02.Enquadramento

Enquadramento teórico do Programa de Investigação em Concepções de & Abordagens à Aprendizagem (PICAA)

O enquadramento do PICAA é a teoria das “abordagens à aprendizagem“, normalmente designada, no contexto internacional, como perspectiva SAL ("Students Approaches to Learning").

A teoria das abordagens à aprendizagem é uma teoria da Psicologia Educacional, situada na área de investigação sobre a aprendizagem académica. No sentido de descrever, explicar e melhorar o processo de aprendizagem em contexto educacional, esta teoria coloca a ênfase tanto na componente cognitiva da aprendizagem (i.e., concepções e estratégias de aprendizagem) como na sua dimensão motivacional (i.e., orientações motivacionais para a aprendizagem).

Um marco pioneiro da teoria das abordagens à aprendizagem é a observação, por Marton e Säljö (1976), de que, na leitura de textos académicos, os estudantes optam espontaneamente quer por uma estratégia de “superfície” (i.e., memorização literal) quer por uma estratégia de “profundidade” (i.e., compreensão). Previsivelmente, estas estratégias apresentam diferentes consequências no produto da aprendizagem, o que coloca a teoria numa posição chave para explicar e intervir no insucesso escolar e na reduzida qualidade da aprendizagem académica.

Mais tarde constatou-se a existência de uma combinação particular entre aquelas estratégias de aprendizagem e a motivação para o estudo. Tal combinação consubstancia precisamente o que se designa por abordagem à aprendizagem: a estratégia de superfície tende a combinar-se com uma motivação instrumental (i.e., envolvimento mínimo, para evitar o falhanço); a de profundidade com uma motivação intrínseca; e uma nova estratégia, de organização, tende a conjugar-se com a motivação para o sucesso (i.e., envolvimento organizado, para obtenção de bons resultados) (Biggs, 1987; Entwistle & Ramsden, 1983).

Cedo também foi detetado que os estudantes defendem “concepções de aprendizagem” correspondentes à abordagem de superfície e de profundidade: concepção quantitativa (i.e., a aprendizagem como aquisição de informação); e concepção qualitativa (i.e., a aprendizagem como interpretação) (Säljö, 1979).

Posteriormente, a investigação conduzida neste contexto teórico evoluiu no sentido de estudar a relação tanto das concepções como das abordagens à aprendizagem com outras variáveis psicológicas (e.g., crenças epistemológicas, autoeficácia) e com variáveis do contexto de aprendizagem (e.g., métodos de ensino). Alguns destes estudos permitiram avançar com possíveis explicações do processo de aprendizagem ou, pelo menos, ganhar uma visão integrada em função da forma como a suas componentes se relacionam. Do mesmo modo, a investigação orientou-se para compreender como as concepções de e as abordagens à aprendizagem se exprimem em diferentes tarefas de estudo (e.g., aulas, leitura, escrita, resolução de problemas; etc.), diversas culturas (e.g. europeias, orientais, latino-americanas; etc.) e várias áreas disciplinares (e.g., ciências, línguas, artes, etc.).

Paralelamente, no contexto deste enquadramento, desenvolveu-se investigação teórica cujo objetivo é o de cruzar o resultado de diferentes estudos, de modo a desenvolver a teoria, assim como o de analisar o discurso por ela utilizado.

Finalmente, em complemento a desenvolver-se como investigação fundamental, a teoria das abordagens à aprendizagem articula-se também numa lógica de investigação aplicada, com interesse na testagem de procedimentos de modificação das concepções, motivações e estratégias dos estudantes, e com vista ao melhoramento do sucesso e da qualidade da aprendizagem. Neste sentido, são de particular relevância atual os estudos de desenvolvimento e testagem de processos autorregulatórios das abordagens à aprendizagem.

Os métodos de investigação utilizados no contexto da teoria das abordagens à aprendizagem são assim muito variados. A investigação de tipo empírico sobre as abordagens à aprendizagem recorre tanto a métodos qualitativos (e.g., observação, entrevista, estudo de caso, experiência de caso-único, análise de conteúdo, análise holística, análise visual) como a métodos quantitativos (e.g. questionário; análise estatística fatorial, correlacional e multivariada; intervenção quási-experimental). Por sua vez a investigação de cariz teórico sobre as abordagens à aprendizagem recorre sobretudo a técnicas de meta-análise.

O enquadramento teórico do PICAA constitui uma das mais importantes e consistentes teorias da atualidade sobre a aprendizagem em contexto educacional. Efetivamente, a teoria das abordagens à aprendizagem alia uma forte capacidade de predição e fundamentação empírica (i.e., replicação em diferentes contextos e culturas) à capacidade de intervir no sentido de melhorar o processo de aprendizagem. A perspetiva SAL oferece assim aos investigadores a aliança entre uma tradição de investigação solidamente estabelecida e oportunidades de descoberta e inovação, no contexto de uma comunidade científica alargada.

Referências

Biggs, J. (1987). Student approaches to learning and studying. Melbourne: Acer

Entwistle, N. J. & Ramsden, N. (1983). Understanding student learning. London & Camberra: Croom Helm

Marton, F. & Säljö, R. (1976). On qualitative differences in learning. Brittish Journal of Educational Psychology, 46, 4-11.

Säljö, R. (1979). Learning about learning. Higher Education, 8, 443-451.

A. M. Duarte - 2017 (2ª ed.)

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Para um aprofundamento deste enquadramento teórico consultar:

Duarte, A. M. (2002).Aprendizagem, ensino e aconselhamento educacional-uma perspectiva cognitivo–motivacional. Porto: Porto Editora

-Bibliografia

Calvin and Hobbes - Bill Watterson