O rígido sistema alemão de ensino, sobreposto pela antipedagogia de alguns professores (como o sr. Thebas), não tirou de Albert seu interesse pela ciência e pelos clássicos da filosofia. Da Crítica da Razão Pura aos Princípios Matemáticos da Filosofia Natural – o espectro de leitura de Albert ia se ampliando e com ele o interesse pelo universo natural, pela ciência e tecnologia.
Seu tio Jakob iria visitá-los hoje à noite, para um jantar em família. Engenheiro como seu pai, animava as conversas trazendo as novidades tecnológicas e científicas de Berlim. Na última visita trouxe para Albert e Maja, sua irmã menor, “o livro sagrado da geometria”: O Tratado de geometria para uso em estabelecimento de Ensino Superior, de Eduard Heis e Thomas Joseph Eschweiler. Os três ficaram horas analisando as singularidades do livro e as inúmeras formas apresentadas pelos autores para o desenvolvimento de teoremas e princípios já amplamente conhecidos, como o Teorema de Pitágoras por exemplo.
Nesta noite Jakob traria consigo um jovem estudante de medicina de origem russa. Max Talmud, aos 21 anos, também revelava grandes interesses pela ciência e pelas infindáveis possibilidades de transformá-la em tecnologias do dia a dia. Adorava a forma como a ciência e a medicina se cruzavam – Quem diria que as mesmas lentes já utilizadas para facilitar a leitura a presbíopes, permitiram a Galileu (com o telescópio) mergulhar no Universo distante e a van Leeuwenhoek (com o microscópio) no Universo microscópico?
Chegaram às 19h. O clima quente e o dia ainda claro estavam propícios para uma conversa ao ar livre, nos fundos da casa, ao sabor de uma tradicional cerveja alemã. Albert e Maja iam de suco de maçã.
Tão logo se acomodaram, Albert já inquiriu seu tio. Queria saber com o que estava trabalhando recentemente – O que de novo estava sendo criado pelas bandas de Berlin?
– Estamos desenvolvendo agora um novo tipo de máquina. Chama-se motor elétrico. Foi desenvolvido já faz uns anos pelo sr. Siemens, mas somente agora estamos com o projeto na planta para a fabricação na empresa. Tem muita gente que não acredita nessa máquina, mas eu imagino que poderá ser bem útil no futuro.
– E o que ela poderá fazer exatamente tio?
– Muitas coisas...
– Tipo?
Jakob deu uma risada alta, compassada e continuou:
– Essas máquinas são, em geral, pequenas, muito menores que os motores utilizados nas litorinas e locomotivas. Elas também são mais eficientes, duradouras, silenciosas e produzem um torque maior que o motor a vapor. Imagine utilizar essas máquinas para tracionar as charretes e carroças de carga? Poderíamos dar férias aos pobres cavalos e permitir que eles pastem e corram em paz.
– É uma ideia interessante, sr. Jakob – prosseguiu o estudante de medicina – Todavia, parece-me que estão testando essa máquina para uso em trens urbanos. Se não me engano é chamada de tranvia ou bonde elétrico... mas até onde sei ainda não conseguiram resolver o problema da alimentação elétrica. Diferentemente dos motores a vapor, a lenha é levada com o trem. Mas no motor elétrico, como levar energia dentro dele?
Mais uma vez Jakob disparou uma risada alta:
– Boa pergunta, boa pergunta. Vou deixá-la para o Albert responder.
– Mas eu não sei a resposta tio.
– Ainda não, ainda não...
O jovem Einstein havia conseguido ingressar na escola politécnica de Zurique, na Suiça, logo após renunciar a cidadania alemã. Não simpatizava com a mentalidade militar que o país estava seguindo e, um ano antes do prazo máximo para o alistamento militar obrigatório, resolveu deixar a região natal de Wurttemberg e procurar um ambiente mais propício para seu desenvolvimento intelectual.
Foi na escola Politécnica que conheceu Mileva Maric, uma estudante de Física de origem sérvia que se mudou para Zurique ao saber que estavam aceitando mulheres nos departamentos da escola politécnica (a politécnica de Zurique foi a primeira instituição europeia a aceitar mulheres na escola superior). A turma de cinco estudantes possuía somente ela como aluna, o que, na época, era uma tremenda novidade.
- Você compreendeu aquela passagem? Perguntou Albert à Mileva, em meio a demonstração do momento de inércia de uma esfera sólida, na aula de Física Estática.
- Qual passagem? A demonstração do elemento diferencial de volume?
- Não não, acima, na determinação da distribuição volumétrica de massa.
- Ah sim... ele somente generalizou a função da massa em relação ao volume para estabelecer a relação entre os termos diferenciais.
- Ahhhhh, sim, entendi - Essa demonstração já era conhecia por Albert há anos. Sabia todas as etapas, de cor e salteado, por variados métodos. Mas como não conseguiu pensar em outra maneira de se aproximar de Mileva, apelou para uma pergunta funcional. Não queria de modo algum testar o conhecimento dela. Queria somente achar um pretexto para trocar algumas palavras.
Mileva era introspectiva e objetiva. Não gostava de conversas imprecisas, difusas. Ia direto ao ponto, rápida e certeira. Assim atingiu o coração de Albert, de modo rápido e certeiro. Se tornou muito mais que sua esposa. No desenvolvimento da teoria da Relatividade, os dois passavam horas analisando juntos as condições e os postulados com base na física desenvolvida até o momento. Mileva ressoava as ideias de Einstein, à sua altura. Rebatia suas dúvidas com fundamento e suas certezas com questionamentos.
Albert trabalhava em um escritório de patentes, avaliando pedidos de inventores e elaborando os relatórios de modo compreensível. Para qualquer pessoa este trabalho poderia ser tedioso, mas ele adorava ler as propostas de inovações tecnológicas em primeira mão. Sentia-se como um confidente de cientistas e inventores, a quem era confiado um segredo de grande valor. Lia e relia cuidadosamente as descrições de funcionamento, de montagem, os testes de rendimento e desempenho das inovações que lhes eram dadas ao cuidado. Sempre gostara das aplicações práticas da ciência e chegou, antes de decidir pela Física, a pensar em ser engenheiro, trabalhando na mesma área que o pai. Ademais, quando não havia patentes para analisar, podia se reservar no seu gabinete e desenvolver suas próprias ideias, em um ambiente calmo e espaçoso.
O salário anual de 3500 francos suíços poderia não ser nenhuma fortuna, mas garantia a ele, sua esposa Mileva e ao pequeno Hans, com 10 meses, uma relativa tranquilidade financeira. Agora cidadão suíço, Albert e família tinham pátria, casa e raiz. Viviam em uma pequena cidade, Berna, na região noroeste da Suíça, próxima às fronteiras com França e Alemanha. Ainda assim tinha ambições de continuar com suas pesquisas e sonhava com uma cátedra universitária.
Naquela sexta feira chegou em casa um pouco mais cedo que o usual. Não tinha nenhuma patente para analisar e queria aproveitar o final de semana para concluir seu artigo sobre o Efeito Fotoelétrico. Tinha convicção que seria um trabalho de extrema importância e que poderia galgá-lo a ao posto de professor em algum instituto de pesquisa ou em alguma universidade. Ao som do piano tocado por Mileva, redigia os últimos parágrafos do artigo. Hans dormia profundamente no quarto do casal. Era o ambiente perfeito para se concentrar. Entre uma música e outra, lia para a esposa o que acabara de escrever. Por vezes encontrava aprovação. Em outras, Mileva trazia advertências, corrigia estruturas gramaticais, questionava as conclusões.
- E se eu trocar esse somatório discreto por uma soma integral?
- É uma opção, você vai seguir os caminhos do artigo de Planck sobre a quantização da energia. Qual a condição para a ocorrência do efeito fotoelétrico?
- A energia do fóton deve ser maior que a função trabalho da material.... – pausou Einstein por um instante – estou com fome, acho que preciso comer alguma coisa.
Foi para a cozinha, onde encontrou uma lata com carne de porco cozida – Mi, você quer carne de porco com pão. Vou fazer um para mim.
- Quero, quero sim. Aproveite que o fogão está aquecido e esquente a carne. Ahhh, passe manteiga no pão e o deixe tostar sobre a chapa.
Enquanto Einstein coloca mais lenha para queimar no fogão, observa um feixe de luz que adentra na cozinha pela pequena janela superior. A luz do Sol poente atravessa o cômodo e incide sobre a colher que Eisntein utiliza para pegar a carne da lata e colocar sobre a panela que já tinha deixado sobre o fogão. A colher, levemente aquecida pela luz do Sol, levou Albert a pensar nas aplicações práticas da transmissão de calor pelo processo de radiação.
- Você já pensou se pudéssemos gerar algum tipo de radiação que aquecesse o alimento, sem precisar deixa-lo sobre o fogão?
- Que tipo de radiação?
- Não sei ao certo. A sr. Curie demonstrou recentemente que isótopos de rádio e polônio emitem um tipo de radiação bastante energética, mas parece ser agressiva à saúde humana. Teria que ser uma radiação inerte, mas ao mesmo tempo energética.
- Sim, poderia ser algum tipo de onda eletromagnética. Já pensou, que prático, deixar o alimento sendo aquecido dentro de uma máquina emissora de radiação?
- Certamente o sanduiche já estaria pronto – se explicou Albert. Nós compraríamos assim que lançado – vislumbra Albert enquanto já dava a primeira mordida no sanduiche olhando estaticamente para o feixe de luz que continuava entrando pela cozinha.
- Compraríamos, com certeza.... agora pare de enrolação e volte ao seu artigo. Não será comendo sanduiches de porco que você irá ganhar o Nobel de Física – E voltou a tocar o piano, rindo, enquanto Albert sentou-se à mesa para finalizar o artigo.
Durante os cinco últimos anos, a relação entre Albert e Mileva foi se desintegrando. A família mudou-se para Berlin em abril de 1914, quando Albert foi convidado para ocupar uma cadeira de livre docência na Universidade de Berlin. Era um sonho para ele, um pesadelo para Mileva. Distante dos pais e afastada dos poucos amigos que tinha em Berna, viu-se sozinha e abandonada em uma grande e movimentada cidade. Não conhecia ninguém, permanecia em reclusão domiciliar. Só tinha seus filhos.
As inúmeras viagens que Albert vinha fazendo para divulgar seus trabalhos o afastavam ainda mais Mileva, Hans e Eduard. Mas este não era os principal motivo dos desgastes com a família. Quando em casa, passava horas isolado no escritório pensando no desenvolvimento da teoria da relatividade geral - Pai, o almoço está servido. Vem comer? – perguntou o jovem Eduard, com a porta entreaberta, prensando o rosto entre a porta e o caixilho - Agora não posso, deixe-me trabalhar – respondeu sem sequer olhar para o filho. Não o veria mais, por um bom tempo.
Mileva já há algum tempo desconfiava que Albert possuía interesse por outra mulher. Não sabia ao certo quem era, mas imaginava que era uma douta de Berlin, afinal, a universidade era o único local em que ele passava os dias – Como pode? Estamos só a dois meses aqui nesta cidade. Não consigo acreditar que se interessou por outra em tão pouco tempo. Deve ser alguém já conhecida – pensava enquanto servia os pratos dos filhos.
A resposta não tardaria a se revelar. Albert tinha o costume de deixar entre as páginas dos livros as notas de suas aulas. Algumas, já amareladas, permaneciam por anos entre as mesmas páginas e somente eram acionadas, quando muito, uma vez por semestre para revisitar as passagens mais complexas da aula. Neste dia, em meio à pilha caótica de livros abandonados sobre a escrivaninha da sala, Mileva pode perceber uma pequena orelha de um papel fresco, ladeado por tantas outras tiras que se sobressaiam às páginas do velho livro de Termodinâmica, uma matéria tão dominada por ele que já seria capaz de ensinar até em grego. Nem bem terminou de puxar o papel e seu conteúdo já se revelava. A carta de palavras amorosas de Elsa Löwenthal pra Albert era o estopim que Mileva precisava para se libertar daquela prisão e retornar para a Sérvia, de onde achava que jamais deveria ter saído.
- Então é com a Elsa que você vem se encontrando? - Entrou pelo escritório com a carta em uma mão, enquanto a outra lançava a porta contra a parede – Como pode? Como você pode ser tão baixo? Sua prima? É isso mesmo? Você está tendo um caso com sua prima?
- Mileva... Espere, eu poso ... – e com a mesma fúria que entrou, Mileva saiu do escritório, levando a maçaneta na mão, após fechar a porta com toda a força que poderia fazer.
...
Einstein se correspondia com Elsa há alguns meses, desde que havia sido indicado para a Universidade de Berlin. Tinha ela como uma pessoa de confiança e que poderia lhe ajudar a se instalar na nova cidade, como já o fizera quando chegara, ainda menino, em Munique. Albert e Elsa, primos maternos de primeiro grau e paternos de segundo, conviveram por anos em jantares e festas de família e amigos. Tinham grande carinho um pelo outro e brincavam que, quando adultos, inventariam uma máquina de teletransporte para, juntos, conhecer os quatro cantos de mundo, de graça.
O casamento de Elsa com Max Löwenthal, aos 16 anos, os separou. Einstein não entendera, à época, como ela, tão afrente do seu tempo, poderia ter casado tão cedo. Pouco tempo depois, descobriu. Elsa estava gravida de sua primeira filha, Ilsa. Agora, quase vinte anos depois, o divórcio de Elsa e a crise conjugal entre Einstein e Mileva os aproximava novamente. Desta fez, para sempre.
A noite estava fria e chuvosa, uma típica noite de março. O navio atracado no porto de Hamburgo já tinha os quartos de Albert e de Elsa preparados. Ficariam no 3º andar, quarto 3403, no final do corredor 4, em um pequeno aposento de tripulantes. Seriam atendidos por Rudolf Slek, um camareiro de origem judaica que trabalhava na SS Hamburg há vários anos. Era alguém de confiança e que levaria as refeições para o casal. Nas horas vagas, faria companhia ao cientista, ouvindo-o falar sobre a teoria da relatividade ou desafiando-o para rápidas partidas de xadrez. Aos cuidados de Sllek, o casal certamente não seria descoberto por ninguém, muito menos pelos oficiais do Führer.
Há alguns meses a vida na Alemanha estava insuportável. Einstein, após declarações antagônicas à Hitler, tinha a cabeça a prêmio – 20 mil marcos, ironicamente o mesmo valor que recebeu pelo Nobel de Física com os trabalhos sobre o Efeito Fotoelétrico. Há algumas semanas um bando de tropas do exército invadiram sua casa de verão em Caputch, sob a acusação de que estava reunindo um grande arsenal de armas, munições e explosivos para derrubar o governo. Não encontraram muita coisa além de uma faca de cortar pão, já enferrujada pela falta de uso. Depois desse evento, decidiram fugir da Alemanha, refugiando-se em um país que poderia oferecer recursos para pesquisas, segurança e uma cerveja que pudesse, ao menos, lembrar da Alemanha.
- Elsa, temos que ter cuidado, os oficiais estão patrulhando as ruas procurando opositores. Parece-me que só hoje prenderam 4 jornalistas, 3 deles eram judeus.
Elsa colocou sobre os ombros o longo casaco de lã. Cobriu a cabeça com um chapéu Clochê e recolheu da mesa alguns pertences pessoais. Embora tinham seus nomes nas listas de inimigos do estado nazista, o inspetor da imigração do porto, Tien Talmud, não podia esperar por retribuir à Einstein a enorme gentileza que sua família fizera ao receber seu primo Max em almoços e jantares em Munique.
Einstein e Elsa saíram do quarto do hotel, quase adjacente ao porto, às 21:00h. Não levariam mais do que cinco minutos caminhando, mas tomar um táxi foi inevitável. Mesmo de chapéu, os cabelos de Albert poderiam ser reconhecidos a centenas de metros. Chegaram ao porto às 21h:10min, 20 min antes do navio partir. A imigração já estava encerrada e o embarque finalizado. Para evitar o check-in, Tien levou na noite anterior a pequena mala de Albert e Elsa para sua cabine no posto de imigração. Lá entregaria discretamente a mala e conduziria Albert e Elsa para a entrada de tripulantes, onde Slek estaria os esperando para levá-los ao quarto. Da porta até o pequeno aposento foram poucos metros percorridos por dois corredores vazios e escuros. Entraram no quarto em silêncio e permaneceram assim por duas semanas, até desembarcarem no porto de Nova Iorque.
Eintein tomava seu café da manhã quando ouviu o toque da campainha. Achou um tanto estranho, não aguardava ninguém e o temprano horário não era adequado para visitas casuais. Era Leo Szilard, um físico teórico que, como ele, radicou-se no Estado Unidos após fugir de uma Europa que visivelmente caminhava para o abismo.
- Bom dia sr. Eintein. Desculpe-me o horário. Quis garantir que chegaria antes de sua saída para a universidade.
- Certamente foi bem-sucedido, meu nobre amigo. Hoje devo ir a Princeton somente de tarde. Ficarei em casa para esfriar a cabeça. Ando um pouco preocupado com as notícias do velho mundo.
- Eu também, eu também. É na verdade isso que me traz aqui, Albert. Ontem recebi uma carta de Svairov, em físico experimental com quem trabalhei em Stuttgart. Ele me alertou que os alemães estão aumentando, e muito, a extração e reserva de urânio e polônio. Aparentemente os trabalhos de Irène J. Curie e Enrico Fermi, sobre a fissão nuclear, já chegaram às altas patentes do 3º Reich. Eles provavelmente estão desenvolvendo um artefato de fissão nuclear. Se conseguirem, teremos um grande problema.
- Sim, um artefato nuclear nas mãos de Adolf Hitler... é o fim. Mas o que poderemos fazer? O que tem em mente?
- Não sei muito bem, mas creio que temos que informar o governo. É importante que esse fato seja de conhecimento de Roosevelt e de outros líderes. Podemos redigir uma carta, alertando-os das intenções do exército alemão e dos perigos do uso de um artefato como esse.
-E não corremos o risco de que os americanos construam a bomba antes, utilizando-a em cidades inteiras e exterminando idosos, mulheres e crianças inocentes?
- Jamais. Os Estados Unidos não fariam uma atrocidade como essa! Hitler sim, mas os americanos, não...
Se você quer que Einstein ajude Szilard a escrever uma carta ao presidente Roosevelt, clique no botão abaixo.
Se você quer que o Albert decline da proposta de Szilard não escrevendo a carta ao presidente Roosevelt, clique no botão abaixo !