História da Arte Marcial Filipina

Em 1564, 43 anos antes do descobrimento das ilhas Filipinas por Don Fernão de Magalhães, Don Miguel Lopez de Lagazpi e seus 380 soldados espanhóis armados conheceram os nativos habilidosos na arte do Arnis, uma arte similar às técnicas de espada e punhal da Europa.

Quando Legazpi chegou em Abuyog, Leyte, em meados de fevereiro de 1564, ele e seus soldados ficaram radiantes com a recepção que receberam do Chefe Malitik de Leyte e o seu filho, Kamutuhan. A festividade foi em honra aos seus estimados convidados reais, que apreciaram bastante as danças nativas, as lutas e demonstrações de Arnis – que naquele tempo era comumente chamado de Kali. A demonstração da arte marcial era o ponto máximo da ocasião.

Após a celebração, Kamutuhan acompanhou Kegazpi para Limasawa onde mais uma vez uma calorosa recepção foi dada aos convidados e mais demonstrações de Kali foram realizadas. Quando Legazpi chegou em Kamiging em março de 1564, as festividades em sua homenagem mais uma vez incluíram a demonstração de combates de Kali. O Chefe Sikatuna de Bohol recebeu calorosamente Legazpi e um pacto de sangue selou a amizade entre os dois ilustres líderes. Durante a celebração comemorando o evento memorável, uma exibição de Kali dominou as festividades.

O Chefe Pambuwaya de Dapitan também recebeu de forma similar Legazpi. Em 27 de abril de 1564, Legazpi chegou em Cebu onde conheceu o Mestre Tupas e seus renomados e ferozes guerreiros. Legazpi testemunhou a excelente habilidade guerreira dos soldados do Chefe Tupas na arte do Kali. “O Kali não é apenas um esporte prazeroso e uma arte marcial encantadora, mas uma arte de combate muito eficiente para o campo de batalha”, comentou Legazpi, que estava totalmente encantado com o inesperado grau de habilidade em artes marciais dos nativos.

Lembrando o trágico fim de Magalhães nas mãos de similares guerreiros nativos, Legazpi teve um cuidado redobrado em cultivar sua amizade com o Chefe Tupas. Felizmente sua amizade foi desenvolvida a tal ponto que o Chefe Tupas foi convertido e batizado no Catolicismo no dia 1º de junho de 1564. O Chefe Tupas foi batizado com o nome de Don Felipe, em homenagem ao Rei Philip da Espanha. Devido à raridade e escassez de detalhes históricos remetendo à origem da arte do Arnis (Kali), Gallang acredita que a arte foi introduzida pelo povo Malaio quando estes chegaram às Filipinas.


ARNIS PASSOU A SER CHAMADO DE KALI APÓS 1610

Os ancestrais recentemente reconheceram o Arnis como Kali. Entretanto, na medida em que o tempo passa, mudanças são inevitáveis. De acordo com o Rev. Fr. Gregorio Aglipay – reconhecido praticante de Arnis – a arte passou a ser conhecida como “Pananandata” em Tagalog, “Pagkalikali” na planície do Cagayan pelos Ibanags, “Kalirongan” em Pangasinan, “Kaliradman” em Visaya e “Pagaradman” em Ilongo em 1860, “Didya” em Ilocos, e em 1872 passou a ser chamada de “Kabaroan”.

Após um período de mais de 100 anos de colonização dos filipinos, as formas recreativas de “moro-moro” e “duplo” começaram a chamar a atenção do clero espanhol. Essas formas de entretenimento dissimulavam a aplicação marcial do Arnis e possibilitavam que a arte continuasse sendo praticada. A palavra Arnis é derivada do espanhol “arnes” utilizado para descrever os coloridos enfeites utilizados pelos praticantes de moro-moro e duplo. Esses enfeites identificavam a posição e o papel de cada figura, assim como a afiliação declarada, como sendo um cristão ou um infiel.

Em 1853 o nome Kali foi substituído por Arnis quando o notável escritor Balagtas escreveu sobre Arnis no seu épico “Florante at Laura”, onde descreveu uma demonstração do conhecimento e habilidade na luta (buno) e Arnis como parte das festividades.

Dancing infused with burning intensity

driven by a song and music of fury

displays of wrestling and arnis enjoyes

brilliant skills and tactics employed

Dançando infundido com uma intensidade ardente

conduzido por uma canção e música de fúria

exibições prazerosas de combates e arnis

brilhantes habilidades e táticas empregadas


PORQUE OS FILIPINOS ERAM EXCELENTES EM ARNIS NESTE PERÍODO?

Armas não eram comuns e nem acessíveis aos Filipinos naquela época. Por este motivo era mais prático desenvolver e continuar utilizando para defesa e combate as armas que estavam disponíveis. Os principais especialistas na arte do Arnis eram os nobres e déspotas das regiões de Visaya e Tagalog, como “Amandakwa” em Pangasinês, e “Baruwang” das planícies de Cagayan. Por este motivo, o Arnis se tornou conhecido como “a Arte dos Reis”.

Os notáveis guerreiros daquela época se tornaram conhecidos por suas habilidades no uso do tabak, kampilan, punhal, lança e por sua proeza no tiro com arco. Para desenvolver técnicas de combate em ambiente fechado, os cidadãos eram treinados no uso de armas de médio-alcance e armas curtas, nominadamente técnicas de espada e punhal. Estas mesmas habilidades também eram usadas para estabelecer feudos e esclarecer mal-entendidos.

As demonstrações e competições de Arnis eram a principal forma de entretenimento durante festas, casamentos, batizados e feriados especiais ou celebrações em homenagem a deuses tribais, ou aos nobres líderes e seus convidados. Em tempos de guerra, as autoridades dedicavam seus esforços a ensinar habilidades militares e dar treinamento com armas aos cidadãos. Devido a estas aplicações, Arnis se tornou uma parte integral da vida dos filipinos. Como resultado, centros de treinamento secretos e associações floriram sob a proteção dos lutadores livres filipinos. Os líderes clandestinos, nossos supostos heróis, reconheceram a necessidade de um preparado e bem treinado grupo de pessoas para liderar a luta por liberdade contra os colonizadores que oprimiram e subjugaram as Filipinas desde 1521.

Muitos anos antes da revolução de 1896, Don Jose de Azas abriu a Tanghalan ng Sandata (Hall das Armas) na rua do comércio de Manila. Esta escola ensinava abertamente as artes das armas , e em Areneo de Manila, Arnis e Esgrima eram ensinados como temas acadêmicos. Foi neste ponto que muitos dos nossos heróis aprenderam a arte da Esgrima européia como complemento à arte nativa do Arnis.


ARNIS FOI INTRODUZIDO NO MUNDO

A prova histórica da longa expertise dos filipinos no Arnis é citada nos registros do dia 27 de abril de 1564. Foi neste sábado que Don Fernão de Magalhães e seu exército espanhol atacaram a ilha de Mactan, defendida por Lapulapu e seus guerreiros. Foi um encontro do qual os espanhóis jamais iriam se esquecer. Lapulapu e seus guerreiros, armados com espadas nativas, adagas e arpões de madeira endurecidos no fogo combateram feroz e bravamente, derrotando os bem-equipados soldados espanhóis. Assim como mostra a história, Magellan (Magalhães) conheceu a sua morte neste encontro sangrento. Registros históricos dos espanhóis (Pigafetta) também descreveram o uso de uma grande espada kampilan que resultou na morte do famoso descobridor das Filipinas:

uno de ellos con gran terzado (kampilan) que equivale

un gran cimitarra, le dio en la pierna izquierdan gran

tajo que le hizo caeer de bruces... Esta funesta

batallia se dio el 27 de Abril, 1521, Sabado.

um dos nativos com uma grande espada (kampilan), equivalente

a uma grande cimitarra desferiu em sua perna esquerda um grande

corte fatal que o fez cair de bruços... Esta triste

batalha se deu em 27 de Abril, 1521, Sábado.


Os soldados espanhóis vendo a queda de seu líder, Magalhães, apressadamente retornaram aos seus barcos para escapar da aniquilação pelos nativos “infiéis”. Quando Legazpi e Martin de Goiti, Juan de Salcedo, 120 soldados e vários guias Visayas viajaram para a região norte de Luzon, foram ferozmente resistidos pelas tribos de Rajah Lakan Dula e Rajah Soliman usando canhões e armas de lâminas feitas de ferro fundido pelo famoso Panday Pira de Pampanga.

É fato sabido que as primeiras armas utilizadas pelos filipinos em suas lutas contra os colonizadores opressores foram espadas nativas e adagas. Na Revolução de 1896, as espadas nativas, tabak, eram a principal arma brandida na luta por liberdade. O exército japonês, durante a 2ª Guerra Mundial, enfrentou o aterrorizante regimento do “bolo” (um tipo de faca de uso rural, comumente encontrada nas Filipinas) numa selva de pequenas tropas combatentes.


A ARTE DO ARNIS É REPRIMIDA

A partir de 1569 um grande número de filipinos – no seu desejo de serem reconhecidos esclarecidamente como filipinos – abraçou a fé Católica e ao mesmo tempo abandonou a arte e cultura nativa, incluindo o Arnis. O Kali, que havia sido popular no passado, estava limitado a apresentações apenas durante ocasiões especiais. Em 1764, Don Simon de Anda y Salazar proibiu a performance de qualquer esporte. Como resultado, o Arnis quase desapareceu da cultura filipina exceto devido àqueles que viviam longe das cidades e àqueles que não haviam sido convertidos e estavam, por conta disso, imunes à pressão psicológica imposta pelos padres.

Devido ao fanatismo e à atitude obsessiva dos filipinos frente a qualquer coisa que eles fizessem e gostassem, as atividades do moro-moro e duplo consumiam a maior parte do seu tempo, resultando em fazendas praticamente abandonadas. Como conseqüência, as autoridades espanholas proibiram a performance de qualquer esporte ou atividade de lazer.

Um dos motivos primários para o banimento da prática do Arnis eram as inevitáveis mortes resultantes da selvageria entre habilidosos e experientes praticantes de Arnis que inevitavelmente culminavam em duelos de vida ou morte. Em festas e outras celebrações, era comum para praticantes de Arnis – sob a influência de licor assim como da persuasão de amigos – travarem combates mortais para provar suas habilidades e virilidade. Isso levou à proibição do porte de qualquer arma de corte, incluindo o onipresente itak, implemento utilizado nas fazendas, e o utilitário balaraw ou punhal.

Os padres tinham autoridade exclusivamente para selecionar quem deveria participar de performances autorizadas de moro-moro e duplo. Ironicamente, foi nos conventos e monastérios que o Arnis continuou a florescer, com sua prática sendo escondida por trás de performances teatrais dos jogos de moro-moro.


ARNIS DEVE SER ENSINADO NAS ESCOLAS

Antonio A. Maceda, Superintendente para as Escolas Secundárias de Manila, fez esta afirmação ao autor durante uma recente entrevista: “Se o jogo de briga de galos, um esporte trazido para esta terra pelo espanhol 'guachinangos', pode se tornar nacional no passado, então mais ainda deveria ser o Arnis e o Sipa (uma versão nativa para o futebol) encorajados a serem desenvolvidos nacionalmente. Estes esportes não são apenas nativos para o nosso país, mas eles também produzem bem-estar físico e estimulam a disciplina. É importante que essa arte de auto-defesa seja ensinada em nossas escolas como parte do programa de educação física”. Da mesma forma, as aplicações militares e policiais dessa arte são tremendamente valiosas. Se nós ensinamos danças nativas nas escolas, então da mesma forma deveríamos ensinar Arnis, uma arte que aumenta a força do nosso povo e nossas forças de defesa.

É sabido que na Europa e América, a arte da esgrima é encorajada e preservada, sendo esta a forma identificável de defesa atribuída àquela cultura. Nós deveríamos da mesma forma adotar medidas para preservar e propagar a arte do Arnis, tornando-o um esporte nacional e o ensinando aos líderes de amanhã.

O autor acredita que foi Balagtas o primeiro a divulgar a falta de suporte que os filipinos mostraram à cultura local e arte, incluindo o Arnis. Por esta razão substituiu a palavra “kalis” por eskrima, obviamente se referindo ao Kali, em seu clássico imortal Florante at Laura. Ele usou o poder de suas habilidades literárias para preservar a arte dentro de seus escritos, sabendo que seus trabalhos seriam lidos em outros lugares fora da ilha.

1. Capítulo do livro Classic Arnis, de Reynaldo S. Gallang, págs 29-34. Original de Buenaventura Mirafuente, traduzido livremente para o português.


BIBLIOGRAFIA

GALANG, Reynaldo S. Classic Arnis. Arjee Enterprises, 2004, 184 págs.