Proposto pela Deputada Tabata Amaral, o Programa Pé de Meia prevê incentivos financeiros para estudantes que concluírem as três séries do ensino médio. O programa oferece até R$ 9.200 por estudante, distribuídos da seguinte forma: R$ 200 para incentivo à matrícula, R$ 1.800 pela frequência (em 9 parcelas de R$ 200 cada), R$ 1.000 pela conclusão da etapa escolar, e R$ 200 de incentivo ao Enem para estudantes do 3º ano. Para receber os benefícios, os estudantes precisam manter uma frequência mínima de 80%.
Com previsão de alcançar cerca de 330 mil estudantes paulistas e 2,5 milhões em todo o Brasil, o programa terá um investimento de R$ 7,1 bilhões só neste ano.
Intenções ≠ Resultados
Embora bem-intencionado, o Programa Pé de Meia não resolve os problemas fundamentais da educação brasileira.
E por mais que seja importante reconhecermos que as limitações de propostas desse tipo muitas vezes estão relacionadas ao escopo das possibilidades legislativas. E a Tabata, como deputada, está igualmente refém desse universo de possibilidades. Ainda assim, o programa enfrenta desafios significativos em termos de efetividade e impacto mesmo naquilo que se propõe.
O principal problema do Programa Pé de Meia é a suposição axiomática de que a escola pública é, necessariamente, um ambiente adequado, culturalmente rico e menos nocivo para os alunos do que demais alternativas. Embora teoricamente a escola deva ser esse espaço, a realidade muitas vezes é diferente. Nas regiões periféricas e de extrema pobreza, a escola pode de fato ser mais saudável do que as "ruas" de alguns alunos. Mas ainda assim, muitos alunos inevitavelmente refletem comportamentos negativos encontrados fora do ambiente escolar, na própria escola.
É ingênuo da nossa parte, pressupormos que todos alunos na rede publica são santos, educados, civilizados e bem instruídos.
Como ex-aluno da rede pública, posso afirmar que muitos estudantes enfrentam uma série de desafios:
Desde professores despreparados, infraestrutura precária, presença de drogas e violência nas escolas. Esses problemas tornam a escola um lugar menos acolhedor e seguro para muitos alunos. E reconheço empiricamente as inúmeras limitações da rede publica. Além de que uma parcela significativa dos alunos da rede publica são reflexos daquilo que se espera evitar nas ruas. E por meio do espelhamento desse tipo de comportamento, há um meio da perpetuação de condutas das ruas, nas escolas. Quase como uma alternativa desses jovens, de tornarem da própria escola um espaço do qual possam reinar, dominar e oprimir os indefesos.
Mas são também esses alunos que normalmente faltam a escola e mais distanciam-se do ensino pelo mundo do crime ou a informalidade para terem acesso as ruas.
E quando partimos do objetivo de minimizarmos a evasão escolar, partimos da premissa de que nosso sistema educacional (atual) é disparadamente uma escolha superior a ficar em casa ou trabalhar em algum lugar. Algo que pode não ser necessariamente verdadeiro em todos os casos, mas numa parcela deles.
E eu mesmo, pós um tempo considerável na rede pública, abdiquei do ensino-médio formal e me formei através do programa Encceja, oferecido pelo governo do estado. Pois frequentar a rede pública era mais nocivo para mim do que necessariamente fortificante.
A evasão escolar é um sintoma de problemas mais profundos. Ao assumirmos que manter os alunos na escola é a solução, ignoramos as condições adversas que eles enfrentam no ambiente escolar.
E incentivarmos a frequência sem abordarmos esses problemas subjacentes, nos oferece soluções ineficazes e que podem até ser prejudiciais.
Ainda sim, o "Programa Pé de Meia" não só se propõe exclusivamente à diminuição da evasão escolar, apenas tem como critério que a frequência na escola justifique uma remuneração adequada aos alunos de baixa-renda. Mesmo assim, devemos levantar questões significativas nesse sentido, como;
"Quanto desses alunos dominam o dinheiro que lhes é dado?" "Quanto desses alunos efetivamente investirá parte de sua remuneração?" "A iniciativa do Programa Pé de Meia coincide com estudos de educação financeira na rede pública? visto que são contextos que se equivalem" "O recurso utilizado para remuneração dos jovens é retirada do valor destinado à educação, mas famílias de baixa-renda já não são remuneradas através de programas como Bolsa Família? acrescentar o critério de frequência escolar no Programa Bolsa Família, já resolveria esse mesmo problema sem retirar do valor destinado à educação, correto?"
São muitas as indagações quanto ao assunto e procurar agulha em palheiro não é meu objetivo.
A proposta de Tabata me parece bem intencionada e ela me parece muito inteligente e uma ótima pessoa. Mas meu objetivo é apenas escancararmos que enquanto não resolvermos as premissas, propostas educacionais que buscam remendar os reais problemas, de nada adiantam.
O Programa Pé de Meia investe uma quantia significativa de recursos estatais, mas não ataca a raiz dos problemas educacionais. A evasão escolar pode ser tanto um problema quanto uma resposta a condições inadequadas nas escolas. Precisamos de uma compreensão mais profunda sobre os motivos que levam os alunos a abandonar a escola.
Além de que em contextos específicos, a evasão escolar pode ser um problema ou uma solução, pois não sabemos em que proporção dos 2,5 milhões de alunos em todo o Brasil, que são propensos a largar o ensino-médio pelo somatório de critérios necessários para a remuneração, são os marginais e quais os que realmente passam dificuldades econômicas em suas casas, além dos alunos que são os dois.
Mas no fim, quais são os que realmente usufruirão corretamente dos recursos disponibilizados pelo estado?
Como diferenciarmos os que realmente agregam ao sistema? São perguntas complexas, evidentemente.
Mas os R$7.000.000.000,00 bilhões de reais não poderiam ser melhor direcionados inicialmente em transformar as redes do ensino público, num lugar que de fato cumpra as premissas esperadas? Um local do qual faça sentido ser frequentado e não nocivo. Quanto desse valor está beneficiando quem realmente merece? E a qual custo?
Antes de tentarmos resolver a evasão escolar, é crucial transformarmos as escolas públicas em locais verdadeiramente educativos e acolhedores. Melhorar a qualidade do ensino, a infraestrutura e a segurança deve ser a prioridade. Apenas então, a redução da evasão escolar fará sentido.
Quando partimos de premissas incorretas, criamos soluções inadequadas. Diminuir a evasão escolar é importante, mas só será eficaz se a escola se tornar um ambiente onde os alunos realmente queiram e devam estar. Antes de focarmos na redução da evasão, precisamos resolver os problemas estruturais da educação pública.