Vimos, na lição anterior, que o estudo de argumentos e sua demonstração é um dos principais objetos de estudo da lógica. Aqui, veremos que muitos autores tratam da demonstração de argumentos por indução ou por dedução. Na verdade, no dia a dia, você já deve ter percebido alguém usar o método da indução para se convencer de algo. Talvez, até você já tenha usado este recurso. Por exemplo, se você já sofreu indisposição por causa de algum tipo de alimento, talvez use este fato para justificar sua falta em algum evento em que esse alimento será servido.
Os exemplos de argumentos válidos que vimos na lição anterior usam métodos dedutivos para a prova de uma tese. De fato, dentro da lógica, a principal motivação é o uso de dedução, em que usaremos inferência e equivalência para provar o que queremos. Inferência usamos quando, a partir de premissas dadas, podemos concluir que uma proposição (afirmação) é verdadeira. Equivalência é usada quando sabemos que duas proposições possuem o mesmo comportamento, e ambas são verdadeiras ou ambas são falsas. Nesta terceira lição, você aprenderá a diferença entre indução e dedução. Vamos lá!
Imagine que você já tenha comido pimentão algumas vezes e, na maioria delas, sentiu desconforto abdominal. Agora, uma pessoa lhe convidou para um jantar, e você percebeu que alguns dos pratos incluem pimentão. Você deve aceitar o convite? É provável que você seja induzido a recusar o convite, pela sensação de que há grande chance de você passar pelo desconforto novamente. Se você parar um pouco a leitura neste ponto, talvez se lembre de algumas vezes em que induziu alguém a pensar como você. Está lembrando de alguma vez em que isso ocorreu?
A lógica matemática preocupa-se em estudar métodos dedutivos. A diferença é que este tipo de raciocínio parte dos fatos e analisa as relações entre eles para que a conclusão apareça sem dúvidas. É como resolver uma equação matemática do tipo x + 2 = 5. Qual deve ser o valor de x? O único número que, somado com 2, resulta em 5 unidades é o 3. Logo, x = 3. Estudaremos os dois tipos de problemas, o de indução e dedução, mas nossa preocupação maior será com o método dedutivo.
Vamos fazer um exercício? Imagine que haverá uma festa na cidade em que você mora, e muitos dos seus amigos estão negociando com os pais a fim de obterem a permissão para ir à festa. Seus pais também listaram as condições: “Se você arrumar seu quarto todos os dias antes da festa e se sua nota da prova de Matemática, que será a semana que vem, for maior do que 7, você poderá ir à festa”.
Analisando esta proposta, você acredita que conseguiria induzir seus pais a permitirem que você vá à festa? Ou seja, se você der exemplos de amigos que arrumam o quarto sempre e tiram notas acima de 7, em Matemática, isso bastará para convencer seus pais de que você também deve ir à festa? Bem provável que não.
Mas, vamos deduzir que, se você cumprir as exigências, ou seja, arrumar seu quarto todos os dias e tirar nota acima de 7 na prova de Matemática, seus pais chegarão à conclusão de que, para cumprir a promessa, deverão permitir que você vá à festa. Então, boa festa!
O case te deixou curioso(a)? Assista ao vídeo a seguir para conhecer um pouco mais sobre essa história:
Já vimos que provar um fato a partir de algumas premissas é construir um argumento válido. Também vimos que precisamos sempre ter à disposição premissas verdadeiras. Muitas vezes, para construir um argumento válido, no dia a dia, usamos comparações, ou analogias, e tentamos induzir o ouvinte a concordar com a conclusão. Então, a prova por indução requer um conjunto de fatos observados como exemplos do que deve ocorrer e um último fato que possa ser comparado a todos os anteriores.
Veja um exemplo: quero pedir aos meus pais para comprarem um novo videogame. Para convencê-los, eu conto que os pais da minha amiga Ana compraram o mesmo aparelho na loja “Jogue Bem” e ficaram muito satisfeitos. Meus pais não se convencem, e eu continuo contando sobre o fato de os pais do Rafael terem feito a mesma compra nessa loja e, ainda, relatar que conseguiram desconto. Assim, estou construindo um argumento e tentando induzir meus pais de que a compra será um sucesso. Costumamos usar esta estratégia porque acreditamos que podemos convencer alguém de que se aquela compra obteve sucesso várias vezes, é mais provável que isso aconteça novamente, agora, comigo.
Segundo Carnielli e Epstein (2019), conhecer vários fatos parecidos pode produzir uma generalização válida e, consequentemente, um argumento que induz a uma evidência. Este mesmo autor afirma que a indução pode ser considerada um método para construção de argumentos em que há razão suficiente para acreditar na verdade das premissas, mesmo ela não implicando conclusão (CARNIELLI; EPSTEIN, 2019).
O problema da indução é que, normalmente, envolve comparações e generalizações, o que não garante que tenhamos o resultado esperado. No exemplo que citei sobre a compra do videogame, o fato de que várias famílias tiveram sucesso com a compra não significa, necessariamente, que meus pais e eu não teremos problemas. Nada garante que não haverá atraso na entrega, ou que o videogame venha com algum defeito, já que os fatos ocorridos, anteriormente, são apenas exemplos de sucesso.
Muitas vezes, a melhor maneira de construir um argumento válido é demonstrar que é possível deduzir a conclusão, e não induzir, ou convencer alguém sobre ela. É assim que a lógica matemática lida com argumentos. Lembre-se de que seus argumentos e as provas formais serão usados para o desenvolvimento de sistemas e aplicativos que um computador executará. Um computador consegue processar operações lógicas e, tendo as regras corretas implementadas, pode ser capaz de deduzir os fatos necessários à aplicação. Mas ele não é capaz de entender que, a partir de vários exemplos verdadeiros, ele pode generalizar e induzir à conclusão. E não basta que saibamos que as premissas e a conclusão são verdadeiras. É preciso regras para demonstrar que a conclusão é consequência do conjunto de premissas e de suas relações.
Usar dedução para provar uma afirmação é mostrar que, como as premissas apoiam-se na conclusão, não se pode ter conclusão falsa e as premissas verdadeiras, isso é impossível (CARNIELLI; EPSTEIN, 2019). A diferença é que usar indução aponta que a partir de premissas verdadeiras é improvável que a conclusão seja falsa. Lembre-se de nosso exemplo de como argumentar com seus pais sobre o seu desejo de ir àquela festa que será muito animada.
De acordo com Barbosa (2017), o processo de dedução envolve o uso de ferramentas formais, como implicações e equivalências. Dizemos que um fato implica outro quando todas as vezes em que o primeiro é verdadeiro, o segundo também é uma verdade. Para que duas afirmações sejam consideradas equivalentes, as duas devem sempre ter o mesmo valor lógico, ou seja, se a primeira é verdadeira, a segunda também deve ser, e, além disso, se a primeira é falsa, a segunda também será falsa. Nas próximas lições, estudaremos algumas regras para determinar equivalências e implicações.
Veja um exemplo de equivalência. Considere a proposição, ou seja, a afirmação: “É mentira que Alice tem cachorro e gato”. E veja essa outra proposição: “Alice não tem cachorro ou não tem gato”. Essas afirmações são equivalentes, ou seja, relatam o mesmo fato, e as duas são verdadeiras, ou as duas falsas. Essa regra foi formalizada por um matemático chamado De Morgan. Mais tarde, estudaremos várias regras que podem nos ajudar muito para a construção de argumentos válidos formais.
Outro exemplo de equivalência envolve uma propriedade da operação de soma matemática que você já deve ter estudado. É a propriedade da comutatividade. Você sabia que a palavra comutar significa trocar de lugar? Isso mesmo! Então, vamos relembrar. Na Matemática, 5 + 3 = 3 + 5, ou seja, se eu trocar de lugar os números envolvidos na operação soma, o resultado não se altera. Na lógica matemática, também existe essa regra e com o mesmo nome: comutatividade. Isso significa que as proposições: “Vou comprar uma camiseta azul ou uma calça preta” e “Vou comprar uma calça preta ou uma camiseta azul” são equivalentes.
Nesse momento, talvez você tenha se lembrado que aprendeu a propriedade da comutatividade da soma matemática e, além dela, aprendeu a associatividade e a distributividade. Se você se perguntou sobre a existência dessas outras aqui no universo da lógica, saiba que elas também existem, e logo descobriremos como funcionam.
Uma regra de implicação eu já apresentei a vocês: a regra do silogismo disjuntivo. Se você não se lembra, darei um exemplo. Analise as premissas: “A baleia é um mamífero ou um peixe” e “A baleia não é peixe”. A partir da análise desses fatos, podemos deduzir que “A baleia é um mamífero”. A regra que nos permite fazer essa inferência é a regra do silogismo disjuntivo.
Agora, veremos outro exemplo de implicação. Considere que João fez a seguinte afirmação: “Se estiver chovendo amanhã de manhã, então, eu não vou pescar”. João adormeceu e, quando acordou de manhã, olhou pela janela e observou uma chuva bem forte. Então, a promessa dele e o fato de que a chuva estava caindo forte implicam conclusão de que ele não foi pescar. Essa implicação é formalizada por uma regra, chamada Modus Ponens, que também será estudada nas próximas lições.
Existem outras regras de equivalência e outras que envolvem implicação. Ao longo das nossas aulas, estudaremos essas regras que serão muito úteis para sua vida, principalmente como profissional de computação.
Ficou interessado(a) sobre esse tema? Clique no play a seguir e assista ao vídeo:
Você já viu em algum site de vendas um sistema de conversa automática, em que você pode conversar com um robô? É um chatbot e utiliza um sistema que pode ser implementado usando um conjunto de regras de equivalência e de implicação, como essas que vimos nesta lição. A este conjunto de regras alguns autores da área de inteligência artificial chamam de motor de inferência. Existem outras técnicas que podem ser usadas, mas este exercício de raciocínio é muito importante para que você aprenda novas técnicas.
Você já participou de um jogo de estratégia em que seu adversário é o computador? Se já participou, percebeu que, às vezes, o computador “aprende” uma jogada com você? Uma maneira de implementar jogos que envolvam estratégia é usar, também, o motor de inferência. O sistema, ou aplicativo, deverá administrar uma base de conhecimento, ou seja, um conjunto de fatos, ou jogadas possíveis, e, a partir desse conjunto, deduzir novas jogadas usando as regras do motor de inferência.
Existem várias aplicações que podem ser melhor desenvolvidas com o uso desse tipo de raciocínio e usando as regras formais. Você pode ser criativo e desenvolver aplicativos inovadores, mas enquanto não chega lá, faça um exercício prático. Que tal jogar contra a máquina e observar como ela se comporta mediante as suas jogadas? Você já jogou contra o computador outras vezes, mas a diferença é que agora você vai reparar em como a máquina está agindo por inferência. Você aceita o desafio?
BARBOSA, M. A. Introdução à lógica matemática para acadêmicos. Curitiba: Intersaberes, 2017.
CARNIELLI, W. C.; EPSTEIN, R. L. Pensamento crítico: o poder da lógica e da argumentação. 4. ed. São Paulo: Rideel, 2019.