EXPOSIÇÃO INDIVIDUAL |  A(r)MA O TEMPO

Aquele que voa tem de poisar em algum lugar

Ana Hatherly


Fico feliz que Suzy Bila e a sua exposição A(r)mar o tempo tenham poisado aqui.

Foi uma viagem longa, desde Maputo, uma longa distância percorrida.

Para as aves poderem voar, o tempo tem que estar estável e suave. Se essas condições se conjugarem, as aves podem cruzar oceanos percorrendo longas distâncias até encontrarem as condições mais favoráveis. Mas voltam, regressam às origens, voltam ao ninho mesmo que a ausência tenha sido longa e as paragens distantes. As aves migratórias correm muitos riscos mas é também sabido que os benefícios da migração compensam largamente esses riscos.

O que vejo nos quadros de Suzy Bila é esta viagem, este cruzamento entre lugares de pertença, a liberdade de espírito de quem cria e se alimenta n(d)os seus lugares de pertença. Chega até nós uma variedade de estados de alma, de sentimentos e sensações reveladores da sua capacidade para ter atenção às coisas e de se dispor a escutar e a ver.

É esta sensibilidade que a torna especial e única e que a mobiliza na sua produção artística, mas também no seu trabalho com as crianças pequenas e com os adultos.

Como disse Rousseau, no Emílio, o homem “que mais vive não é aquele que conta maior número de anos e sim o que mais sente a vida”.

Lúcia Santos

Coimbra, Outubro 2015


Suzy Bila – espécie única


“filhos não te são nada, carne da tua carne são os poemas

que escreveste contra tudo, pais e  filhos,

lugar e tempo”

Herberto Hélder, “A morte sem Mestre”, pág. 13

 

                Escreveu Almada no seu romance Nome de Guerra que “não há melhor compensação para a nossa vida do que a admiração dos outros pelo que merecemos.”

                Tomei conhecimento da existência da Suzy Bila no dia em que, numa aula de Língua e Cultura Portuguesa, ela, com uma serenidade e beleza invulgares, respondeu, meio escondida entre as colegas, a uma questão que lhe havia colocado. Tal foi a surpresa de todos, que o curso ficou suspenso, silencioso, aguardando o comentário do professor. Quem era aquela rapariga que nunca se fizera notar? Entrava silenciosa na sala de aula, sentava-se, assistia e saía tão discretamente como entrara. Aquele momento da resposta tinha alterado por completo o rumo da lição. Terminei a aula mais cedo. O momento não podia ser banalizado!

                Revelava-se, mais tarde, o segredo daquele momento único, daquele interpretar do mundo: a sua linguagem era poética-plástica. O seu olhar continha palavras, mas estas não eram vulgares, só os poetas as escutavam. Tinham luz, textura, cor, eram uterinas – não transmitiam a vulgaridade massificada dos dias sem futuro. Eram originais, misteriosas, como a sua terra de origem, quentes, carregadas de cores fortes e naturais. Não vos sei explicar porquê, mas ao olhar os seus quadros, senti-me, como nunca, filho de uma mãe universal, negra, e eu menino, a olhá-la, enternecido, brincando na terra sagrada.

                O que os quadros de Suzy Bila me transmitem, perdoem-me o meu olhar impressionista, é uma força telúrica invulgar, para além de uma procura, direi mágica, numa relação singular com as cores que se misturam – como se se tratasse de miscigenação – e nos dão universos que nos pertenciam há muito mas estavam ocultos.

                Suzy não produz em série, não pertence nem vive das leis do mercado das Artes. Simplesmente cumpre-se, na sua condição humana de espécie única.

                Por tudo isto merece ser compreendida e por tudo isto a admiro tanto.

 

Monte do Estoril   16.IX.2015

Carlos Carranca