O Espiritismo na sua Expressão mais Simples

O Espiritismo na sua expressão mais simples

Allan Kardec

 

Publicação original:

LE SPIRITISME A SA PLUS SIMPLES EXPRESSION

Paris, 1862

Tradução (da 7ª edição, 1865)

Louis Neilmoris

Versão digitalizada:

© 2019


 



 

Apresentação da Tradução

O Espiritismo em sua Expressão Mais Simples é trazido à lume por Allan Kardec em 15 de janeiro de 1862, cinco anos após o lançamento de O Livro dos Espíritos, a obra que contém os fundamentos do Espiritismo, a doutrina da Nova Era, conforme a anunciação dos guias espirituais que, sob o pálio do Espírito Verdade, presidem o movimento para a regeneração da Humanidade.

Este opúsculo veio então — como o próprio título sinaliza — oferecer uma breve apresentação dos conceitos doutrinários da proposta dos Espíritos superiores, tendo em vista a carência por explicações mais acessíveis ao público em geral e a necessidade dissolver controvérsias sobre o Espiritismo — muitas das quais, levantadas propositadamente por não simpatizantes ou mesmo franco-antagônicos à Doutrina Espírita.

Às vésperas de ser posta à venda, esta publicação foi assim anunciada pelo seu autor:

A brochura que anunciamos sob esse título, em nosso último número, será lançada a 15 de janeiro; mas, em vez de 25 centavos, preço indicado, será vendida a 15 centavos o exemplar isolado, e a 10 centavos para compra de 20 exemplares, ou 2 francos, sem o porte.

O objetivo desta publicação é dar, num panorama muito sucinto, um histórico do Espiritismo e uma ideia suficiente da Doutrina dos Espíritos, a fim de que se lhe possa compreender o objetivo moral e filosófico. Pela clareza e simplicidade do estilo, procuramos pô-la ao alcance de todas as inteligências. Contamos com o zelo de todos os verdadeiros espíritas para ajudarem a sua propagação.

Revista Espírita, Allan Kardec — janeiro, 1862: “Bibliografia”

Três meses seguintes ao lançamento, a pequena brochura foi reeditada com correções, de que Kardec deu nota pública em sua Revista Espírita:

O Espiritismo na sua Expressão Mais Simples, do qual foram vendidos cerca de dez mil exemplares, está sendo reimpresso com várias correções importantes. Sabemos que já está traduzido em alemão, em russo e em polonês. Concitamos os tradutores a se sujeitarem ao texto da nova edição. Recebemos de Viena (Áustria) a tradução alemã, publicada naquela cidade, onde se forma uma sociedade espírita, sob os auspícios da de Paris.

Revista Espírita, Allan Kardec — abril, 1862: “Bibliografia”

Pelo sucesso de vendas, presume-se, pois, que esta obra muito contribuiu para a propagando do Espiritismo. Essa contribuição não foi ignorada pelo seu autor. Na Revista Espírita de março de 1864, Kardec destacou observações dos Anais do Espiritismo na Itália, publicação da Sociedade Espírita de Turim, sobre a nossa pequena brochura:

“Pode dizer-se que essa tradução deu a volta em toda a península, tendo sido vendido grande número de exemplares em todas as cidades da Itália”.

Interessante ainda ressaltarmos as anotações de Kardec sobre o papel de O Espiritismo em sua Expressão Mais Simples dentro do movimento espírita no Brasil:

Constatamos com satisfação que a ideia espírita faz sensíveis progressos no Rio de Janeiro, onde conta expressivo número de representantes, fervorosos e devotados. A pequena brochura O Espiritismo na sua Expressão Mais Simples, publicada em português, muito contribuiu para ali espalhar os verdadeiros princípios da doutrina.

Revista Espírita, Allan Kardec — abril, 1864:

“Extrato do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro”

Para quem hoje dispõe, com bastante facilidade, de todas as obras da codificação espírita, este opúsculo pode não ter tanta importância, parecendo mesmo uma argumentação repetitiva. Contudo, não percamos de vista a dificuldade — e o preço — para a aquisição de um livro mais volumoso, como O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, etc., naquele século XIX e mesmo para o século XX. Com efeito, uma síntese tão bem elaborada, a um preço bem acessível (oferecido a 15 centavos de franco, a antiga moeda francesa), certamente prestou um grande serviço à doutrina e, principalmente, às almas perturbadas e sedentas por um sentido para a vida.

E mesmo hoje, mediante o ritmo alucinado da modernidade, para quem deseja uma introdução rápida e eficiente acerca das luzes do Espiritismo, esta obra se apresenta como uma excelente opção.

Não por menos é que esta edição traduzida é ofertada para todos.

Convém informar que esta tradução teve por base o conteúdo da 7ª edição — já contendo então o texto atualizado por Kardec —, conforme a disposição publicada no site da Biblioteca Nacional da França, acessível pelo link:

https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k3224454.r=LE%20SPIRITISME%20DANS%20SA%20PLUS%20SIMPLE%20EXPRESSION?rk=128756;0

 

Com os sinceros votos para que estas letras cativem o coração de todos os que se dispuserem a investir na sua leitura, para que estas consoladoras palavras animem as almas em sua jornada evolutiva, exortamos os irmãos a saborear as breves, mas precisas páginas de O Espiritismo em sua Expressão Mais Simples.

Louis Neilmoris

O tradutor


 

Aviso

Esta brochura, sendo destinada a popularizar as ideias espíritas, é vendida sob as seguintes condições:

Preço de cada exemplar: 15 centavos

20 exemplares juntos: 2 francos ou 10 centavos cada

Para a postagem, acrescentar 5 centavos por exemplar separado,

e por 20 exemplares, 60 centavos.

A tradução em todas as línguas está autorizada, sob a única condição de remeter 50 exemplares ao autor.

 


 

Histórico do Espiritismo

Por volta de 1850, a atenção foi chamada nos Estados Unidos da América para os diversos fenômenos extraordinários, consistentes em ruídos, pancadas e movimento de objetos sem causa conhecida. Frequentemente esses fenômenos ocorriam espontaneamente, com uma intensidade e uma persistência singulares; mas, notava-se também que eles se produziam mais particularmente sob a influência de certas pessoas, que foram designados pelo nome de médiuns, e que poderiam de alguma forma provocá-los voluntariamente, o que permite repetir as experiências. Para isso, serviu-se sobretudo de mesas, não que esse tipo de objeto fosse mais favorável do que qualquer outro, mas unicamente porque é móvel, mais cômodo e porque nos sentamos mais fácil e naturalmente ao redor de uma mesa do que ao redor de qualquer outro móvel. Dessa maneira, obtém-se a rotação da mesa, depois, movimentação em todas as direções, sobressaltos, tombamentos, elevação, pancadas com mais violência etc. É o fenômeno que foi designado inicialmente pelo nome de mesas girantes ou dança das mesas.

Até aí o fenômeno poderia ser perfeitamente explicado por uma corrente elétrica ou magnética, ou pela ação de um fluido incomum, e essa foi mesma a primeira opinião que se formou a respeito. Contudo, não tardou para se reconhecer efeitos inteligentes nesses fenômenos; assim o movimento obedecia à vontade; a mesa movia-se para a direita ou para a esquerda em direção a uma pessoa designada, ficando, sob certo comando, sobre um ou dois pés, batendo o número de vezes requerida, batia o compasso etc. Deste então ficou evidente que a causa não era puramente física, e conforme este axioma “Se todo efeito tem uma causa, todo efeito inteligente há de ter uma causa inteligente”, conclui-se que a causa desse fenômeno devia ser uma inteligência.

Qual era a natureza dessa inteligência? Aí estava a questão. O primeiro pensamento foi que isso poderia ser um reflexo da inteligência do médium ou dos assistentes, mas logo a experiência demonstrou sua impossibilidade, pois obtinha-se coisas completamente fora do pensamento e dos conhecimentos das pessoas presentes, e até mesmo em contradição com seus ideais, sua vontade ou seus desejos; portanto, não poderia pertencer senão a um ser invisível. O meio para se assegurar disso era bem simples: tratava-se de entrar em conversação com esse ser, o que se fez através de um número de batidas convencionadas significando sim ou não, ou designando as letras do alfabeto, e dessa maneira se teve respostas às diversas questões que se endereçava a este ser. É o fenômeno que foi designado pelo nome de mesas falantes. Todos os seres que se comunicaram desse modo, interrogados a respeito de sua natureza, declararam ser Espíritos e pertencerem ao mundo invisível. Os mesmos efeitos sendo produzidos em um grande número de localidades, por intermédio de pessoas diferentes, e sendo inclusive observados por homens bastante sérios e bem esclarecidos, não seria possível que se fosse joguete de uma ilusão.

Da América esse fenômeno passou à França e ao resto da Europa, onde, durante vários anos, as mesas girantes e falantes permaneceram na moda e se tornaram o divertimento dos salões; logo mais, quando dele se usou o bastante, deixaram-no de lado para passar a uma outra distração.

O fenômeno não tardou para se apresentar sob um novo aspecto, que o tirou do domínio da simples curiosidade. Os limites deste resumo não nos permitindo segui-lo em todas as suas fases, passamos, sem outra transição, àquilo que oferece de mais característico e que chamou a atenção das pessoas sérias.

Dizermos preliminarmente, de passagem, que a realidade do fenômeno conheceu numerosos contraditores; uns, sem levar em conta o desinteresse e a honorabilidade dos experimentadores, nada viram nele senão uma falsificação, um hábil jogo de escamoteação. Aqueles que não admitem nada além da matéria e só creem no mundo visível, que pensam que tudo morre com o corpo, os materialistas, numa palavra: aqueles que se qualificam de espíritos fortes, relegaram a existência dos Espíritos invisíveis à classe de fábulas absurdas; tacharam de loucos aqueles que levaram a coisa a sério, e lhes subjugaram com sarcasmos e insultos. Outros, não podendo negar os fatos, e sob o império de uma certa ordem de ideias, atribuíram tais fenômenos à influência exclusiva do diabo, e por esse meio procuraram apavorar os tímidos. Mas hoje o medo do diabo estranhamente perdeu seu prestígio; tanto se falou dele e de tantos modos ele tem sido pintado que se está familiarizado com essa ideia, e que muito se tem dito ser necessário aproveitar a ocasião para ver o que ele é realmente. Disso resultou que, exceto um pequeno número de mulheres tímidas, o anúncio da chegada do verdadeiro diabo tinha qualquer coisa de picante para aqueles que só o viram em pintura ou no teatro; para muitas pessoas, foi um poderoso estimulante: de sorte que aqueles que, por esse meio, tem pretendido opor uma barreira às ideias novas, foram contra seu objetivo e se tornaram, a contragosto, agentes propagadores tanto mais eficazes quanto gritavam mais forte. Os outros críticos não tiveram maior sucesso, pois, aos fatos constatados e aos raciocínios categóricos, eles não puderam opor mais do que denegações. Leia-se o que publicaram e por toda parte vós encontrareis a prova da ignorância e da inobservância séria dos fatos, e em nenhuma parte uma demonstração peremptória de sua impossibilidade; toda sua argumentação se resume assim: “Eu não creio, portanto isso não existe”; todos aqueles que creem são tolos; somente nós temos o privilégio da razão e do bom senso”. O número dos adeptos feitos pela crítica séria ou grosseira é incalculável, porque em toda a parte não encontramos senão opiniões pessoais, vazias de provas contrárias. Prossigamos nossa exposição.

As comunicações por pancadas eram lentas e incompletas; reconheceu-se que se adaptando um lápis a um objeto móvel — cesta, prancheta ou outro — sobre a qual se pusesse os dedos, esse objeto se punha em movimento e traçava caracteres. Mais tarde, reconheceu-se que esses objetos não passavam de acessórios que se podia dispensar; a experiência demonstrou que o Espírito, agindo sobre um corpo inerte para lhe dirigir à vontade, poderia atuar da mesma forma sobre o braço ou a mão para conduzir o lápis. Obteve-se assim os médiuns escreventes, quer dizer, de pessoas escrevendo de uma maneira involuntária sob a impulsão dos Espíritos, dos quais se achavam assim os instrumentos e os intérpretes. Desde esse momento as comunicações não tiverem mais limites, e a troca de pensamentos pode ser feita com tanta mais rapidez e desenvolvimento quanto que entre os vivos. Era um vasto campo aberto à exploração, a descoberta de um mundo novo: o mundo dos invisíveis, como o microscópio havia descoberto o mundo dos infinitamente pequenos.

O que são esses Espíritos? Que papel eles desempenham no Universo? Com qual objetivo eles se comunicam com os mortais? Eis as primeiras questões que se tinha que resolver. Soube-se logo, por eles mesmos, que não são seres à parte na criação, mas as próprias almas daqueles que viveram na Terra ou em outros mundos; que essas almas, após se despojarem de seu envoltório corporal, povoam e percorrem o espaço. Não se pôde mais duvidar disso quando se reconheceu entre seus nomes parentes e amigos, com os quais se pôde entreter-se; quando aqueles vieram dar a prova sua existência, demonstrar que não há morte além da do corpo, que sua alma ou Espírito vive para sempre, que eles estão ali, perto de nós, vendo-nos e nos observando como quando estavam vivos, cercando com sua solicitude aqueles que amaram e de quem a lembrança é uma doce satisfação para eles.

Geralmente se faz uma ideia completamente falsa dos Espíritos; estes não são, como muitos pensam, seres abstratos, vagos e indefinidos, nem qualquer coisa como um brilho ou uma faísca; são, ao contrário, seres bem reais, tendo sua individualidade e uma forma definida. Pode-se fazer uma ideia aproximada pela seguinte explicação:

Há no homem três coisas essenciais: 1ª — a alma ou Espírito, princípio inteligente no qual reside o pensamento, a vontade e o senso moral; 2ª — o corpo, envoltório material, pesado e grosseiro, que coloca o Espírito em contato com o mundo exterior; 3ª — o perispírito, envoltório fluídico, sutil, servindo de laço e de intermediário entre o Espírito e o corpo. Quando o envoltório exterior está gasto e não pode mais funcionar, ele falece e o Espírito se despoja desse envoltório como a fruta se despoja de sua casca e a árvore de sua crosta; numa palavra, como tiramos de uso uma roupa velha; isso é o que chamamos de morte.

Portanto, a morte não é outra coisa senão a destruição do grosseiro envoltório do Espírito: só o corpo morre, o Espírito não. Durante a vida, o Espírita está de alguma forma comprimido pelos laços da matéria à qual se uniu e que frequentemente paralisa suas faculdades; a morte do corpo o desembaraça de seus laços; ele desprende-se desses laços e recobra sua liberdade, como a borboleta saindo da sua crisálida; porém sai apenas do corpo material: ele conserva o perispírito, que constitui para ele uma espécie de corpo etéreo, vaporoso, imponderável para nós e de forma humana, que parece ser a forma típica. No seu estado normal, o perispírito é invisível, no entanto o Espírito pode fazê-lo sofrer certas modificações que lhe torne momentaneamente acessível à vista e até mesmo ao toque, como ocorre com o vapor condensado; é assim que eles podem algumas vezes se mostrar a nós nas aparições. É com o auxílio do perispírito que o Espírito atual sobre a matéria inerte e produz os diversos fenômenos de ruídos, movimentos, de escrita etc.

Para os Espíritos, as pancadas e os movimentos são meios de atestar sua presença e chamar a atenção para eles, absolutamente como quando uma pessoa bate para advertir que ali há alguém. Há alguns que não se limitam a ruídos moderados, mas que fazem um barulho semelhante ao de uma louça que se quebre, de portas que se abrem e se fecham ou de moveis que tombam.

Com a ajuda de golpes e movimentos convencionais, eles puderam exprimir seus pensamentos, mas a escrita lhes ofereceu o mecanismo mais completo, o mais rápido e o mais cômodo, assim sendo o meio que eles preferem. Da mesma forma como eles podem formar caracteres, podem guiar a mão para traçar desenhos, escrever música e executar um trecho musical num instrumento; em uma palavra, na falta de seu próprio corpo — que eles não têm mais — eles se servem daquele do médium para se manifestar aos homens de uma maneira sensível.

Os Espíritos podem também se manifestar de várias maneiras, dentre outras pela visão e pela audição. Certas pessoas, ditas médiuns audientes, tem a faculdade de ouvi-los e com isso podem conversar com eles; outras pessoas podem vê-los: estes são os médiuns videntes. Os Espíritos que si manifestam pela visão apresentam-se geralmente sob a forma análoga àquela que tinham de quando eram vivos, embora vaporosa; outras vezes, essa forma tem todas as aparências de um ser vivo, ao ponto de completamente causar ilusão, tendo sido algumas vezes tomados como pessoas em carne e osso, com os quais se pôde dialogar e trocar apertos de mão, sem se desconfiar que se relacionava com Espíritos, de outro modo que não pelo seu súbito desaparecimento.

A visão permanente e generalizada dos Espíritos é muito rara, mas as aparições individuais são bastante frequentes, especialmente no momento da morte; o Espírito liberto parece se apressar para ir ver seus parentes e amigos, bem como para lhes advertir que acabara de deixar a Terra e lhes dizer que ele ainda está vivo.

Que cada um recolhe suas lembranças e que se verá muitos casos autênticos desse gênero, dos quais não se dava conta, ocorrendo não apenas à noite, durante o sono, mas em pleno dia e no estado de vigília mais completo. Outrora, esses fatos eram vistos como sobrenaturais e maravilhosos, sendo atribuídos à magia e à feitiçaria; hoje os incrédulos os colocam na conta da imaginação; mas desde que a ciência espírita lhes deu a chave, sabe-se como eles se produzem e que não fogem da ordem dos fenômenos naturais.

Crê-se ainda que os Espíritos, apenas por serem Espíritos, devam ter a soberana ciência e a soberana sabedoria: este é um erro que a experiência não tardou em demonstrar. Entre as comunicações dadas pelos Espíritos, há as que são sublimes de profundidade, de eloquência, de sabedoria, de moral, e não respiram senão a bondade e a benevolência; porém, ao lado destas, há as muito vulgares, as levianas, as triviais, as grosseiras mesmo, pelas quais o Espírito revela os instintos mais perversos. É evidente então que elas não podem emanar da mesma fonte, e que, se há bons Espíritos, igualmente há os maus. Os Espíritos não sendo outra coisa que a alma dos homens, eles não podem naturalmente se tornar perfeitos ao sair do seu corpo; até que tenham progredido, eles conservam as imperfeiçoes da vida corporal, por isso os vemos de todos os graus de bondade e de maldade, de sabedoria e ignorância.

Os Espíritos geralmente se comunicam com prazer, e para eles é uma satisfação ver que não foram esquecidos; eles descrevem voluntariamente suas impressões ao deixar a Terra, sua nova situação, a natureza de suas alegrias ou de seus sofrimentos no mundo onde se encontram: uns são bastante felizes, outros infelizes, mais alguns sofrem horríveis tormentos, conforme a maneira que viveram e emprego bom ou mal, útil ou inútil que fizeram da vida. Observando-os em todas as fases da sua nova existência, de acordo com a posição que eles ocuparam na Terra, o gênero de sua morte, seu caráter e seus hábitos como homens, chegamos a um conhecimento, senão completo, pelo menos bastante preciso do mundo invisível para se dar conta do nosso estado futuro e pressentir a sorte boa ou má que nos espera.

As instruções dadas pelos Espíritos de uma ordem elevada sobre todos os assuntos que interessam à humanidade, as respostas que eles têm dado às questões que foram propostas, tendo sido recolhidas e coordenadas com cuidado, constituem toda uma ciência, toda uma doutrina moral e filosófica sob o nome de Espiritismo. Portanto, o Espiritismo é a doutrina fundada sobre a existência, as manifestações e ensinamentos dos Espíritos. Essa doutrina se encontra exposta de uma maneira integral em O Livro dos Espíritos, para a parte filosófica, e em O Livro dos Médiuns, para a parte prática e experimental, e em O Evangelho segundo o Espiritismo, para a prática moral. Pode-se julgar, pela análise que a seguir oferecemos dessas obras, da variedade, da extensão e da importância das matérias que ele envolve.

Assim como se viu, o Espiritismo teve seu ponto de partida nos fenômenos comuns das mesas girantes; mas como esses fatos falam mais aos olhos que à inteligência, que eles despertam mais curiosidade do que sentimentos, a curiosidade satisfeita, tanto menos interesse se tem neles quanto não se lhes compreenda. Não se deu o mesmo quando a teoria veio explicar a sua causa; quando se viu sobretudo que dessas mesas girantes, com as quais se divertiu por um instante, saiu toda uma doutrina moral falando à alma, dissipando as angústias da dúvida, satisfazendo a todas as aspirações deixadas no vazio por um ensinamento incompleto sobre o porvir da humanidade, as pessoas sérias acolheram a nova doutrina como um benefício, e desde então, longe de declinar, ela cresceu com uma incrível rapidez; no prazo de três ou quatro anos, ela reuniu em todos os países do mundo, e sobretudo entre as pessoas esclarecidas, incontáveis partidários que aumentam todos os dias numa proporção extraordinária, de tal maneira que podemos dizer hoje o Espiritismo conquistou direito de cidadania; ele está assentado sobre as bases que desafiam os esforços de seus adversários mais ou menos interessados a combatê-lo; e a prova disso é que os ataques e as críticas não retardaram a sua marcha um só instante: este é um fato adquirido pela experiência, do qual os oponentes jamais puderam dar razão; os Espíritos dizem tão simplesmente que se ele se propaga, a despeito da crítica, é que o acham bom e que se prefere o seu raciocínio àquele de seus contraditores.

O Espiritismo, portanto, não se figura uma descoberta moderna; os fatos e os princípios sobre os quais ele repousa se perdem na noite dos tempos, pois encontramos os seus traços nas crenças de todos os povos, em todas as religiões, na maior parte dos escritos sagrados e profanos; somente os fatos observados incompletamente foram frequentemente interpretados conforme as ideias supersticiosas da ignorância, e dele não deduziram todas as consequências.

Com efeito, o Espiritismo está fundado sob a existência dos Espíritos; mas os Espíritos não sendo outros senão as almas dos homens, desde que há homens há Espíritos; o Espiritismo não os descobriu nem os inventou. Se as almas ou Espíritos podem se manifestar aos viventes, é que isso está na natureza, e assim eles têm podido se manifestar todo o tempo; também em todos os tempos e por toda parte encontrou-se a prova dessas manifestações, que fartam sobretudo nos relatos bíblicos.

O que é moderno é a explicação lógica dos fatos, o conhecimento mais completo da natureza dos Espíritos, de seu papel e de seu modo de ação, a revelação do nosso estado futuro, enfim, sua constituição e sua aplicação para a felicidade presente e futura do homem. Os Antigos conheciam o princípio, os Modernos conhecem os detalhes. Na Antiguidade, o estudo desses fenômenos era privilégio de certas castas que não os revelava senão aos iniciados nos seus mistérios; na Idade Média, aqueles que se ocupavam ostensivamente com esses fenômenos eram vistos como feiticeiros e queimados; porém hoje não há mistérios para ninguém e não se queima mais pessoas; tudo se passa à luz do dia, e todo o mundo é capaz de se esclarecer e praticar, porque os médiuns se encontram em toda parte.

A própria doutrina que os Espíritos ensinam hoje nada tem de novo; encontramos fragmentos dela na maioria dos filósofos da Índia, do Egito e da Grécia, e integralmente nos ensinamentos do Cristo. O que então o Espiritismo vem fazer? Ele vem confirmar por novas testemunhas, demonstrar por fatos, verdades desconhecidas ou mal compreendidas, restabelecer no seu verdadeiro sentido aquelas que foram mal interpretadas ou voluntariamente alteradas.

É verdade que o Espiritismo não ensina nada de novo, mas não seria alguma coisa provar de uma maneira patente e irrecusável a existência da alma, sua sobrevivência fora do corpo, sua individualidade após a morte, sua imortalidade, as penas e as recompensas futuras? Quanta gente crê nessas coisas, mas creem com um vago pensamento de incerteza, dizendo em seu íntimo: “Se, todavia, não for assim?”. Quantos têm sido conduzidos à incredulidade porque lhes apresentaram um futuro sob um aspecto que sua razão não poderia admitir! Isso não é nada para o crente vacilante poder dizer: “Agora estou seguro!” para o cego ver a luz novamente? Pelos fatos e pela sua lógica, o Espiritismo vem dissipar a ansiedade da dúvida e reconduzir à fé aqueles que dela se afastaram; revelando-nos a existência do mundo invisível que nos rodeia e em meio ao qual vivemos sem o suspeitarmos, ele nos faz conhecer, pelo exemplo daqueles que viveram, as condições de nossa felicidade ou de nossa desgraça no futuro; explica-nos a causa de nossos sofrimentos cá e os meios de lhes abrandar. Sua propagação terá por efeito inevitável a destruição das doutrinas materialistas que não podem resistir à evidência. O homem, convencido da grandeza e da importância de sua existência futura, que é eterna, compara-a com a incerteza da vida terrestre, que é muito curta, e se eleva pelo pensamento acima das mesquinhas considerações humanas; conhecendo as causas e objetivos de suas misérias, ele as suporta com paciência e resignação, pois sabe que são o meio de chegar a um estado melhor. O exemplo daqueles que vêm do além-túmulo descreve os seus júbilos e suas dores, provando a realidade da vida futura, prova ao mesmo tempo que a justiça de Deus não deixa nenhum vício sem punição nem virtude qualquer sem recompensa; afastando-se do mal, ele dá um objetivo à prática do bem, pois aqui não são apenas vagas teorias, mas os fatos mesmos que se desenrolam ante seus olhos. Acrescente-se, enfim, que as comunicações com os seres queridos que perdemos proporcionam uma doce consolação ao provar não somente que eles existem, como também que estamos menos separados deles do que se eles vivessem em um país estrangeiro.

Em resumo, o Espiritismo suaviza a amargura das aflições da vida; acalma os desesperos e as agitações da alma, dissipa as incertezas ou os temores do porvir, detém o pensamento de abreviar a vida por meio do suicídio; por isso mesmo ele torna felizes aqueles que se compenetraram nele e este é o grande segredo de sua rápida propagação.

Do ponto de vista religioso, o Espiritismo tem por base as verdades fundamentais de todas as religiões: Deus, a alma, a imortalidade, as penas e as recompensas futuras; mas ele é independente de qualquer culto particular. Seu objetivo é provar àqueles que negam ou que duvidam que a alma existe, que sobrevivem ao corpo; que após a morte ela sofre as consequências daquilo que ela fez durante a vida corporal; ora, isso está em todas as religiões.

Como crença nos Espíritos, é igualmente de todas as religiões, assim como é de todos os povos, porque, em toda parte onde haja homens, há almas ou Espíritos; que as comunicações dos Espíritos são de todos os tempos, e que os relatos dessas manifestações se encontram em todas as religiões, sem exceção. Pode-se, portanto, ser católico grego ou romano, protestante, judeu ou muçulmano, e crer nas manifestações dos Espíritos, e, por conseguinte, ser Espírita; a prova disso é que o Espiritismo tem aderentes em todos as seitas.

Como moral, ele é essencialmente cristão, porque aquela que ensina não é senão o desenvolvimento e a aplicação daquela moral do Cristo, a mais pura de todas, e cuja superioridade não é contestada por ninguém — prova evidente que ela é a lei de Deus; ora, a moral é para o uso de todo o mundo.

Sendo o Espiritismo independente de toda forma de culto, não recomendando nenhum e não se ocupando de dogmas particulares, não é uma religião especial, pois não possui nem sacerdotes nem templos. Àqueles que lhe perguntam se faz bem seguir essa ou aquela prática, ele responde: “Se vós credes que vossa consciência deva fazê-lo, fazei-o! Deus sempre leva em conta a intenção. Numa palavra, ele não se impõe a ninguém; ele só se dirige àqueles que têm fé, e a quem essa fé é suficiente, dirige-se à numerosa categoria de indecisos e incrédulos; ele não os retira da Igreja, porque eles estão moralmente separados dela, no todo ou em parte; ele os faz cumprir três quartos do caminho para aí entrarem; cabe a ela fazer o resto.”

O Espiritismo, por certo, combate certas crenças, tais como a eternidade das penas, o fogo físico do inferno, a personificação do diabo, etc. Contudo, não é certo que essas crenças — impostas como absolutas — em todos os tempos fizeram incrédulos e o fazem todos os dias? Se o Espiritismo, ao dar a esses e outros dogmas uma interpretação racional, conduzindo à fé aqueles que a desertaram, não presta um serviço à religião? Assim dizia um venerável eclesiástico a esse respeito: “O Espiritismo faz com que se crer em qualquer coisa; ora, é melhor crer em qualquer coisa do que não acreditar em absolutamente nada.”

Sendo os Espíritos almas, não se pode negar os Espíritos sem negar a alma. Admitindo-se as almas ou Espíritos, a questão reduzida à sua mais simples expressão é esta: As almas daqueles que estão mortos podem se comunicar com os vivos?  O Espiritismo prova a afirmativa através de fatos concretos; que provas se pode dar que isso não é possível? Se isso é possível, todas as negações do mundo não impedirão que assim seja, pois não se trata nem de um sistema nem de uma teoria, mas de uma lei da natureza; ora, contra as leis da natureza a vontade do homem é impotente; por bem ou por mal, é preciso aceitar suas consequências e ajustar a elas suas crenças e hábitos.


 

Resumo do Ensinamento dos Espíritos

1. Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas. Deus é eterno, único, imaterial, imutável, todo-poderoso, soberanamente justo e bom.  Deve ser infinito em todas as suas perfeições, pois se supormos imperfeito um só de seus atributos, ele não seria mais Deus.

2. Deus criou a matéria que constitui os mundos; também criou seres inteligentes que nomeamos Espíritos, encarregados de administrar os mundos materiais conforme as leis imutáveis da criação, e que são perfectíveis por sua natureza. Em se aperfeiçoando, eles se aproximam da Divindade.

3. O Espírito, propriamente dito, é o princípio inteligente; sua natureza íntima é nos desconhecida; para nós, ele é imaterial, pois que não tem nenhuma semelhança com o que chamamos matéria.

4. Os Espíritos são seres individuais; eles têm um envoltório etéreo e imponderável chamado perispírito, espécie de corpo fluídico, tipo de forma humana. Eles povoam os espaços, que percorrem com a rapidez dum relâmpago, e constituem o mundo invisível.

5. A origem e o modo de criação dos Espíritos nos são desconhecidas; sabemos somente que eles são criados simples  e  ignorantes,  quer dizer, sem ciência e sem conhecimento do bem e do mal, mas com igual aptidão para tudo, pois Deus, em sua justiça, não poderia isentar uns do trabalho que impôs aos outros para chegar à perfeição. No princípio, eles estão numa condição de infância sem vontade própria, e sem consciência perfeita de sua existência.

6. O livre-arbítrio se desenvolve nos Espíritos ao mesmo tempo das ideias, e Deus lhes disse: “Vós todos podeis pretender a felicidade suprema, tão logo tiverdes adquirido os conhecimentos que vos faltam e tenhais cumprido a tarefa que eu lhes impus. Então, trabalhai para o vosso adiantamento; eis o objetivo: vós o atingireis seguindo as leis que gravei em vossa consciência.”

Em consequência de seu livre-arbítrio, alguns tomam o caminho mais curto, que é do bem; outros, o mais longo, que é o do mal.

7. Deus não criou o mal; ele estabeleceu leis e todas essas leis são boas, pois Deus é soberanamente bom; aqueles que fielmente seguem essas leis é feliz; mas os Espíritos, tendo o seu livre-arbítrio, nem sempre as têm observado, e o mal é resultado de sua desobediência. Pode-se dizer que o bem é tudo o que está conforme a lei de Deus, enquanto o mal é tudo o que é contrário a essa mesma lei.

8. Como agentes da potência divina, para concorrer à obra dos mundos materiais, os Espíritos revestem temporariamente um corpo material. Pelo trabalho que sua existência corporal necessita, eles aperfeiçoam sua inteligência e adquirem, observando a lei de Deus, os méritos que lhes devem conduzir à felicidade eterna.

9. A princípio, a encarnação não era imposta ao Espírito como uma punição; ela é necessária ao seu desenvolvimento e cumprimento das obras de Deus, e todos devem acatá-la — que eles tomem o caminho do bem, ou o do mal; somente aqueles que seguem a senda do bem avançam mais rapidamente, demoram menos para atingir o objetivo e lá chegarem em condições menos penosas.

10. Os Espíritos encarnados constituem a humanidade, que não está circunscrita apenas à Terra, mas também povoa todos os mundos disseminados no espaço.

11. A alma do homem é um Espírito encarnado. Para lhe ajudar no cumprimento de sua tarefa, Deus lhe dá como auxiliares os animais que lhes são subordinados, e cuja inteligência e caráter são proporcionais à suas necessidades.

12. O aperfeiçoamento do Espírito é o fruto de seu próprio trabalho; não podendo adquirir numa só existência corporal todas as qualidades morais e intelectuais que devem conduzi-lo ao objetivo, ele o alcança por uma sucessão de existências, e em cada uma dessas existências ele dá alguns passos adiante na via do progresso.

13. A cada existência corporal o Espírito deve procurar uma tarefa proporcional ao seu desenvolvimento; quanto mais rude e laboriosa for essa tarefa, mais mérito ele tem em cumpri-la. Cada existência é então uma prova que o aproxima da meta. O número dessas existências é indeterminado. Depende da vontade do Espírito de abreviá-lo, trabalhando ativamente para o seu aperfeiçoamento moral; da mesma forma que depende da vontade do obreiro, que deve executar um trabalho, abreviar o número de dias que ele emprega em sua obra.

14. Quando uma existência foi mal empregada, é sem proveito para o Espírito, que deve recomeça-la em condições mais ou menos penosas, em razão de sua negligência e de sua má vontade; é assim que, na vida, pode-se ser constrangido a fazer, no dia seguinte aquilo que não foi feito na véspera, ou a refazer o que foi mal feito.

15. A vida espiritual é a vida normal do Espírito: ela é eterna; a vida corpórea é transitória e passageira: não é senão um instante na eternidade.

16. No intervalo de suas existências corpóreas, o Espírito é errante. A erraticidade não tem duração determinada; nesse estado, o Espírito é feliz ou infeliz, mediante o bom ou o mau emprego que tenha feito de sua última existência; ele estuda as causas que aceleraram ou retardaram seu adiantamento; ele toma as resoluções que procurará pôr em prática na sua próxima encarnação e escolhe, ele mesmo, as provas que crê as mais apropriadas para seu adiantamento: mas, algumas vezes ele se engana ou falha, não tendo como homem as resoluções que tomou como Espírito.

17. O Espírito culpado é punido pelos sofrimentos morais no mundo dos Espíritos e por penas físicas na vida corpórea. Suas aflições são a consequência de suas faltas, isto é, de sua infração perante a lei de Deus; de sorte que são, ao mesmo tempo, uma expiação do passado e uma prova para o futuro: assim é que o orgulhoso pode ter uma existência de humilhação, o tirano uma de servidão e o mau rico uma de miséria.

18. Há mundos apropriados aos diferentes graus de adiantamento dos Espíritos e onde a existência corpórea encontra-se em condições muito diferentes. Quanto menos adiantado for o Espírito, mais pesados e materiais são os corpos que ele reveste; à medida que se purifica, ele passa para mundos moral e fisicamente superiores. A Terra não é nem o primeiro nem o último, mas é um dos mais atrasados.

19. Os Espíritos culpados estão encarnados nos mundos menos avançados, onde expiam suas faltas pelas atribulações da vida material. Esses mundos são, para eles, verdadeiros purgatórios, de onde, porém, depende deles saírem, trabalhando pelo seu adiantamento moral. A Terra é um desses mundos.

20. Sendo soberanamente justo e bom, Deus não condena suas criaturas a castigos perpétuos por faltas temporárias; a todo o tempo ele lhes oferece os meios de progredir e de reparar o mal que puderam fazer. Deus perdoa, entretanto, exige o arrependimento, a reparação e o retorno ao bem; de maneira que a duração do castigo é proporcional à persistência do Espírito no mal; consequentemente, o castigo seria eterno para aquele que permanecesse eternamente no mau caminho; todavia, desde que um clarão de arrependimento entre no coração do culpado, Deus estende sobre ele a sua misericórdia. A eternidade das penas, portanto, deve ser entendida no sentido relativo e não no sentido absoluto.

21. Os Espíritos, em se encarnando, trazem com eles o que adquiriram em suas existências precedentes; esta é a razão pela qual os homens mostram, instintivamente, aptidões especiais, inclinações boas ou más que parecem inatas neles.

As más tendências naturais são os restos das imperfeições do Espírito e das quais não está inteiramente despojado; são também os indícios das faltas que cometeu e o verdadeiro pecado original. A cada existência, deve-se lavar de algumas impurezas.

22. O esquecimento das existências anteriores é um benefício de Deus que, em sua bondade, quis poupar o homem de lembranças muitas das vezes penosas. A cada nova existência, o homem é o que fez de si mesmo: isso é para ele um novo ponto de partida; conhece seus defeitos atuais; sabe que esses defeitos são as consequências daqueles que tinha; disso conclui o mal que pôde cometer e isso lhe basta para trabalhar a fim de se corrigir. Se outrora tinha defeitos que não tem mais, não precisa se preocupar mais com isso; ele já tem bastante imperfeições presentes.

23. Se a alma jamais viveu, é porque ela foi criada ao mesmo tempo que o corpo; nessa suposição, ela não pode ter nenhuma relação com aquelas que a precederam. É de se perguntar então como Deus — que é soberanamente justo e bom — pode tê-la tornado responsável da falta do pai do gênero humano, manchando-o com um pecado original que não cometeu. Dizendo, ao contrário, que ao renascer ela traz o germe das imperfeições de suas existências anteriores; que ela sofre, na existência atual, as consequências de suas faltas passadas, dá-se ao pecado original uma explicação lógica, que qualquer um pode compreender e aceitar, porque a alma não é responsável senão pelas suas obras.

24. A diversidade das aptidões inatas, morais e intelectuais, é a prova de que a alma já viveu; se houvesse sido criada ao mesmo tempo que o corpo atual, não seria segundo a vontade de Deus fazer umas mais avançadas que as outras. Por que os selvagens e os homens civilizados, os bons e os maus, os tolos e os gênios? Dizendo que uns viveram mais que os outros, e mais adquiriram, tudo se explica.

25. Se a existência atual fosse única e só ela devesse decidir o futuro da alma para a eternidade, qual seria a sorte das crianças que morrem em tenra idade? Não tendo feito nem bem nem mal, não merecem nem recompensas nem punições. Segundo a parábola do Cristo, cada um sendo recompensado segundo suas obras, não tem direito à felicidade perfeita dos anjos, nem merece dela estar privado. Diga-se que poderão, numa outra existência, cumprir o que não fizeram naquela que foi abreviada, e não há mais exceção.

26. Pelo mesmo motivo, qual seria a sorte dos cretinos e dos idiotas? [1] Não tendo nenhuma consciência do bem e do mal, não têm nenhuma responsabilidade de seus atos. Deus seria justo e bom tendo criado almas estúpidas para lhes devotar uma existência miserável e sem compensação? Admiti, ao contrário, que a alma do cretino ou do idiota é um Espírito em expiação num corpo impróprio a dar seu pensamento, onde está como um homem muito aprisionado por laços, e não tereis mais nada que não esteja conforme à justiça de Deus.

27. Nessas encarnações sucessivas, sendo o Espírito pouco a pouco despojado de suas impurezas e aperfeiçoado pelo trabalho, chega ao fim de suas existências corpóreas; ele então pertence à ordem dos puros Espíritos ou anjos, e goza ao mesmo tempo da vida completa de Deus e de uma felicidade sem mácula pela eternidade.

28. Estando os homens em expiação na Terra, Deus — um bom pai — não os deixou entregues a si mesmos, sem guias. Primeiramente, têm seus Espíritos protetores ou anjos guardiões, que velam por eles e se esforçam para conduzi-los no bom caminho; têm também os Espíritos em missão na Terra, Espíritos superiores encarnados de tempos em tempos entre eles, para clarear o caminho pelos seus trabalhos e fazer a Humanidade avançar. Se bem que Deus haja gravado sua lei na consciência, acreditou devê-la formular de maneira explícita; enviou-lhes primeiro Moisés; mas as leis de Moisés eram apropriadas aos homens de seu tempo; não lhes falou senão da vida terrestre, de penas e de recompensas temporárias. O Cristo veio em seguida para completar a lei de Moisés por um ensinamento mais elevado: a pluralidade das existências, [2] a vida espiritual, as penas e as recompensas morais. Moisés os conduziu pelo temor; o Cristo, pelo amor e pela caridade.

29. O Espiritismo, melhor compreendido hoje, acrescenta, para os incrédulos, a evidência à teoria; prova o futuro por fatos patentes; diz, em termos claros e inequívocos, o que o Cristo disse por parábolas; explica as verdades desconhecidas ou falsamente interpretadas; revela a existência do mundo invisível ou dos Espíritos e inicia o homem nos mistérios da vida futura; vem combater o materialismo, que é uma revolta contra o poder de Deus; enfim, vem estabelecer entre os homens o reino da caridade e da solidariedade anunciado pelo Cristo. Moisés lavrou, o Cristo semeou, o Espiritismo vem colher.

30. O Espiritismo não é uma luz nova, e sim uma luz mais brilhante, porque surge de todos os pontos do globo, pela voz daqueles que viveram. Tornando evidente aquilo que estava obscuro, põe fim às interpretações errôneas e deve reunir os homens numa mesma crença, porque não há senão um só Deus e suas leis são as mesmas para todos; em suma, ele marca a era dos tempos preditos pelo Cristo e pelos profetas.

31. Os males que afligem os homens na Terra têm sua origem no orgulho, no egoísmo e em todas as más paixões. Pelo contato de seus vícios, os homens se tornam reciprocamente infelizes e se punem uns pelos outros. Que a caridade e a humildade substituam o egoísmo e o orgulho, então eles não procurarão mais se prejudicarem; respeitarão os direitos de cada um e farão reinar entre eles a concórdia e a justiça.

32. Mas como destruir o egoísmo e o orgulho que parecem inatos no coração do homem? — O egoísmo e o orgulho estão no coração do homem porque os homens são Espíritos que seguiram, desde o princípio, o caminho do mal e que foram exilados na Terra em punição desses mesmos vícios; aí está ainda seu pecado original, do qual muitos não se despojaram. Pelo Espiritismo, Deus vem fazer um último apelo à prática da lei ensinada pelo Cristo: a lei de amor e da caridade.

33. Tendo a Terra chegado ao tempo marcado para se tornar uma morada de felicidade e de paz, Deus não quer que os maus Espíritos encarnados continuem aí para levar a perturbação aos bons; por isso eles deverão desaparecer. Irão expiar seu endurecimento em mundos menos avançados, onde trabalharão de novo para seu aperfeiçoamento, numa série de existências mais infelizes e mais penosas ainda que na Terra.

Nesses mundos, eles formarão uma nova raça mais esclarecida e cuja tarefa será, com a ajuda de seus conhecimentos adquiridos, fazer progredir os seres atrasados que os habitam. Daí não sairão para um mundo melhor senão quando o tiverem merecido, e assim por diante, até que atinjam a purificação completa. Se a Terra era para eles um purgatório, esses mundos serão seu inferno, porém um inferno de onde a esperança jamais é banida.

34. Ao passo que a geração proscrita vai desaparecer rapidamente, uma nova geração se eleva, cujas crenças serão fundadas sobre o Espiritismo cristão. Nós assistimos à transição que se opera, prelúdio da renovação moral da qual o Espiritismo marca o advento.

 


 

Máximas Extraídas do Ensinamento dos Espíritos

35. O objetivo essencial do Espiritismo é o melhoramento dos homens. Não é necessário procurar senão o que pode ajudar ao progresso moral e intelectual.

36. O verdadeiro Espírita não é aquele que crê nas manifestações, mas aquele que aproveita o ensinamento dado pelos Espíritos. De nada serve crer, se a crença não o faz dar um passo à frente na senda do progresso e não o torna melhor para o seu próximo.

37. O egoísmo, o orgulho, a vaidade, a ambição, a cupidez, o ódio, a inveja, o ciúme, a maledicência, são para a alma ervas venenosas das quais é necessário cada dia arrancar algum pé e que têm como antídoto: a caridade e a humildade.

38. A crença no Espiritismo só aproveitável àquele de quem se pode dizer: Hoje ele está melhor do que ontem.

39. A importância que o homem dá aos bens temporais está na razão inversa de sua fé na vida espiritual; é a dúvida sobre o futuro que o leva a procurar suas alegrias nesse mundo, satisfazendo suas paixões, até mesmo às custas de seu próximo.

40. As aflições na Terra são os remédios da alma; elas a salvam para o futuro como uma operação cirúrgica dolorosa salva a vida de um doente e lhe devolve a saúde. Por isso o Cristo disse: "Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados."

41. Nas vossas aflições, olhai abaixo de vós e não acima; pensai naqueles que sofrem ainda mais do que vós.

42. O desespero é natural naquele que crê que tudo acaba com a vida do corpo; é um contrassenso naquele que tem fé no futuro.

43. O homem quase sempre é o artífice de sua própria infelicidade neste mundo; que ele remonte à fonte de seus infortúnios e verá que para a maioria eles são o resultado de sua imprevidência, de seu orgulho, de sua avidez e, por conseguinte, de sua infração à lei de Deus.

44. A prece é um ato de adoração. Orar a Deus é pensar nele; é aproximar-se dele; é pôr-se em comunicação com ele.

45. Aquele que ora com fervor e confiança é mais forte contra as tentações do mal e Deus lhe envia os bons Espíritos para ajudá-lo. É um socorro que jamais é recusado quando pedido com sinceridade.

46. O essencial não é orar bastante, e sim orar bem. Certas pessoas creem que todo o mérito está no tamanho da prece, ao passo que fecham os olhos para seus próprios defeitos. A prece é para elas uma ocupação, um emprego de momento, mas não um estudo de si mesmas.

47. Aquele que pede a Deus o perdão de suas faltas, não o obtêm senão mudando de conduta. As boas ações são a melhor das preces, porque os atos valem mais que as palavras.

48. A prece é recomendada por todos os bons Espíritos e, por outro lado, é clamada por todos os Espíritos imperfeitos como um meio de aliviar seus sofrimentos.

49. A prece não pode mudar os decretos da Providência; contudo, em vendo que nos interessa por eles, os Espíritos sofredores sentem-se menos abandonados; são menos infelizes; ela aumenta sua coragem, excita neles o desejo de se elevar pelo arrependimento e a reparação, e pode desviá-los do pensamento do mal. É nesse sentido que ela pode não somente aliviar, mas abreviar os sofrimentos deles.

50. Orai, cada qual segundo suas convicções e o modo que acredita o mais conveniente, pois a forma não é nada, o pensamento é tudo; a sinceridade e a pureza de intenção são essenciais; um bom pensamento vale mais que numerosas palavras, que se assemelham ao ruído de um moinho e onde o coração não está à toa.

51. Deus fez homens fortes e poderosos para serem o sustentáculo dos fracos; o forte que oprime o fraco é maldito de Deus; disso recebe sempre o castigo nesta vida, sem prejuízo do futuro.

52. A fortuna é um depósito do qual o possuidor não tem senão que o usufruir, já que não o carrega com ele no túmulo;  ele prestará uma conta severa do emprego que houver feito dele.

53. A fortuna é uma prova mais perigosa do que a miséria, pois é uma tentação para o abuso e os excessos, e é mais difícil ser moderado do que ser resignado.

54. O ambicioso que triunfa e o rico que se farta de prazeres materiais são mais a lamentar do que a invejar, porque é necessário ver o outro lado. Pelos terríveis exemplos daqueles que viveram e que vêm revelar sua sorte, o Espiritismo mostra a verdade desta palavra do Cristo: “Aquele que se eleva será humilhado e aquele que se humilha será elevado."

55. A caridade é a lei suprema do Cristo: "Amai-vos uns aos outros como irmãos; — amai vosso próximo como a vós mesmos; — perdoai os vossos inimigos; — não façais a outrem o que não gostaríeis que vos fizésseis"; tudo isso se resume na palavra caridade.

56. A caridade não está somente na esmola, porque há caridade em pensamentos, em palavras e em ações. Aquela lá é caridade em pensamentos, que é indulgente para com as faltas de seu próximo; caridade em palavras, que não diz nada que possa prejudicar o seu próximo; caridade em ações, que assiste seu próximo na medida de suas forças.

57. O pobre que reparte seu pedaço de pão com um mais pobre do que ele é mais caridoso e tem mais mérito aos olhos de Deus do que aquele que dá de seu supérfluo, sem se privar de nada.

58. Quem nutre contra seu próximo sentimentos de animosidade, de ódio, de ciúme e de rancor, este falta com a caridade; ele mente e se diz cristão, e ofende a Deus.

59. Homens de todas as castas, de todas as seitas e de todas as cores, todos vós sois irmãos, porque Deus chama a todos para ele; estendei-vos, pois, a mão, qualquer que seja vossa maneira de adorá-lo e não lanceis anátema, porque o anátema é a violação da lei de caridade proclamada pelo Cristo.

60. Com o egoísmo, os homens estão em perpétua luta; com a caridade, estarão em paz. A caridade, fazendo a base de suas instituições, só ela pode, pois, assegurar sua felicidade neste mundo; segundo as palavras do Cristo, só ela pode também assegurar sua felicidade futura, porque contém implicitamente todas as virtudes que podem conduzi-los à perfeição. Com a verdadeira caridade, tal qual o Cristo ensinou e praticou, não mais de egoísmo, de orgulho, de ódio, de ciúme, de maledicência; não mais de agarramento desordenado aos bens deste mundo. Por isso o Espiritismo cristão tem por máxima: FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO.

* * *

Incrédulos! Podeis rir dos Espíritos, zombar daqueles que creem em suas manifestações; ride, pois, se ousais, dessa máxima que ele acaba de ensinar e que é a vossa própria salvaguarda, porque se a caridade desaparecesse de cima da Terra, os homens se dilacerariam mutuamente e seríeis deles, talvez, as primeiras vítimas. Não está longe o tempo em que esta máxima, proclamada abertamente em nome dos Espíritos, será uma prova de segurança e um título de confiança em todos aqueles que a carregarão gravada em seu coração.

Disse certo Espírito: "Zombe-se das mesas girantes; não se zombará jamais da filosofia e da moral que delas decorrem". De fato, é que hoje estamos longe, depois de apenas alguns anos, desses primeiros fenômenos que serviram, por um instante, de distração aos ociosos e aos curiosos. Essa moral, dizeis, é antiquada: "Os Espíritos deveriam ter bastante espírito para nos dar alguma coisa de nova." (Frase espirituosa de mais de um crítico). Tanto melhor! Se ela é antiquada, isso prova que é de todos os tempos, e os homens não são senão culpados por não a ter praticado, porque não há verdades verdadeiras senão aquelas que são eternas. O Espiritismo vem lhes chamar, não por uma revelação isolada feita a um único homem, mas pela voz dos próprios Espíritos que, semelhante à trombeta final, vêm proclamar-vos: "Crede que aqueles que chamais mortos, estão mais vivos que vós, porque eles veem o que não vedes, ouvem o que não ouvis; reconhecei, naqueles que vêm vos falar, vossos pais, vossos amigos, e todos aqueles que amastes na Terra e que acreditáveis perdidos sem retorno; infelizes aqueles que creem que tudo acaba com o corpo, porque serão cruelmente desenganados, infelizes aqueles que tiverem falta de caridade, porque sofrerão o que tiverem feito os outros sofrerem! Escutai a voz daqueles que sofrem e que vêm vos dizer: "Nós sofremos por termos desconhecido o poder de Deus e duvidado de sua misericórdia infinita; sofremos de nosso orgulho, de nosso egoísmo, de nossa avareza e todas as más paixões que não reprimimos; sofremos de todo o mal que fizemos aos nossos semelhantes pelo esquecimento da caridade".

Incrédulos! Dizei se uma doutrina que ensina semelhantes coisas é risível, se é boa ou má! Não encarando-a senão do ponto de vista da ordem social, dizei se os homens que a praticassem seriam felizes ou infelizes, melhores ou maus!

 



[1] Leia-se aqui cretinos e idiotas como aqueles que sofrem de deficiência mental, patologia cerebral tipicamente provocada por hipotireoidismo congênito, que por sua vez é uma doença do sistema endócrino em que a glândula tiroide não produz hormonas da tiroide em quantidade suficiente, causando assim má formação do cérebro — Nota do Tradutor.

[2] Evangelho de São Mateus, 17:10 e seguintes. São João, 3:2 e seguintes.