A nossa Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas chega aos seus 90 anos com excelente desempenho em todos os indicadores de avaliação externa e com um protagonismo inquestionável no processo de mudança inclusiva que acontece na composição social do corpo estudantil da Universidade. 

Nos últimos anos, as adversidades não foram poucas. Uma pandemia exigiu adaptações antes inimagináveis, e evidenciou, na situação de retorno, diversos problemas, tais como os infraestruturais e de planejamento, sofrimento mental, e dificuldades de adaptação à rotina presencial. No país e no mundo, houve avanços de setores de poder hostis à ciência, à educação, à democracia e à própria busca do conhecimento. Na Universidade de São Paulo, foram mais de oito anos sem contratação docente e funcional, nem mesmo para repor aposentadorias e exonerações. Tal situação levou ao quase desmontes de áreas e cursos. Entre 2014 e 2022, a Faculdade perdeu em torno de 21% do seu corpo docente. O número de funcionários/as baixou de 326 em 2016 para 283 em 2022 . À insuficiência do financiamento público e à redução de pessoal, somaram-se as perdas salariais e o corte de direitos previdenciários derivados de medidas tomadas no âmbito federal e estadual, que atinge uma proporção crescente de docentes.

No entanto, além das avaliações externas positivas, mais importante ainda é que, nestes anos, a inventividade caracterizou o nosso trabalho: a criação de novos projetos e grupos de pesquisa que têm em seu horizonte as transformações no mundo, a formulação de novas disciplinas e atividades pedagógicas, de práticas de extensão cada vez mais voltadas à intervenção social, e de novas redes de internacionalização. Apesar dos escassos recursos, houve também esforços promovidos pela Direção para incrementar as ações de permanência sustentadas pela Faculdade, e para a manutenção e melhoria dos prédios e da biblioteca. Tudo isso são realizações não apenas descritas nos relatórios institucionais dos departamentos e da Faculdade, mas que se tornaram visíveis na formação e nos caminhos abertos para discentes e egressos. 

Basta observar o nosso cotidiano de trabalho e alguns dados externos para que se perceba onde reside a força que sustenta essa continuidade bem-sucedida. No último QS World University Ranking, a USP ficou como a única universidade brasileira entre as 100 melhores avaliadas do mundo. Observando os indicadores que compõem o ranking, enquanto nossa Universidade se destaca no 40º lugar em reputação acadêmica, no 60º em rede internacional de pesquisa, e no 27º na empregabilidade dos egressos, amarga um 646º lugar na proporção professor / estudante. Isto é, se há alguma coisa que precisa melhorar com urgência na nossa universidade, sem dúvida, essa proporção é uma delas. Cumpre ressaltar que a proporção é ainda mais desfavorável na FFLCH, com uma média de 22/ 1 : (a da USP é de 18/1). Assim, temos uma ideia do feito extraordinário que significa o desempenho que sustentamos, e do qual podemos, sem dúvida, nos orgulhar perante qualquer instância da Universidade ou do Estado. 

Porém, esse esforço prodigioso muitas vezes não é reconhecido dentro da própria instituição. Políticas que têm sido hegemônicas e recorrentes nas últimas gestões reitorais, inspiradas em um modelo empresarial de universidade promovem, em lugar da cooperação, a concorrência entre unidades, departamentos, docentes e servidores/as, inclusive em torno de recursos indispensáveis para o desenvolvimento das atividades-fim. A pretensão de ranquear professoras/es para a progressão horizontal ou, mais recentemente, a de submeter a reposição de docentes aposentados à disputa entre unidades são as expressões mais extremas dessa falta de reconhecimento, mas não as únicas.

Tão preocupante como elas é a contradição entre, por um lado, os avanços a partir da adoção de políticas de ações afirmativas, com o objetivo de incluir setores mais amplos e vulneráveis da sociedade no corpo discente e, por outro lado, a não ampliação do corpo funcional e docente nem a revisão da infraestrutura de modo a atender às novas necessidades que essa inclusão impõe.

Foi esse panorama que levou um grupo de professoras e professores de que fazemos parte, a formular, no manifesto “Por uma FFLCH com papel”, divulgado em maio deste ano, a proposta de uma chapa para a direção da Faculdade que assuma plenamente a firmeza que os colegiados desta unidade têm mostrado “apontando, para o conjunto da Universidade, alternativas oriundas de uma vocação democrática e solidária” que se diferencia dos modelos empresariais e concorrenciais. Isso implica, como também afirmávamos naquele documento, “buscar, no que diz respeito à administração central, uma relação adequada a um espaço público que se quer democrático e transparente, o que envolve não apenas um trabalho colaborativo, mas também independência e, se necessária, uma clara indicação dos limites daquilo que se considera aceitável”.