Como um sistema de trabalho maçônico inglês, é um dos mais tradicionais do mundo e, se o considerarmos em termos de organização, de início de prática de acordo com registros antigos, está entre os mais antigos do mundo, servindo de base para outros rituais, inclusive estruturação de ritos, propriamente ditos.
Por não encontrar literatura deste tema no país, resolvi pesquisar fora e assim editar esta obra, para então compartilhar com os demais irmãos o resultado de minhas pesquisas, e assim, mesmo que de forma singela, ajudar na boa prática deste tão belo, simples e ao mesmo tempo profundo, Sistema de Trabalho Maçônico.
Minha esperança é que esta obra possa ajudar aos praticantes do Ritual de Emulação, principalmente a dar-lhes consciência de que não podemos permitir que ocorra com ele o que aconteceu com alguns Ritos, que ao longo do tempo foram sendo modificados ao bel prazer individual de Lojas e/ou Irmãos, afastando-se e muito do seu original.
O Ritual de Emulação é tradicional, é praticado da mesma forma há quase dois séculos, e funciona bem assim.
Mais do que ficar modificando rituais, o maçom deve preocupar-se com seu crescimento pessoal de forma ética, sem se esquecer da fraternidade e da solidariedade.
Ser um construtor social implica no aparar diário das imperfeições da conduta humana.
Somos falhos porque somos humanos e, justamente por sermos humanos, é que somos falhos.
A definição mais comum de Maçonaria é a de que “Maçonaria é um belo sistema de moralidade velado em alegorias e ilustrado por símbolos” (ZELDIS, 2011). Isto já diz muito sobre a instituição e o seu modo de ensino e aprendizagem, que ocorre por meio de rituais repletos de alegorias e expressões simbólicas. No entanto, entre o desdobramento do ritual e o comportamento moral dos seus praticantes há um mecanismo psicológico que não pode ser ignorado e cuja compreensão pode colaborar um melhor entendimento da razão da Maçonaria atrair ao longo dos séculos o interesse de tantos distintos homens e a ira de tão perigosos inimigos, como os nazistas, papas e o Comintern – Comité Comunista Internacional (ROBERTS, 1969).
Este estudo tem por objectivo analisar as influências psicológicas que a prática ritualística maçónica, as suas falas, movimentos, símbolos, dramas e alegorias, podem ter sobre os seus praticantes.
Muitos talvez possam julgar os rituais maçónicos como ingénuos, ultrapassados, estranhos ou até mesmo supersticiosos. Serão apresentados neste estudo indícios de que tanto os rituais como a mitologia possuem as mesmas fontes de origem – o inconsciente (CAMPBELL, 2007; JUNG, 2005).
Há, sem dúvida, inúmeras diferenças entre as religiões e mitologias da humanidade, e todas estas, de uma forma ou de outra, podem ser encontradas em alguma medida, representadas nas alegorias maçónicas (MAXENCE, 2010).
Foi em 1900 que Sigmund Freud apresentou ao mundo a sua teoria do Inconsciente, na obra “A interpretação dos sonhos” (FREUD, 1972). O conceito de Inconsciente já existia de alguma forma desde a Grécia Antiga, contudo foi somente com Carl Gustav Jung que tal teoria encontrou a sua plenitude, alcançando um sentido mais amplo, quando o mesmo diferenciou a actuação do inconsciente de uma camada mais profunda, que chamou de Inconsciente Colectivo, que são formas ou imagens de natureza colectiva que se manifestam praticamente em todo o mundo como constituintes dos mitos e, ao mesmo tempo, como produtos individuais de origem inconsciente, que influenciam toda a nossa psique (JUNG, 2011c).
Ao contrário da escola freudiana, que afirma que os mitos estão profundamente enraizados dentro de um complexo do inconsciente, para Jung, a origem atemporal dos mitos reside dentro de uma estrutura formal do inconsciente colectivo. Torna-se assim uma diferença considerável para Freud, que nunca reconheceu a autonomia congénita da mente e do inconsciente, enquanto que, para Jung havia uma dimensão colectiva inata e com autonomia energética.
As ideias apresentadas por Jung foram o embasamento científico que o estudioso das Religiões e Mitologias Comparadas, Joseph Campbell, adoptou para sustentar as similaridades existentes entre todas as religiões e mitologias da história. Tal conceito chamado anteriormente de “Monomito” [1] por Jaymes Joyce, foi esmiuçado por Campbell, que mostrou todo o roteiro da manifestação arquetípica do herói, que se encontrava representado em todo o mundo como um arquétipo do Inconsciente Colectivo (JUNG, 2010; JUNG, 2011a).
Assim, será com base nas obras de Campbell e Jung o desenvolvimento deste artigo, que visa comparar e reapresentar o simbolismo maçónico sob a óptica científica da Psicologia Junguiana e da Ciência das Religiões.
Índice
Análise Comparativa da Psicologia Junguiana com o Simbolismo Maçónico
O Templo Maçónico do Rito Escocês e a Psique Humana
Nível 1 – Consciência: Sala dos Passos Perdidos
Nível 2 – Pré-consciência: Átrio
Nível 3 – O Inconsciente Pessoal: O Templo Maçónico
Nível 4 – Inconsciente Colectivo: Sólio do Oriente
Os efeitos e sinais da Ritualística Maçónica no Inconsciente
Conclusões
Bibliografia
O que é um Símbolo? [2]
Os símbolos são, em síntese, metáforas e compêndios de um conhecimento sensivelmente elevado (CAMPBELL, 2007), mas que em outras palavras, são manifestações exteriores dos arquétipos. Os arquétipos só se podem expressar através dos símbolos em função de se encontrarem profundamente escondidos no inconsciente colectivo, sem que o indivíduo os conheça ou possa vir a conhecer (JUNG, 2011b). Desta forma, no nosso nível comum de consciência, para compreendermos um elevado sentimento contido no Inconsciente Colectivo, necessitamos dos símbolos, gestos existentes desde o início da humanidade (CAMPBELL, 2008; JUNG, 2011a).
Estas afirmações precedentes necessitam de um exemplo hipotético: O amor da mãe para com o seu filho jamais seria compreendido por palavras ou descrições objectivas, como números ou letras. Em vez disto, podemos, ao invés de escrever sobre tal amor, apenas apresentar o conhecido símbolo do coração. Deste modo, mesmo que parcialmente, a noção que teremos a respeito do amor de uma mãe para com o seu filho, será muito mais próxima do que as expressadas por meras palavras (JUNG, 2011d).
As mitologias e sentimentos são comumente manifestados por meio de símbolos e gestos. Do mesmo modo, a Maçonaria actua através da ritualística das suas iniciações e instruções. Os símbolos e gestos actuam como um catalisador de sentimentos dos seus praticantes através do mito trabalhado pelo grupo-cultura (CAMPBELL, 2008). O avanço moral que a Maçonaria proporciona aos seus adeptos é, além de consciente, educativo e ético, também um reforço psicológico.
A diferença crucial entre símbolo e arquétipo é que o primeiro pode ser visto e em alguns casos também tocado e sentido, ao passo que o segundo pode ser apenas sentido, e mesmo assim, somente por intermédio do primeiro. Portanto, para que haja símbolos, deve antes haver arquétipos, pois aqueles são a manifestação destes em menor escala (JUNG, 2011d; JUNG, 2012). Contrariamente a esta teoria junguiana agora apresentada, observamos na psicanálise de Freud outra visão dos arquétipos, que se encontra centrada nos três arquétipos relativos ao chamado “Complexo de Édipo”, que, pelas suas características peculiares, possui proximidades com a antropologia e com a linguística, ao passo que a visão apresentada neste artigo, Junguiana, possui proximidades com os conceitos do Inconsciente Colectivo sustentados pelo sociólogo francês Émile Durkheim, um dos pais da Sociologia Moderna, onde na sua obra o define como o conjunto de crenças e sentimentos autónomos de uma sociedade (DURKHEIM, 2004). As suas teorias também influenciaram Freud, mas com devido efeito, acham-se proficuamente delineadas nas obras de Jung.
Os maçons são unanimes em dizer que o Templo Maçónico [3] é simbólico, e como já vimos, o símbolo é muito mais do que mera ornamentação artística para representar algo (JUNG, 2012). Importante registar que o templo maçónico não é uma réplica do Templo de Salomão, se não apenas simbolicamente inspirado no Templo de Salomão, mas contendo muitas outras influências, de acordo com o Rito adoptado (ISMAIL, 2012). No caso do presente estudo, refere-se a um templo do Rito Escocês Antigo e Aceito.
Portanto, toda a ornamentação e divisão do templo não é fruto do acaso, a começar pela Sala dos Passos Perdidos, mais adiante o Átrio, a Câmara ou Caverna de Reflexões, e finalmente o Templo em si. Todos estes compartimentos são estágios há muito tempo utilizados para separar o sagrado do profano (VAN GUENNEP, 2011).
Neste contexto, o ritual tem por objectivo a realização da passagem de um estado de consciência para outro, estados esses chamados maçonicamente de profano e sagrado, e em última análise, o templo com as suas divisões simboliza o estado de consciência em que nos encontramos. Desta forma, o templo em si representa um estado intransponível de pureza e santidade para os seus membros. As funções-cargos expressas no ritual e as disposições do templo são personificações simbólicas das leis psicológicas que actuam na psique (CAMPBELL, 2007; MAXENCE, 2010), conforme será demonstrado neste estudo.
Rituais ou simples gestos simbólicos identificam a nossa consciência com o campo essencial de acção. O soldado que retorna da guerra, ao passar pelo Arco do Triunfo, um rito de passagem, acaba deixando a guerra para trás. Da mesma forma, ao passarmos pela sala dos passos perdidos e posteriormente pelo átrio, sabemos que estamos num local consagrado para a prática do bem, o Templo Maçónico. Assim, as salas que antecedem o templo, cumprem a função psicológica de devidamente introduzir o adepto num local que, por meio dos seus símbolos, colabora para o ingresso a um estado da consciência necessário para que o ritual cumpra o seu dever cognitivo de forma efectiva (JUNG, 1978; VAN GUENNEP, 2011).
De acordo com a psicologia analítica de Carl G. Jung, a psique divide-se em três níveis: A consciência, o inconsciente pessoal e o inconsciente colectivo (HALL & NORDBY, 2010). Conforme se segue abaixo, tais divisões se conciliam em significados e funções com os cómodos de uma Loja Maçónica do Rito Escocês Antigo e Aceito, ou seja, sala dos passos perdidos, átrio e templo, sendo que na parte interior, teremos o ocidente e o oriente.
A consciência é a única parte da psique a qual conhecemos directa e objectivamente (HALL & NORDBY, 2010), e nela tudo ocorre geralmente de forma racional e lógica. Da mesma forma, isto também ocorre antes de entrarmos no templo, pois é na sala dos passos perdidos que tudo ainda ocorre de forma desprovida de questões oníricas, sem sinais ou gestos simbólicos.
O significado psicológico de persona, para Jung, é aquela parte da personalidade desenvolvida e usada nas nossas interacções mundanas, ou profanas, no vocabulário maçónico. É a nossa face externa consciente, a nossa máscara social, como veículo não da nossa real vontade, mas da nossa necessária aceitação (JUNG, 1978; HALL & NORDBY, 2010). Assim que, nas iniciações maçónicas, o gesto dos candidatos serem despidos de todos os metais, e iniciarem todos exactamente da mesma forma, significa que, naquele momento, o indivíduo despe-se das suas personas. Este desprendimento faz-se necessário visto que, conforme Jung, no nível do inconsciente pessoal – que citaremos logo adiante – não há persona, a qual se manifesta apenas no nível consciente.
O crescimento psicológico ocorre, de acordo com Jung, quando alguém tenta trazer o conteúdo-conhecimento do inconsciente, para o nível consciente, e estabelecer uma relação entre a vida consciente e o nível arquetípico da existência humana (JUNG, 1978; JUNG, 2011b). O homem que assim o fizer, haverá de reconhecer as origens dos seus problemas no próprio inconsciente, pois a pessoa que não torna consciente as suas limitações e defeitos, acaba por projectar sobre os outros tais percepções negativas (HALL & NORDBY, 2010). Fazendo o devido paralelo, o crescimento na senda maçónica somente ocorre quando se aplica no chamado mundo profano o que se estuda e aprende no mundo maçónico, que é neste quadro comparativo o referido inconsciente pessoal, e assim tem-se a oportunidade de transformar o conhecimento em sabedoria.
Para Freud, a consciência humana subdivide-se em três níveis, chamados de Consciente, Pré-Consciente e Inconsciente. O estado intermediário entre a Consciência, abordada no Nível 1, e o Inconsciente, que será abordado no Nível 3, é o de Pré-consciência, o qual tem por característica uma experiência munida de relativo equilíbrio entre um material perceptível e um material latente (FREUD, 1972).
Desta forma, tem-se o átrio do templo maçónico como representativo desse estado de pré-consciência, visto o átrio, apesar de muitas vezes interpretado como sendo uma extensão do templo, é fisicamente um cómodo intermediário entre a sala dos passos perdido e o templo maçónico. Nele ocorre o momento de transição entre os estados psicológicos, em que os maçons se concentram, geralmente com as luzes apagadas, para se desvencilharem dos problemas e pensamentos do chamado “mundo profano” e adentrarem ao interior do templo. Assim, o átrio assemelha-se em correspondência com o pré-consciente na medida em que ambos não possuem uma natureza específica, mas sim transitória. Portanto, este estado intermediário tem por objectivo introduzir o personagem no recinto onírico e simbólico seguinte.
Todas as experiências que se têm, mesmo aquelas consideradas esquecidas, mas que todavia não deixaram de existir, são armazenadas no inconsciente pessoal. É neste nível que ocorrem os sonhos quando se está dormindo, e como todos sabem, tais eventos sonhados são dotados de acontecimentos surreais e ilógicos perante a nossa realidade objectiva (JUNG, 2005).
Assim o Inconsciente Pessoal encontra correspondência com o templo maçónico, onde a ritualística e os símbolos alcançam a totalidade dos trabalhos, e estes retratam bem o estado fictício e mítico do drama maçónico, estado este que – paralelamente – também é encontrado nos sonhos, com os seus símbolos abstractos, passagens ilógicas e surreais, onde tanto no estado onírico como na ritualística, pode-se viajar do Oriente ao Ocidente com alguns poucos passos, e do amanhecer ao pôr do sol, vai-se em alguns minutos, semelhante ao que ocorre nos sonhos, pois no nível do inconsciente pessoal não há uma limitação objectiva. Da mesma forma o simbolismo da ritualística não possui um senso lógico. Ambas linguagens (sonhos e ritualística) são figuradas.
Assim como o ritual maçónico não é literal e tem por objectivo transmitir instruções morais, os sonhos também não o são e, segundo Jung (2011d), o crescimento e amadurecimento moral são a real e efectiva finalidade dos sonhos. Desta forma, em ambos os casos se perde o efeito do lógico e racional, para com isso, trabalhar o simbólico e onírico. Sendo assim, interpretar o ritual maçónico de forma literal é um erro lastimável, ao passo que o sonho, inexoravelmente, também deve ser interpretado de forma não literal (JUNG, 2012).
Os conceitos de Anima e Animus foram talvez as duas mais importantes descobertas de Jung. Ambos são aspectos inconscientes de um indivíduo. O inconsciente do homem encontra ressonância com o arquétipo feminino, chamado de Anima, enquanto que a mulher associa-se com o arquétipo masculino, chamado de Animus. Cabe notar que quando se fala de masculino e feminino, quando se tratando de Animus e Anima, está a referir-se às expressões e características, e não algo literal (JUNG, 2011b; JUNG, 2012), pois, como supramencionado, o inconsciente reside num nível atemporal, inteiramente psicológico, portanto não material.
A Anima manifesta-se na psique de forma emocional, passiva e intuitiva, por outro lado, o Animus manifesta-se de forma racional, activa e objectiva. Jung costuma relacionar Anima ao deus grego Eros, o deus do Amor, ao passo que Animus é relacionado com o termo Logos, que significa verbo, razão (JUNG, 1978). No templo maçónico tal equilíbrio dual é conhecido pelas duas colunas, Boaz e Jachin. No Rito Escocês, os Aprendizes Maçons tomam assento do lado da coluna Boaz, e ali são instruídos sobre a educação moral, espiritualidade e ética maçónica, conceitos perfeitamente associados ao arquétipo de Anima. Já do lado da coluna Jachin tomam assentos os Companheiros Maçons, que, ao contrário dos aprendizes, possuem as suas instruções voltadas para as artes ou ciências liberais, bem como para algum conhecimento esotérico, que são características de Animus. Ao Oriente vê-se o Sol e a Lua, que são símbolos conhecidos do Animus e da Anima.
Desta forma, Boaz e Jachin, representam Anima e Animus, e a consecução entre ambas colunas representa o Casamento Alquímico, a totalidade do ser, ou seja, o Equilíbrio Perfeito, o Mestre. Aquele que caminha com tal união, anda pelo caminho ou câmara do meio (CAMPBELL, 2008), no nosso caso, o Mestre Maçom.
Teoria proposta pela Psicologia Analítica, o inconsciente colectivo difere do inconsciente pessoal, visto que não se trata de experiências individuais, mas, como o nome sugere, são experiências colectivas (JUN, 1978). Trata-se de uma espécie de reservatório de imagens, estas chamadas de imagens arquetípicas. Tais imagens e concepções são herdadas pelo homem de forma inconsciente através do inconsciente pessoal. O inconsciente colectivo estimula no homem desde o nascimento um comportamento padrão pré formado. Assim, recebemos a forma do mundo numa imagem virtual e essa imagem transforma-se em realidade consciente quando, durante a vida, identificamos os símbolos a ela correspondentes (JUNG, 2011b).
Os conteúdos do inconsciente colectivo são denominados de arquétipos. Um arquétipo é compreendido como um modelo original que conforma outras coisas do mesmo tipo, semelhante a um protótipo (JUNG, 2011b). Tanto o inconsciente colectivo como o arquétipo se confundem com aquilo que chamamos de egrégora.
Jung acreditava que tanto a experiência quanto a prática religiosa eram fenómenos que tinham a sua fonte no inconsciente colectivo (JUNG, 2011c). O céu, o inferno, o Jardim do Éden, o Olimpo, são interpretados pela psicologia junguiana e freudiana como símbolos do inconsciente (JUNG, 2011c; FREUD, 1972), e se enquadram ao simbolismo do dossel e do sólio no Oriente, localizado a sete degraus acima do nível onde se encontram os Aprendizes, Companheiros e Mestres, onde se encontra o chamado Trono de Salomão e que possui estampado o olho que tudo vê no Rito Escocês Antigo e Aceito.
Assim como o inconsciente colectivo dispõe da pré-formação psíquica da psique (JUNG, 1978), o direccionamento dos trabalhos vem do Oriente da Loja, além de que as informações originais da Loja, presentes na carta constitutiva, também se localizam na região do sólio.
Os rituais praticados e todas as suas repetições centram o indivíduo dentro dos propósitos do mito, pois o ritual é a simples representação do mesmo. Ao participar de um ritual, vivencia-se a sua mitologia. Assim, tais gestos e movimentos transcendem os adeptos (CAMPBELL, 2008), como, por exemplo, na execução mito de Hiram Abiff, que ocorre no grau de Mestre Maçom. Tornar-se Mestre Maçom é o mesmo que Jung chamava de processo de individuação para realização do Si mesmo (MAXENCE, 2010).
Quanto à ritualística e ao seu potencial psicológico, Jung (2011b), discorre sobre a psicologia analítica e as formas de actuar no inconsciente pessoal do indivíduo:
Outra forma de transformação é alcançada através de um ritual usado para este fim. Em vez de se vivenciar a experiência de transformação mediante uma participação, o ritual é intencionalmente usado para produzir tal transformação. (…) Se recebe um novo nome e uma nova alma, ou ainda se passa por uma morte figurada, transformando-se num ser semidivino, com um novo carácter e um destino metafísico transformado. (Os Arquétipos e o Inconsciente Colectivo, CARL GUSTAV JUNG, 2011, p. 231)
Desta forma, o indivíduo que vivencia o ritual, as iniciações, elevações e exaltações, acaba por se transformar, seja pelas convicções conscientes ou pela influência do inconsciente (JUNG, 1978).
Os maçons devem, portanto, realizar reflexões da simbologia maçónica. Ao executar um ritual de alto valor cultural, com gestos e passagens incomuns à sociedade, o qual, sob um olhar céptico e profano, pode ser considerado como infantil e ingénuo, deve o Maçom analisar tais movimentos a nível psicológico, onde reside a sua maior força e resultado. Ademais, abordar o ritual maçónico ou qualquer outro ritual sem um entendimento psicológico e simbólico do seu significado, é como ver animais nas nuvens, ou seja, um exercício de vontade e imaginação sem maiores resultados.
Conhecendo a antropologia das sociedades primitivas, Jung comparou a vida com a trajectória do sol num dia. A primeira parte, do nascimento para a sociedade, é semelhante ao amanhecer do sol. A segunda parte, da participação efectiva no mundo e na sociedade, é semelhante ao meio dia. E, enquanto o desafio da primeira metade da vida é a própria vida, o desafio da segunda metade é a própria morte, representada pelo anoitecer (CAMPBELL, 2008; JUNG, 2005).
Para o primitivo não bastava ver o Sol nascer e declinar. Esta observação exterior correspondia a um acontecimento anímico, isto é, o Sol representava na sua trajectória o destino de um Deus. Todos os acontecimentos mitologizados da natureza, tais como o Verão, Inverno, amanhecer, meio dia e por do sol, as fases da lua, as estações, não são alegorias destas experiências objectivas, mas sim, expressões simbólicas do drama interno e inconsciente da alma, que a consciência humana consegue apreender através da dramatização dos rituais maçónicos (JUNG, 2011b).
Outro detalhe ritualístico curioso relativo ao sol é a circulação em sentido horário, também chamada de dextrocêntrica. Uma prática tão antiga quanto a Maçonaria. Os gregos e romanos tinham o lado direito como favorável, visto que este, de forma geral, favorece mais o seu dono do que o esquerdo. Relacionaram tal procedimento ao aparente movimento que o Sol faz diariamente em torno da Terra. Assim, estas civilizações, tendo sempre o aparente movimento do Sol como referência, adoptavam a circulação em sentido horário, tendo altares, fogueiras, totens ou sacrifícios como eixo dos seus templos (ISMAIL, 2012).
A função psicológica da ritualística maçónica é a de restaurar um equilíbrio psicológico por meio do sistema mitológico proposto pela instituição, de modo a produzir um material onírico no inconsciente dos seus membros (JUNG, 2005). Desta forma, o conhecimento da Maçonaria retrata um estudo do inconsciente, tanto do inconsciente pessoal, através dos efeitos directos da ritualística, como do inconsciente colectivo, através do estudo da Mitologia Maçónica.
Nos rituais tribais de iniciação os membros recebem uma marca, que nos tempos actuais figura como simbólica (VAN GUENNEP, 2011), e que distinguem o iniciado dos não iniciados. Na iniciação no Rito Escocês isto ocorre com uma chancela no peito esquerdo. Seja uma marcação física ou apenas simbólica, tais actos ritualísticos operam igualmente no inconsciente (JUNG, 2005).
A prática de diferentes termos linguísticos também é usada para separar o sagrado do profano nos grupos religiosos (VAN GUENNEP, 2011). Este exemplo é um dos diferenciais da ritualística maçónica, onde uma linguagem própria é comumente adoptada. Inúmeros são os exemplos disto no Rito Escocês, como justo e perfeito, tronco, Huzzé, sólio, pálio, veneralato e muitos outros.
Em síntese, a mitologia pode ser entendida, sob a óptica da Psicologia Junguiana, como um sonho colectivo, sintomático dos impulsos arquetípicos existentes no interior das camadas profundas da psique humana (JUNG, 1978), ou, numa visão religiosa, como a revelação de Deus aos seus filhos. Tanto a mitologia como os seus símbolos são metáforas reveladoras do destino do homem e nas diversas culturas são retratadas de diferentes formas (CAMPBELL, 2007). Sendo assim, a vivência do drama de um mito nada mais é do que uma ferramenta de compreensão e promoção do crescimento psicológico do individuo, sendo esta a função principal do mito (CAMPBELL, 2008). Assim, a análise para toda questão mitológica, como também, este estudo da ritualística maçónica em questão, é, por derradeiro, o estudo da psique humana.
Em várias sociedades e cultos primitivos, a prática religiosa consistia em vivenciar a Mitologia de forma directa, pois o mito poderia influenciar o executor da prática religiosa de forma indirecta no decorrer das cerimónias, por intermédio do inconsciente. Assim o cresciment e a finalidade da Mitologia aconteciam de forma particular em cada um, como uma semente que aos poucos iria germinando (JUNG, 2005). Entendimento similar ocorre na Maçonaria e é explicitado quando maçons dizem aos neófitos na Palavra a Bem da Ordem que “hoje você entrou para a Maçonaria, mas precisa deixar que a Maçonaria entre em você”. A tradição maçónica conserva estes costumes como forma de instrução aos seus membros, sendo actualmente uma das poucas instituições em que o homem pode ter contacto com tais experiências (BLAVATSKY, 2009).
Rafhael Guimarães
[1] O termo “Monomito” é de autoria de James Joyce, da obra “Finnegans Wake”.
[2] O conceito adoptado nesta obra de símbolo é o da Psicologia Junguiana, que difere do conceito semiótico de símbolo instituído por Ferdinand de Saussure, pai da linguística, bem como também difere parcialmente de certas análises Psicanalíticas de Freud.
[3] O termo “templo maçónico” é comumente usado nos ritos maçónicos de origem latina. Os de origem anglo-saxónica costumam chamar o local de reuniões de “Sala da Loja”.
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Pavimento Mosaico
Quando entrei no Templo, uma das coisas que sobressaíram ao meu olhar, foi o seu chão.
Um chão “aos quadradinhos” brancos e pretos.
Chamam-lhe de “Pavimento Mosaico”.
Situado no centro da Loja, é o local onde se encontra o Altar, o qual é encimado pelo Livro da Sagrada Lei, o Esquadro e o Compasso (as três Luzes da Maçonaria); sobre esse piso encontram-se também o Painel do Grau e as Colunetas, sendo circundado pela Orla Dentada.
E como piso que é, serve para ser pisado. Claro!
Pois. Mas isso é o que o mais incauto seria levado a pensar…
O Piso ou Pavimento Mosaico, como também pode ser designado, não serve para ser pisado, ou não o deveria ser.
Como pavimento que é, ele serve também para nos lembrar que o piso ou chão de um Templo Maçónico deve ser pisado por qualquer pessoa, independentemente da sua Raça, Credo e Filiação. Quer isto mesmo dizer que o Piso de uma Respeitável Loja, representa também a própria Universalidade da Ordem Maçónica.
Apesar do Templo Maçónico/Respeitável Loja representar as formas do Templo de Salomão (na sua dimensão), este tipo de piso não existia no referido templo, tendo ele origem na Antiga Suméria.
O facto de ter apenas duas cores (Branco e Preto), é que por sua vez já suscita várias interpretações.
Há quem considere que o Preto é o resultado da mistura de todas as cores e o Branco, como a ausência de cor. Há quem por sua vez considere que o Preto é a ausência de Luz e o Branco, a sua presença.
Deixando as “cores” de lado, uma coisa é certa. O Pavimento Mosaico é um Ornamento da Loja, e apesar de não ter um cariz filosófico vincado, ele encerra em si algum simbolismo. E é esse simbolismo que nos interessa apreender…
Ele representa as Dualidades que existem na nossa Vida. A luta do Bem contra o Mal, o vencer a Ignorância através do Conhecimento, o triunfo da Verdade sobre a Mentira, a Luz e as Trevas, a Vida e a Morte, o Espírito e a Matéria, a Pobreza e a Riqueza, bem como a Diversidade dos Povos e Culturas que existem.
E no “nosso” caso concretamente, os quadrados brancos e pretos, podem simbolizar a União existente entre Maçons apesar das suas diferenças pessoais e a sua permanente luta contra os Vícios, sobrepondo as suas Virtudes, destacando-se dos demais no Mundo Profano (Iniciados vs Profanos) através das suas Qualidades em detrimento dos seus Defeitos.
E como o Pavimento Mosaico é formado por quadrados perfeitos, eles simbolizam a Harmonia que deve reinar entre Irmãos, tanto no interior do Templo Maçónico como no mundo profano.
Um Maçon antes de ser Iniciado e passar a viver na Luz, ele era um profano e deambulava pelas trevas, isto é, “não via p’ra lá de lá”; no entanto, na sua Iniciação, a “Luz fez-se”, e Ele passou a ver mais além… Passou a ver mais que simplesmente a cor “preta ou branca”, passou a ver e sentir o contraste de tais “cores”, a sua oposição e a sua ligação mundana.
Uma dicotomia permanente que se reflecte nas nossas atitudes do dia-a-dia. Mas para além disso, o profano depois de iniciado (Maçon) passou a distinguir não só as quadriculas alvi-negras, mas principalmente a linha que as une e que ao mesmo tempo as separa. Um paradoxo, mas que nem por isso é de menor importância. Ao contrário de um profano, um Maçon sabe como e por onde deve caminhar. E é sobre essa “linha” que ele fará o seu percurso, um caminho sem “altos e baixos. Tomando essa via “estreita”, ele não encontrará qualquer obstáculo que lhe dificulte o seu caminho, o que lhe permitirá fazer um percurso limpo e a direito, sem qualquer desvio que abrande a sua busca pela Perfeição.
E como foi alguém que transitou das trevas para a Luz, da noite para o dia, ele tem a perfeita noção que isso significa, alguém que vivia na Ignorância e que agora se faz rodear de Conhecimento, e ele ao circular nessa linha de separação, não toca na Ignorância/mosaico preto (porque se afasta dela) e não toca no Conhecimento/mosaico branco (apesar de estar “perto”). E ele não atinge o Conhecimento, porque o Conhecimento não é atingível. O Conhecimento é algo que não é mensurável, o Conhecimento não é um fim mas antes um princípio, é uma busca incessante.
E é por isso que o Maçon, utiliza essas linhas, esses canais de força (uma vez que estão no solo, poderei considerá-los como canais alimentados por uma força telúrgica, uma “força viva” que o alimenta), para fazer o seu Caminho de Vida, fugindo da Ignorância e procurando atingir o Conhecimento/Perfeição.
De um lado terá os seus Defeitos e os Vícios que tentará colmatar, do outro lado as Virtudes e Qualidades que procurará acentuar, e que ao mesmo tempo lhe servem de guia.
E por isso, tem uma plena consciência da sua natureza, material e espiritual.
Ele sabe o que quer…
Para ele a noite já não é simplesmente a noite, e o dia também já não é simplesmente o dia. São antes, uma luta incessante entre as trevas e a Luz, uma luta que ele sabe que o rodeará até ao fim dos tempos. E é a viver nessa luta, nesse confronto de dualidades que ele irá prosseguir a sua Vida. Utilizando o seu Livre-Arbítrio como consciência e apoio nessa caminhada.
E o facto de existir uma alternância de cores (preto e branco), permite a existência de contrastes, pois se tudo fosse uniforme, sem diferenças, nada haveria para contestar, e tudo seria perfeito, o que não é de facto a nossa realidade.
E como tal, sem esta dita alternância, como se poderia distinguir o Profano do Iniciado?!
Não seriam eles ambos confundíveis entre si? Pois nada haveria para os diferenciar…
O próprio cimento que serviu de base e alicerce ao Pavimento Mosaico, simbolizará também a ligação que cada Maçon tem em relação ao seu irmão; isto é, apesar das suas diferenças, o laço fraternal que os une é mais forte que tudo. Um Maçon vive a Fraternidade e a Solidariedade de uma forma mais intensa, mais apaixonada do que qualquer outro. E é essa forma de estar na vida, que lhe permite pisar o Pavimento Mosaico, sem tocar no preto nem no branco. As cores do piso das nossas Respeitáveis Lojas.
De facto, o Pavimento Mosaico não é apenas um “Xadrez preto e branco”, simboliza mais que isso. E também muito mais que uma mera interligação entre opostos ou um “simples caminho”…
Nuno Raimundo
Publicado no Blog Pedra de Buril em 18 de Janeiro de 2011
A Maçonaria Operativa, como estrutura de regulação do acesso e prática da actividade profissional de construtor em pedra, regulava igualmente as formas de pagamento e os montantes dos salários dos seus associados.
Também na Maçonaria Especulativa os maçons recebem o seu salário. Simplesmente, como tudo na Maçonaria Especulativa, o salário do obreiro é simbólico.
O obreiro trabalha em Loja. Em quê? No seu aperfeiçoamento, na busca dos conhecimentos, das lições, dos exemplos, das práticas que dele farão uma pessoa melhor. Nesse trabalho tem de identificar e interpretar símbolos, atribuindo-lhes o seu significado pessoal, similar ou não ao que os seus Irmãos, ou alguns dos seus Irmãos, ou um particular Irmão, lhes atribuem. O trabalho do obreiro em Loja insere-se e une-se ao trabalho que os demais obreiros efectuam, constituindo o conjunto um acervo de estudos, actividades, interpretações, princípios desenvolvidos, que tem mais virtualidades como um todo do que a mera soma dos contributos individuais.
Virtualidades para quem? Para os próprios obreiros. O trabalho maçónico é eminentemente individual, mas colectivamente efectuado. O seu resultado, inserido no conjunto dos esforços e nele amalgamado, está à disposição para apropriação de todos e de cada um. A forma como cada um beneficia é com cada qual. O mesmo obreiro, em cada momento, pode retirar do trabalho que ele e seus Irmãos efectuam lições ou consequências diferentes. Hoje poderá ser uma lição moral, amanhã uma simples lição de vida ou regra de conduta, depois uma ferramenta para uso no seu dia a dia profissional ou de relação social, por vezes apenas (e tanto é…) uma simples sensação de Paz, de Segurança, de Conforto, a mera (mas por tantos tão dificilmente obtida) noção do seu lugar na vida e do significado da sua existência.
Perante a sua Loja, o maçon apresenta para o trabalho a Pedra Bruta que é ele próprio, o seu Carácter, a sua Personalidade, as suas Características, as suas Virtudes, os seus Defeitos, as suas Capacidades, as suas Insuficiências, as suas Potencialidades e o que falta para as transformar em Realidades. Junto de seus Irmãos, trabalha essa Pedra Bruta. Retira-lhe as asperezas. Melhora a sua forma. Determina o local onde deve ser colocada. Dá-lhe cor e atavio. A pouco e pouco, essa Pedra Bruta será cada vez menos Bruta, ganhará forma mais delineada e adequada, tornar-se-á mais útil para a função que está destinada a exercer. A pouco e pouco, tornar-se-á uma Pedra Aparelhada, já com alguma utilidade e capacidade para se inserir no grande Templo da Criação, Parede da Humanidade. Mas ainda será, não já áspera, mas rugosa, não já suja, mas baça.
Será ainda necessário alisá-la e poli-la, de forma a que, a seu tempo, a Pedra Bruta que é o maçon possa vir a ser a muito mais útil e bela Pedra Polida. Mas, ainda então, de pouca utilidade e valia será se não for inserida no local adequado, pela forma asada, para exercer a função destinada. Há que conhecer ou definir os Planos, efectuar e ler o Desenho que nos guie para colocarmos a nossa Pedra, que foi Bruta e que procurámos tão Polida quanto o lográmos que fosse, no lugar correcto, em que será útil e contribuirá para a sustentação, imponência e beleza do Templo em cuja construção se insere.
Cada maçon, à medida que vai trabalhando, vai aprendendo a trabalhar, à medida que melhora, vai aprendendo a melhorar, a medida que aprende, vai aprendendo a aprender. E cada vez mais vê melhor trabalho, mais melhoria, mais larga aprendizagem. À medida que evolui vai aumentando o benefício que retira do trabalho que efectua. Não patrimonial, mas pessoal, intrínseco.
Esse benefício é o salário do maçon, a justa remuneração do seu esforço. Não tem valor de mercado, nem cotação de troca, porque vale muito mais do que uma mercadoria ou um serviço. Tem o valor supremo da Pessoa Humana, que cresce, que se educa, que evolui, que se aprofunda, que se realiza, que se enobrece, que se dignifica. Esse valor vale mais que todo o ouro do Mundo, que todas as riquezas e mordomias de que usufruem os afortunados do planeta. Porque nada vale mais do que um Homem digno, de espinha direita, cabeça lúcida, espírito forte. Aos outros, por mais ricos que sejam, conquistou-os o mundo. Este conquista o mundo, ainda que seja pobre e sem poder. O seu mundo. O que interessa.
O salário do maçon é o que ele retira do bolo comum que resulta do seu trabalho, do seu esforço e dos seus Irmãos. Em conjunto e com o fermento da Fraternidade, esse bolo cresce muito mais do que se lhe pôs, ao ponto de todos poderem retirar mais um pouco do que cada um lá pôs e ainda sobra bolo.
Esse salário não se conta, não se mede, não se pesa, não se avalia. Só o próprio o sente e dele beneficia. Não tem valor facial algum. Tem todo o valor moral e espiritual.
E, porque à medida que o maçon trabalha, aprende, cresce melhora, de cada vez vai conseguindo retirar um pouco mais, de cada vez vai conseguindo aumentar um pouco seu salário. Imperceptivelmente. Até que um dia os seus Irmãos dão por ela e… oficializam-lhe o aumento de salário! Chamam os maçons aumento de salário à passagem de grau. Mais não é do que o reconhecimento dos progressos feitos.
A verdadeira aprendizagem acontece depois de acharmos que já sabemos tudo!
Aumento de Salário– É a elevação de um Grau a outro, que lhe é imediatamente superior. Tem a denominação genérica de elevação. Segundo os graus, estas cerimónias têm outras designações como: passagem, exaltação, iniciação, eleição, nomeação, investidura, consagração. Na Maçonaria de Ofício, ou seja, nas corporações operativas, o salário era real e feito pelo senhor, ou patrão, das obras; na Maçonaria actual, a dos Aceitos, ele é simbólico e recebido na forma de ensinamentos e doutrinação, na Coluna que lhe compete, através do Vigilante dessa mesma Coluna.
O aumento de salário depende da aprovação da Loja e envolve, evidentemente, certas condições de merecimento e avaliação do aperfeiçoamento do Obreiro. Isto é medido através dos trabalhos prestados, da frequência às Sessões da Loja e das provas de conhecimento do Grau em que o Maçom se encontra.
Ninguém pode ter aumento de salário sem ter mérito e sem ter adquirido os conhecimentos necessários para isso, devendo ser justificados por uma conduta irrepreensível no mundo maçónico e no mundo profano, além da idade exigida constitucionalmente e pelo interstício necessário. As Instruções louvadas em um guia seguro (Ritual do Grau) são aulas expostas didacticamente pelas quais vamos nos redescobrindo até despertar nosso interior. É a compreensão das leis da vida maçónica. Aprendemos a conhecer-nos, a crer em nós mesmos e a crer no Grande Arquitecto do Universo, que é Deus.
Aprendemos que o homem é alguma coisa mais do que um simples animal que traja roupas e que a sua natureza íntima e divina, ainda que a sua divindade se conserve oculta, adquire o hábito da Virtude, a aluminação da Inteligência e a purificação da Alma que o faz reflectir, pois, sem isso, o homem seria um animal entregue aos mais grosseiros instintos.
Com o Cinzel, dá forma e regularidade a massa informe da Pedra Bruta. Por ele aprende que a Educação e a Perseverança são precisas para chegar a perfeição; Aprende, também, que o homem não é simplesmente um fenómeno da vida ou um joguete da casualidade, mas uma potência e o Criador e o destruidor da casualidade. Por meio de sua força interior vencerá sua indolência, libertar-se-á da ignorância. Então sentirá amor por tudo o que vive e se constituirá em poder inexaurível para o bem da espécie, neste mundo de permutas, de confusões, de vicissitudes e de incertezas. Aprende que o objectivo da Maçonaria para o futuro é que o homem aja, então, com toda a justiça e ame seu irmão como a si mesmo, porque ele e seus semelhantes são parte de um todo e que o todo é “Uno”; ele não pode ferir o seu irmão sem ferir a si mesmo. Desbastadas as asperezas, a Pedra Bruta é transformada em Pedra Polida.
Recomenda o Ritual do 1º Grau que todos os membros de uma Loja devem se esforçar quanto possível, para compreenderem as vantagens dos ensinamentos das instruções. Apresenta mensagens que devem ser assimiladas para que tenham sempre em mente o dever de pautarem seus actos individuais de todos os dias, por esse rico e antiquíssimo manancial de sabedoria.
O Aprendiz tendo recebido a LUZ e podendo caminhar sozinho no T…, embora ainda auxiliado pelos conselhos dos IIr… e pela experiência dos MM…, sente-se responsável por si mesmo e sabe que seus pensamentos, palavras e obras devem demonstrar, sempre, a consciência de seu juramento ao ingressar no Templo do Ideal cujo serviço aceitou livremente, sem constrangimento, nem restrição de espécie alguma. A vontade de evoluir oportuniza-lhe chances de crescimento e de progresso.
O uso persistente e tenaz dessa faculdade soberana permite-lhe modificar sua natureza, vencer todos os obstáculos. Aprende a meditar, a concentrar-se, sintonizando com as esferas superiores e com as nobres aspirações.
Conhecendo passo a passo, a extensão dos recursos que nele germinam, fica deslumbrado, não mais teme o futuro, tampouco se julga fraco.
Conhece, agora, o templo Simbólico, e sabe perfeitamente que ele não se constrói com pedras e madeiras, mas com Virtude, Sabedoria, Força, Prudência, Glória, e Beleza; enfim, com todos os elementos morais que devem ser ornamento dos Maçons. Consciente de si mesmo compreende seus recursos latentes, sente crescer dia-a-dia suas forças na razão de seus esforços, acredita na possibilidade de ele próprio alterar seu presente e seu futuro.
Assim ele há de se conservar firme na vontade inabalável de enobrecer-se e elevar-se. Atrai, com o auxílio de seus Mestres e de sua inteligência, riquezas morais e constrói para ele uma personalidade melhor.
Concluídas as instruções de Aprendiz nos sete meses de vivência maçónica, diz-se que o instruendo está apto a galgar o segundo degrau para elevação, representada como subida, fazendo-se reconhecer que todos somos Irmãos, aprendendo a eliminar o apego, o egoísmo, a intolerância, a intranquilidade, a desarmonia. Sabe também que tudo que recebemos de Deus, devemos irradiar para todos, sem buscarmos qualquer recompensa. Em se tratando de “aumento de salário” o maçom é honrado pela concessão do ingresso em uma nova coluna, trocando os instrumentos de trabalho para melhor se ajustar na busca de outras luzes.
É um erro julgar que podemos fazer tudo sozinho, sem o auxílio dos demais. É também um equívoco acreditar que o trabalho só sairá bom se formos nós os executores. Nenhum de nós sabe e pode tudo, nosso saber e poder são relativos. Todos estamos na condição de Aprendizes, em regime de interdependência, destinados a aprender uns com os outros o que ignoramos. Também deverá ser apurado o que o candidato haja feito em favor dos semelhantes, quais os cuidados que tenha dispensado ao seu próprio aprimoramento pessoal.
Uma advertência que poderíamos considerar é de que não pode ser homem de bem aquele que não é justo. Contudo, não deixamos de ser injustos e imperfeitos pelo simples fato de abraçarmos os princípios maçónicos: “Um erro muito frequente entre alguns neófitos é o de se julgarem “justos e perfeitos” após alguns meses de estudo”. Há nessa pretensão de não mais necessitar de conselhos e de se julgar acima de todos, uma prova de incompetência, pois não atende a um dos preceitos da Ordem: tornar-se sempre um elemento Humilde, de Paz, de Concórdia, de Harmonia no seio da Maçonaria. Não são apenas os novos adeptos; muitas vezes, alguns mestres, antigos e experientes, equivocadamente, também pensam assim.
Depois, quando, no término do trabalho de aperfeiçoamento moral, simbolizado pelo desbastar das asperezas dessa massa informe, a que chamamos Pedra Bruta, pela Fé e pelo Esforço, conseguimos transformá-la em Pedra Polida, então sim, deve ter lugar o “aumento de salário” concedido com consciência tranquila, a fim de que, mais tarde, tais decisões não venham a dar causa a arrependimentos. Apta à construção do edifício, podemos descansar o Maço e o Cinzel, para empunharmos outros utensílios, subindo a escala da hierarquia maçónica, ou seja, recebendo o merecido AUMENTO DO SALÁRIO.
Adaptado de “aumento de salário”, por Valdemar Sansão
Dicionário Etimológico Maçónico (Castellani)
Ritual do Simbolismo Aprendiz Maçom do REAA (GLESP)
Bem-Vindo à Maçonaria – Valdemar Sansão (aguardando publicação)