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O que nos propomos com esse texto é apresentar algumas inferências de nosso grupo de pesquisa – o GAIA (Grupo de Ações e Intervenções Autopoiéticas)- como contribuição à necessidade de preencher uma grande lacuna do contexto científico atual: elaborar um quadro referencial sobre a ontoepistemogênese dos processos cognitivo/afetivos dos seres humanos, que contemple o panorama complexo da ciência contemporânea e, ao mesmo tempo, ajude os educadores a pensar novas práticas, baseadas na cognição inventiva que se afastem daquelas voltadas para o formalismo, a modelização, a recognição, a representação e, principalmente, a clivagem entre vida e conhecimento. Aliás, digamos aqui, já antecipando o cerne de nosso quadro teórico, viver/conhecer é o nosso eixo organizador de todas as investigações do GAIA. Com isso, tomamos, pois, a liberdade de lançar um desafio aos colegas que pesquisam nesse campo: propor o termo ontoepistemogênese para designar esse processo de complexificação de um ser humano que, ao se acoplar com seu ambiente, passaria por um processo de transformação integral de todas as dimensões desse ser. Colocando essa problemática em termos de uma questão central de pesquisa propomos: o conceito de ontoepistemogênese poderia responder à necessidade de explicitar esse processo complexo de auto-constituição dos sujeitos no processo de viver, em que o conhecer e o devir dos sujeitos em complexificação crescente são dimensões inseparáveis do ser?
O eixo em torno do qual organizamos nossas idéias situa-se no entrelaçamento de alguns pressupostos fundamentais do Paradigma da Complexidade, com ênfase na cibernética e seus desdobramentos, como aqueles oriundos da teoria da “Biologia do Conhecer” de H. Maturana e F. Varela, da “Enação” de F. Varela e da “Complexificação pelo ruído” de Henri Atlan. Esses cientistas construíram suas teorias na esteira do movimento cibernético e, assim, fizeram um giro epistemológico na forma de abordar a realidade e o conhecimento.
Considerando-se as novas pesquisas que têm sido desenvolvidas nas ciências complexas (Bio-cibernética, Termodinâmica, Neurociências, e outras), consideramos que as ciências cognitivas em geral e a Epistemologia Genética, em particular, chegam a um limite em relação às tarefas de articulação requeridas por um novo paradigma. Esse limite se deve, antes de tudo, ao fato de ainda lidarem com a representação, o que significa manter uma dicotomia em relação à realidade que fica cindida entre interior e exterior, entre sujeito e objeto, entre conhecer e viver. Assim, nos perguntamos: como elaborar um quadro consistente e coerente com o novo paradigma complexo, através do conceito operador que dê conta do viver? A este conceito- princípio estamos dando o nome de ontoepistemogênese.
As ciências cognitivas, apesar de terem realizado a importante tarefa de trazer para o campo da investigação científica, com as correspondentes pesquisas empíricas, as questões do conhecimento e da mente entregues até então às especulações da filosofia e, até mesmo de uma certa psicologia, ainda apresentam, hoje, fortes características de um formalismo, que deixa de lado a ação efetiva do sujeito e as questões da experiência caindo, assim, novamente no engodo das velhas dicotomias cartesianas.
A Epistemologia Genética de Jean Piaget teve o grande mérito de romper com as posturas inatistas e empiristas da tradição epistemológica que permaneceram atuantes porque reinterpretadas na modernidade. Esse mérito piageetiano se estende até mesmo pelo fato de ter incorporado alguns princípios cibernéticos (equilibração majorante, abstração reflexiva e outros). É preciso que se reconheça, ainda, e, se destaque a atitude de Piaget de chamar a atenção para a necessária integração entre afetividade e cognição, ao analisar o funcionamento das estruturas mentais. Mas, apesar de todas essas rupturas a obra teórica de Piaget ainda está presa às questões de invariância, equilíbrio, representação, formalização, categorizações, reversibilidade e, até mesmo, fragmentações, pela ênfase nos laços lógicos do conhecimento. Há uma clara alusão à tendência à estabilidade e referência externa. Alguns desses pressupostos sustentaram a física newtoniana, em particular, e a ciência clássica, de modo geral. O fulcro da preocupação piagetiana é a gênese do pensamento racional e o marcador de desenvolvimento desejável no sujeito adolescente é o pensamento hipotético-dedutivo.