Aprendemos, anteriormente, que a argumentação representa a construção de uma sequência de afirmações, com o objetivo de convencer alguém sobre uma tese. Vimos, também, que um argumento é válido, quando é possível deduzir a conclusão, a partir de premissas ou fatos. Consequentemente, um argumento é falacioso quando não pode ser usado para convencer alguém sobre um fato, uma vez que o processo dedutivo conduz a uma conclusão falsa.
Desse modo, como tratar falácias dentro e fora do contexto da lógica? Nosso objetivo é estudar como identificar se estamos diante de uma falácia, principalmente dentro do contexto da lógica matemática, uma vez que nossa pretensão é, sempre, pensar no desenvolvimento de sistemas.
O computador não é capaz de avaliar se um argumento é válido ou é uma falácia. Então, na lição de hoje estudaremos como construir uma base de fatos verdadeiros e programar regras capazes de deduzir novos fatos, também, verdadeiros, ou seja, usar argumentos válidos com premissas verdadeiras.
Você já deve ter percebido que é possível enganar o computador e fazer com que ele deduza um fato falso. Basta lembrar do exemplo que envolve esse argumento, apresentado por Pianezzer (2020):
p1: Todo animal pode voar.
p2: Porcos são animais.
c: Porcos podem voar.
Você concorda comigo que a maioria das pessoas que conhecemos identificariam um erro nesse argumento, logo que o lessem? O problema é que o computador não pode identificar. Então, o trabalho do profissional de computação é preparar bases de conhecimentos verdadeiros. Ou seja, é importante que essas bases sejam conjuntos de fatos verdadeiros e suportem sistemas especialistas.
Sistemas especialistas são aqueles que têm o objetivo específico de uma área do conhecimento, como medicina, por exemplo, e usam técnicas como inferência para deduzir um resultado esperado. Então, como identificar uma falácia? Como construir uma argumentação sem correr o risco de produzir um argumento válido, mas com premissas falsas? Vamos descobrir!
Suponha que o jogo “Conquista do tesouro” tem como objetivo chegar ao nível 7, em que há um baú cheio de ouro. Há várias regras, entre as quais podemos destacar:
1. Se você chegar ao nível 2, então recebe 10 moedas de ouro e uma pista.
2. Se você desativar a bomba que está no cenário do nível 5, então você ganha uma pista.
3. Você deve seguir a pista, ou voltar para o nível anterior.
Você conhece o jogo e já chegou ao baú de ouro do nível 7. O seu amigo Pedro o(a) encontrou e disse que também estava jogando “Conquista do tesouro”. Pedro disse que desativou uma bomba, mas não se lembrava em qual nível isso aconteceu. Depois, não seguiu a pista que estava nesse nível. Em qual nível o Pedro está agora?
Revendo as regras, sabemos que a bomba estava no nível 5 e, neste mesmo nível, ele ganhou uma pista sobre o tesouro. Considerando a regra 3 e o fato de Pedro não ter seguido a pista que ganhou, deduzimos que ele esteja no nível 4, não é mesmo?
O case te deixou intrigado(a)? Assista ao vídeo a seguir para conhecer um pouco mais sobre essa história:
Vimos que uma falácia é um argumento falho, ou seja, que não é válido. Para a lógica matemática, podemos ter argumentos válidos, mesmo que tenhamos premissas falsas. Isso porque um computador, ao processar uma regra de verificação de argumentos, não analisa o valor lógico de uma afirmação, ou seja, não sabe se a proposição é verdadeira ou falsa. Então, no desenvolvimento de sistemas, é necessária a participação de um especialista da área de aplicação para garantir que as premissas serão verdadeiras. A partir de um conjunto de premissas verdadeiras, o motor de inferência, ou conjunto de regras, será capaz de deduzir conclusões verdadeiras.
Já vimos que alguns argumentos são válidos pela estrutura, mas não têm aplicação prática. Por exemplo:
p1: O número 20 é par.
c: 20 > 3.
Esse argumento pode ser considerado válido, porque a premissa e a conclusão são verdadeiras, isto é, a premissa 1 diz que 20 é um número par, e de fato é; e a conclusão diz que 20 é menor que 3, e também está certa. Em outro momento, verificaremos que, para a lógica matemática, de fato, esse argumento é válido porque a premissa implica na conclusão. É provável, porém, que você concorde comigo que a conclusão não é verdadeira, por causa da premissa; isso porque a premissa não colaborou para a construção da conclusão; embora a premissa e a conclusão abordem características do número 20, elas não tratam dos mesmos aspectos. Os modelos matemáticos não são capazes de analisar a relação de causa entre o conteúdo da premissa e o conteúdo da conclusão. Por isso, a sua análise como profissional da área de computação sempre será importante.
Segundo Carnielli (2019), um argumento pode ser uma falácia por vários motivos. Um caso em que podemos transformar uma falácia em um argumento válido é quando podemos acrescentar uma premissa verdadeira. Veja:
p1: Cavalos sabem voar ou sabem trotar.
c: Cavalos sabem trotar.
Eu sei que a premissa e a conclusão são verdadeiras. Mas, a partir dessa premissa, não é possível deduzir a conclusão, usando uma regra de inferência, ou seja, um modelo de argumento válido. Vou tentar, então, corrigir esse argumento. Se eu incluir uma outra premissa, também verdadeira, talvez seja possível.
p1: Cavalos sabem voar ou sabem trotar.
p2: Cavalos não sabem voar.
c: Cavalos sabem trotar.
Se você não se lembra, esse argumento obedece a uma estrutura, que já apresentei em lições anteriores, chamada silogismo disjuntivo. Mais tarde, apresentarei, também, um modelo matemático, capaz de reconhecer argumentos válidos que obedecem a essa regra. Também veremos modelos que obedecem a outras regras e são capazes de produzir conclusões verdadeiras, a partir de premissas com a mesma estrutura.
Outro exemplo de falácia apresentado por Carnielli e Epstein (2019) envolvem o estudo de condicionais. Na maioria das vezes que pensamos em uma estrutura condicional, pensamos em uma frase do tipo “se algo acontecer, então outro fato deve ser consumado”. Isso mesmo, quando temos uma conclusão que deve ser consequência de uma condição. Por exemplo:
p1: Se chove, então a grama do quintal ficará molhada.
p2: A grama do quintal ficou molhada.
c: Choveu.
Ao analisarmos a primeira premissa, chamada p1, verificamos que a condição é “chove”, e a consequência, “a grama do quintal ficará molhada”. Em seguida, a consequência desse condicional aparece como segunda premissa, chamada p2. E o argumento sugere que, a partir dessas duas premissas, podemos deduzir que “choveu”, ou seja, que a condição se confirmou. Você, porém, concorda comigo que o fato de a grama do quintal estar molhada não implica, necessariamente, que tenha chovido? Quando eu ajudo meus pais a lavarem o carro deles, acabo molhando a grama. Em dias muito secos, minha mãe gosta de jogar água nas plantas para que fiquem mais viçosas. Então, não é possível deduzir que choveu. Por outro lado, se alterarmos o argumento, afirmando que a condição foi satisfeita, teremos, então, um argumento válido. Veja:
p1: Se chove, então a grama do quintal fica molhada.
p2: Choveu.
c: A grama do quintal ficou molhada.
Agora sim, é possível deduzir que a grama ficou molhada, em função da condição de “chover” ter sido satisfeita. Percebeu a diferença? Se não percebeu, volte à leitura e lembre-se de que já apresentei a você um tipo de argumento válido chamado Modus Ponens.
Como, porém, identificar falácias? “Um argumento, quando não falacioso, não deixa margem para perguntas do tipo “mas, e se...?” (PIANEZZER, 2020, p. 63). Outra dica é prestar atenção à palavra necessariamente. Você deve verificar sempre se a conclusão é consequência mesmo das premissas, ou seja, se não há outro modo de a grama ter sido molhada, por exemplo.
De acordo com Carnielli e Epstein (2019, p. 197), “se soubermos descrever o que há de errado com um argumento, então é porque compreendemos o mais importante”. Lembra-se de que eu já comentei que seu cérebro já tem todas as regras implementadas? Isso é verdade! Portanto, é preciso treinar para que esse tipo de raciocínio fique cada vez mais fácil.
A lógica matemática estuda os fatos que o computador é capaz de processar. Logo, para desenvolver sistemas que utilizem bases de conhecimentos, o profissional da computação precisa da ajuda de uma pessoa com amplo conhecimento sobre a área para a qual o aplicativo será desenvolvido. Assim, com garantia e premissas verdadeiras e o uso de ferramentas formais, conseguimos garantir que o sistema deduzirá proposições verdadeiras.
Ficou interessado(a) sobre esse tema? Clique no play, a seguir, e assista ao vídeo:
Nesta lição, vimos que corremos o risco de construir argumentos falaciosos em vários momentos. Também, vimos a importância de cuidar desses argumentos, quando estudamos lógica, porque ela trata da validade de um argumento, usando um modelo matemático. Vimos, ainda, que é importante se preocupar com a verdade das premissas, porque o computador não é capaz de avaliar se uma afirmação é verdadeira ou falsa.
O sistema, porém, criado por você, enquanto profissional da computação, deverá deduzir novas informações, a partir das premissas que tiver em mãos. Então, dependendo do tipo de aplicação, será importante que um profissional da área de atuação valide suas premissas, ou seja, confirme que você adotou premissas verdadeiras. Usando as regras corretamente, seu sistema poderá deduzir informações importantes para a tomada de decisão do usuário.
Já existem sistemas que auxiliam e testam profissionais de várias áreas, como profissionais de radiologia. Você já precisou fazer algum exame médico cujo resultado seja uma imagem, como raio-x? Eu já fiz vários exames assim!
Imagine, então, um sistema que mantém uma base de dados importante, com várias imagens médicas, para que os estudantes analisem as imagens e deduzam um diagnóstico. O programa constrói argumentos válidos, a partir das premissas, e deduz novas informações, até que consiga determinar o diagnóstico.
Será que eu consegui despertar a sua curiosidade? Então, aguarde a próxima aula para saber mais!
CARNIELLI, W.C., EPSTEIN, R.L., Pensamento crítico: o poder da lógica e da argumentação. 4.ed. São Paulo: Rideel, 2019.
PIANEZZER, G.A., Lógica matemática. Curitiba: Contentus, 2020.