-se a semelhantes bagatelas é evidenciar falta de boas razões.
Espiritualismo e espiritualista são palavras inglesas, empregadas nos Estados Unidos desde que se iniciaram as manifestações dos Espíritos; delas nos servimos por algum tempo aqui na França. Desde, porém, que apareceram os vocábulos espiritismo e espírita, de tal maneira compreendeu-se sua utilidade que foram imediatamente aceitos pelo público.
Hoje em dia seu emprego está tão consagrado, que os próprios adversários, aqueles que primeiro os classificaram de barbarismos, não recorrem a outros. Os sermões e circulares fulminando o Espiritismo e os espíritas não poderiam anatematizar o espiritualismo e os espiritualistas sem gerar enorme confusão na mente do público.
Bárbaras ou não, essas palavras entraram para a linguagem popular da Europa inteira e são empregadas nas publicações feitas em todos os países, favoráveis ou desfavoráveis ao Espiritismo. Constituíram a base da coluna da nomenclatura da nova ciência. Para exprimir seus fenômenos particulares necessitavam-se termos particulares, e o Espiritismo tem hoje, como a Química, sua nomenclatura. ([2])
As palavras espiritualismo e espiritualista, quando aplicadas às manifestações dos Espíritos, presentemente são empregadas, apenas, pelos adeptos da escola denominada norte-americana.
V. — A diversidade na crença do que o senhor denomina uma Ciência, parece a sua condenação.
Se essa Ciência se fundasse em fatos positivos, não deveria ser a mesma, quer na Europa, quer na América?
A.K. — Antes de mais nada afianço-lhe que essa divergência está mais na forma do que no fundo. Na realidade, está apenas na maneira de considerar determinados pontos da doutrina, sem constituir um antagonismo radical nos princípios como pretendem os nossos adversários, sem terem estudado a questão.
Diga-me, porém: Qual a ciência que, no seu aparecimento, não originou dissidências, até que seus princípios fossem definitivamente estabelecidos?
E não as encontramos, ainda, nas mesmas ciências já melhor constituídas?
Estão todos os sábios concordes sobre um mesmo ponto?
Não têm seus sistemas particulares?
As sessões do Instituto apresentam sempre o espetáculo de cordial e perfeito entendimento?
Em Medicina não existe a Escola de Paris e a de Montpellier?
O descobrimento de cada ciência não ocasiona um choque entre os que desejam o progresso e os que teimam em permanecer estacionários?
No que diz respeito ao Espiritismo, não será natural que, por ocasião do aparecimento dos primeiros fenômenos, quando ainda se ignoravam as leis que os regem, concebesse cada um o seu sistema e os encarasse a seu modo?
Ademais, que fim tiveram todos esses sistemas primitivos e isolados?
Caíram ante uma observação dos fatos.
Alguns anos bastaram para que se estabelecesse a unidade grandiosa que prevalece na doutrina e que une a imensa maioria dos adeptos, à exceção de algumas individualidades que, nisto como em tudo, agarram-se às ideias primitivas e morrem com elas. Que ciência, que doutrina filosófica ou religiosa oferece exemplo semelhante?
Apresentou jamais o Espiritismo a centésima parte das divisões que se desgarraram da Igreja durante séculos e séculos, e que atualmente ainda se desgarram?
Na verdade, são dignas de admiração as puerilidades de que lançam mão os adversários do Espiritismo. Não significa isto escassez de argumentos fortes? Alegações de burlas, negações, calúnias; mas nenhum argumento peremptório. E a prova de que ainda não se lhe encontraram pontos vulneráveis é que nada pode suster-lhe a marcha ascendente e que, ao cabo de dez anos, conta mais adeptos do que outra qualquer seita jamais o conseguiu em um século. Este é um fato demonstrado pela experiência e reconhecido por seus próprios adversários.
Para liquidá-lo, não basta dizer: não existe tal coisa, isto é um absurdo. É mister provar, categoricamente, que os fenômenos não existem e que não podem existir, e isto até hoje ninguém o fez.
V. — Por acaso não se provou que, a parte o Espiritismo, tais fenômenos podem perfeitamente ser produzidos? Não se pode deduzir daí que não tenham a origem que lhes atribuem os espíritas?
A.K. — Por que se pode imitar uma coisa, devemos acreditar que ela não exista? Que diria o senhor da lógica de quem pretendesse que, pelo fato de obter-se vinho de Champagne com água de Seltz, todo o vinho de Champagne seja água de Seltz? É privilégio de tudo quanto é notável dar lugar a falsificações.
Alguns prestidigitadores imaginaram que a palavra Espiritismo, devido à sua popularidade e às controvérsias de que era objeto, calhava à exploração e, para atraírem o público, simularam, mais ou menos grosseiramente, alguns fenômenos mediúnicos, como dantes simularam a clarividência sonambúlica. Partindo daí os burlões aplaudiram, exclamando: Aqui temos o Espiritismo!
Quando apareceu em cena a engenhosa produção dos espectros não se disse por toda parte que o golpe de graças tinha sido vibrado no Espiritismo?
Antes de pronunciar uma sentença tão decisiva, deviam, certamente, refletir que as asseverações de um escamoteador não são o evangelho, e verificar se havia perfeita identidade entre a imitação e a coisa imitada.
Ninguém compra um brilhante antes de certificar-se de que não se trata de uma pedra falsa.
Por pouco acurado que fosse o estudo, tê-los-ia convencido de que os fenômenos espíritas se realizam em condições muito diversas e, além disso, teriam verificado que os espíritas não cuidam de provocar o aparecimento de fantasmas e, muito menos ainda, da previsão do futuro, como o fazem as ledoras de sorte.
Só a malevolência e uma insigne má fé poderiam associar o Espiritismo à magia e à feitiçaria, uma vez que ele repudia a finalidade, as práticas, as fórmulas e as palavras sacramentais de todas estas. Outros existem, que não hesitam em comparar as reuniões espíritas às assembleias do sabbat, em que se aguarda a hora fatal da meia-noite para a invocação dos fantasmas.
Um meu amigo, espírita, encontrava-se um dia assistindo à representação de "Macbeth", ao lado de um jornalista que não conhecia. Chegada a cena das bruxas, ouviu este último dizer ao vizinho:
— Bom! Agora vamos assistir a uma sessão espírita. Falta-me assunto para o próximo artigo. Vou saber agora como é que estas coisas se passam. Se estivesse por aqui um desses loucos, ia lhe perguntar que papel desempenharia nesse quadro.
— Sou um deles — respondeu-lhe o espírita — e eu lhe digo que me seria impossível encontrar o meu lugar ali, pois, muito embora tenha assistido a centenas de sessões espíritas, nunca vi nas mesmas algo que se assemelhasse a esta cena. Se o senhor veio colher aqui os elementos para seu artigo, este não primará pela veracidade.
Muitos críticos não dispõem de base mais sólida que esta.
E sobre quem, senão sobre os que se manifestam tão sem recursos fundamentais, cairia o ridículo?
Quanto ao Espiritismo, longe de ressentir-se, seu crédito vem aumentando, por obra desses mesmos que engendram as maquinações, despertando a atenção de personagens que nem mesmo o conheciam, induzindo-as ao exame da questão e aumentando o número de adeptos, visto que vem por fim e infalivelmente, a convicção de estar-se lidando não com um passatempo, mas com um assunto seríssimo.
V. — Concordo que entre os detratores do Espiritismo existem pessoas inconsequentes como essas, das quais o senhor acabou de falar. Mas, ao lado dessas, não serão encontrados homens de méritos reais e opiniões de peso?
A.K. — Não o nego; e a isso respondo que o Espiritismo conta em suas falanges homens de não menores méritos. Digo mais, ainda: a imensa maioria dos grupos espíritas é composta de homens de inteligência e cultura. Só mesmo a maledicência poderia afirmar que seus adeptos se contam entre comadres e ignorantes.
Por outro lado há um fato peremptório que responde a essa objeção: é que, não obstante jogarem com cultura e poder oficial, nenhum dos detratores conseguiu deter a marcha do Espiritismo. Entretanto, não houve um só deles, desde o mais obscuro articulista, que não tivesse a ilusão de estar lhe vibrando golpe mortal. Todos eles, na verdade, apenas o auxiliaram na sua vulgarização, ainda que contra seus propósitos.
Uma ideia que resiste a tantas investidas, que avança sem titubear através da chuva de dardos que lhe assestam, não patenteia sua força e a profundidade de suas raízes? É óbvio que o fato chama a atenção dos pensadores. Aliás, não são poucos os que, hoje em dia, admitem que alguma coisa de real existe no Espiritismo, e cogitam se, por acaso, não será ele um desses movimentos irresistíveis, que de tempos em tempos abalam as sociedades, para as transformar.
O que sucede agora, sucedeu a todas as ideias novas, chamadas a revolucionar o mundo. Forçosamente encontram obstáculos: vêm lutar contra os interesses, contra os preconceitos, contra os abusos que deverão destruir. Como, entretanto, concorrem para a realização da lei do progresso e estão nos desígnios da providência, ao soar a hora determinada, nada as pode deter. É essa força irreprimível que prova a expressão da sua verdade.
A ausência de boas razões, já que as que se lhe opõem não convencem, evidencia ao primeiro exame, e conforme tenho dito, impotência dos adversários do Espiritismo. Essa impotência é também devida a um outro fator, que zomba de todas as maquinações. Surpreendem-se com seus progressos, apesar de tudo quanto fazem para o conter, e ninguém encontra a causa, pois que a buscam onde não está. Alguns a veem no poder ilimitado do demónio que, a ter como boa esta explicação, seria mais forte do que eles, e mesmo que o próprio Deus. Outros a encontram no surto do desequilíbrio humano.
O erro de todos está na crença comum de que a origem do Espiritismo é uma só: tudo se origina da opinião individual de um homem. Daí a ideia de que, destruindo a opinião do homem, aniquilariam o Espiritismo. Assim, pois, buscam a ideia na terra, quando ela está no espaço; num ponto determinado, quando se encontra em toda parte, uma vez que os Espíritos se manifestam em todas as terras, em todos os países, nos palácios e nas choupanas.
A verdadeira causa determinante está, por conseguinte, na natureza íntima do Espiritismo, cujo impulso progressista não parte de um homem único. Acontece que ele dá a cada um a liberdade de pôr-se em comunicação com os Espíritos, por cujo intermédio se verifica a realidade dos fatos.
Como seria possível convencer milhões de indivíduos de que tudo não passa de farsa, charlatanismo, exploração e habilidade, quando eles próprios obtêm resultados sem o concurso alheio?
Poderemos fazê-los crer que são seus próprios auxiliares e que entregam ao charlatanismo, à exploração de si mesmos?
Essa universidade das manifestações dos Espíritos, que acodem a toda parte do globo, a desmentir os detratores, a confirmar os princípios da doutrina, é uma força tão incompreensível, para os que não conhecem o mundo invisível, como a rapidez e a transmissão de um telegrama para os que ignoram as leis da eletricidade. Contra essa força é que se vêm quebrar as refutações. Seria assim como dizer-se, às pessoas expostas aos raios solares, que o Sol não existe.
Fazendo abstração das qualidades do corpo de doutrina do Espiritismo, que satisfaz muito mais que os outros, das doutrinas que se lhe opõem, o motivo acima é o responsável pelas derrotas dos que intentam detê-lo em sua marcha. Para conseguir esse intento seria preciso encontrar o meio de impedir que os Espíritos se manifestassem.
Eis porque os espíritas se preocupam tão pouco com as maquinações dos adversários. A experiência e a autoridade dos fatos estão conosco.
V. — O Espiritismo tende, evidentemente, a ressuscitar as crenças fundadas no maravilhoso e no sobrenatural, o que me parece difícil neste nosso século positivista, pois que equivale a defender as superstições, as concepções geradas da ignorância popular e que a razão repele.
A.K. — As ideias podem ser taxadas de supersticiosas quando falsas; cessam de o ser no momento em que se lhes reconhece a exatidão.
A questão está, pois, em saber se há ou não há manifestações dos Espíritos; e o senhor não pode qualificá-las de superstições enquanto não haja provado que não existem.
Dirá, porém, o senhor: Minha razão repele-as. Acontece, porém, que todos os que as admitem, e que não são estúpidos, apoiam-se também na própria razão; mais do que isto, apoiam-se nos próprios fatos. Quem está com a verdade? O juiz supremo desta questão, como o foi de todas as pendências científicas, industriais, etc., qualificadas inicialmente como irrealizáveis e absurdas, é o futuro.
O senhor julga a priori, de acordo com sua razão. Quanto a nós, só julgamos depois de termos visto e observado longamente. Adianto-lhe que o Espiritismo avançado como está hoje em dia, tende, muito ao contrário, a destruir as ideias supersticiosas, uma vez que demonstra a veracidade e a falsidade das crenças populares, bem como os absurdos mesclados às mesmas pela ignorância e pelos preconceitos.
Vou mais longe, ainda, e digo que é precisamente o positivismo do século que vos leva a adotar o Espiritismo. A ele se deve, em parte, a sua rápida propagação e não, como pretendem alguns, a uma recrudescência do amor ao maravilhoso e ao sobrenatural.
O sobrenatural se esvai à luz da ciência, da filosofia, e do raciocínio, assim como os deuses do paganismo desapareceram à luz do cristianismo.
Sobrenatural, é o que está fora dos limites regidos pelas leis da natureza. O positivismo só admite estas — mais nada. Conhece-as, porém, todas? Em todos os tempos, os fenômenos cuja causa era desconhecida foram considerados sobrenaturais. Cada nova lei descoberta pela ciência veio dilatar os limites anteriores. O Espiritismo vem revelar uma nova. A comunicação com o espírito de um morto, repousa numa lei tão natural quanto as da eletricidade, o que permite que dois indivíduos, separados por quinhentas léguas, estabeleçam contato. O mesmo dá-se com os outros fenômenos espíritas.
O Espiritismo repele, no que lhe diz respeito, todo acontecimento maravilhoso, quero dizer, fora das leis da Natureza. Não obra milagres ou prodígios, mas explica, baseado em certa lei, fatos até agora reputados como miraculosos e prodigiosos, demonstrando ao mesmo tempo sua possibilidade de realização. Amplia, assim, os domínios da ciência e, sob esse ponto de vista, ele próprio é também uma ciência. Como, porém, o descobrimento dessa nova lei originou consequências morais, o código destas fez do Espiritismo uma doutrina filosófica.
Sob este aspecto, corresponde às aspirações do homem no que diz respeito ao futuro; e como apoia essa teoria em bases positivas e racionais, amolda-se ao espírito positivista do século e isto o senhor compreenderá quando se der ao trabalho de o estudar. (O Livro dos Médiuns, cap. II. Veja-se também o Capítulo II desta obra).
V. — Conforme disse, o senhor apoia-se nos fatos. A opinião dos sábios, porém, que os negam ou que os explicam de maneira diversa, opõe-se à sua opinião.
Por que motivo não se dedicaram eles à observação do fenômeno das mesas giratórias?
Se nesse fenômeno tivessem entrevisto alguma coisa de sério, certamente não se teriam descuidado da observação de fatos que de tal maneira fogem aos limites do natural; não estariam tão desdenhosamente contestando-os. Na verdade, senhor, todos se lhes manifestam contrários.
E os sábios são, afinal de contas, o farol das nações. Não é o seu dever a difusão das luzes?
Como pretenderia o senhor que fugissem às suas funções, quando se lhes apresentava tão azada ocasião de apresentar ao mundo um novo poder?
A.K. — O senhor acaba de traçar o dever dos sábios, de maneira brilhante. É mesmo de lastimar que, por mais de uma ocasião, tenham esquecido esse dever.
Como eu já disse antes, o Espiritismo faz seus prosélitos precisamente na classe ilustrada e isso em todos os países do mundo: conta um grande número deles entre os médicos de todas as nações, e os médicos são homens de ciência. Os magistrados, professores, artistas, literatos, militares, altos funcionários, eclesiásticos etc., que se acolhem à sua bandeira, são pessoas às quais não se pode negar uma certa soma de cultura. É preciso deixar bem claro que não é só na ciência oficializada e nas instituições constituídas que existem sábios.
O fato do Espiritismo não ter foros de cidade, na ciência oficial, não é motivo para que se o condene.
Se a ciência jamais se houvesse enganado, sua opinião poderia pesar na balança. Desgraçadamente, porém, a experiência prova o contrário.
Ela repeliu como quimeras um sem número de descobertas que, mais tarde, tornaram ilustre a memória de seus autores.
O fato de a França estar privada dos direitos de pioneira da propulsão a vapor deve-se a um relatório da nossa primeira corporação científica.
Quando Fulton veio ao campo de Bolonha, para apresentar o plano a Napoleão l, este confiou seu exame imediato ao Instituto de França. E o pronunciamento da instituição foi este: tratava-se de um sonho impraticável — ocupar-se com ele era perder tempo.
Deste fato deve-se concluir que os membros do Instituto sejam uns ignorantes? Justifica os epítetos triviais que certas pessoas se comprazem em lhes prodigalizar? Certo que não! E nenhuma pessoa sensata pode deixar de lhes reconhecer o grande saber, reconhecendo, entretanto, isto sim, que não são infalíveis e que suas opiniões não podem ser pronunciamentos decisivos, principalmente no que diz respeito a ideias novas.
V. — Eu mesmo admito que não sejam infalíveis. Não é menos certo, porém, que, em virtude da própria erudição, seu parecer vale alguma coisa e se o senhor os tivesse do seu lado o prestígio do seu sistema ganharia cem por cento.
A.K. — Mas o senhor, decerto, também concorda que ninguém é bom juiz em assuntos que escapam à sua competência. Se desejar construir uma casa, dirigir-se-á a um médico? Se se sentir doente, recorrerá aos serviços de um arquiteto?
E se tivesse um processo, consultaria um dançarino?
Finalmente, se tivesse uma questão de teologia pediria uma solução a um químico, ou um astrónomo?
Não! Cada um tem sua especialidade.
As ciências comuns baseiam-se nas propriedades da matéria, que cada um manipula ao seu bel-prazer. Os fenômenos por ela produzidos têm por agentes forças materiais. Os fenômenos espíritas têm por agentes inteligências independentes, dotadas de livre-arbítrio e que não se submetem ao nosso capricho.
Por esse motivo subtraem-se aos nossos processos de laboratório e às nossas deliberações. Não estão, conseguintemente, no domínio da ciência propriamente dita.
A ciência, pois, enganou-se, quando quis experimentar os Espíritos como a uma pilha de Volta. Operava obedecendo a uma analogia não existente e tinha logicamente que fracassar. Depois disso, sem dar-se a maiores trabalhos, pronunciou-se negativa: juízo temerário que o tempo se encarregará de reformar um dia, como reformou tantos outros. Então, os que os proferiram passarão pela humilhação de ver contestados os seus erros. Esse será o castigo de se terem rebelado levianamente contra o poder infinito do Criador.
As instituições científicas não têm, e não terão nunca o que dizer nesta questão. Isto não lhes compete, como não lhes compete decidir se Deus existe ou não; por conseguinte, é erro querer toma-las como juízes.
O Espiritismo é uma questão de crença pessoal que não pode depender do voto de uma assembleia porque;, mesmo que o voto lhe fosse favorável, não poderia impor-se às consciências.
Quando a opinião pública estiver formada neste particular, os sábios, como indivíduos, e obedecendo à força mesmo das coisas, aceitá-la-ão.
Deixemos passar esta geração e com ela as preocupações do amor-próprio que se revolta, e o senhor verá suceder com o
Espiritismo o que sucedeu com outras tantas verdades que foram combatidas e das quais seria ridículo hoje duvidar. Hoje chamam de loucos aos que creem; amanhã loucos serão os incrédulos, exatamente como nos tempos antigos, quando ninguém punha em dúvida o desequilíbrio dos que acreditavam no movimento da Terra.
Nem todos os sábios, porém emitiram o mesmo juízo, e eu entendo por sábios os homens de estudos e de ciências, com ou sem título oficial.
Muitos fizeram o seguinte raciocínio:
"Não há efeito sem causa e os mais simples efeitos podem nos conduzir aos mais sérios problemas. Se Newton não tivesse dado a devida atenção à queda da maçã, se Galvani houvesse desprezado sua criada, chamando-a louca e delirante, quando lhe falou das rãs que dançavam no prato, possivelmente, ainda hoje, estaríamos sem conhecer a admirável lei da gravidade universal, e as múltiplas propriedades da pilha.
O fenômeno que se conhece pelo nome burlesco de dança das mesas não é mais ridículo que a dança das rãs, e talvez encerre também alguns desses segredos da natureza, que revolucionarão a humanidade, quando lhes obtivermos a chave".
E ainda disseram:
"Se tanta gente se ocupa com eles, se homens respeitáveis vêm estudando esses fenômenos, é porque naturalmente, contêm algo de verídico. Uma ilusão, uma moda, como querem, não pode ter esse caráter de generalidade: seduziria um círculo, uma sociedade, mas não tomaria o mundo de assalto.
Abstenhamo-nos, pois, de negar a possibilidade do que não compreendemos, se não quisermos que mais cedo ou mais tarde venham a fazer uma ideia pouco favorável da nossa inteligência".
V. — Perfeitamente. Eis alguém que raciocina com sabedoria e prudência. Sem ser sábio, penso do mesmo modo. Observe, porém, que também aqui não encontramos uma afirmativa; só dúvidas, apenas dúvidas. E... sobre quê basear-se a crença na existência dos Espíritos e, sobretudo, a possibilidade de nos comunicarmos com eles?
A.K. — Essa crença apoia-se em raciocínios e em fatos. Eu próprio não a adotei antes de tê-la examinado demoradamente. Tendo adquirido, no estudo das ciências exatas, hábitos positivistas, sondei, esquadrinhei essa nova ciência em seus mais íntimos refolhos; quis dar-me conta de tudo, porque nunca aceito uma ideia sem conhecer o porquê e o como. Eis o raciocínio que a mim expunha ilustre médico, outrora incrédulo e hoje adepto fervoroso:
"Afirmam que os seres invisíveis, se comunicam. E por que não? Antes da invenção do microscópio, suspeitávamos da existência desses milhares de seres infinitesimais, que tantos transtornos causam à economia? Onde a impossibilidade material de que haja no espaço seres imperceptíveis aos nossos sentidos? Certamente não teremos a ridícula pretensão de tudo saber e dizer ao Criador que já nada mais tem a nos ensinar. Se esses seres invisíveis que nos rodeiam são inteligentes, porque não haveriam de se comunicar conosco? Se estão em relação com os homens, devem desempenhar um papei nos acontecimentos e nos destinos humanos. Sim; por que não? Talvez constituam uma das forças da natureza, uma dessas potências ocultas, de cuja existência não suspeitamos.
E que horizontes novos oferece tudo isso ao pensamento! Que vasto campo para observações!
A descoberta do mundo dos invisíveis será muito diferente da descoberta do mundo dos infinitesimais; mais que uma descoberta, será uma revolução nas ideias.
Quanta luz não pode brotar disto! Quanta coisa envolta no mistério será elucidada!
Se os adeptos são postos em ridículo, o que prova isso? Não sucedeu o mesmo com todas as descobertas?
Não se desprezou Cristóvão Colombo, sobrecarregando-o de desgostos, chamando-o de insensato?
Semelhantes ideias, dizem, são tão exorbitantes que não se pode admiti-las.
Quem, há meio século, houvesse afirmado que em poucos minutos poder-se-ia estabelecer comunicação entre um e outro extremo da Terra; que em poucas horas seria possível atravessar a França; que com o vapor de uma pequena quantidade de água em ebulição far-se-ia navegar um barco, mesmo com vento contrário; que da água tirar-se-ia o meio de nos iluminarmos e nos aquecermos; que se poderia iluminar Paris num instante, usando apenas um receptáculo de uma força invisível; quem houvesse dito todas essas coisas, ou apenas uma delas, repito, no mínimo teria sido vaiado.
Será, por ventura, mais prodigioso o fato de o espaço estar habitado por seres inteligentes que, depois de haverem vivido na Terra, aqui deixaram seus envoltórios materiais?
Todos sabem que neste fato está a explicação de uma infinidade de crenças que remontam à mais alta antiguidade.
Semelhantes coisas valem, pois, o trabalho de as aprofundarmos".
Eis as reflexões de um sábio, mas de um sábio despretensioso.
São também as palavras de um sem número de homens ilustres. Estes viram, não superficialmente; viram sem prevenção. Fizeram estudos aprofundados e, sem ideias preconcebidas, tiveram a modéstia de não dizer: — "Não compreendo; logo, não está certo". Formaram suas convicções por meio da observação e do raciocínio.
Se tais ideias fossem quiméricas, acredita que esses homens as tivessem adotado? Que por tanto tempo tivessem sido vítimas de uma ilusão?
Não há, pois, impossibilidade material de existirem seres, invisíveis para nós, povoando o espaço; esta consideração, por si só, deveria induzir a maior circunspecção.
Quem, noutros tempos, teria imaginado que uma gota de água cristalina encerra milhares de seres cujo minúsculo tamanho chega a confundir nossa imaginação?
Pois eu digo que mais difícil era à razão conhecer seres providos de tão diminutos órgãos, que funcionam exatamente como os nossos, que admitir o que denominamos: Espíritos.
V. — Indubitavelmente. Mas da possibilidade de existência de uma certa coisa, não se pode deduzir que ela exista realmente.
A.K. — Conforme. Entretanto, o senhor convirá que, desde que não é impossível, já se deu um grande passo, pois que já não a repele a razão.
Resta, pois, evidenciá-la pela observação dos fatos, observação essa que nada tem de inédito.
A história, tanto a sagrada quanto a profana, prova a antiguidade e a universalidade desta crença, que se perpetuou através de todas as vicissitudes por que tem passado o mundo e que, no estado de ideias inatas e intuitivas, gravada no pensamento dos povos mais atrasados, assim como a do ser supremo e a da vida futura.
O Espiritismo não é, pois, uma criação moderna.
Tudo leva a crer que os povos antigos o conheciam, tão bem ou quiçá melhor do que nós, com a única diferença que o ensinavam com certas precauções misteriosas que o tornavam inacessível ao vulgo, abandonado intencionalmente no lodaçal da superstição.
No que diz respeito aos fatos, são de duas naturezas: uns "espontâneos, outros provocados.
Entre os primeiros é mister colocar as visões e aparições pouco frequentes, os ruídos, alvoroços, movimentação de objetos sem causa material aparente, toda essa infinidade de efeitos insólitos que se olhavam como sobrenaturais e que hoje nos parecem naturalíssimos, pois que não cremos no sobrenatural, já que tudo entra nas leis imutáveis da natureza.
Os fatos provocados são os obtidos com o auxílio de médiuns.
V. — Os fenômenos provocados são, especialmente, os mais criticados.
Passemos por sobre toda a suposição de charlatanismo e admitamos uma completa honestidade. Não se poderia supor que os médiuns sejam vítimas de uma alucinação?
A.K. — Que eu saiba, ainda não se explicou exatamente o mecanismo da alucinação. Tal como a conhecemos e, sem contradita, um fenômeno muito raro, e digno dos maiores estudos.
Como, pois, os que pretendem explicar os fenômenos espíritas por esse meio não fornecem, antes, a sua própria explicação?
Há, por outra parte, fatos que anulam essa hipótese: uma mesa ou um outro qualquer objeto que se levanta, move-se e desfere golpes; que, independentemente de nossa vontade, passeia pela sala sem o contato de ninguém; que deixa o assoalho e mantém-se no espaço, sem ponto de apoio; que, finalmente, se despedaça ao cair, certo não são efeitos produzidos por uma alucinação.
Supondo que o médium, por feito da imaginação, acredite ver o que não existe, é admissível que toda a sociedade seja vítima da mesma miragem e que isso se reproduz em toda parte, em todos os países?
Neste caso a alucinação seria mais prodigiosa do que o fato em si.
V. — Admitindo o fenômeno das mesmas girantes e que vibram pancadas, não será mais racional atribuí-los à ação de um fluido qualquer, do fluido magnético, por exemplo?
A.K. — Foi esse o primeiro pensamento que me ocorreu, como a outras pessoas.
Se os fenômenos se tivessem limitado a efeitos materiais, sem dúvida poderiam ser assim explicados. Quando, porém, as pancadas e os movimentos deram provas de inteligência, quando se reconheceu que respondiam ao pensamento formulado, com uma inteira liberdade, tirou-se a conclusão seguinte:
Se todo efeito tem uma causa, todo efeito inteligente tem uma causa inteligente.
Esses fenômenos podem ser efeito desses fluidos; sim, contanto que admitamos sejam esses fluidos dotados de inteligência.
Quando o senhor vê os braços do telégrafo fazendo sinais, transmitindo o pensamento, não julga que esses braços de madeira ou de ferro sejam dotados de inteligência: sabe perfeitamente que uma inteligência fora deles os põe em movimento.
O mesmo se dá com as mesas. Há ou não há efeitos inteligentes? Eis a questão.
Negam-no os que nem tudo viram e se apressam a falar, segundo suas próprias ideias e partindo de uma observação superficial.
V. — A isto responde-se que, se há uma força inteligente, esta será apenas reflexo da inteligência mesma, do médium, de quem o interroga, ou dos assistentes, pois, ao que se diz, a resposta sempre está no pensamento de uma das pessoas presentes.
A.K. — Também isto é um erro decorrente da falta de observação. Se os que pensam deste modo se tivessem dado ao trabalho de estudar o fenômeno em todas as suas fases, teriam reconhecido a cada passo a independência absoluta da inteligência manifestante.
Não seria possível conciliar-se essa tese com respostas que estão fora do alcance intelectual e da instrução do médium, que contradizem suas ideias, desejos e opiniões, ou que diferem absolutamente da previsão dos assistentes.
Como conciliá-la com médiuns que escrevem em idiomas que desconhecem, ou no seu próprio, quando não sabem ler nem escrever?
Concordo que, à primeira Vista, esta opinião nada tem de irracional. Mas a desmentem fatos numerosos e concludentes, ante os quais a dúvida se torna impossível.
Ademais, admitida esta teoria, longe de simplificar-se o fenômeno, tornar-se-ia, pelo contrário, prodigioso.
A sagacidade da ciência, por certo, muito teria que ver nisto.
Por outro lado, o que não é menos maravilhoso é que, de vinte pessoas reunidas, refletir-se-ia precisamente o pensamento desta e não daquela. Semelhante sistema é insustentável.
É realmente curioso notar que os contraditores buscam coisas cem vezes mais extraordinárias e difíceis de se admitirem do que as que combatem como inadmissíveis.
V. — Não se poderia admitir — e esta é a opinião de alguns, — que o médium se encontre, no decorrer da experiência, num estado de crise, gozando de uma lucidez que lhe dá a percepção sonambúlica, ou de uma dupla visão, que explicaria a extensão momentânea de suas faculdades intelectuais, se é que, conforme se diz, as comunicações obtidas por via dos médiuns não sobrepujam as que se obtêm por meio dos sonâmbulos?
A.K. — Também este sistema não resiste a um exame aprofundado.
O médium não está em estado de crise nem adormecido. Acha-se inteiramente desperto, agindo e pensando como as outras pessoas, sem experimentar o que quer que seja de extraordinário.
Alguns fenômenos particulares deram origem a esse equívoco. Entretanto, qualquer pessoa que não se limite a julgar as coisas pela observação de um só de seus aspectos reconhecerá sem dificuldade que o médium é dotado de uma faculdade toda particular, que não deixa margem para ser confundido com um sonâmbulo. A completa independência de seu pensamento está provada por fatos, sob todos os pontos de vista, indiscutíveis.
Fazendo-se abstração das comunicações escritas, qual o sonâmbulo que fez pensamentos brotarem de um corpo inerte?
Qual o que já produziu aparições visíveis e até mesmo tangíveis?
Terá algum conseguido manter um corpo pesado, suspenso no espaço, sem ponto de apoio?
Terá sido por efeito sonambúlico que, em minha residência, em presença de vinte testemunhas, um médium desenhou o retrato de uma jovem que lhe era desconhecida, morta há dezoito meses, e cujo retrato foi reconhecido pelo pai da moça, presente à sessão?
Por um fenômeno de sonambulismo responderá, por acaso, uma mesa, com a máxima precisão, a perguntas que lhe são dirigidas, por vezes até mentalmente?
Seguramente, admitindo-se que o médium se encontre magnetizado, é difícil crer que a mesa seja sonâmbula.
Dizem, também, que os médiuns só falam claramente de coisas conhecidas.
Como, porém, explicar o fato seguinte e tantos outros do mesmo gênero?
Um meu amigo, excelente médium psicógrafo, perguntou a um Espírito se certa pessoa, que não via há quinze anos, estava ainda neste mundo. "Sim; vive ainda — respondeu o Espírito — está em Paris, à rua tal, número tanto". Meu amigo saiu e encontrou a pessoa em questão, no endereço indicado.
Teria sido ilusão?
Seu pensamento poderia ter-lhe sugerido uma infinidade de respostas diferentes pois, à vista da idade da pessoa, seria mais provável que tivesse morrido.
Se em certos casos foi observado que as respostas estavam conforme o pensamento, não quer isto dizer, naturalmente, que seja uma lei geral.
Nisto, como em tudo, os juízos precipitados são perigosos; podem ser desmentidos por fatos que se não observaram.
V. — Os incrédulos desejam fatos positivos que, na maioria das vezes, não lhes podem ser proporcionados. Se a todos fosse permitido testemunhar os fenômenos, a dúvida não seria realmente lícita.
Como é que tantas pessoas, apesar da boa vontade que as anima, nada puderam observar?
Opõe-se-lhes, conforme dizem, a falta de fé. Mas a isto respondem, e com razão, que não é possível ter-se fé antecipada, e que se querem que creiam é mister que lhes sejam dados os meios de crer.
A.K. — A razão é simplicíssima. Desejam submeter os fenômenos às suas ordens e os Espíritos não se sujeitam. Nós é que temos de esperar a sua boa vontade. Não basta dizer: apresentem-me tal fato e eu acreditarei. É preciso que se tenha aquela boa vontade nascida da perseverança; deixar que os fenômenos se produzam espontaneamente, sem pretender forçá-los ou dirigi-los.
Talvez que aquele que se deseja venha a ser exatamente o que se não pode conseguir. Não obstante, outros apresentar-se-ão, e aquele que é desejado aparecerá quando menos se espera.
Aos olhos do observador atento e assíduo surge uma infinidade de fatos que se corroboram mutuamente. Mas engana-se redondamente aquele que julga que basta mover a manivela para fazer funcionar a máquina.
Que faz um naturalista que visa estudar os costumes de um animal? Exige porventura que faça isto ou aquilo para ter a comodidade de o observar à vontade? Não; pois sabe muito bem que não será obedecido. Espreita as manifestações espontâneas do seu instinto. Espera e colhe-as de passagem.
O simples bom senso demonstra que, com mais forte razão, deve-se fazer o mesmo com os Espíritos, que são inteligências distintas e muito mais independentes que a dos animais.
É erro supor que se exige fé. Mas a boa fé é outra coisa. Há céticos que negam a própria evidência. A estes os prodígios não convenceriam.
Quantos há que, depois de os terem visto pretendem explicar os fenômenos à sua maneira, alegando que nada provam?
Sem lograr quaisquer resultados para si, essa gente serve apenas para perturbar as reuniões. Por isso não perdemos tempo: afastamo-la.
Existe também um outro grupo, formado pelos que se sentiriam terrivelmente contrariados se se vissem obrigados a crer na evidência dos fatos, pois seu amor próprio sentir-se-ia ofendido, se tivessem de confessar o que antes negaram.
E o que dizer das pessoas que veem em tudo ilusão e charlatanismo? Nada! Preciso é que as deixemos tranquilas; permitir que digam, sempre que quiserem, que nada comprovaram, que nada se pode ou se lhes quis mostrar.
Ao lado desses céticos endurecidos encontram-se os que desejam ver à sua maneira e que, tendo opinião formada, desejam tudo ver por esse prisma. Não compreendem que certos fenômenos possam deixar de correr à risca e não sabem ou não querem passar às condições indispensáveis.
Quem deseja observar de boa fé não deve crer no que lhe dizem, mas despojar-se de toda ideia preconcebida e desistir de comparar coisas incompatíveis.
Deve esperar, persistir e observar, com inesgotável paciência. Esta condição é também favorável nos adeptos, pois vem provar que suas convicções não se formaram levianamente.
O senhor tem uma paciência assim?
V. — Não. Não tenho tempo para isso.
A.K. — Pois então não se ocupe com este assunto, nem fale dele: afinal de contas ninguém o obriga a isso.
V. — Certamente os Espíritos desejam fazer prosélitos. Por que não se dedicam mais a convencer determinadas pessoas, cuja opinião seria de uma grande influência?
A.K. — Parece que, por ora, não julgam conveniente convencer essas pessoas, cuja importância não reputam tão grande como a elas mesmas se afigura.
Isto é pouco lisonjeiro, concordo; mas não governamos a opinião dos Espíritos que, por sinal, têm uma maneira de julgar as coisas que nem sempre se assemelha à nossa. Veem, pensam e agem sob um outro ponto de vista.
Enquanto que a nossa vista, feita de matéria limitada, está circunscrita ao acanhado círculo em cujo centro nos encontramos, os Espíritos abraçam o conjunto. O tempo, que tão longo nos parece, tem para eles uma nula duração. A distância é um passo. Certos pormenores, que aos nossos olhos se revestem de suma importância, aos seus olhos são puerilidades. Ao contrário, dão importância a certos detalhes, cuja conveniência passa-nos desapercebida.
Para os compreender é preciso elevarmos nosso pensamento acima do nosso horizonte material e moral e nos colocarmos no seu ponto de vista.
Não são eles que devem vir até nós: a nós compete-nos elevarmos até eles; e a isso nos conduzem o estudo e a observação.
Os Espíritos apreciam os observadores assíduos e conscienciosos, para os quais multiplicam as torrentes de luz.
Não é a dúvida, filha da ignorância, que os afugenta, mas a fatuidade dos observadores pretensiosos, que acabam nada observando, que cuidam os colocar no banco de réus e fazê-los se moverem como títeres; sobretudo o sentimento de hostilidade e de descrédito que alimentam, que lhes está no cérebro, quando não se revela em palavras.
Por estes nada fazem os Espíritos, pouco se importando com o que possam dizer ou pensar, porque também lhes chegará o dia.
Eis porque eu lhe disse que não é de fé que se precisa, e sim de boa fé.
V. — Desejaria saber qual o ponto de partida das ideias espíritas modernas. Resultam de uma revelação espontânea dos Espíritos ou de uma crença anterior na sua existência?
O senhor compreende minha pergunta, pois neste último caso podemos ser levados a crer que a imaginação tenha desempenhado um importante papel.
A.K. — Essa pergunta, como o senhor mesmo disse, é importante sob este último ponto de vista, posto que seja muito difícil admitir — supondo que essas ideias tenham nascido de uma crença anterior — que a imaginação tenha produzido todos os resultados materiais observados.
Efetivamente, se o Espiritismo se tivesse baseado na ideia preconcebida da existência dos Espíritos, poder-se-ia, com aparente razão, duvidar de sua realidade. Sendo a causa uma quimera, quiméricas serão, forçosamente, as consequências.
As coisas, porém, não se passaram assim.
Observe, antes de tudo, que esse raciocínio é ilógico. Os Espíritos são causa e não efeito. Quando se tem um efeito, pode-se inquirir sua causa; mas não é natural imaginar uma causa antes de se lhe terem visto os efeitos.
Não se podia, pois, conceber a ideia dos Espíritos, se não tivessem ocorrido certos fenômenos que encontravam provável explicação na existência dos seres invisíveis.
Pois bem; assim também nasceu tal pensamento. Quero dizer, que não se imaginou uma hipótese para explicar os fenômenos.
A primeira suposição feita foi que a causa era material.
Assim, longe de ter sido preconcebida, a ideia da existência dos Espíritos partiu de um ponto de vista materialista. Isto, porém, não bastou para explicar tudo. A observação, e só observação, conduziu à causa espiritualista.
Falo das ideias espíritas modernas, pois já sabemos que esta crença é tão antiga quanto o mundo.
Eis a marcha dos acontecimentos:em causa extensiva conhecida, produziram-se certos fenômenos espontâneos, como: ruídos insólitos, pancadas, movimentos de objetos, etc. Esses fenômenos foram reproduzidos sob a influência de determinadas pessoas. Até aqui, nada autorizava que se lhes buscasse a causa fora da ação de um fluido magnético ou de um outro fluido qualquer, cuja natureza ainda era desconhecida. Não se tardou, porém, a reconhecer nos ruídos e nos movimentos um caráter intencional e inteligente; de onde se deduziu, conforme disse, se todo efeito tem uma causa, todo efeito inteligente tem uma causa inteligente. Essa inteligência não podia residir no próprio objeto: — a matéria não é inteligente.
Seria o reflexo mental de pessoa ou pessoas presentes?
O pronunciamento tinha de partir da experiência e esta demonstrou, com provas irrecusáveis, em centenas de ocasiões, a absoluta independência da inteligência que agia.
Esta nem pertencia ao objeto nem à pessoa.
Quem era?
Ela própria respondeu. Declarou pertencer à classe dos seres incorpóreos designados pelo nome de Espíritos. A ideia dos Espíritos não preexistia, pois, nem pode ser considerada consequência do fato. Numa palavra, não saiu do cérebro: foi dada pelos próprios Espíritos. E foram eles que nos ensinaram tudo o que, depois, sobre eles viemos a saber.
Revelada a existência dos Espíritos e estabelecidos os meios de comunicação, tornou-se possível manter com eles contínuas palavras e resenhas sobre a natureza que lhes é própria, as condições de sua existência e sua missão no mundo invisível.
Se, igualmente, pudessem ser interrogados os seres do mundo dos infinitamente pequenos, que nós vemos pelas lentes dos microscópios, quanta coisa curiosa ficaríamos sabendo acerca deles!
Supondo-se que, antes do descobrimento da América, existisse um fio elétrico através do Atlântico e que na extremidade correspondente à Europa se notassem sinais inteligentes, não se poderia deduzir que na outra extremidade existiam seres inteligentes tentando estabelecer comunicação?
Propor-se-lhes-ia, então, uma série de questões, às quais responderiam, e assim estaria adquirida a certeza da sua existência, o conhecimento de seus costumes, hábitos e maneiras de ser, e isto apesar de não os conhecermos.
O mesmo se deu no tocante às relações com o mundo invisível: as manifestações materiais foram como sinais, como advertências que preludiaram comunicações mais regulares e constantes. E, coisa notável! À medida que íamos tendo ao nosso alcance meios mais fáceis de comunicação, os Espíritos foram abandonando os processos primitivos insuficientes e incómodos, como um mudo que recobrasse o dom da palavra e renunciasse à linguagem dos sinais.
Quem eram os habitantes do mundo desconhecido?
Seres excepcionais, fora dos limites humanos?
Benévolos ou malévolos?
Foi outra vez a experiência que se encarregou de responder às novas questões. Mas, até que numerosas observações fizessem luz sobre o assunto, esteve aberto o campo das conjeturas e dos sistemas, — e Deus sabe que não foram poucos os que surgiram! Uns viram espíritos superiores em todos, outros apenas demónios.
Suponhamos que dos habitantes transatlânticos desconhecidos, de que falamos, uns tivessem dito nobres palavras, ao passo que outros se tivessem feito notáveis pelo cinismo da linguagem. Sem dúvida concluir-se-ia pela existência de bons e maus em seu meio.
Foi o que sucedeu com os Espíritos: Reconheceram-se neles todas as gradações de bondade e de maldade, de ignorância e de cultura. Uma vez instruídos acerca dos seus defeitos e boas qualidades, competia-nos separar o joio do trigo, o verdadeiro do falso, nas relações que com eles mantivéssemos, exatamente como fazemos em relação aos homens.
A observação não nos esclareceu apenas quanto às qualidades dos Espíritos, mas também quanto à sua natureza e sobre o que nos permitimos chamar — o seu estado fisiológico. Ficou-se sabendo, por informação deles mesmos, que uns eram muito felizes, outros extremamente desgraçados; que não são criaturas excepcionais, nem de natureza distinta da humana, mas sim as próprias almas de pessoas que viveram na Terra e que aqui deixaram seu envoltório corporal, que povoam os espaços, rodeiam-nos e constantemente se imiscuem entre nós, e que no seu meio poderemos reconhecer, por sinais inconfundíveis, nossos parentes, amigos e conhecidos da Terra.
Foi possível segui-los em todas as fases da existência de além-túmulo, a partir do instante em que abandonaram o corpo, e anotar observações quanto à situação em que se acham, conforme o gênero de morte que tiveram e a conduta de vida que se impuseram na Terra.
Soube-se, finalmente, que não eram seres abstratos, imateriais no sentido absoluto da palavra: têm um envoltório ao qual denominamos perispírito, espécie de corpo fluídico vaporoso, diáfano, normalmente invisível, mas que, em determinadas circunstâncias e por um processo semelhante ao da condensação ou por sua disposição molecular, pode tornar-se visível e até momentaneamente tangível. Assim ficou explicado o fenômeno das aparições e dos contatos.
Esse envoltório existe durante a vida do corpo: é o laço entre o espírito e a matéria. Morto o corpo, a alma ou espírito, que são a mesma coisa, despoja-se apenas do envoltório grosseiro, conservando o outro, assim como nós fazemos quando despimos uma veste sobreposta e conservamos a interior, e como o germe do fruto se despoja da envoltura cortical, conservando, unicamente, o perisperma.
Esse envoltório semi-material do Espírito é o agente dos diferentes fenômenos de que se servem para nos manifestarem sua presença.
Em rápidos traços tem o senhor a história do Espiritismo.
Já vê, e isso reconhecerá melhor quando estudar a questão a fundo, que tudo no Espiritismo resultou de observação e não de um sistema preconcebido.
V. — O senhor falou em meios de comunicação. Poderia dar-me uma ideia do que sejam? Realmente, é bem difícil compreender-se como podem esses seres invisíveis conversar conosco.
A.K. — Com muito gosto. Entretanto, serei breve, pois o ponto exigiria largas digressões, que o senhor encontrará principalmente no Livro dos Médiuns. O pouco que lhe explicarei, não obstante, bastará para que faça uma ideia do seu mecanismo e, principalmente, para que compreenda melhor algumas das experimentações a que lhe permitiremos assistir enquanto aguarda sua iniciação propriamente dita.
A existência desse envoltório semi-material, o perispírito, já constitui uma chave para a explicação de muita coisa e demonstra a possibilidade de realização de certos fenômenos.
Quanto aos meios, são variadíssimos e dependem da natureza mais ou menos pura do Espírito, ou das disposições particulares das pessoas que lhes servem de intermediários.
O mais vulgar, o que pode ser chamado universal, consiste na intuição, isto é, em ideias e pensamentos que nos são sugeridos. Na generalidade dos casos, porém, esse meio é pouco apreciável. Existem outros, mais materiais.
Alguns Espíritos comunicam-se por meio de pancadas, respondendo por sim e por não, ou então designando as letras que formarão as palavras. Os golpes originam-se do movimento oscilatório de um objeto, uma mesa, por exemplo, que desfere golpes com um de seus pés. Via de regra produzem-se na própria substância dos objetos, sem a sua movimentação. Este modo primitivo é demorado e. dificilmente se presta às comunicações mais extensas. Substituiu-o a escrita, que se obtém de diferentes maneiras.
A princípio empregou-se, e ainda hoje se emprega, um objeto móvel, como uma prancheta, uma cesta, uma caixa, à qual se adapta um lápis, cuja ponta corre sobre a folha de papel. A natureza e a substância de que é formado o objeto não importam.
O médium coloca a mão sobre o objeto, ao qual transmite os impulsos que recebe dos Espíritos, e o lápis traça os caracteres.
Esse objeto, porém, por assim dizer, não é mais do que uma espécie de apêndice da mão, como uma lapiseira, por exemplo. Mais tarde reconheceu-se a inutilidade de semelhante intermediário, simples complicação do mecanismo, e cujo mérito é evidenciar, de modo mais palpável, a independência do médium, que pode escrever tomando diretamente do lápis.
Os Espíritos também se manifestam e podem transmitir seus pensamentos por meio de ruídos articulados, que retumbam, ora no espaço ora no ouvido, pela voz do médium, pela vista, pelo desenho, pela música e por outros meios que o senhor conhecerá através de um estudo completo da fenomenologia.
Os médiuns são dotados de aptidões diferentes, de características especiais, dependentes de sua organização. Assim, pois, temos médiuns para efeitos físicos, isto é, aptos a produzir fenômenos materiais, como golpes, levitação e transporte de objetos, etc.; médiuns auditivos, falantes, desenhistas, de efeitos musicais, psicógrafos. Esta última faculdade é a mais preciosa, pois dá margem à obtenção de comunicações mais uniformes e mais rápidas.
A mediunidade psicográfica apresenta um sem número de variações, sendo duas as mais notáveis. Para compreendê-las, é preciso que já se conheça o modo como se realiza o fenômeno.
Às vezes, o Espírito atua sobre a mão do médium, à qual empresta um impulso absolutamente independente da vontade deste, que não tem então consciência do que escreve. Assim é a mediunidade psicográfica mecânica. Outras vezes atua sobre o cérebro. O pensamento da entidade desencarnada une-se ao do médium que, muito embora escrevendo involuntariamente, tem uma consciência mais ou menos clara do que grafa. Esta é a mediunidade intuitiva. O papel do médium é exatamente o de um intérprete, que transmite um pensamento que não é seu e que, não obstante, deve compreender. Neste caso, o pensamento do Espírito e do médium, às vezes, se confundem. A experiência, porém, nos ensina a distingui-los com facilidade.
Por ambos os gêneros de mediunidade obtém-se boas comunicações. Para as pessoas que ainda não estão convencidas, os médiuns mecânicos são certamente preferíveis.
Na realidade, porém, a qualidade primordial de um médium reside mais na natureza dos Espíritos que o assistem e nas comunicações que recebe, do que propriamente nos meios de execução.
V. — O processo me parece de uma simplicidade admirável. O senhor acha que eu poderia tentar uma experiência?
A.K. — Sem quaisquer inconvenientes. Adianto mais que, se o senhor for dotado de faculdades mediúnicas, seria este o melhor meio de se convencer, pois não poderia suspeitar de sua própria boa-fé.
Apenas recomendo-lhe, vivamente, que não se entregue a nenhuma prova sem, antes, ter-se detido em estudos atentos. As comunicações de além-túmulo cercam-se de maiores dificuldades do que geralmente se crê; não estão isentas de inconvenientes e perigos para os que não têm a necessária experiência. Sucede o mesmo a quem se mete a fazer manipulações químicas, sem conhecer a química: corre o risco de queimar os dedos.
V. — É possível conhecer essa aptidão por algum sinal especial?
A.K. — Até hoje não se conhece um diagnóstico para a mediunidade. Todos os que como tal foram considerados carecem de valor e o melhor meio para saber se se é ou não médium, consiste em fazer a experiência.
Ademais, o número de médiuns é considerabilíssimo, e só muito raramente, quando nós mesmos não o somos, deixamos de encontrar algum, no seio de nossa família, ou entre os conhecidos.
O sexo, a idade e o temperamento não importam. Encontram-se médiuns entre homens e mulheres, crianças e anciãos, pessoas sadias e enfermas.
Se a mediunidade se evidenciasse por um sinal exterior qualquer, implicaria a permanência da faculdade. Ela é, todavia, extremamente móvel e fugidia. Sua causa física encontra-se na assimilação, mais ou menos fácil dos fluidos perispirituais do encarnado com os do Espírito desencarnado. Sua causa moral é o desejo que o Espírito tem de se comunicar, quando lhe agrade, e não à nossa vontade. Daqui resulta:
1° — que todos os Espíritos não podem se comunicar, indiferentemente, por todos os médiuns.
2° — que todo médium pode, quando menos esperar, ter suspensa ou perdida a sua faculdade.
Isto basta para lhe provar quanto é vasto o campo dos estudos a este respeito, e para se dar conta das variações que o fenômeno apresenta.
É, pois, um erro crer que o Espírito pode atender aos chamados que se lhe dirijam e comunicar-se com o primeiro médium que se apresente. Para que um Espírito se comunique é preciso, antes de mais nada, que lhe convenha comunicar-se. Em segundo lugar, que sua posição ou suas ocupações lhe permitam fazê-lo. E, finalmente, que encontre no médium um instrumento propício e apropriado à sua natureza.
Via de regra é possível comunicarmo-nos com Espíritos de todas as ordens de evolução, com parentes e amigos, com os mais vulgares Espíritos e com os mais elevados. Independentemente das condições individuais de possibilidade, porém, vêm mais ou menos voluntariamente, segundo as circunstâncias e, principalmente, em razão de suas simpatias para com as pessoas que os invocam, e não ao apelo do primeiro engraçado que tivesse o capricho de os invocar, movido por uma leviana curiosidade.
Em semelhante caso, mesmo durante a vida, não se teriam dado ao trabalho de atender, e tão pouco o fazem depois da morte.
Os Espíritos sérios e graves só comparecem às reuniões sérias, para onde são chamados com recolhimento e por motivos formais. Não se prestam à satisfação de curiosidade, a demonstrações fúteis nem a experiência alguma.
Os Espíritos levianos encontram-se por toda parte. Nas reuniões sérias, porém, guardam silêncio e mantêm-se ocultos, à escuta, como faria um estudante numa assembleia ilustre. Desforram-se nas reuniões frívolas, em que se divertem conosco; zombam dos assistentes e respondem a tudo, pouco se importando com a verdade.
Os Espíritos chamados batedores e, em geral, todos os que se prestam às manifestações físicas, são de uma ordem evolutiva inferior, sem que, por isso, sejam essencialmente maus. Têm, de certa maneira, uma aptidão toda especial para os efeitos físicos. Assim como os sábios da Terra não se ocupam com ninharias, os Espíritos superiores também não se ocupam com essas pequenezas.
Quando há necessidade da produção daqueles fenômenos, empregam esses Espíritos, como nós nos servimos dos operários para a execução da parte material de uma obra.
V. — Antes de iniciar um estudo mais aprofundado, certas pessoas desejariam ter a certeza de não estarem a perder o seu tempo. Essa certeza obteriam por um fato concludente que não se importariam de constatar a peso de ouro.
A.K. — Em verdade, esses não querem tomar o trabalho de estudar; têm mais curiosidade que desejo real de se instruírem. Os Espíritos não apreciam os curiosos mais que eu. Por outro lado, a cobiça lhes é particularmente antipática, e não se prestam absolutamente a nada que objetive satisfazê-la.
Preciso seria formar-se deles uma ideia assaz falsa para crer que Espíritos superiores, como Fénelon, Bossuet, Pascal e Santo Agostinho, por exemplo, se pusessem às ordens de um adventício com a remuneração de tanto por hora.
Não, senhor; as comunicações de além-túmulo são extremamente sérias e requerem muito respeito, para serem postas em exibição.
Por outro lado sabemos que os fenômenos espíritas, por isso que dependem da vontade dos Espíritos, não se produzem pela movimentação de rodas, como um mecanismo. Mesmo admitindo-se a aptidão mediúnica, ninguém pode garantir obtê-los num determinado momento. Se os incrédulos são inclinados a suspeitar da honestidade dos médiuns em geral, pior seria se notassem neles o estímulo dos interesses. Aí, sim; com muita razão poderia suspeitar de que o médium remunerado simulasse o fenômeno, não o produzisse o Espírito, pois que, acima de tudo, estaria o objetivo de lucro.
Ademais, um desinteresse absoluto é a melhor garantia de sinceridade. Seria repugnante ver as pessoas a quem amamos aceder a invocações a troco de dinheiro, se é que consentissem nisto, o que duvidamos muito. Em todo caso, só pactuariam nisso Espíritos de baixos níveis evolutivos, pouco escrupulosos quanto aos meios e indignos de confiança, ou ainda os que se satisfazem no censurável prazer de burlar os planos e os cálculos de seus panegiristas.
A natureza da faculdade mediúnica opõe-se, pois, a ser convertida em profissão, porque depende de uma vontade estranha ao médium, cujo concurso poderia faltar-lhe exatamente no momento em que mais necessitasse dela, a menos que a substituísse pela astúcia.
Admitindo-se, porém, absoluta honestidade, se os fenômenos não se produzem à nossa vontade, seria puro acaso que na sessão paga se produzisse exatamente o fato desejado, para que alguém se convencesse.
O senhor pode dar cem mil francos a um médium; mas esteja certo de que ele não conseguirá que os Espíritos façam aquilo que não querem.
Essa compra, que desvirtuaria a intenção, transformando-a numa sede violenta de lucro, seria, pelo contrário, o motivo pelo qual abortaria o plano. Quando se está bem convencido desta verdade — que o amor e a simpatia são os mais poderosos motivos de atração para os Espíritos — compreende-se a impossibilidade de serem trazidos a nós pelo pensamento de quem, objetivando lucros, procura os explorar.
Aquele, pois, que sentir necessidade de fatos para se convencer, que prove aos Espíritos sua boa vontade, através de uma observação séria e paciente. Só assim verá seus esforços secundados por eles; pois se é verdade que a fé não se impõe, não o é menos que também não se compra.
V. — Sob o ponto de vista moral posso compreender esse raciocínio. Mas não será justo que a pessoa que emprega seu tempo no interesse da causa seja indenizada? Afinal de contas gasta um tempo que, noutro trabalho, poderia ser remunerado.
A.K. — Antes de mais nada: emprega o tempo precisamente no interesse da causa ou no seu próprio interesse? Quando não se está satisfeito, porque se deseja ganhar mais, ou trabalhar menos, é que se deixa um emprego. Não há mérito em dedicarmos o nosso tempo a alguma coisa, prevendo recompensa. O padeiro, por exemplo, fabrica o pão em proveito da humanidade? A mediunidade não é um último recurso; se não existisse, certamente os médiuns interesseiros encontrariam outro meio de vida. Os médiuns exemplares e desinteressados obtêm meios de viver à custa do trabalho ordinário e não abandonam suas ocupações quando não têm o suficiente para lhes garantir uma existência independente. Dedicam à mediunidade o tempo que, sem prejuízo, lhe podem dedicar. Se o tomam aos intervalos de divertimento de repouso, existe então verdadeiro desinteresse, que lhes acarretará constante agradecimento, respeito e estima por parte das demais pessoas.
Também o número ilimitado de médiuns que existem nas famílias torna inúteis os profissionais, mesmo supondo-se que estes oferecessem todas as garantias desejáveis, o que seria uma burla.
Não fosse o descrédito em que caiu a classe dos exploradores — e eu me felicito por haver contribuído grandemente para isso — ver-se-ia pulularem os médiuns mercenários, abundarem reclames pelos jornais, e, por um honesto, encontraríamos cem charlatães que, abusando de uma faculdade real ou simulada, estariam prejudicando enormemente o Espiritismo.
É, pois, por princípio, que todos os que veem no Espiritismo alguma coisa mais que uma exibição de fenômenos curiosos, que compreendem e estimam a dignidade, a consideração e os verdadeiros interesses da doutrina, reprovam toda espécie de especulação, qualquer que seja o disfarce sob o qual se apresente.
Os médiuns dignos de respeito, os médiuns sinceros — e dou estes nomes aos que compreendem a santidade do mandato que Deus lhes confiou — evitam até as aparências do que possa fazer recair sobre suas pessoas a menor suspeita de ambição. A acusação de tirar um proveito qualquer de suas faculdades seria por eles considerada uma injúria.
O senhor veria, por mais incrédulo que seja, em que um médium nestas condições o impressionaria de uma maneira bem diferente do que um outro do qual adquirisse o ingresso que lhe permitisse vê-lo trabalhar, ou mesmo do que outro que o fosse ver gratuitamente, mas sabendo que por detrás de tudo movia-se a máquina dos interesses.
O senhor convenha em que, vendo o primeiro, animado de um verdadeiro sentimento religioso, estimulado única e exclusivamente pela fé, nunca pela ganância, involuntariamente sentir-se-ia tomado de respeito, ainda fosse ele o mais humilde proletário. E porque o senhor não teria motivos para suspeitar da sua honestidade, também lhe inspiraria confiança.
Pois, muito bem, cavalheiro. Para cada mil médiuns como este, o senhor encontrará um que não o seja, e esta é uma das causas que mais poderosamente contribuíram para o crédito e a propagação da doutrina. Se apenas tivesse intérpretes interessados, por certo o Espiritismo não contaria a quarta parte dos adeptos que hoje conta.
Compreendeu-se isso tão bem, que os médiuns profissionais são excessivamente raros — na França, pelo menos — e inexistentes na maioria dos centros espíritas das províncias, onde a reputação de mercenários bastaria para os excluir de todos os centros respeitáveis e onde, além disso, não lhes seria lucrativo o ofício, à vista do descrédito que sobre suas pessoas recairia e da concorrência dos médiuns desinteressados, que por toda parte se encontram.
Para suprir a faculdade que lhes falta, ou a insuficiência da clientela, existem supostos médiuns, que a obtêm com o baralho, a sorte pelo ovo, etc., a fim de satisfazer a todos os gostos, esperando atrair, na falta de espíritas, os que ainda acreditam em tolices semelhantes.
Se só a si mesmos prejudicassem, o mal seria de pouca monta.
Há, porém, pessoas que, sem ir mais adiante, confundem o abuso com a realidade. Há também os mal-intencionados, que se aproveitam do fato para afirmar que nisso consiste o Espiritismo.
O senhor já pode ver que a exploração da mediunidade conduz a abusos prejudiciais à doutrina. O verdadeiro Espiritismo tem, pois, razão para combatê-la e mesmo repudiar o seu auxílio.
V. — Convenho em que tudo isso, efetivamente, é muito lógico. Os médiuns desinteressados não estão, porém, à disposição dos que os procuram; além disso, de certo modo, as pessoas são constrangidas a incomodá-los. Se fossem remunerados, tudo seria diferente, pois que já não se teria receio de lhes ocasionar perda de tempo. A existência de médiuns profissionais seria uma vantagem para as pessoas que se quisessem convencer.
A.K. — Mas, se os médiuns, que o senhor denomina profissionais, não oferecem as garantias desejadas, que utilidade teriam? A conveniência assinalada não elimina os inconvenientes, muito graves, que enuncie.
Seriam procurados mais por diversão ou desejo de devassar o futuro individual, do que para buscar esclarecimentos doutrinários.
Aquele que realmente deseja convencer-se, mais hoje mais amanhã, encontra meios, se tiver perseverança e boa vontade. Se não estiver predisposto, porém, uma sessão não lhe dará convicção. Pelo contrário: se nela acudir-lhe uma impressão desfavorável, com pior impressão sairá e, talvez, mais desanimado de prosseguir um estudo onde não viu nada de palpável.
Este é um fato provado pela experiência.
Paralelamente às condições morais, porém, os progressos da ciência espírita patenteiam-nos hoje em dia uma dificuldade material na qual não se pensava a princípio, fazendo-nos conhecer melhor as condições em que se produzem as manifestações. Esta dificuldade reside nas afinidades fluídicas que devem existir entre o Espírito invocado e o médium.
Passo por sobre toda suposição de fraude e charlatanismo, pressupondo a mais absoluta honestidade.
Para que um médium profissional pudesse oferecer insuspeitável segurança às pessoas que o consultassem, fora preciso que possuísse uma faculdade permanente e universal. Vale dizer: que pudesse comunicar-se sem dificuldade com qualquer Espírito em qualquer momento. Só assim poderia estar constantemente à disposição do público, como um médico, e satisfazer a todas as evocações que se lhe propusessem. Isso não sucede com nenhum médium, interesseiro ou desinteressado, em consequência de causas que independem da vontade do Espírito, e que não posso explanar no momento: não lhe estou ministrando aulas de um curso de Espiritismo.
Limitar-me-ei a dizer que as afinidades fluídicas, que são a causa geratriz das faculdades mediúnicas, são individuais e não gerais; que podem existir de um médium para com tal Espírito e não para com tal outro; que sem essas afinidades, cujos matizes são inumeráveis, as comunicações são incompletas, falsas e impossíveis; que com muita frequência a assimilação fluídica, entre o Espírito e o médium, só se estabelece com o tempo, e que apenas uma vez em dez, se estabelece inteiramente, desde o primeiro momento.
A mediunidade, como o senhor pode ver, acha-se subordinada a leis até certo ponto orgânicas, às quais todo e qualquer médium se subordina.
É impossível negar-se que seja este um escolho para a mediunidade profissional, uma vez que a possibilidade e a veracidade das comunicações se relacionam com causas independentes do médium e do Espírito. (Veja-se mais adiante, cap. II, A respeito de médiuns).
Se, pois, combatemos a exploração da mediunidade, não é por simples capricho, nem sistematicamente e sim porque os princípios mesmos que governam as relações com o mundo invisível opõem-se à regularidade e à precisão necessárias a tudo que se põe à disposição do público, e também porque o desejo de satisfazer a uma clientela que paga conduz ao abuso.
Daqui não deduzo que todos os médiuns sejam charlatães, mas digo que a febre de ganho é uma força que leva ao charlatanismo e autoriza, quando não justifica, a suspeita de burla.
Quem procura convicção deve encontrar, antes de tudo, elementos sinceros.
V. — Se a mediunidade é o meio de estabelecer relações com os poderes ocultos, as palavras médiuns e feiticeiros são, pouco mais ou menos, sinónimos.
A.K. — Em todas as épocas tem havido pessoas médiuns por natureza ou inconscientes que, por produzirem fenômenos insólitos e não compreendidos, são qualificadas de bruxos ou feiticeiros e acusadas de ter pacto com Satanás. O mesmo aconteceu à maioria dos sábios que possuíam conhecimentos superiores aos do vulgo. A ignorância exagerou-lhes os poderes e muita vez essas próprias pessoas abusaram da credulidade pública, explorando-a; daí a justa reprovação de que foram objeto.
Basta comparar o poder atribuído aos feiticeiros com a faculdade dos médiuns propriamente ditos, para se estabelecer a diferença. A maioria dos críticos, porém, não se dá a esse trabalho.
Longe de ressuscitar a bruxaria, o Espiritismo a destruiu para sempre, despojando-a do seu pretenso poder sobrenatural, de suas fórmulas, despachos, amuletos e talismãs, reduzindo às suas devidas proporções os fenômenos possíveis e que em verdade não ultrapassam o âmbito das leis naturais.
A semelhança que certas pessoas pretendem estabelecer decorre do erro em que incorrem, supondo que os Espíritos estão à disposição dos médiuns. Revoltam-se com a ideia de que possa depender, do primeiro pretensioso que apareça, o fazer voltar, ao seu bel-prazer e onde bem entenda, o Espírito deste ou daquele personagem, mais ou menos ilustre. E nisto estão com toda a razão. Se, antes de condenar o Espiritismo, tomassem o trabalho de o conhecer melhor, ficariam sabendo que ele ensina terminantemente que os Espíritos não estão sujeitos aos caprichos humanos e que ninguém pode dispor deles, a seu bel-prazer e à sua revelia. Disso pode deduzir-se que os médiuns não são feiticeiros.
V. — Assim sendo, todos os fenômenos que certos médiuns acreditados obtém, mercê de sua vontade própria, e em público, são, para o senhor, mera charlatanice?
A.K. — Não o afirmo de maneira absoluta. Determinados fenômenos não são impossíveis, porque há Espíritos de um grau evolutivo inferior, que a eles se podem prestar e que se divertem com isso, pois muito possivelmente tiveram em vida o ofício de charlatães. Existem também médiuns, por especialidade, apropriados a esse gênero de manifestações.
O raciocínio mais canhestro, porém, repudia a ideia de que os Espíritos, por menos evoluído que sejam, venham fazer parceria em comédias e alardear poderes para divertimento de curiosos.
A obtenção desses fenômenos, à vontade dos que os obtêm e principalmente em público, é sempre suspeita. Nesses casos a mediunidade e a prestidigitação andam tão próximas que frequentemente é difícil distingui-las. Antes de se ver nesses fatos a ação dos Espíritos, é mister que se perca tempo em minuciosas observações e ainda se leve em conta não apenas o caráter e os antecedentes do médium, mas uma infinidade de circunstâncias, cuja apreciação só um profundo estudo da parte teórica dos fenômenos espíritas pode permitir.
É de notar-se que esse gênero de mediunidade, se mediunidade for com efeito, limita-se à produção do mesmo fenômeno, com variações mínimas, o que não vem muito a propósito para dissipar dúvidas.
O absoluto desinteresse é sempre a melhor garantia de honestidade.
Qualquer que seja, porém, a realidade, como efeitos mediúnicos, dos ditos fenômenos, eles produzem sempre bom resultado, qual seja o de divulgar o ideal espírita.
A controvérsia que sobre esse particular se estabelece, induz muitas pessoas ao estudo minucioso da questão. Não é aí, certamente, que se devem buscar elucidações mais profundas acerca do Espiritismo ou da filosofia de sua doutrina. É, todavia, um meio de atrair a atenção dos indiferentes e de obrigar os mais recalcitrantes a falar a seu respeito.
V. — O senhor fala de Espíritos bons e maus, sérios e levianos, e eu lhe confesso que não entendo essa diferenciação. Parece-me que, ao abandonar seus envoltórios corporais, deveriam despojar-se das imperfeições inerentes à matéria, adquirir luzes sobre todas as verdades que lhes estavam ocultas e livrarem-se das preocupações terrenas.
A.K. — Livram-se, realmente, das imperfeições físicas, isto é, das enfermidades e fraquezas corporais. Todavia, as imperfeições morais dizem respeito ao Espírito e não ao corpo. Entre eles existem os mais e os menos adiantados intelectual e moralmente. Seria falta de senso acreditar-se que os Espíritos, ao deixarem o corpo, recebem, ato contínuo, a luz das verdades. O senhor pode acreditar, por exemplo, que depois da morte não haja diferença entre o seu e o de um selvagem ou de um bandido? Se assim fosse, inútil teria sido o trabalho de instruir-se e moralizar-se, pois, transposto o túmulo, todos estariam no mesmo pé de igualdade. Só gradativa e às vezes, muito lentamente, realiza-se o progresso dos Espíritos. Dependendo isto de grau de purificação, muitos há entre eles que veem as coisas sob um ponto de vista mais exato que durante a existência terrena. Outros, pelo contrário, têm as mesmas paixões e preocupações; os mesmos conceitos erróneos, até que o tempo e novas provas lhes permitam o aperfeiçoamento.
Note que o que lhe digo vem da experiência. Com as características de que lhe falei, apresentam-se em suas comunicações.
Assim, pois, é princípio elementar de Espiritismo que, entre os Espíritos, os haja de todas as gradações intelectuais e morais.
V. — Mas por que, afinal de contas, todos os Espíritos não são perfeitos? Cria-os Deus de todas as categorias?
A.K. — Equivale isso a perguntar por que razão todos os alunos de um colégio não cursam filosofia. Todos os Espíritos têm a mesma origem e o mesmo destino. A dissemelhança que entre eles existe não constitui diferentes espécies, mas graus diversos de adiantamento.
Os Espíritos não são perfeitos, pois são almas de homens e os homens não são perfeitos porque são a encarnação de Espíritos mais ou menos adiantados.
O mundo corporal e o mundo espiritual alternam-se incessantemente.
Pela morte do corpo o mundo corporal oferece seu contingente ao mundo espiritual. Pelo nascimento, o mundo espiritual alimenta a humanidade. Em cada nova existência o Espírito realiza um progresso mais ou menos grande e, quando já possui, adquirida na Terra, a soma de conhecimentos e de elevação moral que o nosso globo é suscetível de fornecer, deixa-o e alcança mundos mais elevados, onde vai adquirir novos conhecimentos.
Os Espíritos que formam a população invisível da Terra são, de certa maneira, o reflexo do mundo corporal. Encontram-se neles os mesmos vícios e as mesmas virtudes aqui observadas. Existem sábios e ignorantes, pseudosábios, prudentes e levianos, filósofos, calculistas e sistemáticos. Uma vez que não se libertaram de suas preocupações, entre eles todas as opiniões políticas e religiosas têm os seus representantes. Cada qual fala de conformidade com suas ideias e, amiúde, o que dizem não é mais do que uma opinião pessoal; por isso não se deve dar inteiro crédito a tudo o que dizem os Espíritos.
V. — Assim sendo, depara-se-me imensa dificuldade: em tal conflito de opiniões tão dissemelhantes, como distinguir o falso do verdadeiro? Não compreendo que grandes benefícios possam prestar os Espíritos, nem que lucro possamos tirar com eles.
A.K. — Ainda que os Espíritos servissem apenas para nos provar que existem as almas dos homens, já não seria isto um grande benefício para os que duvidam da realidade, e que ignoram o que lhes sucederá ao advir a morte?
Como todas as ciências filosóficas, a espírita requer estudos pertinazes e minuciosas observações. Assim é que se aprende a distinguir a verdade da impostura; é que se obtém o meio de afastar decisivamente os Espíritos embusteiros. Por sobre a turba dos planos inferiores, encontram-se os Espíritos superiores, que apenas objetivam o bem, e cuja missão é conduzir os homens pelo bom caminho.
Compete-nos saber apreciá-los e compreendê-los. Estes nos ministram ensinamentos magníficos. O senhor, porém, não pense que a observação dos outros tenha valor. Para se conhecer um povo é mister conhecer-lhe todos os aspectos.
O senhor mesmo é prova desta verdade. Imaginava que bastasse o Espírito deixar seu envoltório corporal para se libertar das imperfeições. E as comunicações com eles ensinam o contrário e nos levam a conhecer a verdadeira situação do mundo espiritual, que a todos nós tão intensamente interessa, uma vez que devemos um dia, e sem exceção, transpor os seus umbrais. Quanto aos erros que se possam originar da divergência de opinião entre os Espíritos, desaparecem por si mesmos, à medida que aprendemos a distinguir os bons dos maus, os cultos dos ignorantes, os sinceros dos hipócritas, exatamente como nos acontece aqui. Então o bom senso faz justiça às falsas doutrinas.
V. — Minha observação subsiste sempre, quanto às questões científicas que têm sido submetidas aos Espíritos. A divergência de opiniões, sobre as teorias que separam os homens de ciência, deixa-nos na incerteza. Como nem todos têm o mesmo grau de cultura, compreendo que não possam ter para nós a opinião dos que sabem, se não é possível evidenciar quem tem razão?
Assim, tanto vale nos dirigirmos aos homens quanto aos Espíritos.
A.K. — Também este raciocínio é uma consequência da ignorância do verdadeiro caráter do Espiritismo e a pessoa que cuida encontrar nele um meio cómodo de saber e descobrir tudo, está incidindo em grave erro. Os Espíritos não estão encarregados de nos trazer os conhecimentos por inteiro. Seria, efetivamente, muito cómodo apenas pedir para receber. Evitado estaria, assim, o trabalho de investigação. A determinação divina, porém, é que trabalhemos, que exercitemos a mente. Só a tal preço adquirimos ciência. Os Espíritos não vêm livrar-nos dessa necessidade. Eles são o que são e o Espiritismo tem por finalidade estudá-los, a fim de conhecer, pela analogia, o que viremos a ser algum dia, e não trazer-nos o que deve estar oculto, ou revelar as coisas antes do devido tempo.
Os Espíritos não são, também, informantes do futuro das criaturas; quem quer que deles pretenda obter a chave de certos segredos, prepare-se para terríveis decepções que os Espíritos burlões não deixarão de proporcionar. Numa palavra: o Espiritismo é uma ciência de observação e não uma ciência de adivinhação ou de especulação. Estudamo-la para conhecer a condição das individualidades do mundo invisível, as relações existentes entre nós e elas, e sua ação oculta sobre o mundo visível, e não pela vantagem material que delas pudéssemos tirar.
Sob este ponto não há Espírito cuja observação deixe de apresentar utilidade. Todos proporcionam conhecimentos novos. Suas imperfeições, seus defeitos, sua incapacidade, a própria ignorância, constituem outros tantos motivos de observação, que nos iniciam na natureza íntima desse mundo. Quando não são eles que nos instruem, somos nós que nos instruímos estudando-os, como sucede ao estudarmos os costumes de um povo que não conhecemos.
Quanto aos Espíritos cultos, esses muito nos ensinam, mas dentro dos limites do possível. Não se lhes perguntar o que não pode ou não deve ser revelado. É preciso contentarmo-nos com o que dizem. O desejo de ir além expõe-nos a mistificações de Espíritos levianos, dispostos sempre a tudo responder. Ensina-nos a experiência o grau de confiança que lhes devemos dispensar.
V. — Supondo que tudo se tenha evidenciado, e que o Espiritismo esteja reconhecido como realidade: qual a sua utilidade prática? Sem ele, até hoje temos vivido tranquilamente. Não lhe parece que poderíamos continuar assim?
A.K. — O mesmo se pode dizer das estradas de ferro e da navegação a vapor, sem as quais também se vivia muito tranquilamente.
Se por utilidade prática o senhor entende os meios de viver bem, de fazer fortuna, de conhecer o futuro, de descobrir minas de carvão ou tesouros ocultos, de reconquistar heranças e furtar-se ao trabalho de investigação, o Espiritismo não tem utilidades práticas, pois nem reduzir-se a ações e, muito menos, oferecer invenções inteiramente acabadas, prontas para serem exploradas. Sob este ponto de vista, quantas ciências não são absolutamente inúteis! Quantas existem que nenhuma vantagem apresentam, do ponto de vista comercial!
Os homens já viviam perfeitamente, antes da descoberta de todos os novos planetas, antes que se tivesse conhecimento de que era a Terra e não o Sol que girava, antes que se tivesse feito o cálculo dos eclipses e que se conhecesse o mundo microscópico, antes de mil coisas mais.
Para que o trigo cresça o lavrador não precisa saber o que é um cometa. Por que, então, os sábios se entregam a essas investigações? E quem se atreverá a dizer que perdem tempo com elas?
Tudo quanto serve para suspender uma ponta do véu do desconhecido, contribui para o desenvolvimento da inteligência, dilata o círculo das ideias, levando-nos ao conhecimento das leis da Natureza. Em virtude de uma delas, existe o mundo dos Espíritos. O Espiritismo leva-nos a conhecê-la, ensina a influência que o mundo invisível exerce sobre o mundo visível e as suas relações recíprocas, assim como a Astronomia ensina as relações que os astros têm com a Terra; apresenta-nos esse mundo invisível como uma das forças que governam o Universo e contribuem para a manutenção da harmonia geral.
Supondo que sua utilidade se limite a isto, à revelação de semelhante poder, abstração feita de toda a doutrina moral, não será por acaso importante contribuição? Não representa nada a revelação de todo um mundo novo, sobretudo se o conhecimento desse mundo nos leva à resolução de um sem-número de problemas até então insolúveis; se nos inicia nos mistérios do além-túmulo que, certamente nos interessam, pois todos nós, cedo ou tarde, teremos de dar o passo fatal?
Outra fatalidade, porém, e mais positiva, tem o Espiritismo, qual seja a influência que exerce pela força natural das coisas. O Espiritismo é a prova patente da existência da alma, de sua individualidade depois da morte, de sua imortalidade e de seu verdadeiro destino. É, pois, a força destruidora do materialismo, não com o raciocínio, mas com fatos.
Não se pode pedir ao Espiritismo mais do que ele pode dar, nem buscar nele outra finalidade senão a providencial.
Antes dos progressos formais na Astronomia, acreditava-se na Astrologia. Seria razoável assegurar que a Astronomia não serve de nada porque já não se pode descobrir na influência dos astros o propósito do destino? Do mesmo modo que a Astronomia destronou os astrólogos, o Espiritismo destrona os adivinhos e feiticeiros, os prognosticadores do futuro.
É para a Magia o que a Astronomia é para a Astrologia e a Química para a Alquimia.
V. — Certas pessoas consideram as ideias espíritas capazes de turbar as faculdades mentais. Por esse motivo julgam prudente sustar a sua propagação.
A.K. — O senhor conhece, por certo, o provérbio: "Quem quer quebrar o pote diz que está rachado". Não é, pois, de admirar que os inimigos do Espiritismo se apoiem em todos os pretextos. O indicado pareceu-lhes a propósito para despertar temores e suscetibilidades, e dele logo lançaram mão, muito embora não resista ao exame mais superficial. Ouça, pois, a respeito dessa loucura, o raciocínio de um louco.
Todas as profundas preocupações do Espírito podem ocasionar a loucura. As ciências, as artes, a própria religião oferecem seu contingente. A loucura origina-se de um estado patológico do cérebro, instrumento do pensamento. A loucura é, pois, um efeito consecutivo, cuja causa primária é uma predisposição orgânica, que torna o cérebro mais ou menos acessível a certas impressões: e isso é tão certo, que o senhor encontrará sem dificuldades pessoas que pensam intensamente, sem se tornarem loucas, e outras que perdem o juízo sob o influxo da mais insignificante superexcitação. Dada a predisposição para a loucura, esta tomará o caráter da preocupação dominante, convertendo-se em ideia fixa. Esta poderá ser a dos Espíritos, nos que com eles se tenham ocupado, como seria a de Deus, dos anjos, do demónio, da fortuna, do poder, de uma arte, de uma ciência, da maternidade, de um sistema político ou social. Muito provavelmente, o louco religioso seria espírita, se o Espiritismo fosse a sua preocupação dominante.
É verdade que um periódico publicou que, numa única localidade da América, de cujo nome não me recordo no momento, contaram-se quatro mil casos de loucura espírita. Nós, entretanto, sabemos que em nossos adversários é uma ideia fixa o crerem-se exclusivamente dotados de razão, e isto não deixa de ser uma mania como outra qualquer. Na sua opinião, nós todos somos dignos de um manicômio e, consequentemente, os quatro mil espíritas da localidade em questão devem ser, logicamente, outros tantos loucos.
Segundo este conceito, os Estados Unidos os contam às centenas de milhares; e em maior número ainda, os restantes países do mundo. Esse exagero, tem sido pouco empregado ultimamente, porque a discutível loucura conquistou a fina flor da alta sociedade.
Muito barulho se fez com um exemplo muito conhecido, o de Vitor Hennequim. Esqueceu-se, porém, que antes de se ocupar com os Espíritos, esse cavalheiro já tinha dado provas de excentricidade. Se as mesas girantes não tivessem aparecido — essas mesmas que, segundo o espirituoso trocadilho de nossos adversários, lhe puseram a cabeça a girar, — a sua loucura teria tomado um outro caráter.
Afirmo, pois, que o Espiritismo não goza de nenhum privilégio nesse sentido; e, ainda mais, digo que, bem compreendido, constitui um preservativo contra a loucura e o suicídio.
Entre as mais numerosas causas de superexcitação cerebral, devem-se contar as decepções, as desgraças, os afetos contrariados, causas essas que são, também, as mais frequentes do suicídio.
Pois muito bem: o verdadeiro espírita vê as coisas deste mundo de um ponto de vista tão superior, que as tribulações são para ele apenas incidentes desagradáveis e de curta duração. O que abalaria violentamente a muitos, afeta-o mediocremente. Por outra parte sabe que os desgostos da vida são provas que contribuem para seu adiantamento, se os suportar com resignação, pois que a recompensa virá na proporção da coragem com que forem suportados os reveses. Esta convicção dá-lhe, pois, a resignação que o preserva do desespero e, consequentemente, de uma causa constante de loucura e suicídio.
Por outro lado, as comunicações com os Espíritos, que lhe mostram a sorte deplorável dos que voluntariamente abreviam seus dias, abrem-lhes os olhos. O quadro é bastante eloquente para fazer refletir. Por isso é considerável o número dos que, por sua influência, detiveram-se na queda funesta.
Este é um resultado do Espiritismo.
No número das causas determinantes da loucura deve-se também colocar o medo. O terror pelo diabo já transtornou não poucas mentes. Sabe-se, porventura, o número de vítimas produzidas por essa figura nas imaginações fracas, que procuram tornar mais hedionda através de horríveis minúcias? Dizem que o demónio só assusta às crianças, e que isto é um freio para as tornar ajuizadas. Sim, como a bruxa e o papão. Mas quando se libertam do medo tornam-se piores que antes. E por aquele magnífico resultado esquece-se o número dos males causados nos cérebros delicados.
Não se deve confundir a loucura patológica com a obsessão. Esta não procede de quaisquer lesões cerebrais e sim da subjugação exercida por Espíritos maléficos sobre certos indivíduos, e tem, às vezes, aparência de loucura propriamente dita. Esta afecção, que por sinal é muito frequente, independe da crença no Espiritismo, e existia de todos os tempos.
A medicação originária é, neste caso, quando não impotente, nociva. Trazendo à luz esta nova causa de perturbação, o Espiritismo apresentou, também, a única modalidade de cura, agindo não sobre o médium mas sobre o Espírito obsessor.
O Espiritismo é o remédio e não a causa da enfermidade.
V. — Não entendo como pode o homem aproveitar a experiência adquirida nas existências anteriores, se não conserva a sua lembrança. Afinal de contas, se não as recorda, cada nova existência é como se fosse a primeira, e isso equivale a começar sempre. Vamos supor que, ao despertar cada manhã, perdêssemos a memória do que havíamos feito na véspera. É fora de dúvida que não estaríamos mais adiantados aos sessenta que aos dez anos, ao passo que, recordando nossas faltas, fraquezas e castigos recebidos, procuraríamos hão tornar a incorrer nos mesmos erros.
Servindo-me da comparação que o senhor fez, do homem da Terra com o aluno de um colégio, e eu não compreenderia que este último pudesse aproveitar as lições do quinto ano, por exemplo, se não tivesse lembrança das aprendidas no quarto. Essas soluções de continuidade na vida do Espírito interrompem todas as relações, fazendo dele, de certo modo, um novo ser. E daqui pode-se concluir que nosso pensamento morre em cada existência, para renascer sem consciência do que fomos. Isto é uma espécie de aniquilamento.
A.K. — De questão em questão o senhor me levará a discorrer sobre quase que um curso de Espiritismo. Todas as objeções que o senhor apresenta são naturais numa pessoa que ignora o assunto. Num estudo aprofundado, encontraria essas soluções muito mais detalhadas que as que me é possível apresentar numa explicação sumária, que por si mesma provocará incessantemente novas questões. Tudo se encadeia no Espiritismo, e quando se lhe estuda o conjunto, vê-se que os princípios emanam uns dos outros, apoiando-se mutuamente. E então, o que antes nos parecia uma anomalia contrária à justiça de Deus, ocorre-nos com absoluta naturalidade, e vem confirmar essa sabedoria e essa justiça.
Dá-se isso com o problema do esquecimento do passado, que se relaciona com questões de idêntica importância. Por essa razão, apenas esboçarei o assunto.
Se a cada nova existência um véu se corre sobre o passado, o Espírito nada perde do que nelas adquiriu. Esquece apenas a maneira como adquiriu. Servindo-me da comparação do aluno: pouco lhe importa recordar onde, como e com que professores cursou o quarto ano se, ao ingressar no quinto, sabe o que aprendeu no quarto. Que lhe importa saber que foi castigado por sua preguiça ou por insubordinação, se tais castigos o tornaram estudioso e dócil? Desse modo, ao reencarnar-se, o homem traz intuitivamente, e como ideias inatas, o que adquiriu em cultura e moralidade. Digo em moralidade porque, se durante uma existência evoluiu, se aproveitou as lições da experiência, ao reencarnar-se será instintivamente melhor. Seu Espírito, enrijecido na escola do sofrimento e do trabalho, terá maior firmeza. Longe de ter de principiar, possui reservas abundantes, nas quais se apoia para aumentá-las mais e mais.
A segunda parte de sua objeção, e que diz respeito ao aniquilamento do pensamento, é igualmente infundada, pois que semelhante olvido apenas ocorre durante a vida corporal. Ao deixá-la, o Espírito recobra a lembrança do passado. Pode então medir o caminho percorrido e o que ainda resta a percorrer. Assim, não há solução de continuidade na vida espiritual, que é a vida normal do Espírito.
O esquecimento temporário é um benefício concedido pela providência, pois que amiúde adquire-se a experiência por meio de rudes provas e expiações terríveis, cuja lembrança seria demasiado penosa, e que viria juntar-se às angústias das tribulações da vida presente.
Se parecem tão pesados os sofrimentos da vida, como não pareceriam, então, se se alongasse a sua duração com a lembrança dos já passados? O senhor, por exemplo, é hoje um homem honrado. É possível, entretanto, que o seja devido a rudes castigos sofridos por faltas que agora repugnariam a sua consciência. Se já tivesse sido enforcado gostaria de lembrar-se disso? Não o perseguiria constan-temente a vergonha de saber que o mundo não ignora o mal que cometera? Que lhe importa o que tenha sido levado a fazer, e o que tenha sofrido como expiação, se é atualmente um homem digno? Aos olhos do mundo o senhor é um homem novo, e aos olhos de Deus um espírito reabilitado. Livre da lembrança de um passado importuno, move-se com desembaraço. A vida atual é um novo ponto de partida. As dúvidas pretéritas estão saldadas; toca-lhe, agora, não contrair novas.
Quantos, durante a vida, não desejaram correr um véu sobre os primeiros anos! Quantos não disseram, no crepúsculo da existência: "Se eu pudesse recomeçar, não faria o que fiz!" Pois muito bem: o que não podem desfazer nesta vida, podê-lo-ão em outra. Em nova existência, seus Espíritos trarão consigo, sob a forma de intuição, todas as boas resoluções tomadas. É assim que se vai realizando gradualmente o progresso da humanidade.
Suponha ainda — o que de ordinário acontece — que entre suas relações, até na própria família, encontre-se um indivíduo contra o qual guarde rancor e que, por exemplo, o tenha arruinado ou desonrado em existência anterior; que, arrependido, venha encarnar-se em sua proximidade, a fim de unir-se ao senhor por laços de família, objetivando reparar os agravos através do interesse e da afeição. Encontrar-se-iam ambos em situação insustentável, caso se lembrassem da velha inimizade. Em lugar de se apaziguarem, eternizar-se-iam os rancores.
De tudo isto deduza que a lembrança do passado perturbaria as relações sociais e tornar-se-ia um entrave ao progresso. Quer uma prova cheia de atualidade?
Se um homem condenado à penitenciária tomasse uma resolução inabalável de ser honrado, o que sucederia por ocasião de sua saída? Seria repudiado pela sociedade e esse repúdio, via de regra, o arrastaria novamente ao vício. Se, ao contrário, todos lhe desconhecessem os antecedentes, ver-se-ia bem acolhido; e se ele pudesse também esquecer, nem por isso seria menos honrado; poderia ganhar seu lugar ao sol em vez de se esconder à sombra da lembrança e do vexame.
Isto está em perfeita concordância com a Doutrina dos Espíritos acerca dos mundos superiores ao nosso. Nessas paragens, onde o bem reina absoluto, a lembrança do passado não é dolorosa; por essa razão os seus habitantes recordam os sucessos das existências precedentes, como nós os do dia anterior.
Assim já não é, nos mundos atrasados: essa lembrança daria a impressão de um pesadelo.
V. — Não nego que, do ponto de vista filosófico, a Doutrina Espírita seja perfeitamente racional. Mas fica sempre essa questão das manifestações, que só os fatos podem resolver, e a realidade desses fatos é o que muitas pessoas negam. Por isso o senhor não deve estranhar o desejo que se experimenta em presenciá-los.
A.K. — É natural. Mas como viso o aproveitamento que possam ter, explico as condições em que convém se colocar aquele que os deseja observar melhor e, mais do que isso, os compreender.
As pessoas que não se submetem a essas condições evidenciam falta de real desejo de se instruírem. É inútil, então, perder tempo com elas.
Mas o senhor deve também convir em que seria estranho uma filosofia racional originar-se de fatos ilusórios e falsos. Em boa lógica, a realidade do efeito implica na realidade da causa. Se aquele é verdadeiro, não pode ser falsa esta, pois sem a existência de árvores não se podem colher frutos.
Certo é que toda gente não podia evidenciar os fatos, pois nem todos se colocaram nas condições requeridas para os observar, nem tiveram a paciência e a perseverança necessária. Isto acontece, entretanto, com todas as ciências: o que não fazem uns, fazem outros, e todos os dias as pessoas admitem o resultado de cálculos astronómicos que não fizeram.
Como quer que seja, se o senhor julga boa certa filosofia, pode aceitá-la como a outra qualquer, fazendo reserva de sua opinião sobre os caminhos e meios que a ela o conduziram ou, pelo menos admitindo-os a título de hipótese, até que se lhe forneça mais ampla constatação.
Os elementos de convicção não são os mesmos para todos. Aquilo que convence alguns pode não causar a mínima impressão a outros, e daqui a necessidade de um pouco de tudo. É um erro, porém, crer que as experiências constituam o único meio de convicção. Conheci pessoas que os mais notáveis fenômenos não puderam convencer e sobre cujas dúvidas prevaleceu uma simples resposta por escrito. Quando se depara um fato que não se compreende, ele se torna mais suspeito quanto mais extraordinário for. O pensamento busca sempre explicá-lo por uma causa ordinária. Se o compreendemos, muito mais facilmente o admitimos, porque tem sua razão de ser: então desaparecem o maravilhoso e o sobrenatural.
Sem dúvida, as explicações que acabo de lhe dar, no decorrer desta conversa, estão longe de ser completas. Mas estou persuadido de que, sumárias como são, dar-lhe-ão em que pensar, e se as circunstâncias o fizerem testemunha de alguma manifestação, o senhor já as observará com menos prevenção, pois poderá firmar o seu raciocínio numa base.
Há dois elementos no Espiritismo: a parte experimental das manifestações e a doutrina filosófica. Todos os dias me visitam pessoas que nada viram e que crêem tão firmemente quanto eu, convencidas, apenas, pelo estudo da parte filosófica. Para elas o fenômeno das manifestações é acessório. O fundo, a doutrina, a ciência se lhes afiguram tão soberbas e tão racionais, que aí encontram tudo quanto é necessário para lhes satisfazer às aspirações íntimas, mesmo com abstração do fato das manifestações: e concluem que, mesmo supondo a inexistência destas, não deixa a doutrina de ser a que melhor resolve um sem-número de problemas tidos como insolúveis.
Muitos me confessaram que essas ideias, ainda que de maneira confusa, já lhes tinham germinado no cérebro. O Espiritismo as veio formular ou dar-lhes corpo, e lhes é um raio de luz. Isto explica o número de adeptos que a simples leitura do Livro dos Espíritos produziu. O senhor acredita que isso teria acontecido se nos tivéssemos agarrado às mesas girantes e falantes?
V. — Com muita razão, diz o senhor que das mesas girantes saiu toda uma doutrina filosófica. Bem longe estava eu de suspeitar das consequências que surgiriam de um fato que se olhava como simples objeto de curiosidade. Agora percebo quão vasto é o campo que aos nossos olhos abre o seu sistema.
A.K. — Disso me dispenso, senhor. O senhor me honra sobremaneira atribuindo-me tal sistema, que aliás não me pertence. Todo ele nasceu dos ensinos dos Espíritos. Eu vi, observei, coordenei e procuro fazer as outras pessoas compreenderem aquilo que compreendo. Esta é a parte que me toca.
Entre o Espiritismo e os outros sistemas filosóficos existe esta diferença capital: os últimos são obra de homens mais ou menos esclarecidos, ao passo que, neste que o senhor me atribui, não tenho o mérito de ter inventado um só princípio que seja. Diz-se: a filosofia de Platão, de Descartes, de Leibnitz, mas não se dirá: a doutrina de Allan Kardec; eu infelizmente, pois, que importância pode ter um nome numa questão tão grave?
O Espiritismo tem auxiliares muito preponderantes, ao lado dos quais somos simples átomos.
V. — Sei que o senhor dirige uma sociedade que se ocupa desses estudos. Não me será possível ingressar nela?
A.K. — Por enquanto, certamente que não. Se para fazer parte dela não se necessita ser doutor em Espiritismo, necessita-se ao menos ter sobre a matéria ideias mais firmes do que as suas.
A sociedade não deseja ser perturbada em seus estudos. Por isso não admite os que lhe acarretariam perda de tempo com questões elementares, nem os que, não simpatizando com seus princípios e convicções, introduziriam ali a desordem, com discussões intempestivas ou por espírito de contradição.
É uma sociedade científica, como tantas outras, que se ocupa em aprofundar os diferentes aspectos da doutrina espírita, buscando esclarecê-los. É o centro para onde convergem comprovações obtidas em todas as partes do mundo e onde se ventilam e coordenam as questões referentes ao progresso da ciência, mas não é uma escola ou um curso elementar. Mais tarde, quando suas convicções estiverem consolidadas pelo estudo ver-se-á a possibilidade de o admitir.
Nesse ínterim o senhor poderá assistir, quando muito, a uma ou duas sessões, como ouvinte, com a condição de não fazer observações que possam ofender a outrem, pois do contrário eu, que o apresentarei, sofrerei a censura de meus colegas, e as portas lhe serão cerradas para sempre.
Presenciará uma reunião de homens respeitáveis e finos, cuja maioria se distingue pelo alto grau de cultura e posição social, e que não permitiriam que os que fossem admitidos à sociedade infringissem as regras das conveniências sociais. Não pense, tampouco, que ela faça convites ou abra suas portas ao primeiro que se lhe dirige. Como não faz demonstrações para satisfazer à curiosidade, afasta-se cuidadosamente dos curiosos.
Quem quer, pois, que pensasse nela encontrar uma distração ou um espetáculo ficaria desapontado e faria muito bem se não a procurasse.
Eis porque não admite, nem mesmo como ouvintes, pessoas desconhecidas ou cujas disposições hostis são notórias.
V. — Uma pergunta final, se me permite solicitar-lhe mais. Tem o Espiritismo poderosos inimigos. Não poderiam eles o interditar, bem como as sociedades espíritas, detendo assim a sua propagação?
A.K. — Este seria o meio de perderem a partida mais prontamente, pois a violência é o argumento dos que não têm razão. Se o Espiritismo é uma quimera, cairá por si mesmo, sem que ninguém precise se dar ao trabalho de o destruir. E se o perseguem é porque o temem; só as coisas sérias infundem temor. Se é uma realidade está, como tenho dito, na Natureza; e as leis da Natureza não se revogam com traço de pena.
Se as manifestações espíritas fossem privilégio de um único homem, eliminando-se este, sem dúvida, pôr-se-ia fim às manifestações. Infelizmente para seus adversários, elas não são mistério para ninguém. Nada têm de secreto, de oculto; tudo se realiza à luz meridiana; estão ao alcance de todos e se produzem no palácio como na choupana.
Pode-se proibir seu exercício público; mas nós já sabemos que não é precisamente em público que elas melhor se produzem, e sim na intimidade.
Podendo cada um ser médium, quem poderá impedir a família no interior do lar, o indivíduo no silêncio de seu gabinete, o prisioneiro entre suas grades, de manter comunicação com os Espíritos, apesar de e às barbas dos opositores?
Admitamos, entretanto, que um governo fosse bastante forte para a impedir em seu Estado. Impedi-la-ia nos estados vizinhos, no mundo inteiro, já que não há um único país nos dois continentes em que não se encontrem médiuns.
Por outra parte, o Espiritismo não depende dos homens. É obra dos Espíritos, que não podem ser queimados nem encarcerados. Consiste na crença individual e não nas sociedades, que de maneira alguma são imprescindíveis. E mesmo que se chegasse a destruir todos os livros espíritas (e eu creio que os há aos milhares) os Espíritos ditariam outros.
Em resumo: o Espiritismo é hoje em dia um fato consumado. Conquistou seu lugar na opinião pública e entre as doutrinas filosóficas.
Aqueles a quem ele não convier, precisam, pois, resignar-se a tê-lo ao lado, ainda que permaneçam perfeitamente livres de seu contato.
Objeções em nome da religião
O sacerdote. — Permita, senhor, que por minha vez lhe dirija algumas perguntas.
Allan Kardec. — Com muito prazer. Antes de as responder, entretanto, creio útil apresentar-lhe o terreno em que espero me colocar para lhe dar resposta.
Devo manifestar-lhe que não pretendo absolutamente convertê-lo às nossas ideias. Se por acaso as desejar conhecer, poderá encontrá-las nos livros em que estão expostas, onde será fácil estudá-las detidamente. Depois terá a liberdade de as repudiar ou as aceitar.
O Espiritismo tem como finalidade combater a .incredulidade e suas funestas consequências, provando incontestavelmente a existência da alma e a realidade da vida futura. Destina-se, pois, aos que não crêem em nada ou que duvidam. Como sabe, o número destes não é pequeno. Os que têm fé religiosa e aqueles a quem esta fé satisfaz, dele não precisam.
Ao que diz: "Creio na autoridade da Igreja, atenho-me ao que ela ensina e sinto-me satisfeito", o Espiritismo responde que não cuida de impor-se a ninguém e que não veio para forçar convicções.
A liberdade de consciência é uma consequência da liberdade de pensamento. Este é um atributo do homem. O Espiritismo estaria em contradição com seus princípios de caridade e de tolerância se não os respeitasse. Prescreve que toda crença, quando sincera e não induz a ocasionar prejuízos ao próximo, mesmo errónea, é digna de respeito.
Se uma pessoa teima em acreditar, por exemplo, que é o Sol que gira e não a Terra, dir-lhe-emos: "Creia se lhe agrada, de vez que isso não opõe obstáculos aos movimentos da Terra. Mas note que, assim como não procuramos violentar-lhe a consciência, não deve você tentar violentar a consciência alheia. Cada vez que se transforma uma crença, intimamente inofensiva, em elemento de perseguição, torna-se ela nociva e deve ser combatida".
Tal é, senhor padre, a linha de conduta que tenho observado para com os ministros dos diferentes cultos, que me procuram. Quando me inquirem sobre pontos da Doutrina, dou-lhes as explicações necessárias; abstendo-me, não obstante, de discutir certos dogmas, do que não se deve ocupar o Espiritismo, já que cada um é livre de os julgar. Nunca os procurei, porém, com o intuito de lhes destruir a fé pela coação.
Aquele que nos vem como irmão, como irmão o recebemos. O que nos despreza, em paz o deixamos. Este é o conselho que não cesso de dar aos espíritas. Nunca incentivei os que a si atribuem a missão de converter o clero. Digo-lhes sempre: "Semeiem no campo dos incrédulos, que nele há messes abundantes a colher".
O Espiritismo não se impõe porque, como disse, respeita a liberdade de consciência. Compreende muito bem, por outro lado, que toda fé imposta é superficial e só oferece aparências da fé; nunca é a fé sincera. Expõe seus princípios aos olhos de toda a gente, de modo que possa cada um formar opinião com conhecimento de causa.
Os que aceitam, leigos ou sacerdotes, fazem-no livremente, porque os julgam racionais. De nenhuma maneira, porém, abrigamos rancor contra os que não são do nosso parecer. Se existe uma luta aberta entre a Igreja e o Espiritismo, não fomos nós que a provocamos. Disso estamos convencidos.
S. — Assistindo ao advento de uma nova doutrina, cujos princípios, a seu ver, deve condenar, a Igreja tem certamente o direito de os discutir e os combater, de prevenir os fiéis contra o que considera errôneo.
A.K. — De nenhum modo negamos um direito que reclamamos para nós mesmos.
Se a Igreja tivesse ficado apenas nos limites da discussão, seria o mais desejável. Leia, porém, a maior parte dos escritos emanados de seus membros ou publicados em nome da religião, os sermões que têm sido pregados, e verá a injúria e a calúnia brotando de toda parte, assim como os princípios da Doutrina, indigna e maliciosamente desfigurados.
Tem-se ouvido, do alto do púlpito, serem os espíritas inimigos da sociedade e da ordem pública. Tem-se visto pessoas, que o Espiritismo atraiu à fé, anatematizadas e injuriadas pela Igreja, sob a alegação de que mais vale ser incrédulo do que crer em Deus e na existência da alma por intermédio do Espiritismo.
Para elas, também, já se acenderam as fogueiras da inquisição.
Em muitas localidades não foram elas assinaladas à animadver-são de seus concidadãos, a ponto de serem perseguidas e injuriadas nas ruas?
Já se conjuraram os fiéis a fugirem delas como de empestea-dos; já se induziram os criados a não entrar ao seu serviço.
Por causa do Espiritismo já se aconselharam esposas a abandonar os maridos e maridos a abandonar as esposas.
Já fizeram os empregados perder o emprego, já se tirou aos operários o pão que lhes dá o trabalho e já se negou o pão da caridade aos infelizes, por esta razão: eram espíritas.
Até cegos foram expulsos de hospitais, por se negarem a abjurar a crença.
O senhor me diga: é uma atitude leal?
A tudo opuseram calma e moderação. A consciência pública já lhes fez a justiça de dizer que não foram eles os agressores.
S. — Sendo sensato, um homem certamente deplora tais excessos. A Igreja, porém, não pode responsabilizar-se pelos abusos cometidos por alguns de seus membros menos educados.
A.K. — Sim. Mas serão, também, pouco educados os príncipes da Igreja? Examine o senhor a pastoral do bispo de Argel e de alguns outros.
Não foi, acaso, um bispo quem decretou o auto de fé de Barcelona?
A autoridade superior eclesiástica não tem poder absoluto sobre seus subordinados?
Se, pois, tolera sermões indignos da cátedra evangélica, se facilita a publicação de artigos injuriosos e difamatórios contra toda uma classe de cidadãos, se não se opõe às perseguições feitas em nome da religião, é porque aprova tudo isso.
Em resumo, rechaçando sistematicamente os espíritas que ainda a ela se prendiam, a Igreja os obrigou a voltarem sobre si mesmos e, pela natureza e violência de seus ataques, dilatou a discussão, atraindo-a para outro terreno.
O Espiritismo era apenas uma doutrina filosófica. Foi a Igreja que lhe avultou as proporções, apresentando-o como um inimigo terrífico.
Foi ela, enfim, quem o proclamou uma nova religião. Esse foi um golpe inábil; a paixão não permite o raciocínio.
Um livre pensador: — Há momentos, o senhor proclamou a liberdade de pensamento e de consciência, declarando que crença sincera é respeitável. O materialismo é uma crença como qualquer outra; por que não gozará da liberdade concedida às outras?
A.K. — Sem dúvida, cada um é livre de crer no que quer, ou de não crer em nada. Não legitimamos a perseguição nem contra o que crê no nada depois da morte, nem contra o cismático de qualquer religião. Combatendo o materialismo, não atacamos os indivíduos, mas a doutrina que, se inofensiva à sociedade, quando se encerra no foro íntimo, na consciência das pessoas cultas, generalizada, torna-se uma chaga social.
A crença de que tudo acaba para o homem, depois da morte, de que toda a solidariedade cessa com a vida, leva o indivíduo a considerar uma estupidez o sacrifício do bem-estar presente em proveito de outrem. Daí a máxima: cada um por si durante a vida, pois nada existe depois.
A caridade, a fraternidade, a moral, numa palavra, ficam sem base, perdem a razão de ser. Por que nos molestarmos, nos reprimirmos, nos privarmos hoje, quando amanhã não mais existiremos? A negação do futuro, a simples dúvida sobre a vida futura, são os maiores estímulos ao egoísmo, manancial da maior parte dos males da humanidade. Para se deter nos declives do vício e do crime, sem outro freio além da força de vontade, uma pessoa necessita, certamente, de uma maravilhosa virtude. O respeito humano pode sofrear o homem social, mas não aquele para quem é nulo o temor da opinião pública.
A crença na vida futura, demonstrando a perpetuidade das relações entre os homens, estabelece a solidariedade, que não se finda na tumba e muda o curso das ideias. Se essa crença fosse um simples espantalho, não teria sobrevivido a uma época. Como, porém, sua realidade é um fato comprovado pela experiência, torna-se um dever propagá-la e combater a crença contrária, no interesse da ordem social. Isto faz o Espiritismo, e por sinal que faz com êxito, pois que dá provas e porque, em definitivo, o homem adquire a certeza de poder viver feliz num mundo melhor, em compensação às misérias terrenas.
O pensamento de ver-se destruído para sempre, a crença de perder os filhos e os seres queridos, por toda a eternidade, parece que sorri a bem poucas pessoas. Disso decorre que os ataques dirigidos contra o Espiritismo, em nome da incredulidade, têm êxito pouco animador; não lhe tem ocasionado o mínimo prejuízo.
S. — Se a religião ensina tudo isso, se até o presente ela foi suficiente, que necessidade há de uma nova doutrina?
A.K. — Se ela tem sido tão suficiente por que, falando de um ponto de vista religioso, há tantos incrédulos?
É certo que a religião nos ensina tudo: também manda que creiamos, mas há um grande número de pessoas que não crêem senão o que se lhes prova. Uma afirmação, apenas, não lhes basta. O Espiritismo prova, põe diante dos olhos o que a religião ensina teoricamente. E essas provas de onde provêm? Da manifestação dos Espíritos. É provável, pois, que só se manifestem com a permissão de Deus. E se, em sua misericórdia, Deus envia recurso aos homens, para os afastar da incredulidade, repeli-lo é uma impiedade.
S. — O senhor não negará, entretanto, que o Espiritismo não está, em todos os pontos, concorde com a religião.
A.K. — Mas por Deus, senhor! Todas as religiões podem dizer o mesmo: protestantes, ou judeus, ou muçulmanos, tanto quanto os católicos.
Se o Espiritismo negasse a existência de Deus, da alma, sua individualidade e sua imortalidade, as recompensas e castigos futuros, o livre-arbítrio do homem; se ensinasse que na Terra cada um vive de si para si, e que em sua pessoa unicamente deve pensar, seria contrário não só à religião mas a todas as religiões do mundo. Seria a negação de todas as leis morais, base das sociedades humanas. Longe disto, os Espíritos proclamam um Deus único, soberanamente justo e bom; dizem que o homem é livre e responsável por seus atos, recompensado ou castigado segundo o bem ou o mal que houver praticado. Eles põem acima de todas as virtudes a caridade evangélica e esta regra sublime ensinada pelo Cristo: "Fazer ao próximo aquilo que quiséramos fizessem a nós mesmos". Estes não são os fundamentos da religião? Fazem mais, porém: iniciam-nos nos mistérios da vida futura, que, então, se nos transformam, não mais numa abstração mas numa realidade, pois são as próprias pessoas que conhecêramos antes da morte que vêm, depois, descrever-nos sua situação ou dizer-nos como e porque sofrem ou são ditosas. Que há nisto de antirreligioso?
Essa certeza de encontrar no futuro aqueles que foram amados, e que a morte arrebatou, não é consoladora? A grandiosidade da vida espiritual, que é sua essência, comparada às mesquinhas preocupações da vida terrestre, não vem a propósito, para elevar nossa alma e estimulá-la ao bem?
S. — Convenho em que, no que diz respeito às questões em geral, o Espiritismo é conforme às grandes verdades do Cristianismo. Mas... e os dogmas? Sucede o mesmo no que diz respeito aos dogmas? Não vai ele de encontro a certos princípios que a Igreja ensina?
A.K. — O Espiritismo é, acima de tudo, urna ciência, e não se ocupa com questões dogmáticas. Como ciência, e como todas as filosofias, tem consequências morais. Estas são boas ou más?
Pode-se julgá-lo pelos princípios gerais que acabo de recordar.
Algumas pessoas se equivocaram quanto ao verdadeiro caráter do Espiritismo. A questão é suficientemente séria e de molde a merecer uma explicação de nossa parte.
Antes de mais nada, façamos uma comparação: estando na natureza, a eletricidade existiu desde todos os tempos, produzindo os fenômenos que conhecemos e outros que desconhecemos ainda. Ignorando-lhes a causa verdadeira, os homens explicaram esses fenômenos das mais extravagantes maneiras.
O descobrimento da eletricidade e de suas verdadeiras propriedades, veio destruir um sem número de teorias absurdas, fazendo luz sobre mais de um mistério da natureza. O que a eletricidade e as ciências físicas, de um modo geral, fizeram para com certos fenômenos, o Espiritismo faz para com fenômenos de outra ordem.
O Espiritismo está, pois, na natureza, e no mundo invisível, formado pelos seres incorpóreos, que povoam o espaço e que outra coisa não são senão as almas das pessoas que viveram na Terra ou em outros globos, onde deixaram seus envoltórios materiais. Esses são os seres que designamos pelo nome de Espíritos e que nos rodeiam incessantemente, exercendo sobre os homens, à sua revelia, uma grande influência. Na parte moral e até certo ponto na física, desempenham um papel importante.
O Espiritismo está, pois, na natureza e, pode dizer-se que, numa certa ordem de ideias, é uma força como a eletricidade e como a gravitação, sob outro ponto de vista. Os fenômenos, cuja origem está no mundo invisível, deveriam produzir-se, e, com efeito se produziram, em todos os tempos. Eis a razão porque a história de todos os povos os menciona. Somente devido à ignorância, como sucedeu com a eletricidade, os homens atribuíram esses fenômenos a causas mais ou menos racionais, dando, sob esse conceito, livre curso a imaginação.
Melhor observado depois de sua divulgação, o Espiritismo faz luz sobre uma multidão de questões até hoje tidas como insolúveis ou mal compreendidas. Seu verdadeiro caráter é, pois, o de uma ciência e não de uma religião. A prova disso é que conta entre seus adeptos homens de todas as crenças e que não renunciaram às suas convicções: católicos fervorosos, que não deixam de cumprir com os deveres de seu culto (quando não são expulsos pela Igreja), protestantes de todas as seitas, israelitas, muçulmanos e até mesmo budistas e brâmanes.
Baseia-se, pois, em princípios que independem de toda questão dogmática. Suas consequências morais estão, implicitamente, no Cristianismo, porque de todas as doutrinas o Cristianismo é a mais digna e a mais pura. Por esta razão, de todas as seitas universais, são os cristãos os mais aptos a compreendê-lo em toda a sua verdadeira essência. E por isso pode ser censurado? Sem dúvida, cada um pode fazer de suas opiniões uma religião e interpretar a seu gosto as religiões conhecidas; mas daí a constituir uma nova Igreja, vai uma grande distância.
S. — O senhor faz não obstante, as invocações segundo uma fórmula religiosa.
A.K. — Anima-nos, certamente, um sentimento religioso, nas evocações e em nossas reuniões. Não existe, porém, uma fórmula sacramental. Para os Espíritos o pensamento é tudo; a forma não vale nada. Nós os invocamos em nome de Deus, porque cremos em Deus e sabemos que nada se cumpre neste mundo sem a Sua permissão e porque se Deus não lhes permitisse vir, não viriam.
Em nossos trabalhos procedemos com paz e recolhimento, pois esta é uma condição imprescindível à observação dos fenômenos e em segundo lugar porque reconhecemos o respeito que é devido àqueles que já não vivem na Terra, qualquer que seja a condição, feliz ou infeliz, em que se encontrem no mundo dos Espíritos. Endereçamos um apelo aos bons Espíritos porque, conscientes de que os há bons e maus, procuramos evitar que estes últimos venham se imiscuir, sorrateiramente, nas comunicações que recebemos.
Isto tudo o que prova?
Que não somos ateus, o que de nenhum modo implica em que sejamos religiosos.
S. — Pois muito bem: o que dizem os Espíritos superiores no tocante à religião? Os bons devem, certamente, aconselhar-nos e guiar-nos. Por exemplo, se eu não tivesse religião e desejasse escolher uma, perguntar-lhes-ia: que aconselhais que eu seja? Católico, protestante, anglicano, quaker, judeu, maometano ou mórmon. Que responderiam eles?
A.K. — Em todas as religiões há que se considerar dois pontos: os princípios gerais, comuns a todas, e os particulares, de cada uma em separado. Os primeiros são os que acabamos de mencionar, e esses os proclamam todos os Espíritos, qualquer que seja a ciasse a que pertençam. Quanto aos outros, os Espíritos vulgares, mas que não são malignos, podem ter preferências, opiniões, podem preconizar esta ou aquela forma e induzir os homens a certas práticas, por convicção pessoal ou por conservarem as ideias da vida terrena, ou ainda por prudência, a fim de não chocarem as consciências timoratas.
O senhor crê que um Espírito ilustrado, o próprio Féneion, por exemplo, dirigindo-se a um muçulmano, seria capaz de afirmar, com falta de tato, que Maomé é um impostor e que ele, muçulmano, estará condenado, a menos que se torne cristão? Não; não o fará, pois que seria desprezado.
Em geral, e a menos que sejam solicitados por alguma consideração especial, os Espíritos superiores não se ocupam de pormenores e se limitam a dizer: "Deus é bom e justo; só almeja o bem. A melhor, pois, de todas as religiões, é aquela que só ensina o que está conforme à bondade de Deus e Sua Justiça, a que dele oferece a ideia maior, a mais sublime, e não o rebaixa, atribuindo-lhe mesquinhamente a paixões humanas; a que torna os homens bons e virtuosos e lhes ensina a se amarem uns aos outros, como irmãos; a que condena toda a maldade dirigida ao próximo; a que não autoriza a injustiça sob quaisquer pretextos; a que não prescreve nada contrário as leis imutáveis da natureza, pois Deus não se contradiz; aquela cujos ministros dão o melhor exemplo de bondade, caridade e moralidade; a que mais tende a combater o egoísmo e menos a alimentar o orgulho e a vaidade dos homens; aquela, enfim, em cujo meio menos mal se cometa, pois que uma boa religião não pode ser pretexto de nenhum mal, tão pouco deixar-lhe portas abertas, diretamente ou por interpretação. Veja, julgue e escolha".
S. — Suponha que determinados pontos da doutrina católica sejam negados pelos Espíritos que o senhor considera superiores. Imaginemos que possam ser erróneos. As pessoas que, com ou sem razão, os tomam por artigos de fé e em consequência neles moldam suas ações, não teriam a salvação prejudicada por essa crença, segundo os Espíritos?
A.K. — Não, por certo; ela não as impede de praticar o bem; ao contrário, ao bem as impele, ao passo que a crença mesmo a melhor fundamentada prejudicá-las-á de servir de ocasião para a prática do mal, ao não cumprimento da caridade para com o próximo, se as tornar duras e egoístas; porque então já não estariam obrando segundo a lei de Deus, e Deus olha antes o pensamento que as ações. Quem ousará sustentar o contrário?
O senhor acredita, por exemplo, que a fé seria proveitosa a um homem que cresce firmemente em Deus, e em Seu nome cometesse atos desumanos ou contrários à caridade? Não será neste caso mais culpado, uma vez que tem os meios de estar esclarecido?
S. — Assim, o católico fervoroso, que cumpre escrupulosamente com os deveres de seu culto, não cai na censura dos Espíritos?
A.K. — Não, se isto for, para ele, uma questão de consciência e se o fizer com sinceridade. Mil vezes sim, entretanto, se for hipócrita e se sua piedade for apenas aparente.
Os Espíritos superiores, aqueles que têm por missão promover o progresso da humanidade, levantam-se contra todo abuso que possa retardar o progresso. Igualmente se levantam contra os indivíduos e as classes sociais que se aproveitam desses abusos. E o senhor não negará que a religião nem sempre dos mesmos tem estado isenta. Se entre os seus ministros existem os que cumprem sua missão com abnegação cristã, que a tornam grande, bela e respeitável, não pode deixar de convir em que nem todos compreenderam a santidade de seu ministério.
Os Espíritos combatem o mal onde quer se encontre. E assinalar os abusos da religião equivale a atacá-la?
Não! Ela tem inimigos piores: os que difundem os abusos, pois que estes são os responsáveis pelo desabrochar da ideia de que algo melhor precisa haver para a substituir. Se algum perigo corresse à religião, seria preciso atribuí-lo aos que dela apresentam uma falsa ideia, transformando-a em arma de paixões humanas e explorando-a em proveito de ambições pessoais.
S. — O senhor disse que o Espiritismo não discute dogmas e entretanto defende certos conceitos combatidos pela Igreja, como a reencarnação, a presença do homem na Terra antes de Adão; nega a eternidade das penas, a existência do demónio, do purgatório e do fogo do Inferno.
A.K. — Há muito tempo essas questões vêm sendo discutidas, e não foi o Espiritismo que as trouxe para o terreno dos debates. À margem desses problemas há controvérsias na própria teologia. Mas só o futuro poderá julgar. Domina-as todas um princípio: a prática do bem, que é uma lei superior, a condição sine qua non de nosso futuro, como o prova a condição em que se acham os Espíritos que conosco se comunicam. Acredite, se quiser, nas chamas do Inferno e nos tormentos materiais, se isso o pode preservar do mal e desde que lhe traga luz para aquelas questões. Sua crença, afinal de contas, não tornará reais as coisas que não existem, se de fato não existirem. Creia, se lhe agrada, que não temos senão uma existência corporal. Isto não lhe impedirá de nascer aqui ou em outra parte, à sua revelia, se assim tiver de ser.
Creia que o mundo inteiro foi feito em seis vezes vinte e quatro horas, se tal for sua opinião. Isso não impedirá que a Terra ostente, escritas em suas camadas geológicas, as provas do contrário.
Creia, se lhe apraz, que Josué deteve o movimento do Sol. Isso não impedirá que a Terra gire.
Creia que há apenas seis mil anos encontra-se o homem na face da Terra. Por isso, os fatos não serão impossibilitados de provar o absurdo dessa crença.
E que dirá o senhor se, um belo dia, quando menos esperar, a inexorável Geologia vier demonstrar, com vestígios incontestáveis, como já provou tantas outras coisas, a anterioridade do homem?
Creia na existência do demónio; creia em tudo o que quiser, se a crença nessas coisas puder torná-lo bondoso, humano e caritativo para com seus semelhantes. Como doutrina moral, o Espiritismo só impõe uma coisa: a necessidade de praticar o bem e não praticar o mal. É uma ciência experimental, conquanto — volto a repetir — tenha consequências morais, que por sua vez constituem a confirmação e a prova dos grandes princípios da religião.
Quanto às questões secundárias, essas ele deixa à consciência de cada um.
Note, porém, que o Espiritismo não nega, em princípio, alguns dos pontos divergentes dos quais o senhor acaba de falar. Se tivesse lido tudo o que tenho escrito neste particular, teria notado que se limita a dar-lhes uma explicação mais racional e mais lógica que a vulgarmente admitida. Assim é que não nega a existência do purgatório, por exemplo. Pelo contrário, demonstra a sua necessidade e justiça. Faz ainda mais que isso: define-o. O inferno tem sido descrito como uma fogueira imensa. Evidentemente não é assim que o entende a alta teologia. Diz que esta é uma figura, que o fogo em que se abrasam os condenados é um fogo moral, símbolo das dores mais intensas.
E quanto à eternidade das penas, se fosse possível devassar a opinião pública para conhecermos as opiniões íntimas; se fosse pôssível interrogar todos os homens dotados de raciocínio e compreensão, mesmo os mais religiosos, ver-se-ia de que lado está a maioria, pois a ideia da eternidade dos suplícios é a negação da infinita misericórdia de Deus.
Ademais, eis o que diz a Doutrina Espírita neste particular: A duração do castigo está subordinada ao melhoramento do Espírito culpado. Nenhuma condenação é pronunciada contra ele, por tempo determinado. O que Deus exige para por termo aos seus sofrimentos, é o arrependimento, a expiação e a reparação do mal feito; numa palavra: um melhoramento sério, efetivo e um retorno sincero ao bem. O Espírito é assim o árbitro de sua própria sorte; pode prolongar os sofrimentos por sua persistência no mal e aplacá-los ou abreviá-los com esforços em praticar o bem.
Do fato da duração do castigo estar subordinada ao arrependimento, resulta que o Espírito culposo, que não se arrependesse nem se melhorasse nunca, sofreria sempre, sendo para ele eterna a pena. A eternidade do castigo, pois, deve ser entendida num sentido relativo e não em sentido absoluto.
Uma condição inerente à inferioridade dos Espíritos é a de não verem o término de sua situação e crerem que sofrerão para sempre. Isto constitui um castigo para eles. Quando, porém, o arrependimento lhes abre a alma, Deus faz com que entrevejam um raio de esperança.
Esta doutrina está, evidentemente, mais conforme à justiça de Deus, que castiga enquanto persistimos no mal e que perdoa quando voltamos ao bom caminho. E quem concebeu isso? Nós?! Não! São os Espíritos que o ensinam e ensinam e provam pelos exemplos que diariamente nos oferecem.
Portanto, os Espíritos não negam as penas futuras, uma vez que descrevem seus próprios sofrimentos. E esse quadro comove-nos mais do que o das chamas eternas, pelo fato de ser perfeitamente lógico. Compreende-se que isto é possível, que deve ser assim, que essa situação é consequência lógica de um estado de coisas e pode ser aceita pelo raciocínio do filósofo, visto não conter em si absolutamente nada que repugne à razão.
Este é o motivo por que as crenças espíritas trouxeram ao bom caminho uma multidão de pessoas, algumas até materialistas e que não se haviam detido ante o temor do inferno, tal qual nos é descrito.
S. — Sem deixar de admitir seu raciocínio, não acredita que o populacho necessita mais de imagens plásticas de que uma filosofia que talvez não compreenda?
A.K. — Este é um erro que já produziu mais de um materialista ou que, pelo menos, apartou da religião não poucos indivíduos. Chega sempre um momento em que essas coisas já não mais impressionam, e então as pessoas que não se dão ao trabalho de aprofundar os raciocínios, desprezam o todo, pois dizem de si para si: Se me ministraram como verdade incontestável um ensinamento errado, se me deram uma imagem, uma figura, em vez da realidade, quem pode me assegurar que o restante seja também verdadeiro?
A fé fortifica-se, pelo contrário, se com seu desenvolvimento o raciocínio nada vem a desprezar. A religião sempre ganhará em seguir a marcha das ideias; e se vier a perigar um dia, será porque, enquanto os homens se adiantam, ela permanece estacionária.
Crer hoje que os homens podem ser conduzidos pelo temor ao demónio e aos sofrimentos eternos, é cometer um erro de época.
S. — A Igreja reconhece hoje, efetivamente, que o inferno material é uma figura. Mas isso não exclui a existência dos demónios. Sem eles, como se explicariam as influências malignas? Elas não vêm, certamente, de Deus.
A.K. — O Espiritismo não admite os demónios, no sentido vulgar da palavra. Admite, porém, os maus Espíritos, que por sinal não são muito melhores e causam tanto mal quanto aqueles, pela sugestão de maus pensamentos. O Espiritismo diz apenas que não são seres excepcionais, especialmente criados para o mal e perpetuamente destinados a ele, espécie de párias da criação e verdugos do gênero humano. São seres atrasados, imperfeitos ainda, aos quais, entretanto, Deus também reserva um futuro. Nisto concorda com a Igreja ortodoxa grega, que admite a conversão de satanás, o que é uma alusão à evolução dos maus Espíritos.
Note, também, que a palavra demónio só implica a ideia de Espírito mau, na acepção moderna que se lhe deu, pois a palavra grega, daimon, significa génio, inteligência. Apesar disso, hoje em dia ela denomina apenas os espíritos maus.
Admitir a comunicação dos maus Espíritos é reconhecer em princípio a realidade das manifestações. A questão é saber se são eles que se comunicam, conforme admite a Igreja, para motivar a proibição da comunicação com os Espíritos. Aqui invocamos o raciocínio e os fatos. Se algum Espírito se comunica, qualquer que seja ele, o faz com a permissão de Deus. E como se compreenderia que só fosse permitida a vinda dos maus? Como daria Deus a estes a liberdade ampla de vir ludibriar os homens e proibiria aos bons fazerem-lhes oposição, neutralizando suas doutrinas perniciosas? Essa crença não equivale a por em dúvida o seu poder, a sua bondade e fazer de satanás um rival da divindade?
A Bíblia, o Evangelho, os Padres da Igreja reconhecem, indubitavelmente, a possibilidade de comunicação com o mundo invisível. E do mundo invisível não estão excluídos os bons Espíritos. Ou estariam hoje excluídos? Por outro lado, ao admitir a Igreja a autenticidade de certas aparições e comunicações dos santos, joga por terra a ideia de que só as possamos ter com os maus Espíritos.
Quando só boas coisas encerram as comunicações, quando nelas só se prega a mais pura e sublime moral evangélica, a abnegação, o desinteresse e o amor ao próximo, quando nelas o mal é censurado, qualquer seja o disfarce sob o qual se apresente, é racional crer que o Espírito maligno venha de tal maneira fazer sua própria acusação?
S. — O Evangelho nos ensina que o anjo das trevas, ou satanás, se transforma em anjo de luz, para seduzir os homens.
A.K. — Satanás, segundo o Espiritismo e a opinião de um grande número de filósofos cristãos, não é um ser real, mas a personificação do mal, como nos tempos antigos Saturno era a personificação do tempo.
A Igreja toma literalmente esta figura alegórica. É uma questão de opinião, que não discutirei. Mas por um instante admitamos que' satanás seja um ser real. À força de exagerar o seu poder, com a intenção de causar temor, chegaram a um resultado diametralmente oposto, isto é, à destruição, não apenas de todo o temor, mas de toda a crença no personagem, conforme reza o provérbio: "Quem muito quer provar nada prova". Representam-no, eminentemente sagaz, manhoso e astuto, mas na questão do Espiritismo fazem-no desempenhar o papel de tonto ou de estúpido.
Uma vez que o objetivo de satanás é alimentar o inferno com suas vítimas e roubar almas a Deus, compreende-se que se dirija aos que estão no bom caminho, para os induzir ao mal, e que para tanto se transforme, como na bela alegoria, em anjo de luz, isto é, que simule hipocritamente a virtude. O que não se compreende, porém, é que deixe escapar aqueles que já tem presos entre as garras.
Os que não creem em Deus nem na alma, os que depreciam a prece e estão chafurdados no vício são, quanto podem sê-lo, do diabo; não é possível mergulhá-los mais ainda no lodaçal. Ora, excitá-los a voltar a Deus, a orar, a se submeterem à sua vontade, animá-los a renunciar ao mal, pintando-lhes a felicidade dos eleitos e a triste vida que espera os malvados, seria próprio de um simplório; seria um golpe mais estúpido que libertar um pássaro cativo com a ideia de o apanhar em seguida.
Há, pois, na doutrina da comunicação exclusiva dos demónios, uma contradição passível de ser apreciada por todo homem de senso, e por isso jamais se persuadirá alguém de que os Espíritos que reconduzem a Deus aqueles que o negavam, ao bem os que praticavam o mal, que consolam os aflitos, que dão força e ânimo aos fracos, que, pela sublimidade de seus ensinamentos, elevam a alma às alturas que sobrepujam a vida material, sejam emissários de satanás e que por esse motivo devamos nos abster de toda relação com o mundo invisível.
S. — A Igreja proíbe as comunicações com os Espíritos dos mortos porque são contrárias à religião e porque estão formalmente condenadas pelo Evangelho e por Moisés. Ao pronunciar este último a pena de morte contra os que se dedicam a semelhantes práticas, prova quão repreensíveis são elas aos olhos de Deus.
A.K. — Desculpe, mas essa proibição não se encontra em parte alguma do Evangelho; encontra-se apenas na Lei Mosaica. Trata-se, então, de saber se a Igreja põe a Lei Mosaica acima da Evangélica e, conseguintemente, se é mais judia que cristã.
É digno de nota que, de todas as religiões, a que menos oposição fez ao Espiritismo foi a judaica que, por sinal, não apelou, contra as evocações, para a Lei de Moisés, em que se apoiam as seitas cristãs. Se as prescrições bíblicas são o código da fé cristã, por que proíbem a leitura da Bíblia? Que se diria se se proibisse a um cidadão estudar o código de leis do seu país?
A proibição ditada por Moisés tinha sua razão de ser, pois o legislador hebreu empenhava-se em fazer com que seu povo abandonasse os costumes egípcios. Esse de que tratamos era objeto de abusos.
Não se evocavam os mortos pelo respeito e afeto para com eles, nem por sentimento de piedade, mas porque era um meio de adivinhação, objeto de vergonhoso tráfico, explorado pelo charlatanismo e pela superstição. Teve pois Moisés razões de sobra para o proibir. Porque necessitava de meios rigorosos para governar um povo indisciplinado, pronunciou contra esse abuso uma pena tão severa. Por iguais motivos a pena de morte é tão pródiga em sua legislação. É, pois, sem razão que se recorre à severidade do castigo para provar o grau de culpabilidade existente na evocação dos mortos.
Se a proibição de os evocar procede do próprio Deus, como pretende a Igreja, deve ter sido ele quem ditou a pena de morte contra os delinquentes. A pena tem, pois, uma origem tão sagrada quanto a proibição. Por que não foi conservada até hoje? Todas as leis de Moisés são promulgadas em nome de Deus, por ordem sua. Supondo-se que ele seja realmente o seu autor, por que não mais são observadas?
Se a Lei de Moisés é para a Igreja artigo de fé sobre certo ponto, por que não o é sobre todos? Por que recorrem a ela quando convém e a desprezam quando não convém? Por que não seguir todas as prescrições, entre as quais a circuncisão, que Jesus sofreu e não aboliu?
Duas partes havia na Lei Mosaica:
1ª) A lei de Deus, resumida nas tábuas do Sinai. Esta subsistiu, pois é divina; e o Cristo mais não fez que desenvolvê-la.
2ª) A lei civil ou disciplinaria, apropriada aos costumes da época e que Jesus aboliu.
Hoje as circunstâncias já não são as mesmas e a proibição de Moisés carece de motivos. Por outra parte, se a Igreja proíbe a evocação dos Espíritos, não se pode proibir que eles venham, por vontade própria e independentemente de apelo. Não se veem todos os dias, por intermédio de pessoas que nunca se ocuparam com o Espiritismo, os mais variados fenômenos? E antes que se tratasse do Espiritismo, já não se observavam tantas outras manifestações?
Outra contradição: Se Moisés proibiu evocar os Espíritos dos mortos, foi porque esses podiam vir. De outra maneira a proibição não teria razão de ser. E se na época podiam vir, por que não poderiam também hoje? E se são os Espíritos dos mortos, não são exclusivamente os demónios.
S. — A Igreja não nega que os bons Espíritos possam se manifestar, pois reconhece que os santos fizeram manifestações. Entretanto, ela não considera bons os que contradizem seus princípios imutáveis. É certo que os Espíritos afirmam a realidade das penas e recompensas futuras, mas não como ensina a Igreja. E só ela pode julgar os ensinamentos deles e discernir entre bons e maus.
A.K. — Eis a grande questão. Galileu foi acusado de herege e de receber inspirações do demónio porque veio revelar uma lei da natureza, provando o erro de uma religião que se julgava inatacável e pela qual foi julgado e excomungado.
Se as manifestações espíritas tivessem sempre abundado mas, segundo os interesses da Igreja, se os Espíritos não tivessem proclamado a liberdade de consciência e combatido certos abusos, teriam sido benvindos e não seriam qualificados de demónios. Tal a razão por que todas as religiões, seja a dos muçulmanos seja a dos católicos, supondo-se na posse exclusiva da verdade absoluta, olham como obra do demónio toda e qualquer doutrina que não seja exclusivamente ortodoxa, ao seu ponto de vista...
Os Espíritos vêm não para derrogar a religião, mas para revelar, como Galileu, novas leis da natureza. Se uns certos pontos da fé sentem-se melindrados, é porque estão em contradição com aquelas leis, como se deu com a crença no movimento do Sol. A questão toda está em se saber se um artigo de fé pode anular uma lei da natureza, obra de Deus. Uma vez reconhecida essa lei, não será mais prudente interpretar o dogma no sentido daquela, que atribuí-la ao demónio?
S. — Passemos por sobre a questão dos demónios: sei que é diversamente interpretada pelos teólogos. Mas a reencarnação, parece difícil de conciliar com os dogmas, uma vez que é apenas renovação da metempsicose de Pitágoras.
A.K. — Não é este o momento próprio a discussão de uma questão que exige amplo desenvolvimento. O senhor encontrá-la-á no Livro dos Espíritos e no Evangelho Segundo o Espiritismo, Direi, pois, apenas duas palavras.
A metempsicose dos antigos consistia na transmigração da alma humana para o corpo dos animais, e isso implicava numa degradação. Ademais, essa doutrina não era o que vulgarmente se pensa. A transmigração para os animais não era considerada uma condição inerente à natureza da alma humana, mas um castigo temporário. Assim, as almas dos assassinos passavam para o corpo das feras, para nele receberem o castigo de suas culpas; as dos impudicos para os porcos e javalis; as dos inconstantes e frívolos às aves; a dos preguiçosos e ignorantes aos animais aquáticos. Depois de alguns milhares de anos, consoante a culpabilidade de cada um, dessa espécie de prisão tornava a alma a ingressar na humanidade. A encarnação animal não era, pois, uma condição absoluta; relacionava-se, como se vê, com a reencarnação humana, e a prova disso é que o castigo dos homens tímidos consistia em passar ao corpo de mulheres expostas ao desprezo e à injúria. ([3])
Antes que um artigo de fé para os filósofos, era um espantalho para os ingénuos.
Também é assim que nós dizemos aos meninos: "Se não fores bonzinho o lobo virá te comer". Diziam os antigos: "Vós vos convertereis em lobos". Na atualidade se diz: "O capeta os arrebatará, carregando-os para o inferno".
A pluralidade das existências, segundo o Espiritismo, difere essencialmente da metempsicose, porque não admite a encarnação da alma humana, nem sequer como castigo, nos animais. Os Espíritos ensinam que a alma não retrograda nunca e progride sempre. Suas diferentes existências corporais realizam-se na humanidade, e cada nova existência é para ela um passo à frente, no caminho do progresso moral e intelectual, o que é muito diferente. Não podendo conseguir um desenvolvimento completo numa única existência, quase sempre abreviada por causas acidentais, permite-lhe Deus prosseguir numa nova encarnação a tarefa que não pode concluir, ou tornar a começar a que foi mal desempenhada. A expiação na vida corporal consiste nas tribulações que durante ela sofremos.
Com respeito à questão de saber se a pluralidade das existências é ou não contrária a certos dogmas da Igreja, limito-me a dizer o seguinte: ou a encarnação existe ou não existe. Se existe, logicamente está nas leis da Natureza. Para se provar que não existe, demandaria provar antes que é contrária, não aos dogmas, mas àquelas leis e que se encontrasse outra capaz de, mais clara e logicamente, explicar umas tantas questões que somente ela pode resolver.
Ademais, é fácil demonstrar que certos dogmas encontram na reencarnação uma sanção racional, que os torna aceitáveis por parte daqueles que os desprezam por não os compreender.
Não trata, pois, de destruir, mas de interpretar: e isso dar-se-á finalmente, mercê da força mesma das coisas. Os que não querem aceitar a interpretação são livres de o fazer, assim como até hoje, são livres de acreditar, se quiserem, que o Sol gira. A ideia da pluralidade das existências dissemina-se com uma rapidez maravilhosa, em virtude de sua extrema lógica e de sua conformidade com a justiça de Deus. Desde que seja reconhecida como verdade natural e aceita por toda gente, que poderá fazer a Igreja?
Resumindo: a reencarnação não é um sistema imaginado para se tornar o sustentáculo de uma causa ou uma opinião pessoal. É ou não é um fato? Se provado está que certos efeitos são inteiramente inexplicáveis sem a reencarnação, é preciso admitir que são consequência da reencarnação.
E se está na natureza, não poderá, certamente, ser anulada por uma opinião contrária.
S. — Os que não creem nos Espíritos e em suas manifestações, recebem conforme a opinião dos mesmos, urn pior quinhão na vida futura?
A.K. — Se esta crença fosse indispensável à salvação dos homens, que seria daqueles que, desde que o mundo existe, não puderam possuí-la, e dos que, em todo o tempo que está por vir, morrerão sem a obter? Pode Deus cerrar-lhes as portas do futuro? Não! Os Espíritos que nos instruem são mais lógicos. Dizem: "Deus é soberanamente justo e bom; Ele não faz a sorte futura do homem depender de condições independentes de sua vontade".
Não dizem: "Fora do Espiritismo não há salvação possível"; afirmam, como o Cristo, que "Fora da caridade não há salvação".
S. — Permita-me dizer-lhe então que, se os Espíritos não ensinam outros princípios que não sejam os encontrados no evangelho, não compreendo que utilidade possa ter o Espiritismo, uma vez que, antes dele, já podíamos alcançar nossa salvação, e sem ele podemos ainda consegui-la.
O mesmo não sucederia se os Espíritos viessem ensinar outras verdades grandes e novas, algum desses princípios que transformam a face da Terra, como fez Jesus Cristo. Este, pelo menos, era um só; sua doutrina, única, enquanto que os Espíritos existem aos milhares, contradizem-se mutuamente, afirmando ser branco o que outros dizem ser preto, motivando o que se verifica desde o começo: seus partidários constituem-se em várias seitas. Não seria melhor deixar os Espíritos em sua tranquilidade e nos atermos ao que já possuímos?
A.K. — O senhor incorre no erro de não se arredar do seu ponto de vista e de tomar sempre a Igreja como único critério do conhecimento humano. Se Jesus Cristo disse a verdade, coisa diversa não poderia dizer o Espiritismo. Em vez de repudiá-lo, dever seria acolhê-lo como a um poderoso auxiliar que vem confirmar, pelas vozes de além-túmulo, as verdades fundamentais da religião, minadas pela incredulidade. Que seja combatido pelo materialismo, compreende-se. Mas que a Igreja se alie ao materialismo para o combater, é menos concebível. O que é, também, igualmente inconsequente é que a Igreja qualifique de demoníaco um ensinamento que se apoia na mesma autoridade e que proclama a missão divina do fundador do cristianismo.
Mas será que o Cristo disse tudo? Podia ele revelar tudo? Não! Ele próprio afirmou: "Muitas coisas tenho ainda para dizer-lhes. Vós, porém, não as compreenderíeis; por isso é que lhes falo em parábolas". O Espiritismo chega-nos hoje, que o homem já está mais apto a compreendê-lo, para completar o que o Cristo intencionalmente apenas mencionou, ou apresentou sob forma alegórica. Indubitavelmente o senhor dirá que à Igreja competia dar essa explicação. Qual delas, porém? A romana, a grega ou a protestante? Uma vez que não estão acordes, cada uma daria essa explicação ao seu modo, reivindicando, por outro lado, o privilégio de dá-la.
Qual delas poderia harmonizar os pontos dissidentes? Deus, que é prudente, prevendo que a essa explicação os homens mesclariam suas paixões e suas preocupações, não lhes confiou essa nova revelação; encarregou seus mensageiros, os Espíritos, de a proclamarem em todos os pontos do globo, sem dar privilégio a qualquer culto em particular, a fim de que pudesse ser aplicada a todos e para que nenhum lhe lançasse a mão em proveito próprio.
Por outro lado não terão os diversos cultos cristãos se desviado em nada do roteiro traçado pelo Cristo? Terão escrupulosamente observado seus preceitos de moral? Não terão modificado o sentido de suas palavras, para nelas apoiarem a ambição e as paixões humanas, em virtude de serem elas a condenação de ambas? O Espiritismo, pela voz dos Espíritos enviados por Deus, vem atrair aqueles que dele se haviam apartado à estrita observância dos seus preceitos. Não será este último motivo, especialmente, o que lhe acarreta o qualificativo de obra demoníaca?
Sem razão o senhor denomina de seitas a algumas divergências de opinião com respeito aos fenômenos espíritas. Não é de estranhar que no princípio de uma ciência, quando para muitos as observações são incompletas, surjam teorias contraditórias. Essas teorias, porém, residem em pontos de desenvolvimento e não nos princípios fundamentais.
Podem constituir escolas que explicam certos fatos à sua maneira, mas não seitas como o são os diferentes sistemas que dividem os nossos sábios com respeito às ciências exatas, à medicina, etc. Suprima, pois, a palavra seita, que é imprópria ao caso presente.
Ademais, o próprio cristianismo não ocasionou, desde sua origem, um sem-número de seitas? Por que não foi a palavra do Cristo bastante poderosa para silenciar as controvérsias? Por que é ela suscetível de interpretações que, ainda em nossos dias, dividem os cristãos em diferentes igrejas que pretendem, todas, a exclusividade da verdade necessária à salvação, que se detestam mútua e intimamente, e trocam anátemas entre si, em nome do divino mestre de todas, que por sinal pregou unicamente amor e caridade?
O senhor responderá: "É a fraqueza dos homens!". Pois muito bem; que seja! Mas, por que então exigir que o Espiritismo, de uma hora para outra, triunfe sobre essa fraqueza e transforme a humanidade como que pelo toque da varinha mágica?
Passemos à questão da utilidade. O senhor disse que o Espiritismo nada de novo ensina. É erro. Pelo contrário, muito ensina àqueles que não se detêm na sua exterioridade. Tivesse ele apenas substituído a máxima Fora da Igreja não há salvação possível, que separa os homens, por esta outra: Fora da caridade não há salvação, que os irmana, e já teria inaugurado uma nova era para a humanidade.
Disse o senhor que poderíamos passar sem ele. Isso é conforme. Também poderíamos passar sem um grande número de descobertas científicas. Seguramente os homens estariam tão bem antes quanto depois da descoberta de todos os novos planetas, do cálculo dos eclipses, do conhecimento do mundo microscópio e de outras tantas coisas. Para viver e cultivar seu trigo, o lavrador não necessita saber o que é um cometa. Ninguém nega, entretanto, que todas essas coisas dilatam o círculo das ideias e nos levam a penetrar, mais e mais, nas leis da natureza.
O mundo dos Espíritos é, pois, uma dessas leis que o Espiritismo nos leva a conhecer, abrindo-nos os olhos para a influência que exercem sobre o mundo corporal. Supondo, ainda, que a isso se limitasse a sua utilidade, já não seria importantíssima a revelação de semelhante poder?
Vejamos agora sua influência moral. Admitamos que realmente nada de novo ensine nesse particular. Qual é o maior inimigo da religião? O materialismo, que é a descrença de tudo. E o Espiritismo é a negação do materialismo, o qual depois dele perdeu sua razão de ser. Já não se apela ao raciocínio, à fé cega, para dizer ao materialista que nem tudo acaba com o corpo. Apela-se aos fatos. Demonstra-se-lhe, permite-se-lhe que toque com o dedo e veja com os olhos. E não será de grande importância esse serviço que presta à humanidade e à religião? Isto, porém, não é tudo: a certeza da realidade da vida futura, o quadro pleno da vida que nos apresentam aqueles cujo ingresso nela precedeu ao nosso, comprovam a necessidade da prática do bem e as consequências inevitáveis do mal.
Por isto, sem ser uma religião, conduz essencialmente às ideias religiosas, desenvolvendo-as naqueles que não as têm e fortificando-as naqueles em que vacilam. A religião encontra, portanto, um apoio nele, não por certo aos olhos dessas inteligências míopes, que veem toda a religião na doutrina do fogo eterno, na letra mais que no espírito, mas sim aos dos que a contemplam em relação à grandeza e à majestade de Deus.
Numa palavra: o Espiritismo dilata e eleva as ideias, combate os abusos gerados pelo egoísmo, a cobiça e a ambição. E quem se atreverá a declarar-se seu campeão e os defender?
Se o Espiritismo não é imprescindível à salvação, facilita-a, fortificando-nos no caminho do bem. Por outro lado, qual o homem sensato que será capaz de afirmar que a falta de ortodoxia é mais repreensível aos olhos de Deus que o ateísmo e o materialismo?
Proponho abertamente as seguintes perguntas a todos os que combatem o Espiritismo, sob o aspecto de suas consequências religiosas:
1ª) Entre o que em nada crê e o que, crendo nas verdades gerais, não admite certas partes do dogma, qual o que terá a pior parte na vida futura?
2ª) Por alguma coisa de reprovável que tiverem feito serão julgados igualmente o protestante e o cismático, o ateu e o materialista?
3ª) O que não é ortodoxo no rigor da palavra, mas pratica todo o bem que pode, que é bom e indulgente para com o próximo e leal em suas relações sociais, terá a salvação menos segura do que um outro que, crendo em tudo, é duro, egoísta e falto de caridade?
4ª) Que é preferível aos olhos de Deus: a prática das virtudes cristãs, sem a dos deveres da ortodoxia, ou a prática destes últimos sem a da moral?
Respondidas estão, senhor padre, as perguntas e objeções apresentadas. Como disse de início, não tive a intenção preconcebida de o atrair às nossas ideias e modificar suas convicções. Limitei-me a levá-lo a considerar o Espiritismo sob o seu verdadeiro aspecto. Se o senhor não tivesse vindo eu não teria ido buscá-lo. Não quer isto dizer que desprezássemos a sua adesão aos nossos princípios, caso tal viesse a dar-se. Bem longe disso! Seremos, pelo contrário, bem felizes, como aliás com todas as adesões que conseguimos, e que são para nós tanto mais valiosas quanto mais livres e voluntárias. Não só nos faltam quaisquer direitos para exercer coação sobre quem quer que seja, como seria para nós uma questão de escrúpulo perturbar a consciência dos que, tendo crenças que lhes satisfazem, não vêm a nós espontaneamente.
Temos dito que a melhor maneira de uma pessoa adquirir conhecimentos sobre o Espiritismo é estudar-lhe a teoria. Os fatos virão depois, naturalmente, e serão compreendidos, qualquer que seja a ordem em que os tragam as circunstâncias. Nossas publicações têm sido feitas com o propósito de favorecer esse estudo. Aqui está a ordem em que o aconselhamos:
O que primeiro se deve ler é este resumo, que oferece o conjunto e os pontos cardiais da ciência. Com ele estará possibilitada a formação de uma ideia. Também estará feita a convicção de que, no fundo, o Espiritismo contém alguma coisa de sério. Nesta rápida exposição nos propusemos indicar os pontos em que, particularmente, deve fixar-se a atenção do observador. A ignorância dos princípios fundamentais é causa das falsas apreciações da maior parte dos que julgam o que não compreendem, ou que o fazem com base em ideias preconcebidas.
Se essa primeira leitura despertar o desejo de aprender mais, ler-se-á O Livro dos Espíritos, onde se acham amplamente desenvolvidos os princípios da doutrina. Depois, O Livro dos Médiuns, que abrange a parte experimental e é destinado a servir de guia aos que por si mesmos querem operar bem, como aos que desejam dar-se conta dos fenômenos.
Seguem-se, imediatamente, as obras em que estão desenvolvidas as aplicações e consequências da doutrina. E tais são: O Evangelho segundo o Espiritismo, o Céu e o Inferno, A Gênese, etc. (·)
A Revue Spirite é, de certa maneira, um curso de aplicação, pelos numerosos exemplos que oferece e os desenvolvimentos que encerra, sobre a parte teórica e a parte experimental.
Às pessoas de respeito, que realizam um estudo preliminar, teremos o prazer de dar, verbalmente, as explicações necessárias sobre as partes que não tenham sido suficientemente compreendidas.
1. É erro crer que a certos incrédulos basta presenciar fenómenos extraordinários para se convencerem. Os que não admitem a existência da alma ou do Espírito, no homem, não podem admiti-la fora dele. Negando a causa, consequentemente negam o efeito. Apresentam-se, pois, quase sempre, com ideias preconcebidas, com a deliberação prévia de negar tudo, o que os impede de realizar uma observação séria e imparcial. Fazem perguntas e levantam objeções impossíveis de contestação completa no primeiro momento, pois seria preciso dar a cada um deles um curso de Espiritismo, explanando as coisas desde o princípio.
O estudo prévio tem a vantagem de responder às objeções, que na maior parte se fundam na ignorância da causa dos fenómenos e das condições em que se produzem.
2. Os que desconhecem o Espiritismo imaginam que os fenómenos espíritas se produzem como as experiências de física e química. Daí a pretensão de submetê-los à sua vontade e a recusa de se colocarem nas condições necessárias à observação.
Sem admitir em princípio a intervenção dos Espíritos, desconhecendo sua natureza e sua maneira de agir, procedem como se trabalhassem a matéria bruta. E porque não obtêm o que desejam concluem que os Espíritos não existem.
Colocando-nos sob um outro ponto de vista, compreenderemos que, sendo os Espíritos as almas dos homens, depois da morte também seremos Espíritos. Ora, nós certamente, e do mesmo modo, não estaremos dispostos a servir de joguete para satisfazer caprichos de pessoas curiosas.
3. Mesmo certos fenómenos podem ser provocados, peia razão mesma de provirem de inteligências livres, jamais estão à inteira disposição de alguém; e quem quer que se jactasse de os obter à vontade, estaria apenas dando prova de ignorância ou de má fé.
É preciso esperá-los, colhê-los de passagem, e muito amiúde acontece que, quando menos esperamos, apresentam-se os fenómenos mais interessantes e concludentes. Quem deseja instruir-se seriamente deve, pois, armar-se, nisto como em tudo, de paciência e de perseverança e sujeitar-se ao que for preciso, pois de outro modo mais vale não tratar do assunto.
4. As reuniões que se ocupam das manifestações espíritas nem sempre realizam as condições favoráveis à obtenção de resultados satisfatórios ou de molde a dar convicção.
Algumas há, preciso é dizê-lo, de onde os incrédulos saem menos convencidos do que quando entraram. Então objetam, aos que falam do caráter respeitável do Espiritismo, com o relato dos acontecimentos, frequentemente ridículos, de que foram testemunhas.
Esses não serão mais lógicos do que os que julgam uma arte pelos desenhos de um principiante, uma pessoa por sua caricatura ou uma tragédia por sua paródia. O Espiritismo também tem seus aprendizes; e quem deseja instruir-se não bebe ensinamentos de uma só fonte, uma vez que, só pelo exame e pela comparação, se pode firmar um juízo.
5. As reuniões frívolas têm um grave inconveniente para os noviços que as assistem: dão-lhes uma ideia falsa do caráter do Espiritismo. Os que assistem a reuniões desta natureza certamente não podem levar a sério uma coisa que veem ser tratada levianamente por aqueles mesmos que se dizem seus adeptos. O estudo antecipado lhes ensinará a julgar a transcendência do que veem e a distinguir entre o mau e o bom.
6. O mesmo raciocínio é aplicável aos que julgam o Espiritismo por certas obras excêntricas que dele dão uma ideia falsa e ridícula. O alto Espiritismo é tão responsável pelas faltas dos que o compreendem mal ou o praticam erradamente, quanto a poesia é responsável pelos maus poetas. Dizem que é deplorável que existam tais obras, pois são nocivas à verdadeira ciência. Sem dúvida, seria preferível que só as houvesse boas. Mas a maior culpa recai sobre os que não se dão ao trabalho de estudar a questão inteiramente.
Aliás, todas as artes e todas as ciências encontram-se no mesmo caso.
Porventura, a respeito das coisas mais sérias, não foram escritos tratados absurdos e cheios de erros?
Por que seria o Espiritismo privilegiado, sobretudo no início?
Se os que o criticam não o julgassem pelas aparências, ficariam sabendo o que ele repele, e não lhe atribuiriam aquilo que repudia em nome da razão e da experiência.
7. Os Espíritos não são, como vulgarmente se acredita, uma criação distinta das outras. São as almas das pessoas que viveram na Terra ou em outros mundos, despojadas de seu envoltório corporal.
Quem admite a existência da alma, sobrevivendo ao corpo, igualmente admite a dos Espíritos. Negar estes equivale a negar aquela.
8. Comumente fazemos uma ideia falsa dos Espíritos. Estes não são, como alguns pensam, seres imprecisos e indefinidos, nem chamas como as dos fogos-fátuos, nem fantasmas como os dos contos fantásticos.
São seres semelhantes a nós mesmos e que, como nós, têm um corpo: mas fluídico e invisível em estado normal.
9. Durante a vida, quando unida ao corpo, a alma tem um duplo envoltório. Pesado, grosseiro e destrutível: o corpo. O outro fluídico, leve e indestrutível: o perispírito.
10.Três coisas essenciais contam-se, pois, no homem:
1ª) A alma ou o Espírito, princípio inteligente onde residem o pensamento, a vontade e o senso moral.
2a) O corpo, envoltório material que põe o Espírito em relação com o mundo exterior.
3ª) O perispírito, envoltório leve, imponderável, que serve de laço intermediário entre o Espírito e o corpo.
11. 0 envoltório exterior sucumbe quando está gasto e já não pode realizar suas funções: o Espírito dele se liberta como o fruto se despoja da casca, a árvore da cortiça e a serpente da pele. Melhor dito: como nos livramos de uma veste imprestável. A isto chamamos morte.
12. A morte é a simples destruição do envoltório material que a alma abandona, como a mariposa abandona a crisálida. A alma conserva, entretanto, seu corpo fluídico ou perispiritual.
13. A morte do corpo liberta o Espírito do envoltório que o prendia à Terra, ocasionando-lhe sofrimentos. Uma vez desembaraçado dessa carga, fica-lhe apenas o corpo etéreo, que lhe permite percorrer os espaços e franquear as distâncias com a rapidez do pensamento.
14. A união da alma, do perispírito e do corpo material, constitui o homem. Separados do corpo, a alma e o perispírito constituem o ser denominado Espírito.
OBSERVAÇÃO: A alma é, desse modo, um ser simples; O Espírito um ser duplo e o homem um ser tríplice. Seria, pois, mais exato reservar a palavra alma para designar o princípio inteligente e a palavra Espírito para o ser semi-material formado por aquela e o corpo fluídico. Como, porém, não se pode conceber o princípio inteligente destituído completamente de matéria, nem o perispírito sem estar animado pelo princípio inteligente, as palavras alma e Espírito são, no uso comum, indistintamente empregadas, originando a figura que consiste em tomar a parte pelo todo. Assim é que se diz de uma cidade, que está povoada de tantas almas, de um povoado composto de tantos lares. Filosoficamente, entretanto, é preciso estabelecer a distinção.
15. Revestidos do corpo material, os Espíritos constituem a humanidade ou mundo corporal visível. Despojados desse corpo constituem o mundo espiritual ou invisível, que povoa os espaços e em contato com o qual vivemos sem suspeitar, como acontece com o mundo dos infinitamente pequenos, que ignorávamos até a invenção do microscópio.
16. Os Espíritos não são, pois, seres abstratos, vagos e indefinidos, mas concretos e circunscritos. Para aparecerem aos olhos dos mortais, falta-lhes apenas que se tornem visíveis. Segue-se, pois, que se num dado momento pudessem erguer a cortina que os oculta à nossa vista, constituíram uma verdadeira população ao nosso redor.
17. Os Espíritos possuem todas as percepções que tinham na Terra, ainda mais requintadas, por isso que essas faculdades não estão embaraçadas pela matéria. Experimentam sensações que nos são desconhecidas, veem e ouvem coisas que nossos sentidos limitados não nos permitem ouvir nem ver.
Para eles não existem as trevas, salvo para aqueles cujo castigo consiste em viver nas sombras. Todos os nossos pensamentos repercutem neles e os lêem como num livro aberto. De modo que aquilo que podemos ocultar a alguém, enquanto vivo, não mais poderemos, desde que volte ao estado de Espírito. (O Livro dos Espíritos, n. 237).
18. Encontram-se os Espíritos por toda parte. Estão entre nós, ao nosso lado, observando-nos incessantemente. Mercê de sua contínua presença entre nós, os Espíritos tornam-se agentes de diversos fenómenos. Desempenham um papel importante no mundo moral e, até certo ponto, no mundo físico. Constituem, assim, uma das potências da natureza.
19. Desde que se admite a sobrevivência da alma ou do Espírito, é racional admitir a dos afetos, sem os quais as almas de nossos parentes e amigos ser-nos-iam arrebatadas para sempre.
Como os Espíritos podem ir a toda parte, é igualmente racional admitir que os que nos amaram durante a vida terrena nos amem depois da morte, que vivam ao nosso lado, que conosco desejem comunicar-se e que, para o conseguir, empreguem os meios à sua disposição. Isto é confirmado pela experiência.
Realmente, a experiência prova que os Espíritos conservam os afetos sérios que tinham na Terra, que se alegram de estar ao lado dos que amaram, principalmente quando atraídos pelo pensamento e pelos sentimentos afetuosos que se conservam, ao passo que se mostram indiferentes para com aqueles que lhes votam indiferença.
20. O Espiritismo tem por fim demonstrar e estudar as manifestações dos Espíritos, suas faculdades, sua situação feliz ou infeliz e o futuro que os aguarda. Numa palavra: o conhecimento do mundo espiritual. Comprovadas, essas manifestações conduzem à prova irrecusável da existência da alma, de sua sobrevivência ao corpo, de sua individualidade após a morte; numa palavra, à realidade da vida futura. Tem ainda o objetivo da negação das doutrinas materialistas, não pelo raciocínio, mas por fatos.
21. Uma ideia quase geral entre os que não conhecem o Espiritismo é a de crer que os Espíritos, pelo simples fato de estarem despojados da matéria, devam, tudo saber, devam estar de posse da suprema sabedoria.
É erro grave. Sendo apenas as almas dos homens, não podem os Espíritos adquirir a perfeição, apenas por se haverem desprendido do envoltório terreno. Só com o desprendimento sucessivo de suas imperfeições adquirem os conhecimentos que lhes faltam. Tão ilógico seria admitir que o Espírito de um selvagem ou de um criminoso se converta imediatamente num sábio ou num virtuoso, quando contrário à justiça de Deus seria acreditar que permanecesse perpetuamente em sua inferioridade.
Assim como há homens de todos os graus de cultura e de perversidade, também há Espíritos. Existem os que se tentam em ser levianos, travessos, mentirosos, burlões, hipócritas, perversos e vingativos, enquanto outros, ao contrário, possuem as mais elevadas virtudes e um grau de cultura desconhecido na Terra.
Esta diversidade de qualidades dos Espíritos é uma das questões mais dignas de consideração, pois explica a boa ou a má natureza das comunicações recebidas. E nós devemos nos empenhar especialmente em estabelecer essa distinção. (O Livro dos Espíritos, n.º 100, Escala Espírita — O Livro dos Médiuns, cap. 24).
22. Admitidas a existência, a sobrevivência e a individualidade da alma, o Espiritismo reduz-se a esta questão principal: São possíveis as comunicações entre as almas e os vivos?
A experiência provou essa possibilidade. Estabelecidas como fatos as relações entre o mundo visível e o invisível, conhecidas a natureza, a causa e a maneira porque se dão essas relações, temos um novo campo aberto à observação e a chave de grande número de problemas, ao mesmo tempo que um poderoso elemento moralizador, resultante da eliminação da dúvida relativa ao futuro.
23. O que gera a dúvida na mente de muitas pessoas, quanto a possibilidade das comunicações de além-túmulo, é a falsa ideia sobre o estado da alma depois da morte.
Em geral a imaginam como um sopro ou uma fumaça, como algo de vago, apenas concebível pelo pensamento, que evapora e vai para não se sabe onde, mas tão distante, que muito custa admitir que possa retornar à Terra. Se, pelo contrário, a considerarem como um corpo fluídico, semi-material, elementos estes suficientes à concepção de um ser concreto, individual, as suas relações com os vivos já nada têm de incompatíveis com a razão.
24. Vivendo o mundo visível em meio ao invisível, com o qual . está em perpétuo contato, o resultado é que um reage incessantemente sobre o outro, e desde que há homens, há Espíritos. Estes têm o poder de manifestarem-se e o fizeram em todas as épocas e entre todos os povos.
Nestes últimos tempos, entretanto, as manifestações dos Espíritos adquiriram um surpreendente desenvolvimento, bem como um caráter de evidente autenticidade, talvez porque estivesse nos desígnios da providência exterminar a praga da incredulidade e do materialismo, mercê de provas evidentes, permitindo aos que deixaram a Terra que viessem dar testemunho de sua existência e revelar a situação feliz ou infeliz em que se encontram.
25. As relações entre o mundo visível e o invisível podem ser ocultas ou manifestas, espontâneas ou provocadas.
Os Espíritos atuam sobre os homens: às ocultas, pelos pensamentos que lhes sugerem e por determinadas influências ; de modo manifesto, por meio de fenômenos apreciáveis pelos sentidos.
As manifestações espontâneas têm lugar inesperadamente e de improviso. Produzem-se, frequentemente entre as pessoas que menos cogitam de ideias espíritas e que, por isso são incapazes de as explicar, terminando por atribui-las à causas sobrenaturais.
As provocadas efetuam-se por meio de certas pessoas dotadas de faculdades especiais e que são denominadas médiuns.
26. Os espíritos podem manifestar-se das mais diversas maneiras: pela vista, pela audição, pelo tato, pelos ruídos, pelo movimento dos corpos, pelo desenho, pela música, etc.
27. Às vezes os Espíritos manifestam-se espontaneamente, vibrando golpes ou fazendo ruídos. Para eles esses sons amiúde constituem um meio de atestar sua presença e chamar atenção, exatamente como uma pessoa faz ruído para nos avisar de que chegou. Espíritos há que não se limitam a ruídos moderados: chegam a produzir um estrépito semelhante ao de um vaso que se despedaça, de portas que batem, de móveis que vêm abaixo. Muitos chegam a causar verdadeira perturbação e grandes estragos. (Revue Spirite, 1858. LEsprit frappeur de Bergzabern, pág. 125, 153, 154 - Idem, L'Esprit frappeur de Dibbelsdorf, pág. 219 - Idem 1860. Lê boulanger de Dieppe, pág. 76 - Idem, Lê fabricant de Saint Petersburg, pág. 115 - Idem, Lê chiffonier de Ia rue dês Noyers, pág. 236).
28. Posto que invisível para nós em estado normal, o perispírito é matéria etérea. O Espírito pode, em certos casos, fazê-lo experimentar uma espécie de modificação molecular que o torna visível e até tangível. Assim é que se produzem as aparições.
Este fenômeno não é mais extraordinário do que o do vapor, invisível quanto mais rarefeito, e que se torna visível quando condensado.
Os Espíritos que se fazem visíveis apresentam-se sempre sob a aparência que tinham quando vivos. Assim podem ser reconhecidos.
29. A materialização permanente e total dos Espíritos é muito rara. As aparições isoladas, entretanto, são muito frequentes, sobretudo no momento da morte. O Espírito liberto parece ter pressa em rever pa. rentes e amigos, como que para os advertir de que acaba de deixar a Terra e lhes afirmar sua imortalidade. Busque cada um as suas recordações e verá quantos fatos autênticos deste gênero e cuja explicação não se podia encontrar, tiveram lugar à noite, durante o sono e também a luz do dia, em estado de vigília. Esses fatos eram outrora olhados como sobrenaturais e maravilhosos e atribuídos à magia, à bruxaria Hoje os incrédulos os atribuem à imaginação. Entretanto, desde que a ciência espírita forneceu a sua chave, sabemos como se produzem e que na realidade não fogem à ordem dos fenômenos naturais.
30. Por meio do perispírito o Espírito atua sobre seu corpo vivo. Manifesta-se, igualmente, com o auxílio do mesmo fluído, atuando sobre a matéria inerte e produzindo os ruídos, os movimentos d mesas e outros objetos que levanta, derruba ou transporta. Nada tem esse fenômeno de surpreendente, se se considerar que entre nós forças motoras mais poderosas se encontram nos fluidos mais feitos e até mesmo imponderáveis, como o ar, o vapor e a eletricidade.
É também com a ajuda do perispírito que o Espírito leva médium a escrever, falar ou desenhar. Sem possuir um corpo tangível para agir ostensivamente, quando deseja manifestar-se, serve-se corpo do médium, apoderando-se de seus órgãos, que põe em atividade como se fora os de seu corpo, por meio dos eflúvios que si eles derrama.
31. Pelo mesmo processo atua o Espírito sobre a mesa, no fenômeno conhecido pelo nome de mesas girantes ou mesas falantes para as mover sem significação determinada, já para as fazer vibrar golpes inteligentes, que indicam as letras do alfabeto e formam palavras e frases. O fenômeno é designado pelo nome de tiptologia.
Neste caso a mesa não é mais que um instrumento de que serve, como se serve do lápis para escrever. Dá-lhe uma vitalidade momentânea pelo fluido que a penetra, mas não se identifica com As pessoas que se comovem assistindo a mesa, caem no ridículo pois que é absolutamente a mesma coisa que abraçar uma bengala de que se serve um amigo para desferir golpes.
O mesmo dizemos aos que dirigem a palavra à mesa, como se o Espírito estivesse encerrado na madeira ou como se esta s transformado em Espírito.
Quando as comunicações têm lugar por este meio, e imaginar o Espírito não dentro da mesa, mas ao lado, tal c quando vivo, e como seria visto se naquele momento pudesse visível tornar-se visível.
A mesma coisa sucede nas comunicações psicografadas. Ver-se-ia o Espírito ao lado do médium, dirigindo-lhe a mão ou transmitindo-lhe o pensamento por meio de uma corrente fluídica.
Quando a mesa se ergue do solo e rodopia no espaço, sem ponto de apoio, não a levanta o Espírito, mercê da força braçal, e sim de uma espécie de atmosfera fluídica com que a envolve, neutralizando o efeito da gravidade, como faz o ar com os balões e papagaios de papel. O fluído de que se acha impregnada dá-lhe momentaneamente, um menor peso específico.
Quando permanece apoiada no assoalho, encontra-se no caso de uma campânula pneumática depois de produzido o vácuo. Estas são meras comparações, destinadas a demonstrar os fenômenos pela analogia.
Não querem dizer, entretanto, que haja absoluta semelhança das causas.
Quando a mesa persegue uma pessoa, não é o Espírito que corre, pois lhe é dado permanecer no mesmo lugar, impulsionando-a mediante uma corrente fluídica, com o auxílio da qual consegue produzir todos os movimentos desejados.
Quando se fazem ouvir golpes na mesa ou em outra parte, não é que o Espírito os esteja vibrando com a mão ou com um objeto qualquer. Ele dirige, até o ponto de onde parte o ruído, um jato de fluido, que produz o efeito de um choque elétrico. O Espírito modifica o ruído como nós podemos modificar os sons produzidos pelo ar.
Compreende-se, por isso, que ao Espírito não é mais difícil erguer uma pessoa do que uma mesa, transportar um objeto de um lado para o outro que atirá-lo em qualquer parte. Esses fenômenos subordinam-se a uma mesma lei.
32. Pode-se ver, pelas poucas palavras precedentes, que as manifestações espíritas, qualquer que seja a sua natureza, nada têm de sobrenatural ou de maravilhoso. São fenômenos que se produzem em virtude da lei que rege as relações do mundo visível e do invisível, lei tão natural quanto a da eletricidade, da gravitação, etc. O Espiritismo é a ciência que nos dá a conhecer esta lei, como a mecânica, as leis do movimento e a ótica as da luz.
Estando na ordem natural das coisas, as manifestações espíritas se deram em todos os tempos. Conhecidas as leis que as regem, uma infinidade de problemas, considerados insolúveis, ficarão explicados. São também a chave de não menor número de fenômenos explorados e ampliados pela superstição.
33. Expurgados do maravilhoso, esses fenômenos nada mais apresentam que repugne à razão, de vez que se colocam entre os fenômenos naturais. Quando a mentalidade geral ainda estava envolta nos véus da ignorância, todos os fenômenos de causas desconhecidas eram considerados sobrenaturais. As descobertas científicas, entretanto, reduziram continuamente o círculo do maravilhoso, que o descobrimento da nova lei veio aniquilar.
Aqueles, pois, que acusam o Espiritismo de ressuscitar o maravilhoso, provam, que falam daquilo que desconhecem.
34. As manifestações dos Espíritos são de duas ordens: efeitos físicos e comunicações inteligentes. As primeiras são fenômenos materiais e ostensivos, tais como movimentos, ruídos, transportes de objetos, etc. As outras consistem na troca regular de pensamentos por meio de sinais, da palavra e principalmente pela escrita.
35. As comunicações que se recebem dos Espíritos podem ser boas ou más, exatas ou falsas, profundas ou frívolas, conforme a natureza dos Espíritos que se manifestam.
Os que demonstram circunspecção e cultura são Espíritos adiantados que já realizaram progressos. Os que demonstram ignorância e más qualidades são Espíritos ainda atrasados, mas que evoluirão com o tempo.
Os Espíritos não podem dar resposta a questões que estão além de seus conhecimentos, mas de conformidade com o adiantamento que têm e, principalmente, com as coisas que têm permissão de revelar, pois aos homens nem tudo ainda é dado conhecer.
36. Da diversidade de qualidades e aptidões dos Espíritos, resulta que não basta nos dirigirmos a qualquer deles para obtermos a exata resposta a uma pergunta, pois sobre muitas coisas só lhes é permitido dar opinião pessoal, que pode ser ou não ser verdadeira. Se ele for prudente, confessará sua ignorância no assunto; se leviano ou mentiroso, responderá a tudo, pouco cuidando da verdade; e se for orgulhoso, apresentará seu ponto de vista como verdade inconteste.
Por isso, disse João Evangelista: Não creiais em todo Espírito; mas provai se os Espíritos são de Deus.
A experiência prova a sabedoria desse conselho. Seria pois, imprudência e leviandade aceitar sem provas tudo o que vem dos Espíritos. Por isso, é essencial estarmos instruídos sobre a natureza daqueles com quem nos comunicamos. (O Livro dos Médiuns, num. 267).
37. Conhece-se a qualidade dos Espíritos pelo que dizem. As palavras dos verdadeiramente bons e superiores são sempre dignas, nobres, lógicas e isentas de contradição. Respiram sabedoria, benevolência, modéstia e a moral mais pura; são concisas e não contêm redundâncias. Nos Espíritos inferiores, ignorantes e orgulhosos, o vazio das ideias é quase sempre compensado pela abundância de palavra. Todo pensamento evidentemente falso, toda máxima contrária à sã moral, todo conselho ridículo, toda expressão grosseira, trivial ou simplesmente frívola, todo sinal, de malevolência, de presunção ou de arrogância, são incontestáveis índices da inferioridade do Espírito.
38. Os Espíritos inferiores são mais ou menos ignorantes. Seu horizonte é limitado, sua perspicácia restrita. Geralmente têm apenas ideias falsas e incompletas das coisas. Por outro lado, acham-se ainda sob o império das preocupações terrenas que, vez por outra, tomam como verdades absolutas. Daí serem incapazes de solucionar determinadas questões. Podem induzir-nos em erro, voluntária ou involuntariamente, quanto a questões que eles próprios não compreendem.
39. Isto não quer dizer que todos os Espíritos inferiores sejam essencialmente maus. Existem os que são apenas ignorantes e levianos. Outros são chistosos, divertidos, imaginosos, capazes de empregar a sátira com finura e mordacidade. Ao lado destes encontram-se, no mundo dos Espíritos como na Terra, todas as modalidades de perversão e todos os graus de superioridade intelectual e moral.
40. Os Espíritos superiores dão comunicações inteligentes, cuja finalidade evidente é nos instruir. As manifestações físicas, puramente materiais, são em geral atribuição dos Espíritos inferiores, vulgarmente designados pelo nome de Espíritos batedores, exatamente como, aqui no nosso meio, os exercícios de força são praticados pelos saltimbancos, não pelos homens cultos.
41. As comunicações com os Espíritos devem ser realizadas sempre com paz e recolhimento. Nunca se deve perder de vista que os Espíritos são as almas dos homens, e que é inconveniente transformá-las em joguete e objeto de passatempo.
Se se respeitam os restos mortais, mais dignos de respeito é o Espírito. As reuniões frívolas e levianas faltam, pois, a um dever, e aqueles que nelas tomam parte deveriam pensar que de um momento para outro podem também ingressar no mundo dos Espíritos e não lhes seria agradável verem-se tratados com tão pouca deferência.
42. Outra questão essencial a ser considerada é esta: os Espíritos são livres. Comunicam-se quando querem, com quem lhes convém e quando podem, pois têm seus quefazeres; não estão à disposição e ao capricho de ninguém, não sendo dado fazê-los vir contra sua vontade ou dizer o que preferem silenciar. Assim, é impossível garantir que um Espírito nos atenda em determinado momento e que responda a tal ou qual pergunta.
Afirmar o contrário é demonstrar absoluta ignorância dos princípios mais elementares do Espiritismo. No capítulo das previsões infalíveis só ao charlatanismo cabe a prioridade.
43. Os Espíritos são atraídos pela simpatia, consoante a semelhança de gostos, caracteres e a intenção dos que desejam sua presença. Assim como um sábio da Terra não concorreria a uma reunião de jovens libertinos, os Espíritos superiores também não comparecem às reuniões fúteis.
O simples bom senso diz que não pode ser de outro modo. Mas, se uma ou outra vez se apresentam, é sempre para dar um bom conselho, combater os vícios ou atrair as pessoas levianas ao bom caminho. Se não são ouvidos, afastam-se. Só um raciocínio tacanho concluiria que Espíritos respeitáveis pudessem comprazer-se em responder a futilidades ou perguntas ociosas, que não demonstram simpatia ou respeito para com eles, num desejo de aprender; ou, mais ainda, que possam vir a tomar parte em exibições destinadas a divertir os curiosos.
Se não o fariam durante a vida, tampouco o farão depois da morte.
44. A frivolidade das reuniões tem como resultado atrair Espíritos levianos que outra coisa não buscam senão as ocasiões propícias aos enganos e às mistificações. Pela mesma razão por que homens sérios e respeitáveis não comparecem às assembléias levianas, os Espíritos sérios só comparecem às reuniões sérias, cuja finalidade seja a instrução, e nunca a curiosidade. Nestas é que se comprazem os Espíritos superiores em oferecer ensinamentos.
45. Do que precede resulta que toda reunião espírita, para ser proveitosa, deve como condição primeira, ser séria e homogênea. Tudo nela deve revestir-se de respeito, religiosidade e dignidade, se se deseja obter o concurso constante dos bons Espíritos.
Não nos esqueçamos de que, se esses mesmos Espíritos ali se tivessem apresentado em vida, seriam objeto de uma consideração a que, em maior grau, têm direito depois da morte.
46. Em vão alega-se a utilidade de certas experiências curiosas, frívolas e recreativas, para gerar convicção nos incrédulos. Por esse meio chega-se a resultado oposto.
O incrédulo, dado por natureza a zombar das crenças mais sagradas, não pode considerar digna de atenção uma coisa que transformam em divertimento; não pode inclinar-se a respeitar o que não lhe apresentam de maneira respeitosa; assim, está sempre recebendo má impressão nas reuniões fúteis e levianas, onde nunca há ordem, gravidade e recolhimento.
O que em essencial pode convencê-lo é a prova da presença de seres cuja memória lhe seja querida. Ao ouvir-lhes as palavras sérias e solenes, suas íntimas revelações, é que se nota a palidez, a emoção que o embarga. Pelo mesmo fato, porém, de ter respeito, veneração e simpatia por uma pessoa cuja alma se lhe apresenta, é que se sente chocado, que se escandaliza, vendo-a concorrer a uma reunião irreverente, entre mesas que dançam e palhaçadas de Espíritos levianos. Incrédulo que é, sua consciência menospreza essa aliança do sério e do frívolo, do religioso e do profano. Daí a qualificar tudo de embuste, é um passo; e amiúde sai menos convencido do que havia entrado.
As reuniões dessa classe sempre fazem mais mal do que bem, pois que afastam da doutrina um maior número de pessoas do que atraem. E, afora isso, oferecem campo à crítica dos detratores, que nelas encontram fundados motivos para zombarias.
47. Sem razão, as manifestações físicas são consideradas um brinquedo. Se são despidas da importância filosófica, têm sua utilidade do ponto de vista dos fenômenos, pois que são o abe da ciência, cuja chave forneceram. Ainda que menos necessárias na atualidade, favorecem ainda a convicção de determinadas pessoas. A ordem e a compostura, porém, não devem ser excluídas nas reuniões que objetivam estudá-las. Se fossem sempre praticadas de maneira conveniente, convenceriam mais facilmente e produziriam, sob todos os aspectos, resultados muito superiores.
48. Certas pessoas formam, intimamente, uma ideia falsa das evocações. Existem as que julgam que elas consistem em provocar a vinda dos mortos, com todo o lúgubre aparato do túmulo.
O pouco que dissemos sobre este particular, deve dissipar semelhante erro. Só nas novelas, nos contos fantásticos de almas de outro mundo, e no teatro, veem-se os mortos desencarnados, saindo dos sepulcros, envoltos em sudários e chocalhando os ossos. O Espiritismo, que nunca obrou milagres, também este não realizou, e nunca pretendeu que um corpo morto pudesse reviver. Quando este já repousa na tumba, aí está em definitivo. Mas o ser espiritual, fluídico, inteligente, não foi sepultado com seu grosseiro envoltório. Separou-se dele no momento da morte e, realizada a separação, já nada mais tem em comum.
49. A crítica malévola compraz-se em apresentar as comunicações espíritas revestidas de práticas ridículas e supersticiosas, de magia e necromancia. Se os que falam do Espiritismo sem o conhecer tivessem se dado ao trabalho de estudar a questão que desejam comentar, teriam poupado a imaginação, e os argumentos que apenas servem para lhes provar a ignorância e a má vontade.
Como explicação às pessoas estranhas à ciência, diremos que, para nos comunicarmos com os Espíritos, não há dias, horas, nem lugares mais propícios que outros; que para os evocar não são necessárias fórmulas sacramentais ou cabalísticas, não é preciso preparação ou iniciação alguma; que o emprego dos objetos materiais, para os atrair ou para os afastar, não produz resultados; que para isso basta o pensamento e, enfim, que os médiuns recebem suas comunicações tão simples e naturalmente como se fossem ditadas por uma pessoa viva, e sem sair do estado normal. Só o charlatanismo pode inventar práticas excêntricas e o emprego de objetos ridículos.
A evocação dos Espíritos faz-se em nome de Deus, com respeito e recolhimento. Apenas isto é recomendado às pessoas sérias, que desejam estabelecer relações com Espíritos sérios.
50. O fim providencial das manifestações é convencer os incrédulos de que para o homem nem tudo acaba com a vida terrena, bem como dar aos crentes ideias mais exatas sobre a vida futura.
Os bons Espíritos vêm instruir-nos, visando nossa evolução e adiantamento e não para revelar o que ainda não nos é dado saber ou o que só nos é dado conhecer mercê do nosso trabalho. Se bastasse interrogar os Espíritos para obter a solução de todas as dificuldades, para realizar descobertas ou inventos lucrativos, todo ignorante facilmente se tornaria sábio e todo preguiçoso faria fortuna sem trabalho. Eis o que Deus não quer. Os Espíritos ajudam o homem de gênio por meio da inspiração oculta, mas não o eximem do trabalho e das investigações, a fim de não o privar do mérito.
51. Seria fazer uma ideia falsa dos Espíritos considerá-los como meros auxiliares dos leitores da buena-dicha. Os Espíritos sérios negam-se a se ocupar de coisas fúteis. Os Espíritos levianos e burlões ocupam-se de tudo, a tudo respondem, e predizem o que quisermos; não se preocupam com a verdade, e entregam-se ao censurável prazer de mistificar as pessoas demasiado crédulas. Por isso é essencial fixar cuidadosamente a natureza das perguntas que possam ser dirigidas aos Espíritos. (O Livro dos Médiuns, ng 286: Perguntas que podem ser dirigidas aos Espíritos).
52. Fora do que pode contribuir para o progresso moral, só incertezas encontram-se nas revelações obtidas dos Espíritos. A primeira consequência desagradável para o que afasta sua faculdade do objetivo providencial, é a de ser mistificado pelos Espíritos mentirosos, que pululam em volta dos homens. A segunda é a de cair sob o domínio desses mesmos Espíritos, que com pérfidos conselhos nos podem levar a verdadeiras desgraças materiais. A terceira é a de, finda a vida terrena, perdermos o fruto do conhecimento do Espiritismo.
53. As manifestações não são, pois, destinadas a satisfazer interesses materiais. Sua utilidade está nas consequências morais que delas decorrem. Mas ainda que não tivessem outro resultado além do de dar a conhecer uma nova lei da Natureza e o de demonstrar materialmente a existência da alma e sua imortalidade, já seria muito, pois isso constitui novo e amplo campo aberto à filosofia.
54. Os médiuns apresentam variadíssimas aptidões, o que os torna mais ou menos próprios à obtenção de tal ou qual fenômeno, de tal ou qual gênero de manifestação.
Conforme suas aptidões, dividem-se em médiuns para efeitos físicos, para comunicações inteligentes, videntes, falantes, auditivos, sensitivos, desenhistas, poliglotas, poetas, musicistas, psicógrafos, etc. Não se pode exigir de um médium o que está fora de suas faculdades. Sem o conhecimento das aptidões mediúnicas o observador não pode dar-se conta de certas dificuldades ou de certas impossibilidades que se nos deparam na prática. (O Livro dos Médiuns, cap. 46, num. 185).
55. Os médiuns de efeitos físicos são mais particularmente aptos a provocar fenômenos materiais, tais como movimentos, golpes, etc., com o auxílio de mesas e outros objetos.
Quando esses fenômenos revelam um pensamento ou obedecem a uma vontade, são efeitos inteligentes que, por isso mesmo, indicam uma causa inteligente. Esta é para os Espíritos uma maneira de se manifestarem. Por meio de um número convencionado de batidas, obtêm-se respostas afirmativas ou negativas, ou a indicação das letras do alfabeto que servem para formar palavras e frases. Este meio primitivo é muito demorado e não se presta às comunicações extensas. As mesas falantes foram o princípio da ciência. Hoje em dia há meios de comunicação tão rápidos e completos como os que nos servem para a comunicação com os vivos, e só se empregam aqueles incidentalmente, como experimentação.
56. De todos os meios de comunicação é a escrita ao mesmo tempo o mais simples e o mais rápido, o mais cômodo e o que permite maior extensão nos trabalho. É também a faculdade que mais habitualmente se encontra nos médiuns.
57. Para a obtenção da escrita empregaram-se inicialmente materiais intermediários, tais como cestas, pranchetas, etc., às quais se adaptava um lápis. (O Livro dos Médiuns, cap. XIII ns. 152 e seguintes).
Mais tarde reconheceu-se a inutilidade desses acessórios e a possibilidade de os médiuns escreverem diretamente com a mão, como na escrita comum.
58. O médium escreve sob a influência dos Espíritos, que dele se servem como de um instrumento. Sua mão é impelida por um movimento involuntário que via de regra, não pode dominar. Certos médiuns não têm consciência nenhuma do que escrevem. Outros têm-na mais ou menos vaga, muito embora o pensamento lhes seja estranho. Isto é o que distingue os médiuns mecânicos dos médiuns intuitivos ou semi-mecânicos. A ciência espírita explica o modo como . se transmite o pensamento do Espíritos ao médium, e o papel deste último nas comunicações. (O Livro dos Médiuns, cap. 15 ns. 179 e seguintes; cap. 19, ns. 223 e seguinte).
59. O médium possui, apenas, a faculdade de comunicar. A comunicação efetiva, porém, depende da boa vontade dos Espíritos. Se não querem se manifestar, o médium nada obtém. É como um instrumento sem músico.
Comunicando-se apenas quando querem ou podem, os Espíritos não estão ao capricho de quem quer que seja, e nenhum médium tem o poder de fazê-los vir à sua vontade, contrariando a deles.
Isto explica a intermitência observada na faculdade dos melhores médiuns e as interrupções que sofrem, às vezes durante meses inteiros.
Seria erro comparar a mediunidade com uma espécie de conhecimento. O conhecimento é adquirido pelo trabalho: quem o possui é sempre senhor dele; e o médium nunca o é de sua faculdade, pois que esta depende de uma vontade estranha.
60. Os médiuns de efeitos físicos, que obtém regularmente e à sua vontade a produção de certos fenômenos, desde que não resultem da simulação, fazem-no com Espíritos de baixa classe, que se comprazem nessa espécie de exibição e que, muito possivelmente, a esse ofício se dedicaram durante a vida. Seria, entretanto, absurdo supor que os Espíritos mais elevados divirtam-se nessa espécie de representações.
61. Sem dúvida a obscuridade necessária à produção de certos efeitos físicos dá lugar a suspeita. Nada prova, entretanto, contra a sua realidade. Sabe-se que em química certas combinações não podem ser produzidas no claro e que muitas composições e decomposições se produzem sob a ação do fluido luminoso.
Pois bem: todos os fenômenos espíritas são resultados da combinação dos fluidos próprios do Espírito e do médium; sendo materiais, não é de surpreender que, em certos casos, esse fluido luminoso seja contrário às combinações.
62. Do mesmo modo as comunicações inteligentes são devidas à ação fluídica do Espírito sobre o médium e é preciso que o fluido deste se identifique com o daquele. A facilidade das comunicações depende do grau de afinidade estabelecida entre os dois fluidos.
Assim, cada médium é mais ou menos apto a receber a impressão e o impulso do pensamento de tal ou qual Espírito. Pode ser um bom instrumento para um e mau para outro. Disso resulta que, de dois médiuns igualmente bem dotados e postos um ao lado do outro, um determinado Espírito se manifestará por meio de um e não pelo outro.
63. É, pois, erro acreditar que basta ser médium para receber facilmente a comunicação de qualquer Espírito. Não há médiuns universais para as evocações, como não os há para produzir todos os fenômenos.
Os Espíritos buscam de preferência os instrumentos que vibram em uníssono. Impor-lhes o primeiro que se tenha à mão seria como que se exigir de um pianista que tocasse violino, sob o argumento de que, desde que sabe música deve tocar todos os instrumentos.
64. Sem a harmonia indispensável à produção da assimilação fluídica, as comunicações são impossíveis, incompletas ou falsas. Falsas porque, em lugar do Espírito desejado, não faltam outros dispostos a aproveitar a ocasião de se manifestarem; e esses cuidam pouco de dizer a verdade.
65. A assimilação fluídica é às vezes impossível entre certos Espíritos e certos médiuns. Outras, e este é o caso mais comum, estabelece-se gradativamente, com o tempo. Isto explica porque os Espíritos acostumados a se manifestarem por um certo médium, manifestam-se com mais facilidade. É que as primeiras comunicações patenteiam-se, quase sempre, uma espécie de constrangimento, sendo, por isso, menos explícitas.
66. A assimilação fluídica é tão necessária nas comunicações pela tiptologia como pela psicografia, uma vez que num caso como no outro, trata-se da transmissão do pensamento do Espírito, qualquer que seja o meio material empregado.
67. Não sendo possível impor um médium ao Espírito que se deseja evocar, convém permitir-lhe a escolha de seu instrumento. Em todo caso é necessário que o médium se identifique antecipadamente com o Espírito, pelo recolhimento e pela oração, ao menos durante alguns minutos e até com alguma antecipação, caso seja possível, a fim de provocar e ativar a assimilação fluídica. Este é o meio de atenuar a dificuldade.
68. Quando as condições fluídicas não são propícias à comunicação direta com o médium, esta pode ser estabelecida pela interferência do guia espiritual daquele. Neste caso o pensamento chega de segunda mão, isto é, depois de ter atravessado dois meios. Compreende-se, então, quanto é importante que o médium esteja bem assistido, pois se o estiver por um Espírito obsessor, ignorante e orgulhoso, a comunicação será necessariamente alterada.
Nisto as qualidades pessoais do médium desempenham importante papel, pois delas é que depende a natureza dos Espíritos que atrai.
Os médiuns mais indignos podem ter poderosas faculdades, mas os mais seguros são os que a esta força unem as melhores simpatias no plano espiritual, as quais não estão, de modo algum, garantidas por nomes mais ou menos respeitáveis, que se atribuem aos Espíritos ou que tomam os que assinam as comunicações, e sim pela natureza constantemente boa dos que as recebem.
69. Qualquer que seja a classe de comunicação, a prática do Espiritismo, sob o ponto de vista experimental, oferece numerosas dificuldades e não está isenta de inconvenientes, para o que exige a necessária experiência. Experimentando por si mesmo ou apenas observando, o essencial é saber distinguir as várias naturezas dos Espíritos que se possam manifestar, conhecer as causas dos diversos fenômenos, as condições em que se podem produzir e os obstáculos que lhes podem opor, a fim de não se pedir o impossível.
Não é menos necessário conhecer todas as condições e escolhos da mediunidade, a influência do meio, das disposições morais, etc. (O Livro dos Médiuns, 2- parte).
70. Um dos maiores escolhos da mediunidade é a obsessão, isto é, o domínio que certos Espíritos podem exercer sobre os médiuns, impondo-se-lhes sob nomes apócrifos e impedindo-os de se comunicarem com outros Espíritos. É ao mesmo tempo, uma dificuldade para o observador noviço e inexperiente que, desconhecendo as características de que se reveste o fenômeno, pode ser enganado pelas aparências, como uma pessoa que, não conhecendo a medicina, ilude-se quanto à causa e a natureza de uma moléstia. Se, neste caso, o estudo antecipado é inútil ao observador, é indispensável ao médium, pois que lhe proporciona os meios de prevenir um inconveniente para que ele poderia ter consequências desagradabilíssimas. Por esta razão nunca será bastante recomendada a necessidade do estudo, antes de entrar na prática. (O Livro dos Médiuns, cap. XXIII).
71. A obsessão apresenta três graus bem caracterizados: a obsessão simples, a fascinação e a subjugação. No primeiro, o médium tem consciência perfeita de que não obtém nada de bom. Não há ilusões quanto à natureza do Espírito que se obstina em manifestar-se. Este caso não oferece nenhuma gravidade: é simples contratempo, e o médium encontra-se livre depois de ter parado de escrever por algum tempo. Cansado de se ver desatendido o Espírito acaba por se retirar.
A fascinação obsessional é muito mais grave. O médium encontra-se completamente fascinado. O Espírito que o domina apodera-se de sua confiança a ponto de o impedir de julgar as próprias comunicações; leva-o a julgar sublimes as coisas mais absurdas.
O caráter distintivo deste gênero de obsessão é o de provocar no médium uma excessiva susceptibilidade, fazendo com que só julgue bom, justo e verdadeiro aquilo que escreve, levando-o a desprezar e mesmo considerar errado todo conselho ou observação crítica. Também o induz às rixas com os amigos; e em vez de convir que está sendo enganado, tem ciúmes dos outros médiuns, cujas comunicações são consideradas melhores que as suas, e quer impor-se nas reuniões espíritas, das quais se afasta quando não pode dominar. Chega, enfim, a sofrer uma tal dominação, que o Espírito pode arrastá-lo às mais ridículas e comprometedoras atitudes.
72. Um dos característicos dos maus Espíritos é a imposição. Dão ordens e desejam ser obedecidos. Os bons nunca se impõem. Aconselham, e, quando não são ouvidos, retiram-se. Disto resulta que a sensação produzida pelos maus Espíritos é sempre penosa e fatigante, originando uma espécie de mal-estar. Amiúde provocam uma agitação febril, movimentos bruscos e desenfreados. Ao influxo dos bons Espíritos, pelo contrário, as sensações são mansas e suaves e produzem um admirável bem-estar.
73. A subjugação obsessional, designada nos tempos antigos pelo nome de possessão, é uma coação física, produzida sempre por Espíritos da pior espécie, capazes mesmo de neutralizar o livre-arbítrio. Limita-se, amiúde, a simples impressões desagradáveis, mas às vezes provoca movimentos desordenados, atos de insensatez, gritos e palavras incoerentes ou injuriosas, cujo ridículo reconhece, de quando em vez, ainda que sem o poder evitar, aquele que é vítima de semelhante situação.
Este estado difere essencialmente da loucura patológica com a qual erradamente é confundido, pois não apresenta lesões orgânicas. E sendo diferente a causa, outros devem ser também os meios de a curar. Aplicando-se os processos ordinários de duchas e tratamentos corporais, logra-se, muito comumente, transformar em verdadeira loucura aquilo que era apenas uma causa moral.
74. Na loucura, propriamente dita, a causa do mal é interna; é preciso, pois, procurar restituir o organismo ao seu estado normal. Na subjugação a causa do mal é exterior e é preciso livrar o enfermo de um inimigo invisível, opondo-se-lhe, não remédios, mas uma força moral superior à sua.
A experiência prova que, em semelhantes casos, os exorcismos nunca produziram resultados satisfatórios e que, em vez de melhorar, agravam a situação. Indicando as verdadeiras causas do mal, só o Espiritismo pode fornecer remédio para o combater. É preciso, de certo modo, educar moralmente o Espírito obsessor; e com os conselhos sabiamente dirigidos logra-se torná-lo melhor, e consegue-se levá-lo a renunciar à perseguição do enfermo. Então fica livre o paciente. (O Livro dos Médiuns, nº 279).
75. Ordinariamente a subjugação obsessional é individual. Quando, porém, um enxame de maus Espíritos se lança sobre uma cidade, pode apresentar um caráter epidêmico.
Um fenômeno dessa ordem ocorreu ao tempo de Cristo. Só uma poderosa superioridade moral podia vencer aqueles seres malfazejos, designados então pelo nome de demônios, devolvendo a tranquilidade às suas vítimas ([4]).
76. Um fato importante a ser considerado é que a obsessão independe da mediunidade e é encontrada em todos os seus graus, e no último, principalmente, num sem número de pessoas que jamais ouviram falar de Espiritismo.
Com efeito, existindo desde todos os tempos, sempre os Espíritos exerceram sua influência. A mediunidade não é uma causa, mas uma maneira de se manifestar aquela influência. Por isso pode dizer-se, com segurança, que todo médium obsidiado sofre, de algum modo amiúde, nos atos mais vulgares da vida, os resultados dessa influência, e que se não fora a mediunidade, traduzir-se-ia por outros efeitos atribuídos, quase sempre, a essas enfermidades misteriosas que resistem a todas as investigações da medicina.
Pela mediunidade o Espírito maléfico manifesta a sua presença. Sem a mediunidade é um inimigo oculto, do qual não se suspeita.
77. Os que nada admitem fora da matéria não podem admitir causas ocultas. Quando, porém, a ciência tiver saído dos caminhos materialistas, reconhecerá na ação do mundo invisível, que nos rodeia e em cujo meio vivemos, uma força que reage tanto sobre as coisas físicas quanto sobre as morais.
Este será um novo caminho aberto ao progresso e a chave de uma multidão de fenômenos mal compreendidos.
78. Como a obsessão não pode jamais ser produto de um bom Espírito, é essencial saber conhecer a natureza dos que se apresentam. O médium não instruído pode ser enganado pelas aparências. O que está prevenido apercebe-se dos menores sinais suspeitos, e o Espírito termina por afastar-se, constatando que nada consegue.
É, pois, indispensável ao médium que não deseja expor-se a cair no laço, o conhecimento antecipado dos meios de distinguir os bons dos maus Espíritos. Não o é menos para o simples observador que pode, por este meio, apreciar o justo valor do que vê e ouve. (O Livro dos Médiuns, cap. XXIV).
79. A faculdade mediúnica é inerente ao organismo. É independente das qualidades morais do médium e tanto se encontra desenvolvida nos mais indignos quanto nos mais dignos. O mesmo não acontece quanto à preferência que os bons Espíritos dão aos médiuns.
80. Os bons Espíritos comunicam-se mais ou menos voluntariamente, por tal ou qual médium, conforme a simpatia que sintam por ele. O que constitui a qualidade do médium não é a facilidade em obter comunicações, e sim a aptidão para receber apenas as boas, e de não se tornar joguete de Espíritos levianos e mentirosos.
81. Os médiuns que deixam a desejar sob o ponto de vista moral, recebem por vezes esplêndidas comunicações, que não podem vir senão de Espíritos bons. Muitos maravilham-se com isto, mas sem razão, pois essas comunicações amiúde vêm no interesse do médium e dão-lhe sábias advertências.
Se delas não tira proveito, sua culpa será aumentada: é ele próprio que escreve a sua condenação. Deus, cuja bondade é infinita, jamais nega assistência aos que mais a necessitam. O virtuoso missionário que sai a moralizar os criminosos, não faz senão o que fazem os bons Espíritos para com os médiuns moralmente imperfeitos. Por outro lado, objetivando dar uma lição útil a todos, servem-se os bons Espíritos do instrumento que lhes vem às mãos. Abandonam-no, porém, quando encontram outro mais simpático e que tira proveito dos seus ensinamentos. Ao se retirarem os bons Espíritos, os inferiores, que pouco prezam as qualidades morais - pois estas lhes são mesmo aborrecidas - têm então o campo livre.
Disso resulta que os médiuns moralmente imperfeitos, e que não se emendam, tornam-se mais hoje mais amanhã, presa dos maus Espíritos, que habitualmente os conduzem à ruína e às maiores desgraças, ainda neste mundo. Enquanto isso sua faculdade, de bela que era, e que poderia continuar o sendo, perverte-se, devido ao abandono dos bons Espíritos, terminando por extinguir-se.
82. Os médiuns de maiores méritos não estão ao abrigo das mistificações dos Espíritos mentirosos, primeiro, porque nenhum é bastante perfeito para não ter um ponto vulnerável e capaz de dar acesso aos maus Espíritos; em segundo lugar, porque os bons Espíritos o permitem, às vezes, para lhes exercitar o raciocínio e ensinar-lhes a discernir entre o certo e o errado, alimentando a desconfiança, a fim de que nada aceitem às cegas e sem comprovação.
Entretanto, a mentira nunca procede de um bom Espírito; e todo nome respeitável, subscrevendo um erro, é necessariamente apócrifo.
Esses incidentes também podem ser uma prova de paciência e perseverança para o espírita, médium ou não. Quem desanima com algumas decepções prova aos bons Espíritos que não podem contar com suas forças.
83. Não é para surpreender que os maus Espíritos obsidiem pessoas honestas, assim como não o é ver pessoas malévolas perseguirem os homens de bem.
É digno de nota que, desde a publicação do Livro dos Médiuns, os obsediados tornaram-se muito menos numerosos. É que, estando prevenidas, as pessoas mantém-se em guarda e se apercebem dos mais insignificantes sinais que possam revelar a presença de um Espírito mentiroso.
E a maior parte das que ainda estão nesse estado, ou não estudaram antes, ou não tiraram proveito dos conselhos recebidos.
84. O que constitui um médium, propriamente dito, é a faculdade, e sob este aspecto é que pode estar mais ou menos formado, mais ou menos desenvolvido. O que constitui o médium seguro, para que verdadeiramente se possa qualificar como bom médium, é a boa aplicação da faculdade, a aptidão para servir de intérprete aos bons Espíritos. Fazendo-se abstração da faculdade, a força dos médiuns, para atrair os bons Espíritos e afastar os maus, está na razão de sua superioridade moral. Esta faculdade é proporcional à soma de qualidades que constituem o homem de bem.
Deste modo atrai a simpatia dos bons e exerce ascendência sobre os maus.
85. Pela mesma razão, as imperfeições morais do médium o aproximam da natureza dos maus Espíritos e roubam-lhe a influência necessária para os afastar. Em vez de impor-se, sofre a sua imposição.
Isto não se aplica apenas aos médiuns, mas a qualquer pessoa, pois não podemos fugir às influências que partem dos Espíritos. (Vejam-se os números 74 e 75).
86. Para se imporem aos médiuns, os maus Espíritos sabem explorar habilmente todas as suas imperfeições morais; e a que lhes é mais propícia é o orgulho. Por isto, é o orgulho o sentimento dominante na maioria dos médiuns obsidiados e principalmente nos que se encontram fascinados.
O orgulho leva-os a crer na sua infalibilidade e a desprezar as advertências. Infelizmente, este sentimento é excitado pelos elogios feitos aos médiuns. Quando possuem uma faculdade algo notável são procurados, adulados e terminam por acreditar na sua importância; julgam-se indispensáveis e é isto o que os perde.
87. Enquanto o médium imperfeito orgulha-se dos nomes ilustres, e o mais das vezes apócrifos, que figuram nas comunicações que recebe e imagina-se intérprete privilegiado dos poderes celestes, o bom médium não se julga digno de semelhante favor; alimenta sempre salutar desconfiança do que obtém e jamais confia em sua própria opinião. Como é simples instrumento passivo, compreende que não tem merecimento pessoal pelo bom resultado, assim como não pode ser responsável pelo que recebe de mau, e que seria ridículo tomar o efeito pela causa e confiar na identidade absoluta dos Espíritos que se lhe manifestam. Deixa que terceiras pessoas desinteressadas julguem a questão, sem que seu amor próprio se ressinta por um conceito desfavorável, como um ator para com a crítica dirigida à peça de que é intérprete.
Seu caráter distintivo é a simplicidade e a moralidade. Considera uma felicidade a faculdade que possui, não para se vangloriar, mas porque lhe oferece meios de ser útil, o que faz voluntariamente, quando se lhe apresentam as ocasiões, sem se aborrecer caso não lhe seja dado lugar de destaque.
Os médiuns são os intermediários e intérpretes dos Espíritos. Importa pois ao evocador, e até ao simples observador, apreciar o valor do instrumento.
88. A faculdade mediúnica é um dom de Deus, como todas as outras faculdades que podem ser empregadas no bem e no mal, e das quais é possível abusar.
Tem por finalidade pôr-nos em comunicação direta com as almas dos que viveram, para recebermos seus ensinamentos e nos iniciarmos na vida futura. Assim como a vida nos põe em comunicação com o mundo visível, a mediunidade nos põe em contato com o invisível. Aquele que dela se serve de maneira útil, para o seu adiantamento e o de seus semelhantes, cumpre uma verdadeira missão e por isso receberá a recompensa. Aquele que dela abusa, empregando-a em coisas fúteis ou no seu interesse material, afasta-a de seu fim providencial e, cedo ou tarde, sofrerá o castigo, como aquele que mal emprega toda e qualquer outra faculdade.
89. Certas manifestações espíritas prestam-se muito facilmente à imitação. Seria, porém, absurdo deduzir que não existem, pelo fato de serem passíveis de exploração, como outros tantos fenômenos, pelo charlatanismo e pela prestidigitação.
Para quem estudou e conhece as condições normais em que se produzem, é fácil distinguir a imitação da realidade. Ademais, a imitação nunca é perfeita, e não pode enganar senão ao ignorante, incapaz de apreciar os matizes característicos do verdadeiro fenômeno.
90. As manifestações que mais facilmente podem ser imitadas são certos efeitos físicos e os fenômenos inteligentes comuns, tais como movimentos, golpes, transportes, escrita direta, respostas banais, etc. Já o mesmo não acontece com as comunicações inteligentes e transcendentais.
Para imitar as primeiras basta a destreza. Para simular as outras preciso seria uma instrução pouco comum, uma superioridade intelectual nada vulgar e uma faculdade de improvisação, por assim dizer, universal.
91. Em geral os que não conhecem o Espiritismo inclinam-se a suspeitar dos médiuns. O estudo e a experiência oferecem meios de nos assegurarmos da realidade dos fatos. E as melhores garantias que podemos encontrar são o desinteresse absoluto e a honradez do médium. Pessoas há que, pela posição e caráter, estão acima de qualquer suspeita.
Se a cegueira da ganância pode induzir à fraude, diz o bom senso que a ausência de lucros exclui a possibilidade do charlatanismo. (Livro dos Médiuns, pág. 28: Charlatanismo e embuste, médiuns interesseiros, fraudes espíritas, ne 300).
92. Entre os adeptos do Espiritismo, como aliás em tudo, encontram-se entusiastas exaltados, que são os piores propagandistas, pois se desconfia da facilidade com que aceitam tudo sem maduro exame.
O espírita culto foge do entusiasmo que cega, e observa tudo fria e calmamente: este é um meio de furtar-se a ser joguete de ilusões e mistificações. Deixando de lado toda a questão de boa fé, o observador noviço deve, antes de mais nada, levar em conta a responsabilidade do caráter das pessoas às quais se dirige.
93. Uma vez que se encontram entre os Espíritos todas as fraquezas humanas, encontram-se também a astúcia e a mentira. Entre eles há muitos que não tem qualquer escrúpulo em lançar mão dos nomes mais respeitáveis visando inspirar maior confiança. É preciso, pois, abstermo-nos de aceitar, de maneira categórica, a autenticidade de todas as firmas.
94. A identidade é uma das grandes dificuldades do Espiritismo prático. Amiúde é impossível tirá-la a limpo, sobretudo quando se trata de Espíritos superiores, antigos em relação a nossa época. Entre os que se manifestam, muitos não têm nome conhecido para nós e para fixar-nos a atenção podem tomar o de um Espírito conhecido, pertencente à mesma categoria. De modo que, se um Espírito se comunica como nome de São Pedro, por exemplo, nada prova que seja precisamente o apóstolo desse nome. Pode ser ele um Espírito da mesma ordem, enviado seu.
A questão de identidade é, neste caso, absolutamente secundária, e seria pueril atribuir-lhe importância. O que importa é a natureza dos ensinamentos. São bons ou maus, dignos ou indignos do personagem cujo nome traz? Aceitá-los-ia este ou os renegaria? Eis a questão.
95. A identidade é mais fácil de se evidenciar quando se trata de Espíritos contemporâneos, cujos caracteres e costumes são conhecidos. Por estes e pelas particularidades da vida privada, revela-se a identidade da maneira mais segura, e muito amiúde de modo incontestável. Quando se evoca um parente ou um amigo, o que interessa é a personalidade e é muito natural que se procure provar a identidade.
Os meios para isso, geralmente empregados pelos que só imperfeitamente conhecem o Espiritismo, são entretanto insuficientes e podem induzir em erro.
96. O Espírito revela sua identidade por um sem-número de circunstâncias que se nos deparam nas comunicações, nas quais se refletem os seus hábitos, seu caráter, sua linguagem e mesmo locuções familiares.
Revela, também, por pormenores íntimos que aborda espontaneamente com as pessoas que estima. Estas são as provas mais concludentes. Não raro, porém, responde às perguntas diretas que lhe são dirigidas neste particular, sobretudo se provenientes de pessoas que lhe são indiferentes, movidas por curiosidade ou pelo desejo de comprovação. O Espírito prova sua identidade como quer e como pode, segundo a faculdade de seu intérprete, e muito habitualmente essas provas são abundantes. O erro está em querer que as forneça ao gosto do evocador. Recusa então a submeter-se a tais exigências. (O Livro dos Médiuns, cap. XXIV: Identidade dos Espíritos).
97. As contradições que se notam com bastante frequência na linguagem dos Espíritos só podem surpreender os que têm da ciência espírita um conhecimento superficial, pois são consequência da natureza mesma dos Espíritos que, como já dissemos, só têm conhecimento das coisas na proporção de seu adiantamento; e alguns sabem consideravelmente menos que certos homens.
Sobre um grande número de questões, apenas podem emitir opinião pessoal, que pode ser mais ou menos acertada e conservar o reflexo das preocupações terrenas, de que não se libertaram ainda.
Outros forjam sistemas próprios sobre coisas que ainda não sabem, particularmente no que concerne às questões científicas e à origem das coisas. Não é, pois, de admirar que nem sempre estejam de acordo.
98. Algumas pessoas surpreendem-se ao encontrar comunicações contraditórias, firmadas com o mesmo nome. Só aos Espíritos inferiores, segundo as circunstâncias, é dado se contradizerem. Os Espíritos superiores jamais se contradizem.
Por menos iniciado que se esteja nos mistérios do mundo espiritual, sabe-se da facilidade com que certos Espíritos se enfeitam com nomes de empréstimo, para dar autoridade às suas palavras. E pode-se concluir, com certeza, que de duas comunicações contraditórias e subscritas pelo mesmo nome respeitável, uma é necessariamente apócrifa.
99. Dois meios há que podem servir para indicar a correta atitude nas questões duvidosas: o primeiro consiste em submeter todas as comunicações ao exame severo da razão, do bom senso e da lógica: é a recomendação que fazem todos os bons Espíritos o que, cuidadosamente, evitam os mentirosos, pois sabem perfeitamente que o exame acurado viria fatalmente os prejudicar. Por isso evitam a discussão e querem ser acreditados sem objeção.
O segundo critério da verdade é a concordância do ensino. Quando um mesmo princípio é ensinado em lugares diferentes, por diferentes Espíritos e médiuns estranhos uns aos outros e que não estejam sob a mesma influência, pode-se concluir que é mais verdadeiro no que um outro que emana de uma só origem e é contraditado pela maioria. (O Livro dos Médiuns, cap. XXVII: Contradições e mistificações. - O Evangelho segundo o Espiritismo, introdução. Autoridade da Doutrina Espírita).
100. Em vista da incerteza das revelações feitas pelos Espíritos, pergunta-se: Para que serve o estudo do Espiritismo?
Evidencia-se a existência do mundo espiritual, constituído pelas almas dos que viveram; disso resulta a prova da existência da alma e sua sobrevivência ao corpo.
As almas que se manifestam revelam sua felicidade ou seus sofrimentos, segundo o modo como empregaram a vida terrena. Disto resulta a prova das penas e recompensas futuras.
Demonstrando-nos o estado ou a situação em que se encontram as almas ou Espíritos, retificam as ideias falsas que se faziam sobre a vida futura e, principalmente, sobre a duração e a natureza das penas.
Passando a vida futura, do terreno teórico, vago e incerto, ao dos fatos observados e positivos, impõe a necessidade de trabalhar-se quanto possível na vida presente, que é de duração mínima em proveito da futura, que é infinita.
Suponhamos que um homem de vinte anos tem certeza de morrer aos vinte e cinco. Que fará durante esses cinco anos? Trabalhará para o futuro? Não, seguramente. Procurará gozar tanto quanto possível, julgando estupidez impor-se trabalhos e privações sem objetivo. Se, ao contrário, estiver certo de que chegará aos oitenta anos, procederá de modo diverso, pois compreenderá a necessidade de sacrificar alguns instantes do repouso presente para assegurar o repouso futuro, durante largos anos. A mesma coisa acontece com as pessoas para quem a vida futura é uma realidade.
Em relação à vida futura, a dúvida conduz naturalmente ao sacrifício de tudo pelos gozos do presente. Daí a importância excessiva dada aos bens materiais, que tanto excitam a cobiça, a inveja e os ciúmes dos que pouco possuem contra os que têm em demasia. Da cobiça ao desejo de aquisição a qualquer preço, via apenas um passo. Daí os ódios, as querelas, os processos, as guerras e todos os males engendrados pelo egoísmo.
Na dúvida quanto ao futuro o homem, acabrunhado na vida pelo pesar e o infortúnio, só na morte vê o termo de seus sofrimentos; então, nada mais esperando do mundo, julga razoável abreviá-los por meio do suicídio.
Sem esperanças no futuro, é natural que se sinta afetado e desespere com os desenganos que sofre. As comoções violentas que experimenta produzem uma perturbação em seu cérebro; esta é a causa do maior número de loucuras.
Sem a vida futura, a presente torna-se para o homem o principal, o único objeto de suas preocupações, a qual tudo subordina. Quer gozar a qualquer preço não apenas dos bens materiais, mas também das honrarias. Aspira brilhar, elevar-se acima dos outros, eclipsar seus semelhantes pelo fausto e pela posição. Daí a ambição desordenada e a importância que empresta aos títulos e às futilidades decorrentes da vaidade, pelas quais sacrifica a própria honra, pois nada mais vê depois.
A certeza da sua realidade e de suas consequências muda completamente a ordem das ideias, mostrando as coisas por novo prisma. É o descerrar dos véus que ocultavam um horizonte imenso e esplêndido.
Ante o infinito e o grandioso da vida de além-túmulo, encara a vida terrena como um segundo em comparação com um século, como o grão de areia em relação à montanha.
Tudo se torna pequeno e mesquinho; e nós nos admiramos da importância atribuída a coisas tão efêmeras e pueris. Daí advêm uma paz e uma tranquilidade em meio aos acontecimentos da vida, que já constitui uma felicidade, em comparação com os desatinos e os tormentos que provocamos e as angústias que encontramos, quando procuramos nos tornar superiores aos demais.
Também origina uma indiferença para com as vicissitudes e desenganos que, cerrando as portas ao desespero, afasta inúmeras ocasiões de enlouquecimento, e apaga por completo a ideia do suicídio. Convicto da realidade do futuro, o homem espera e resigna-se. Com a dúvida, perde a paciência, porque tudo espera do presente.
O exemplo oferecido pelos que já viveram, provando que a soma de felicidade futura está na razão do progresso moral realizado e do bem praticado naTerra, e que a soma de sofrimentos está na razão dos vícios e más ações, infunde em todos os que estão convencidos desta verdade uma tendência natural para praticar o bem e fugir do mal.
Quando a maior parte dos homens estiver embuída destas ideias, quando professar tais princípios e praticar o bem, não mais serão constatados os desentendimentos. Garantida estará a fundação de instituições sociais, em benefício da coletividade e não em proveito de uns poucos; numa palavra, o bem triunfará sobre o mal, aqui na Terra; os homens compreenderão, finalmente, que a lei da caridade ensinada pelo Cristo, e só ela, pode originar a felicidade neste mundo. Então as leis civis serão baseadas na caridade.
A evidência do mundo espiritual que nos rodeia e a de sua ação sobre o mundo corporal, é a revelação de uma das forças da Natureza; conseqüentemente, a chave de uma multidão de fenômenos não compreendidos, tanto de ordem física quanto de ordem moral. Quando a ciência levar em conta esta nova força até hoje desconhecida, retíficará em considerável número de erros que provêm da subordinação de tudo a uma causa única: a matéria.
O reconhecimento desta nova causa dos fenômenos da natureza, será uma alavanca para o progresso e provocará o efeito do descobrimento de todo agente novo: dilatará o horizonte da ciência, como quando foi descoberta a lei da gravitação.
Quando das cátedras, os sábios proclamarem a existência do mundo espiritual e sua ação nos fenômenos da vida, infiltrarão na juventude o contra-veneno das ideias materialistas, em vez de a predispor para a negação da vida futura.
Nos cursos de filosofia clássica, os professores ensinam a existência da alma e seus atributos, segundo as diversas escolas. Mas não dão provas materiais. É, pois, de estranhar que, quando apresentadas, sejam essas provas repelidas por esses mesmos professores e qualificadas de superstições. Cremos que isso equivale a dizer aos discípulos: "Nós lhes ensinamos a existência da alma; entretanto, não temos prova alguma".
Quando um sábio admite uma hipótese sobre uma questão científica, investiga com empenho e acolhe com alegria os fatos que possam transformar a hipótese em realidade.
Como, pois, o professor de filosofia, cujo dever é provar a seus discípulos que têm uma alma, trata com desdém os meios de lhes dar uma demonstração patente?
101. Supondo, ainda, que os Espíritos sejam incapazes de nos ensinar algo mais do que sabemos ou aquilo que não podemos saber por nós mesmos, é lógico que a única evidência de que existe um mundo espiritual conduz, forçosamente, a uma revolução nas ideias; e esta revolução produzirá, necessariamente, outra, na ordem das coisas. Este será um fruto do Espiritismo.
102. Os Espíritos, porém, fazem mais. Se é certo que suas revelações se revestem de certas dificuldades, se é verdade que exigem minuciosas precauções que confirmem sua exatidão, não é menos certo que os Espíritos adiantados, quando interrogados e quando lhes é permitido, podem revelar fatos ignorados, dar-nos a explicação de coisas incompreendidas e pôr-nos em vias de progredir nais rapidamente. Neste ponto, sobretudo, é indispensável o estudo completo e detido da ciência espírita, a fim de só lhe pedirmos aquilo que ela pode dar, e pelo modo pelo qual o pode fazer. É ultrapassando esses limites que nos expomos a ser enganados.
103. As menores causas podem produzir os maiores efeitos. As-m é que, de uma semente, pode sair uma árvore gigantesca; que a queda de uma maçã ocasionou o descobrimento da lei que rege os mundos; que uma rã, saltando num prato, revelou a força galvânica. Assim também, do fenômeno corriqueiro das mesas girantes saiu a prova da existência do mundo invisível, e desta prova a doutrina que em poucos anos fez a volta ao mundo, e à qual é dado regenerá-lo pela simples demonstração da realidade da vida futura.
104. O Espiritismo ensina pouco ou nenhuma verdade absolutamente nova, em virtude do axioma: "Nada de novo debaixo do Sol".
Só as verdades eternas são absolutas. Por estarem fundadas em leis naturais, as que o Espiritismo ensina existiram de todos os tempos; por isso, em todas as épocas encontram-se os seus gérmens, que se desenvolveram ao impulso de estudo mais aprofundado e de mais demoradas observações. As verdades ensinadas pelo Espiritismo têm, pois, um caráter mais de consequência que de descobrimento.
O Espiritismo não descobriu nem inventou os Espíritos. Também não descobriu o mundo espiritual, no qual em todos os tempos o homem acreditou. Limita-se a provar a sua existência com fatos materiais e a apresentá-lo sob o seu verdadeiro aspecto, escoimando-o de prejuízos e ideias supersticiosas, que engendram a dúvida e a incredulidade.
OBSERVAÇÃO: Estas explicações, por incompletas que sejam, bastam para evidenciar as bases em que se assenta o Espiritismo, o caráter das manifestações e o grau de confiança que podem inspirar, conforme as circunstâncias.
105. Os diferentes mundos que se movem no espaço estão povoados de habitantes, como a Terra?
Todos os Espíritos o afirmam; e a razão nos diz que assim deve ser. A Terra não ocupa no universo nenhuma posição de relevo, quer por sua situação quer por seu volume. Como, pois, justificar o privilégio exclusivo de ser habitada? Ademais, Deus por certo não criou esses milhares de mundos para o único prazer dos nossos olhos, tanto assim que a sua maioria escapa ao alcance das nossas vistas. (O Livro dos Espíritos, nº 55 — Pluralidade dos mundos habitados, por Camille Flammarion).
106. Se os mundos são habitados, seus habitantes serão perfeitamente idênticos aos da Terra? Numa palavra: poderiam esses habitantes viver entre nós e nós entre eles?
A constituição geral poderia ser pouco mais ou menos a mesma. O organismo, porém, há de ser adaptado ao meio em que vivem, como os peixes foram feitos para viver na água e as aves no ar.
Se o meio é diferente, como tudo induz a crer, e como parecem demonstrar as observações astronômicas, a organização deve ser diferente; não é, pois, provável que, em estado normal, uns possam viver com o mesmo corpo em mundos onde vivem outros. Isto é confirmado por todos os Espíritos sem exceção.
107. Admitindo-se que esses mundos sejam povoados, estarão em pé de igualdade com o nosso, sob o ponto de vista intelectual e moral?
Conforme ensinam os Espíritos, os graus de adiantamento dos mundos não são os mesmos. Alguns estão em pé de igualdade com o nosso, outros são mais atrasados; a sua humanidade é mais rústica, material e propensa ao mal. Outros, ao contrário, são muito mais adiantados moral, intelectual e fisicamente. Seus habitantes desconhecem as inferioridades morais, alcançaram um grau de perfeição, nas artes e nas ciências, que foge à nossa apreciação. Sua organização física, menos material, não está mais sujeita aos sofrimentos e às enfermidades. Vivem em paz, sem cuidar de se prejudicarem uns aos outros, isentos dos desgostos, cuidados, aflições e necessidades que os apoquentam na Terra. Outros há, finalmente, ainda mais adiantados, onde o invólucro corporal é quase fluídico e aproxima-se, cada vez mais, da natureza dos anjos.
Na série progressiva dos mundos, o nosso não ocupa o último nem o primeiro lugar. É, entretanto, um dos mais materiais e atrasados. (Revue Spirite, 1858 - págs. 67, 108, 223. Idem, 1860, págs. 318 e 328. - O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. III).
108. Onde está a sede da alma?
A alma não se encontra, como geralmente se pensa, localizada numa parte especial do corpo: forma com o perispírito um todo fluídico, penetrável, que se assimila ao corpo inteiro, com o qual constitui um ser complexo, ao qual a morte não é, de certo modo, senão um desdobramento.
Figuremos dois corpos semelhantes, penetrados um pelo outro, confundidos durante a vida e separados depois da morte. Advinda esta, um é destruído e o outro subsiste.
No decorrer da vida, a alma age mais especialmente sobre os órgãos do pensamento e do sentimento. Ela é simultaneamente interna e externa, isto é, irradia para o exterior, e pode mesmo afastar-se do corpo, transportar-se à distância e manifestar sua presença, como o provam a observação e os fenômenos sonambúlicos.
109. A alma é criada conjuntamente com o corpo, ou anteriormente?
Depois da questão da existência ou não existência da alma, esta é a mais séria, pois de sua solução decorrem importantes consequências: é a única chave para resolver um sem número de problemas até agora insolúveis.
De duas uma: a alma existe ou não existe antes da formação do corpo. Não pode haver meio termo. Admitida a sua preexistência, tudo se explica lógica e naturalmente. Não admitida, tropeçaremos a cada passo. Sem a preexistência é mesmo impossível justificar certos dogmas da Igreja. E a impossibilidade de justificação é o que tem levado à incredulidade muitas pessoas que raciocinam.
Os Espíritos resolveram a questão afirmativamente, e os fatos, assim como a lógica, não permitem dúvidas a tal respeito. Admita-se, não obstante, a preexistência da alma, ainda que seja a título de simples hipótese, se se quiser, e ver-se-á que se dissipa a maior parte das dificuldades.
110. Se a alma é anterior, tinha individualidade e consciência de si mesma antes de sua união ao corpo?
Sem individualidade e consciência de si mesma, seria como se não preexistisse.
111. Antes de sua união com o corpo, teria a alma realizado algum progresso ou permanecia estacionária?
O progresso anterior da alma é, ao mesmo tempo, demonstrado pela observação dos fatos e dos ensinamentos dos Espíritos.
112. Deus criou as almas iguais, moral e intelectualmente ou fez umas mais perfeitas e inteligentes que outras?
Se Deus tivesse criado umas almas mais perfeitas do que outras, essa preferência seria irreconciliável com a sua justiça. Sendo todas criaturas suas, porque haveria de isentar umas do trabalho que impõe a outras, para alcançar a felicidade eterna? A desigualdade das almas em sua origem seria a negação da justiça de Deus.
113. Se as almas são criadas iguais, como se explica a diversidade de aptidões e de predisposições naturais que existe entre os homens na Terra?
Essa diversidade é consequência do progresso que a alma realizou antes de sua união ao corpo. As almas mais evoluídas em inteligência e moralidade, são as que mais viveram e progrediram antes de sua encarnação.
114. Qual é o estado da alma em sua origem?
As almas são criadas simples e ignorantes, isto é, sem cultura e sem conhecimento do bem e do mal, mas com aptidões iguais, para tudo. De princípio encontram-se em espécie de infância, sem vontade própria nem consciência absoluta de sua existência. Só lentamente desenvolvem-se-lhes as ideias e o livre-arbítrio. (O Livro dos Espíritos, ns. 114 e seguintes).
115. A alma realiza esse progresso anterior no seu estado propriamente dito ou em precedente existência corporal?
Além do que ensinam os Espíritos a este respeito, o estudo dos diferentes graus de adiantamento do homem, na Terra, prova que o progresso anterior da alma deve ter sido realizado numa série mais ou menos longa de existências corporais, conforme o grau atingido.
A observação dos fatos que diariamente se apresentam aos nossos olhos o demonstra de sobejo. (O Livro dos Espíritos, ns. 166 a 222 - Revue Spirite, abril, 1862, págs. 97 a 106).
116. Como e em que momento é operada a união da alma ao corpo?
Desde a concepção o Espírito, ainda que errante, relaciona-se com o corpo a que deve se unir, por um laço fluídico. Este laço aperta-se cada vez mais à medida que o corpo se desenvolve. A partir daquele momento o Espírito cai em crescente perturbação. Ao se aproximar o nascimento e a partir do momento em que a criança respira, a perturbação se completa, e o Espírito perde a noção de si mesmo: a união então é completa e definitiva, e só gradualmente ele recobra as ideias.
117. Qual é o estado intelectual da alma da criança no momento de nascer?
Seu estado intelectual e moral é o mesmo que tinha antes da união com o corpo, isto é, a alma está de posse de todas as ideias adquiridas anteriormente; mas em consequência da perturbação que acompanha a mudança de estado, essas ideias ficam momentaneamente em estado latente. Aclaram-se pouco a pouco, mas não se podem manifestar senão à medida do desenvolvimento dos órgãos corpóreos.
118. Qual a origem das ideias inatas, das predisposições precoces, das aptidões instintivas para uma arte ou uma ciência, independentemente de instrução?
As ideias inatas só podem ter duas origens: a criação de almas mais perfeitas do que outras - se é que foram criadas ao mesmo tempo que o corpo - ou um progresso anterior alcançado antes da união da alma ao corpo. A primeira hipótese é incompatível com a justiça divina. Fica de pé a segunda. As ideias inatas resultam de conhecimentos adquiridos em precedentes existências e que permaneceram em estado de intuição, para servirem de base à aquisição de novos conhecimentos.
119. Por que se revelam gênios nas classes sociais privadas de toda cultura intelectual?
Este fato prova que as ideias inatas independem do meio em que o homem se educa. O meio e a educação desenvolvem as ideias inatas, mas não nô-las dão. O homem de gênio é a encarnação de um Espírito adiantado, que já realizou grandes progressos. Por isto, a educação pode fornecer a instrução necessária, mas nunca o gênio, quando este não exista.
120. Por que encontramos crianças instintivamente boas, em sórdidos ambientes não obstante os maus exemplos que têm e outras instintivamente más, em ambientes honestos, apesar dos bons exemplos que lhe dão?
É o resultado do progresso moral alcançado, como as ideias inatas o são do progresso intelectual.
121. Por que razão, de dois filhos de um mesmo pai, educados pêlos mesmos métodos, um é inteligente, o outro estúpido, um bom e o outro mau? Por que o filho de um homem de gênio é, às vezes, uma negação, e o filho de um estúpido um homem de gênio?
Este fato vem confirmar a origem das ideias inatas. Prova, ademais, que a alma da criança não procede, de maneira alguma, da alma dos genitores, pois se assim fosse, consoante o axioma: "A natureza da parte é a mesma natureza do todo", os pais transmitiriam aos filhos suas qualidades e seus defeitos como lhes transmitem os princípios das qualidades físicas. Na geração apenas o corpo procede do corpo. As almas são independentes umas das outras.
122. Se as almas são independentes, de onde procede o amor dos pais para com os filhos e reciprocamente?
Os Espíritos reúnem-se por simpatia, e o nascimento em tal ou qual família não é efeito de mero acaso. Depende, isto sim, e as mais das vezes, da escolha do Espírito, que se reúne àqueles a quem amou no mundo espiritual ou em existências anteriores.
Por outro lado, os pais têm a missão de contribuir para o progresso dos filhos; para os incitar, Deus lhes inspira mútuo afeto. Muitos não cumprem com essa missão. Sofrem, porém, as consequências. (O Livro dos Espíritos, n2 379: A respeito da infância).
123. Por que razão existem pais perversos e filhos maus?
São Espíritos que não se reuniram numa família por simpatia, mas para servirem mutuamente de prova, muita vez como expiação do que foram em existência anterior. A um foi dado o mau filho, por que também ele o foi. Ao outro, um pai perverso, porque também foi perverso, como pai. Sofrerão assim a pena de Talião. (Revue Spirite, 1861, pág. 270: La peine du talion).
124. Por que encontramos em certas pessoas, nascidas em condição humilde, instinto de dignidade e grandeza enquanto que em outras, nascidas em altas classes, os mais baixos instintos?
Trata-se de uma recordação intuitiva da posição social que ocuparam e do caráter que tinham na existência anterior.
125. Qual é a causa das simpatias e antipatias que se manifestam entre pessoas que se avistam pela primeira vez?
São criaturas que se conheceram e que muitas vezes se amaram em outra vida e que, ao se encontrarem nesta, atraem-se mutuamente. Também as antipatias instintivas provêm, vez por outra, de relações anteriores.
Esses sentimentos anda podem ter uma outra causa. O perispírito irradia ao redor do corpo, formando uma espécie de atmosfera impregnada das qualidades boas ou más do Espírito encarnado. Duas pessoas que se encontraram, experimentam pelo contato dessas auras, uma sensação agradável ou desagradável. Os fluidos tendem a se confundir ou a se repelir, conforme a semelhança ou dessemelhança de sua natureza. Assim também se explica o fenômeno da transmissão do pensamento. Pelo contato dos fluidos duas almas, de certa maneira, leem uma na outra. Então adivinham-se e compreendem-se sem trocar palavras.
126. Por que o homem não conserva a recordação de suas vidas pretéritas? Ela não é, por acaso, útil ao seu progresso futuro? Veja-se à página 64: Esquecimento do passado.
127. Qual é a origem do sentimento chamado "consciência"?
É a lembrança intuitiva do progresso realizado em vidas passadas e das resoluções tomadas pelo Espírito antes de sua encarnação, as quais nem sempre o homem tem força suficiente para levar a cabo.
128. O homem tem livre-arbítrio ou está sujeito à fatalidade?
Se a conduta do homem dependesse da fatalidade, não teria responsabilidade pelo mal, nem mérito pelo bem praticado. Consequentemente, todo castigo seria injusto e toda recompensa um contrassenso. O livre-arbítrio do homem é consequência da justiça de Deus; é o atributo que lhe confere sua dignidade e o eleva acima das demais criaturas.
Tanto assim é, que o apreço que os homens se dispensam mutuamente decorre do livre-arbítrio: quem o perde acidentalmente, por enfermidade, loucura, embriaguez ou idiotismo é lastimado ou desprezado.
O materialista, que afirma que todas as faculdades morais e intelectuais dependem do organismo, reduz o homem à condição de máquina, sem livre-arbítrio e, consequentemente, sem responsabilidade pelo ma! e sem mérito pelo bem que praticar. (Revue Spirite, 1861, pág. 76. La tête de Garibaldi - Idem, 1862, pág. 97. Phrénologie spiritualiste).
129. Deus foi o criador do mal?
Deus não criou o mal: estabeleceu leis; e estas são sempre boas, pois Ele é soberanamente bom; aquele que as observar fielmente, será completamente feliz. Entretanto, como têm o livre-arbítrio, nem sempre os Espíritos as obedecem. A infração dessas leis ocasiona-lhes o mal.
130. O homem nasce bom ou mau?
É mister distinguir alma e homem. A alma foi criada simples e ignorante, isto é, nem boa nem má; mas, em virtude do seu livre-arbítrio, suscetível de seguir o caminho do bem ou do mal, de obedecer ou infligir às leis de Deus. O homem nasce bom ou mau, conforme o Espírito nele encarnado seja adiantado ou atrasado.
131. Qual a origem do bem e do mal existentes na Terra e por que é que há mais mal do que bem?
A origem do mal sobre a Terra provém da imperfeição dos Espíritos nela encarnados. O predomínio do mal vem do fato de ser a Terra um mundo inferior, habitado em sua maior parte por Espíritos atrasados ou que pouco progrediram. Nos mundos mais avançados, onde só os Espíritos depurados têm permissão de encarnar, se o mal não é desconhecido, pelo menos está em minoria.
132. Qual a causa dos males que afligem a humanidade?
A Terra pode ser, ao mesmo tempo, considerada um mundo destinado à educação dos Espíritos poucos adiantados e de expiação para os Espíritos culpados. Os males que afligem a humanidade são consequência da inferioridade moral da maioria dos Espíritos encarnados na Terra. Ao contato dos vícios, fazem-se reciprocamente desgraçados e se castigam mutuamente.
133. Por que vemos tantas vezes o mau prosperar, enquanto o homem de bem vive na aflição?
Para as pessoas cujo pensamento não ultrapassa os limites da vida presente, para quem a julga única, isto deve parecer uma injustiça clamorosa. O mesmo não se dá com aquele que admite a pluralidade das vidas e considera a brevidade de cada uma delas em relação à eternidade.
O estudo do Espiritismo vem esclarecer que a prosperidade do mau tem, depois, horríveis compensações; que as aflições do homem de bem são, pelo contrário, seguidas de uma felicidade tanto maior e mais duradoura quanto mais resignadamente as suportar: não lhe será mais que um dia aziago numa próspera existência.
134. Por que nascem uns na indigência e outros na opulência? Por que alguns nascem cegos, surdos, mudos ou sofrendo de enfermidades incuráveis, enquanto outros desfrutam de todos os dotes físicos? Isto é obra do acaso ou da providência?
Se fosse efeito do acaso não haveria providência. Se é obra da providência, perguntaremos: onde está sua bondade e a sua justiça? Por não compreenderem a causa desses males, muitíssimas pessoas inclinam-se a clamar contra a Divindade. Compreende-se que aquele que se vê atormentado pela miséria, ou por enfermidades consequentes de suas imprudências ou de seus excessos, seja castigado naquilo em que pecou. Se a alma tivesse sido criada simultaneamente ao corpo, que teria feito para merecer tamanhas aflições desde o nascimento? Ou que teria feito para isentar-se delas? Se se admitir a existência de Deus, tem-se que admitir que aquele efeito procede de uma causa. Se esta causa não existe durante a vida, deve existir antes dela, pois que em todas as coisas a causa precede ao efeito. Por isso, é então necessário que a alma tenha vivido e merecido essa expiação.
Os estudos espíritas demonstram, com efeito, que vários homens, nascidos na miséria, foram ricos e considerados, numa anterior existência, na qual fizeram mau uso da fortuna cuja administração Deus lhes havia confiado; que muitos, nascidos nas mais humildes classes sociais foram orgulhosos e poderosos e abusaram de seu poder, oprimindo os fracos. Encontramo-los, muita vez, sob as ordens daquele mesmo de quem foram cruéis senhores, sofrendo o mau trato que fizeram sofrer aos outros.
Uma vida penosa é sempre uma expiação e amiúde uma prova escolhida pelo Espírito, que nela vê um meio de progredir mais rapidamente, se a suportar com coragem. A riqueza também é uma prova, entretanto mais perigosa que a pobreza, pelas tentações que origina e pelos abusos que provoca. Assim é, como o prova o exemplo dos que já viveram, que dela sai um número muito menor de vitoriosos.
A diferença das posições sociais seria a maior das injustiças -uma vez que não é resultado da conduta atual - se não tivessem uma compensação. A convicção desta verdade é adquirida no Espiritismo, que nos dá forças para suportar as vicissitudes da vida, e leva-nos a aceitar nossa sorte sem invejar a dos demais.
135. Por que há homens idiotas e imbecis?
A posição dos idiotas e dos imbecis é a menos conciliável com a justiça de Deus, na hipótese da existência de uma só vida. Por mais miserável que seja a condição em que o homem nasça, poderá erguer-se pela inteligência e pelo trabalho. O idiota e o imbecil são entretanto destinados, do berço ao túmulo, ao embrutecimento e ao desprezo. Para eles não existe compensação possível. Por que, então, sua alma é idiota?
Os estudos espíritas, feitos a respeito dos imbecis e dos idiotas, provam que suas almas são inteligentes quanto as dos outros homens; que essa enfermidade constitui uma punição infligida a Espíritos que abusaram da inteligência, e sofrem cruelmente por se sentirem presos por elos que não lhes é dado partir, e pelo desprezo de que são alvo quando, talvez, tivessem sido tão considerados em pretérita existência. (Revue Spirite, 1860, pág. 173. L’Esprit d'une idiot. Idem. 1861, pág. 311: Lês crétins).
136. Qual é o estado da alma durante o sono?
Durante o sono, apenas o corpo descansa. O Espírito não dorme. As observações práticas provam que durante aqueles momentos o Espírito goza de toda sua liberdade e da plenitude de suas faculdades. Aproveita o descanso do corpo e os momentos em que sua presença não é necessária, para agir em separado e ir onde deseja. Durante a vida física, por maiores distâncias a que se transporte, o Espírito está sempre preso ao corpo pelo laço fluídico, que emprega no regresso, quando sua presença se torna necessária. Só a morte desfaz este laço.
137. Qual a causa dos sonhos?
Os sonhos resultam da liberdade que frui o Espírito durante o sono. Algumas vezes, são a recordação dos locais e das pessoas que viu e visitou, enquanto o corpo repousava. (O Livro dos Espíritos: Emancipação da alma, sono, sonhos, sonambulismo, dupla-vista, letargia, etc. ns. 400 e seguintes. O Livro dos Médiuns: Evocação das pessoas vivas, na 284. — Revue Spirite, 1860, pág. 11: L’Esprit d'un cote et lê corps de Pautre. Idem, 1860, pág. 81: Étude sur 1'Ésprit dês personnes vivantes).
138. De que provêm os pressentimentos?
São recordações vagas e intuitivas de coisas que o Espírito aprendeu em horas de liberdade; algumas vezes são avisos ocultos dados por Espíritos amigos.
139. Por que há na Terra homens selvagens e civilizados?
Sem a preexistência da alma, esta pergunta ficaria sem resposta, a não ser que se admitisse que Deus criou almas selvagens e civilizadas, o que também seria a negação da sua Justiça. Por outro lado, o raciocínio não admite que, vindo a morte, a alma do selvagem permaneça estacionária, perpetuamente na inferioridade, nem tampouco que esteja na mesma categoria da alma de um homem instruído.
Admitindo para as almas um mesmo ponto de partida, única doutrina compatível com a justiça de Deus, a presença simultânea da selvageria e da civilização sobre a Terra é um fato material, comprobatório do progresso que uns realizaram e que outros podem realizar. A alma do selvagem alcançará, pois, com o tempo, o nível da alma civilizada. Como, entretanto, todos os dias morrem selvagens, suas almas não podem alcançar esse nível senão através de encarnações sucessivas, cada vez mais adiantadas e adequadas à sua evolução, passando por todos os graus intermediários.
140. Não se poderia admitir, como, aliás, é opinião de algumas pessoas, que a alma só se encarna uma vez, e realiza sua evolução em outras esferas, no estado de Espírito desencarnado?
Essa hipótese só seria admissível se na Terra só houvesse homens do mesmo grau de moralidade e intelectualidade, pois, neste caso, a Terra dir-se-ia especialmente destinada a uma certa gradação de moralidade. As provas em contrário, entretanto, é o que temos à vista. Não se compreenderia, com efeito, que o selvagem não pudesse chegar à civilização na Terra, quando existem almas adiantadas, encarnadas ao seu redor; nem que por força tivesse de progredir noutra parte, uma vez que há almas inferiores, encarnadas neste mesmo globo. Disto se deduz que a possibilidade da pluralidade das existências terrenas resulta dos mesmos exemplos que temos à vista.
De outro modo seria preciso explicar: 1° — Porque só a Terra teria a prioridade no terreno das encarnações. 2° — Porque, tendo essa prioridade, nela se encontram encarnadas almas dos mais diversos graus evolutivos?
141. Por que se encontram, no ambiente das sociedades civilizadas, seres cuja ferocidade é comparável à dos mais bárbaros selvagens?
São Espíritos bastante inferiores, oriundos das raças bárbaras e que tentam encarnações num meio que não lhes é próprio, no qual se sentem deslocados, como sucederia a um caipira que se encontrasse subitamente na alta sociedade.
OBSERVAÇÃO — Não se poderia admitir, nem negar a bondade e a justiça de Deus, que a alma de um criminoso sem entranhas tivesse, na vida atual, o mesmo ponto de partida que a de um indivíduo dotado de todas as virtudes. Se a alma não for anterior ao corpo, a do criminoso e a do homem virtuoso são igualmente inconscientes: por que a primeira é má e a segunda é boa?
142. De que precede o caráter distintivo dos povos?
São Espíritos que, tendo pouco ou mais ou menos os mesmos gostos e as mesmas inclinações, encarnam-se num meio simpático, e amiúde num meio que lhes propicie a satisfação de suas inclinações.
143. Como progridem e como degeneram os povos?
Se a alma fosse criada simultaneamente ao corpo, as dos homens modernos seriam tão recentes quanto as dos homens medievais. Nesse caso perguntaríamos: porque têm, aqueles, costumes mais sociais e uma inteligência mais desenvolvida? Se, por ocasião da morte do corpo, a alma abandonasse definitivamente a Terra, voltaríamos a perguntar: a que resultado chegará o trabalho realizado para a evolução de um povo, se tiver que ser iniciado com todas as novas almas que chegam diariamente?
Os Espíritos encarnam-se no meio que lhes é simpático e em relação ao grau de adiantamento alcançado. Um chinês, por exemplo, que progrediu consideravelmente e já encontra em sua raça o meio correspondente ao grau alcançado, virá encarnar-se num povo mais adiantado. À medida que uma geração dá um passo à frente, atrai por simpatia Espíritos mais adiantados, que talvez tenham vivido anteriormente no seio desse mesmo país e dele se afastado em razão do progresso que alcançaram. É assim que, pouco a pouco, progride uma nação. Se a maioria dos recém-vindos fosse de natureza atrasada, e os antigos, partindo todos os dias, não regressassem ao meio inferior, o povo degeneraria, terminando por desaparecer.
OBSERVAÇÃO — Estas perguntas suscitam outras que se resolvem pelo mesmo princípio. Por exemplo: De onde procede a diversidade de raças na Terra? — Há raças rebeldes ao progresso? — A raça negra é suscetível de alcançar o nível das raças europeias? — A escravidão é necessária ao progresso das raças inferiores? — Como pode verificar-se a transformação da humanidade? (O Livro dos Espíritos: Lei do Progresso, ns 776 e seguintes. — Revue Spirite, 1862, pág. 1: Doctrine dês anges déchus — Idem 1862, pág. 97: Perpectibilité de Ia race nègre).
144. Como se separa a alma do corpo: brusca ou gradualmente?
O desprendimento realiza-se gradualmente, com lentidão que varia conforme os indivíduos e as circunstâncias da morte. Os liames que prendem a alma ao corpo rompem-se pouco a pouco e tanto menos rapidamente quanto mais material e sensual foi a vida. (O Livro dos Espíritos, ns 155).
145. Qual a situação da alma, imediatamente após a morte do corpo? Tem, instantaneamente consciência de si mesma? Numa palavra: o que vê, o que experimenta?
No momento da morte, de pronto tudo é confusão. A alma precisa de algum tempo para se reconhecer. Está como que aturdida, no estado de um homem que acordasse de um profundo sono e se esforçasse por compreender a situação em que se encontra. A lucidez das ideias e a memória do passado retornam-lhe à medida que se apaga a influência da matéria de que acaba de desprender-se e que se dissipa o nevoeiro que lhe obscurece os pensamentos.
O tempo de perturbação que se segue à morte varia muito. Pode ser de algumas horas apenas ou de muitos anos. É menos longo nos que se identificaram, quando viviam, com seu estado futuro, pois compreendem imediatamente a situação. Ao contrário, é mais longo quanto mais material lhes transcorreu a existência.
A sensação que a alma experimenta naquele momento é, também, muito variável. A perturbação que se segue à morte nada tem de penosa para o homem de bem. É tranquila e em tudo semelhante àquela que acompanha um lúcido despertar. Para aquele cuja consciência não é pura e que teve mais apego à vida material que à espiritual, a sensação é de desassossego, plena de angústias, que aumentam à medida que assenta as ideias, pois que então o assalta o medo, uma espécie de terror, em presença do que vê e sobretudo do que pressente.
Experimenta entretanto, um grande alívio e um imenso bem-estar, sensações que poderiam ser chamadas de físicas. Encontra como que o alívio de um peso, a felicidade por já não experimentar as dores corporais, que pouco antes da libertação ainda sofria, o desembaraço e a leveza, como alguém que se tivesse livrado de pesadas cadeias.
Em seu novo estado a alma vê e ouve o que via e ouvia antes da morte e outras coisas mais que escapavam à imperfeição dos órgãos físicos. Tem sensações e percepções que nos são desconhecidas. (Revue Spirite, 1859, pág. 244: Mort d'un Esprit. — Idem, 1860, pág. 332: Lê réveil de I'Esprit. — Idem. 1862, págs. 129 e 171: Obsè-ques de M. Sanson).
OBSERVAÇÃO — Estas respostas e todas as relativas à situação da alma depois da morte ou durante a vida, não resultam de uma teoria ou de um sistema, mas de estudos diretos feitos em milhares de seres observados em todas as fases e em todos os períodos de sua existência espiritual, desde o grau mais ínfimo ao mais elevado da escala, segundo seus costumes durante a vida terrena, gênero de morte, etc. Diz-se, muita vez, falando da vida futura, que não se sabe o que nela se passa, pois ninguém voltou para contar. É um erro. São precisamente os que nela se encontram que nos vêm dar suas instruções, e isso Deus permite hoje, mais que em outra época qualquer, como última advertência dada à incredulidade e ao materialismo.
146. A alma desprendida do corpo vê a Deus?
As faculdades perceptivas da alma são proporcionais à sua pureza. Só às almas elevadas é dado fruir da presença de Deus.
147. Se Deus está em toda parte, por que razão não é dado vê-lo a todos os Espíritos?
Deus está em toda parte, porque irradia para todas as partes. Pode-se dizer que o Universo está imerso na Divindade, como nós estamos na luz solar. Os Espíritos atrasados, entretanto, acham-se envoltos por uma espécie de treva que o oculta a seus olhos e que só se dissipa à medida que se purificam e se desmaterializam. Os Espíritos inferiores são, quanto à vista e com respeito a Deus, o que são os encarnados com respeito aos Espíritos: verdadeiros cegos.
148. Depois da morte, a alma tem consciência de sua individualidade? Como o constata, e como podemos nós constatá-la?
Se as almas não tivessem sua individualidade depois da morte, para elas e para nós seria assim como se não existissem. As consequências morais seriam exatamente as mesmas; não teriam quaisquer caracteres distintivos e a alma do criminoso estaria na mesma categoria que a do homem virtuoso do que resultaria não haver interesse algum em praticar-se o bem.
A individualidade da alma é posta em evidência de maneira quase material, nas manifestações espíritas, pela linguagem e pelas qualidades características de cada uma, pois que pensam e agem de diversas maneiras; são boas umas, outras más; umas instruídas, outras, ignorantes, desejando algumas o que outras desprezam. Esse fato prova, evidentemente, que não se acham confundidas num todo homogêneo, para não falar nas provas patentes, que nos oferecem, de terem animado tal ou qual indivíduo na Terra. Graças ao Espiritismo experimental, a individualidade da alma já não é uma coisa vaga e sim um resultado constatado pela observação.
Porque têm pensamento e vontade próprios, distintos dos das demais, a alma, por si mesma, prova sua individualidade. Prova-o também com seu envoltório fluídico, o perispírito, espécie de corpo limitado que a torna um ser distinto.
OBSERVAÇÃO — Creem certas pessoas escapar à censura de materialistas, admitindo um princípio inteligente universal, do qual absorvemos uma parte, ao nascimento, parte essa que constitui a alma, e que devolvemos ao todo por ocasião da morte e no qual se confunde, como as gotas de chuvas no oceano.
Esse sistema nem ao menos se enquadra no espiritualismo, pois é tão desolador quanto o materialismo. O receptáculo comum do todo universal equivaleria ao nada, pois nele já não haveria individualidade.
149. O gênero de morte influi no estado da alma?
O estado da alma varia consideravelmente, conforme o gênero de morte, mas sobretudo conforme os costumes tidos durante a vida.
Na morte natural o desprendimento verifica-se gradualmente e sem abalos. Muita vez principia sem haver cessado a vida do corpo. Na morte violenta, por suplício, suicídio ou acidentes, os laços rompem-se bruscamente. O Espírito, tomado de surpresa, fica como que aturdido pela transformação que nele se verificou, sem poder explicar a situação em que se encontra. Um fenômeno quase habitual nesse caso é a persuasão em que fica de não haver morrido. E essa ilusão pode durar muitos meses e até muitos anos.
Nesse caso, anda daqui para ali e crê ocupar-se de seus negócios, como se ainda pertencesse à Terra, muito admirado porque não lhe respondem quando se dirige aos outros. Essa ilusão não é em absoluto, peculiar às mortes violentas, mas também a muitos indivíduos cuja vida foi absorvida pêlos prazeres e interesses materiais. (O Livro dos Espíritos, ne 165. — Revue Spirite, 1858, pág. 166: Lê suicide de Ia Samaritaine. — Idem. 1858, pág. 326: Un Esprit au convoi de son corps; idem, 1859, pág. 184: Lê Zouave de Magenta; idem, pág. 319:Um Sprit qui ne se croit pás mort. - Idem, 1863, pág. 87: François Simon Louvet).
150. Para onde vai a alma, depois de sua separação do corpo?
Não se perde na imensidão do infinito, como geralmente se acredita. Fica errante no espaço e, as mais das vezes, junto àqueles que conheceu e sobretudo que amou. Mas apesar disso não deixa de poder transportar-se, instantaneamente, a distâncias imensas.
151. A alma conserva, as afeições que tinha na Terra?
Conserva todos os afetos morais; só esquece as afeições de cunho material que já não condizem com sua essência. Por esta razão volta, com suma alegria, a visitar seus parentes e amigos, cuja recordação lhe proporciona felicidade, (Revue Spirite, 1860, pág. 202. Lês amis ne nous oublient pás dans Pautre monde. Idem, 1862, pág. 132).
152. A alma conserva a lembrança do que fez na Terra e se interessa pelos trabalhos que deixou por concluir?
Depende da sua elevação e da natureza desses trabalhos. Os Espíritos desmaterializados pouco se preocupam com as coisas materiais, ao se livrarem das quais se felicitam. E quanto aos trabalhos que iniciaram, conforme a utilidade e a importância que tenham, muitas vezes inspiram a outras pessoas o pensamento de os terminar.
153. A alma encontra, no mundo dos Espíritos, os parentes e amigos que a precederam?
Não somente reencontra esses, mas outros muitos que conheceu em vidas passadas. Geralmente aqueles que mais a amam vêm ao seu encontro, recebendo-a quando chega ao mundo espiritual e auxiliando-a a se desprender dos laços terrenos. Mas a privação do encontro com as almas mais queridas é, às vezes, um castigo para as almas culpadas.
154. Qual é, na-outra vida, o estado intelectual e moral da alma de um menino morto em tenra idade? Permanecem infantis as suas faculdades, como durante a vida?
O desenvolvimento incompleto dos órgãos da criança, não permitia ao Espírito manifestar-se perfeitamente. Desembaraçado desse envoltório, suas faculdades são as que tinha antes de sua encarnação. Não tendo passado na vida senão alguns instantes, suas faculdades não puderam se modificar.
OBSERVAÇÃO - Nas comunicações espíritas, o Espírito de uma criança pode falar como um adulto e pode mesmo ter um grande adiantamento. Se usa, algumas vezes, a linguagem infantil, é para não privar a mãe do encanto decorrente do afeto que inspira um ser frágil e delicado, dotado de todas as graças da inocência. A mesma pergunta poderia ser feita quanto ao estado dos cretinos, idiotas e loucos, depois da morte. A resposta está nas linhas acima.
155. Que diferença existe, depois da morte, entre a alma do sábio e a do ignorante, do selvagem e do homem civilizado?
A mesma, pouco mais ou menos, que entre elas existia durante a vida, pois o simples ingresso no mundo dos Espíritos não prodigaliza à alma todos os conhecimentos de que carecia na Terra.
156. Progridem as almas, intelectual e moralmente, depois da morte?
Progridem mais ou menos, conforme a vontade que tenham. Algumas fazem consideráveis progressos. É preciso, porém, pôr em prática, na vida corporal, o que adquiriram em cultura e moralidade. As que permaneceram estacionárias, voltam a empreender uma existência análoga à que deixaram. As que progrediram merecem, certamente, uma encarnação de ordem mais elevada.
Conforme o progresso feito consoante a vontade dos Espíritos, alguns conservam, durante muito tempo, os gostos e as inclinações que tinham durante a vida e persistem nas mesmas ideias. (Revue Spirite, 1858, pág. 82: La reine d'Oude. Idem, pág. 145. L’Esprit et lês héritiers. Idem, pág. 186: Lê tambour de Ia Bérésina. Idem 1859, pág. 344: Un ancien charretier. Idem, 1860, pág. 325: Progrès d'un Esprit. Idem, 1861, pág. 126: Progrès d'un Esprit pervers).
157. Fica irrevogavelmente fixada, depois da morte, a sorte do homem na vida futura?
Não, pois isso seria a negação absoluta da justiça e da bondade de Deus, porque muitos existem que não puderam se instruir suficientemente; além desses, os idiotas, os cretinos e os selvagens, as inumeráveis crianças que morrem antes de ver a luz do dia. E mesmo entre as pessoas ilustradas, serão muitas as que podem acreditar-se suficientemente perfeitas, de modo a se isentarem de um maior adiantamento? E a permissão de Deus concede ao homem de prosseguir no dia seguinte o que não pode terminar na véspera, não é, por acaso, a prova mais manifesta da sua infinita bondade? Se a sorte está irrevogavelmente fixada, por que os homens morrem em tão diferentes idades e por que razão Deus, tão sumamente justo, não concede tempo a todos para praticarem o maior bem possível ou para repararem todo o mal feito? Quem sabe se o culpado que morre aos trinta anos não se teria arrependido e transformado num homem de bem, se vivesse até os sessenta? Por que Deus lhe arrebata o meio de o conseguir, quando o concede a outros?
Só o fato da diferença na duração da vida, e no estado moral da maioria dos homens, prova a impossibilidade, admitindo-se a justiça de Deus, de a sorte das almas estar irrevogavelmente fixada depois da morte.
158. Qual é, na vida futura, a sorte das crianças mortas em tenra idade?
Esta é uma das questões que melhor provam a justiça e a necessidade da pluralidade das existências. Uma alma que não tenha vivido mais que alguns instantes, não tendo praticado nem o bem e nem o mal, não merece prémio nem castigo, segundo a máxima de Cristo: Cada um será castigado ou recompensado segundo suas obras. Seria tão ilógico quanto contrário à justiça de Deus admitir-se que, sem nenhum trabalho, fosse ela chamada a fruir da perfeita ventura dos anjos ou que desta se visse usurpada. Não obstante, alguma sorte lhe caberá. Mas um estado de meio-termo eterno, seria também absolutamente injusto. Uma existência logo em começo interrompida não pode ter para a alma quaisquer consequências. A sorte atual da alma será, então, a que mereceu em sua precedente existência, assim como a futura será a que merecer por suas ulteriores existências.
159. As almas têm ocupações na outra vida? Preocupam-se com outras coisas, além de seus gozos e sofrimentos?
Se as almas não se ocupassem senão de si mesmas, por toda a eternidade, seriam egoístas. Deus, que condena o egoísmo, certamente não aprova, na vida espiritual, o que reprova na vida corporal. As almas ou Espíritos têm ocupações em proporção ao grau de adiantamento que alcançaram, ao mesmo tempo procuram instruir-se e melhorar-se. (O Livro dos Espíritos, ns 558: Ocupações e missões dos Espíritos).
160. Em que consistem os sofrimentos da alma depois da morte? As culpadas são torturadas nas chamas materiais?
A Igreja reconhece hoje, perfeitamente, que o fogo do inferno é um fogo moral e não material. Não define, porém, a natureza dos sofrimentos. As comunicações espíritas nos esclarecem isso: por meio delas observamos esses sofrimentos e nos convencemos de que, se bem não resultem de um fogo material - que com efeito não poderia queimar as almas, que são imateriais - por isso não deixam de ser, em certos casos, menos terríveis.
Essas penas não são uniformes. Variam ao infinito, segundo a natureza e o grau das faltas cometidas. Muito amiúde as próprias faltas é que lhes servem de castigo. Assim, certos assassinos são obrigados a permanecer no local do crime e têm incessantemente a visão de suas vítimas; o homem material e sensual conserva os mesmos apetites, mas a impossibilidade de os satisfazer materialmente torna-se-lhe um tormento; certos avaros creem sofrer o frio e as privações que se impuseram por avareza. Outros encontram ouro e sofrem por não poder tocá-lo; e outros ainda permanecem junto aos tesouros que ocultaram, presa de perpétua angústia, no temor de que os roubem. Numa palavra, não há uma falta, uma imperfeição moral, uma ação má que não tenha, no mundo dos Espíritos, o seu reverso e suas naturais consequências; para isso, não é preciso um lugar determinado e circunscrito, pois onde quer que esteja, o Espírito perverso traz consigo o seu inferno.
Além das penas espirituais, existem penas e provas materiais, que o Espírito ainda não purificado sofre numa nova encarnação, cuja posição lhe facultará os meios de tolerar o que fez sofrer aos outros: o ser humilhado se foi orgulhoso, miserável se foi um mau rico, desgraçado por seus filhos se foi mau pai, infeliz por culpas dos pais se foi mau filho etc. Conforme dissemos, a Terra é, para os Espíritos desta natureza, um dos lugares de desterro e de expiação, um purgatório, do qual poderão escapar, pois que de si mesmos depende não voltar e procurar evoluir bastante, a fim de merecerem passar para um mundo melhor. (O Livro dos Espíritos, nº 237: Percepções, sensações e sofrimentos dos Espíritos. Idem, liv. 4º: Esperanças e consolações, penas e gozos terrenos; penas e gozos futuros - Revue Spirite, 1858, pág. 79: Lassassin Lemoire. Idem, pág. 166: Lê suicide de Ia Samaritaine. Idem, pág. 131: Sensations dês Esprits. Idem, 1859, pág. 275. Lê père Crèpin. Idem, 1860, pág. 61. Stella Regnier. Idem, pág. 247: Lê suicide de Ia rue Quincampoix. Idem, pág. 316: Lê châtiment. Idem, pág. 325: Entrée d'un coupable dans lê monde dês Esprits. Idem, pág. 384: Châtimentes de 1'egoiste. Idem, 1861, pág. 53: Suicide d'un athée. Idem, pág. 270: La peine de talion).
161. A prece é útil às almas que sofrem?
A oração é recomendada pelos bons Espíritos e ainda solicitada pêlos que sofrem, como um meio de aliviar seus sofrimentos. A alma .pela qual se ora, experimenta alívio porque a prece é um testemunho de interesse que por ela se toma e porque o desgraçado sempre se alegra quando encontra corações caridosos que compartilham de suas dores.
Além disso, pela oração a incitamos ao arrependimento e ao desejo de fazer o que for preciso para ser feliz. Neste sentido é que podemos abreviar-lhe as penas, se ela nos ajudar com sua boa vontade. (O Livro dos Espíritos, ng 664. - Revue Spirite, 1859, pág. 315: Effets de Ia prière sur lês Esprits soufrants).
162. Em que consiste o prazer que fruem os Espíritos felizes? Passam a eternidade na contemplação?
A justiça requer que a recompensa seja proporcional ao mérito, assim como o castigo à gravidade da falta. Existe, pois, uma infinidade de graus na ventura da alma, desde o instante em que ingressa no caminho do bem, até que tenha alcançado a perfeição.
A felicidade dos bons Espíritos consiste em conhecer todas as coisas, em não sentir ódio, ciúme, inveja, ambição ou qualquer das paixões que são responsáveis peia infelicidade dos homens. Consideram o amor que os une a fonte suprema da felicidade. Não experimentam os sofrimentos, as necessidades e as angústias da vida terrena. Um estado de perpétua contemplação, seria uma felicidade estúpida e monótona, como a do egoísta, pois a existência se transformaria, então numa inutilidade sem termo. Muito pelo contrário, a vida espiritual é uma incessante atividade para os Espíritos, pelas missões que do ser supremo recebem, como agentes no governo do universo, missões essas que são proporcionais ao adiantamento que tenham alcançado, e pelo cumprimento das quais sentem-se felizes, pois que lhes oferecem ensejo de se tornarem úteis e praticarem o bem. (O Livro dos Espíritos, n9 158. Ocupações e Missões dos Espíritos. — Revue Spirite, 1860, págs. 321 e 322: Lês purs Esprits: Lê séjour dês bienheurex. Idem, 1861, pág. 170: Madame Gourdon.
OBSERVAÇÃO - Convidamos os adversários do Espiritismo e os que não admitem a reencarnação, a apresentar, com respeito aos problemas acima expostos, uma solução mais lógica e por outro princípio que não o da pluralidade das existências.
FIM
[1] Nos tempos que se seguiram a este diálogo, escrito em 1859, a experiência demonstrou de sobejo a justeza da afirmativa.
· Ambiguidades (N. da E.)
[2] (As palavras gozam, hoje em dia, do direito de cidadania. Estão incluídas no suplemento do "Petit Dictionnaire dês Dictionaires" de Napoléon Landais, obra da qual se tiram edições aos milhares. Nele se encontram a definição e a etimologia das palavras: erraticidade, medianímico; médium, mediunidade; perispírito, pneuma-tografia, pneumatofonia, psicografia, psicofonia, reencarnação, sematologia, espírita; espiritismo, extereorito, explicações de que são susceptíveis, na edição do "Dictionnaire Universal" de Maurice Lachãtre).
[3] Veja-se "A pluralidade das existências da alma", por Andrés Pezzani.
· Itens acrescentados pelo autor nas edições posteriores desta obra (N. da E.)
[4] Uma epidemia semelhante manifestou-se, durante muitos anos, numa pequena cidade da Alta Sabóia. (Ver a "Revue Spirite", janeiro, fevereiro, abril e maio de 1863: "Lês possédés de Morzines".