Um mundo às avessas

Sempre gostei bastante da arte de Dalí. Então, quando foi pedido para escolher uma imagem ou fotografia cuja temática estivesse diretamente relacionada com algum dos temas abordados por Camões (que é uma das personalidades mais influentes na história de Portugal, e que, eu pessoalmente também aprecio), Dali foi um dos primeiros artistas a passarem pela minha mente. Poderia ter escolhido outra obra, como por exemplo a “The Persistence of Memory” que é uma das suas pinturas mais conhecidas, mas eu queria apresentar algo diferente; algo que nem todos conhecem e estão familiarizados com. Durante a minha pesquisa, deparei-me com esta outra pintura que me transportou de imediato para quando eu era uma criança e estava num museu, no meio de uma exposição de obras inspiradas nas pinturas de Dalí.

Durante a segunda guerra mundial (1939-1945) o artista espanhol passou a viver na América, onde esta pintura foi produzida. Se quisesse apenas falar desta obra, eu poderia começar a referir como Dalí projetou o que acontecia à sua volta (guerra) e como isso afetava não só a ele e à sua família, mas ao mundo inteiro. Mas, tendo em conta que terei que relacionar esta imagem com um tema camoniano, decidi ir por outro lado, um lado com o qual até nós, pessoas comuns, nos poderemos identificar mais facilmente.

Traumas e experiências mudam as pessoas e isto é um facto. Nem Camões nem Salvador Dalí eram diferentes, portanto, também eles foram mudando ao longo do tempo. Na poesia camoniana, estas mudanças são apresentadas não só fisicamente, (“o tempo cobre o chão de verde manto,/que já coberto foi de neve fria”) mas também psicologicamente ( “e em mim, converte em choro o doce canto”). Também é, para mim, muito claro que o eu lírico percebe que as mudanças não se limitam só a ele, mas tudo e todos mudam com ele, inclusive a própria mudança (“Que não se muda já como soía”)

Dalí também expressa estes sentimentos, mas desta vez através da pintura. Quando a guerra começou, os hábitos mudaram, assim como as rotinas, as relações e interações com outras pessoas; e, por fim, mas não menos importante, o próprio artista. Como referi anteriormente são as experiências que vivemos que nos moldam e influenciam enquanto pessoas, uma guerra é o perfeito exemplo disso. Ninguém que participe ou viva durante uma guerra será o mesmo, pois tem vivências únicas que nunca teria se tal acontecimento não se tivesse dado. Seria de esperar então que Salvador Dalí mudasse de opiniões, ideias, comportamentos e relações interpessoais, mas o que mais me surpreendeu foi o facto de ele ter a capacidade de transportar este sentimento de mudança para a sua arte. É durante este período histórico que as sua obras, que por si já não eram normais (no verdadeiro sentido da palavra), se tornam ainda mais invulgares e extravagantes. Criam ideias e mergulham quem as admira num sentimento um tanto desconfortante, ao retratar temas e assuntos que poderiam ser olhados de lado, na altura principalmente, a mudança e as suas consequências.

Neste quadro, em específico, é possível visualizar três pessoas (no primeiro plano), uma mãe acompanhada da sua criança e alguém a “nascer” de dentro do planeta. Embora à primeira vista não pareça, neste quadro está a guerra e as suas consequências, passando a ideia de que “agora”, a partir do momento que nascemos não podemos ser mais crianças, mas sim “homens” prontos a defender um ideal e um país, criando uma mudança extrema no que seria considerado o próprio viver. Da mesma maneira, Camões retrata a mudança como algo extremo que nos afeta a todos e que muitas vezes é negativo; assim também ele reflete sobre este tema e afirma que , ao longo do tempo, mudou a sua forma de pensar, de ver as coisas e de viver.

Em síntese, acredito que Camões e Dalí têm abordagens semelhantes ao tema da mudança, considerando-a negativa, a nível pessoal e até universal o que é muito notório tanto no poema “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” como na pintura “Geopoliticus Child Watching the Birth of the New Man.

Patrícia Rebelo

Geopoliticus Child Watching the Birth of the New Man - Salvador Dalí (1943)Fonte da imagem: Wikipedia

Nos poemas de Camões, está frequentemente presente o tema do desconcerto do mundo, descrito como o facto dos prémios e castigos do mundo estarem distribuídos «desconcertadamente»: os maus vivem livres de tortura e protegidos pela fortuna, enquanto os bons vivem perseguidos e veem o direito à vida ser-lhes negado.

A imagem apresentada acima é uma fotografia que tirei numa manifestação pela emergência climática, onde milhares de jovens marcharam nas ruas de todo o mundo para tomada de consciência da importância de cuidar do nosso planeta e atenuar os efeitos das alterações climáticas.

Para mim, esta imagem está relacionada com o tema do desconcerto do mundo, tratado por Camões, no século XVI, “Os bons vi sempre passar”. Todos os dias vemos pessoas abastadas e despreocupadas que vivem protegidas pela sua riqueza à custa do bem-estar do nosso planeta e daqueles que não têm condições. Estes “maus” são os que mais contribuem para a deterioração da Terra, mas, por serem privilegiados e terem muito dinheiro, não são afetados pelas mudanças climáticas (pelo menos por enquanto), “os maus vi sempre nadar em mar de contentamentos”. Por outro lado, aqueles que vivem uma vida humilde, comem alimentos locais, não são consumistas e acabam por viver uma vida sustentável, são aqueles que sofrem as consequências das modificações climáticas, como catástrofes ambientais (cheias, incêndios), pela exploração desenfreada dos recursos naturais,” Os bons vi sempre passar na vida grandes tormentos”.

Em suma, podemos confirmar que a temática camoniana do mundo às avessas é intemporal e pode ser sempre relacionada com acontecimentos, situações da atualidade. Parece que os castigos e as recompensas do mundo são distribuídos desconcertadamente já há muito tempo!

Maria Monteiro

Uma fotografia tirada há seis anos, por alguém que não me recordo que tenha querido captar este momento. Podemos ver que retrata um passado feliz de inocência visível. Na imagem, a natureza quente abraça a minha juventude, “ doce canto” e, enquanto se encontra numa constante mudança cíclica que se repete ao longo do tempo, o meu eu representa o homem que vive “tomando sempre novas qualidades”.

A mudança manifesta-se sucessivamente na natureza, as estações mudam de tempos a tempos e mostram muitas vezes uma mudança (“o tempo cobre o chão de verde manto/que já coberto foi de neve fria”) que contradiz a mudança no homem. De um inverno para uma primavera pode estar a mudança de um passado feliz para uma tristeza(“e, em mim, converte em choro o doce canto”) que se aproxima em consequência do fim das ilusões. O desalento, a angústia, a perplexidade e a constante mudança num mundo que anda desconcertado conjugam-se. Camões apresenta tudo isto num tom melancólico e pessimista.[1]

O tema da mudança na lírica camoniana é intemporal e, por isso, traz consigo em sonetos como “Mudam-se os tempos mudam-se as vontades” a prova de que o absurdo da mudança e um presente vivido de mágoas e saudades vai ser sempre uma eterna e contínua continua novidade para quem, em diferentes épocas, pode presenciar este ciclo linear e irreversível.

Em síntese, o tempo aparece como uma experiência que a consciência não reconhece, e a mudança pode muitas vezes ser justificada pelo grande desconcerto que o mundo toma, onde os “bons” merecem tormentos e os maus ficam com o que não deviam merecer.

Carolina Saibo

Jornal da cidade 10/10/2019


Esta imagem foi utilizada no texto de opinião de Modesto Carvalhosa no Jornal da cidade e representa as desigualdades e “o desconcerto do mundo”, tema que já é abordado por Camões desde o século XVI.

Na imagem, podemos observar dois indivíduos. Um encontra-se numa posição vantajosa em que consegue ficar com toda a água que quer, o outro está numa situação menos reconfortante e não tem acesso a quase água nenhuma. O primeiro sujeito aparenta ser uma pessoa bastante abastada e, por conseguinte, dando uso ao dinheiro, consegue ter uma liberdade maior em que não é punido pelas suas ações moralmente incorretas. Camões, no seu poema “Os bons vi sempre passar”, retrata este mesmo desconcerto em que os afortunados são protegidos pela fortuna e não são punidos pelas suas ações (“vi sempre nadar em mares de contentamentos”). Contudo, aqueles que aparentam levar uma vida humilde e honesta são perseguidos e veem negados os seus direitos, como é o caso deste cidadão que não tem acesso a água, “os bons vi sempre passar no mundo graves tormentos”.

Em suma, como pudemos observar, a obra de Camões é impressionantemente intemporal e ele próprio é testemunha deste “desconcerto”, pois utiliza expressões como “vi”, ”fui”, “me”, na primeira pessoa, indicando que ele mesmo assistiu a tais injustiças.

David Resende

Fonte: https://images.app.goo.gl/foxFWUUqECYBXptR9Informação existente na legenda da imagem: Henry Nicholls, Reuters

Este grafitti encontra-se numa rua em Shoreditch, em Londres, e foi fotografado a 10 de maio deste ano. O artista desta obra é desconhecido, mas o provável fotógrafo é Henry Nicholls. A imagem encontra-se em Reuters pictures.

Escolhi esta imagem, pois está relacionada com a nova realidade que todos vivemos, pandemia, por isso chamou-me a atenção. Tem cores bastante vivas e entre elas encontra-se pintada uma rapariga com uma máscara e, a passar pela pintura, encontra-se uma mulher também a usar uma máscara como forma de proteção.

No meu ponto de vista, esta imagem relaciona-se com o tema da mudança presente na lírica camoniana, em específico no poema “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, embora esta mudança, em Camões, não seja vista como um bem, considerando-a negativa, o que lhe desperta tristeza. O sujeito poético faz referência à mudança nos seus sentimentos, mudança que o deixa triste e com saudades do passado; também aponta a mudança na natureza, dizendo que ela é bela e está em constante mudança “cobre o chão de verde manto, que já coberto foi de neve fria” e os efeitos que a mudança lhe provoca em si mesmo, “choro” , “saudade” e “espanto”. Por fim, o sujeito poético acaba por revelar que própria a mudança é inesperada, sempre diferente e que, cada vez que acontece, provoca mais espanto (“outra mudança faz de mor espanto, /que não se muda já como soía”).

Nos dias de hoje, a mudança mais inesperada está a acontecer e não foi uma mudança positiva. Mas “todo o mundo é composto de mudança” e, de facto, a grande mudança que ocorre nos dias de hoje dispersou-se por todo o mundo. No entanto, é de salientar que toda esta mudança no mundo não teve apenas impacto em nós, mas também na natureza, a própria natureza foi-se regenerando, mudando. O que está a acontecer é irreversível e, de certo modo, também nos deixa com saudades do passado (“e do bem (se algum houve) as saudades”).

Em suma, podemos dizer, como Camões “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”;, ao contentamento do passado contrapõe-se o triste presente o que, de certa forma, também faz com que o mundo esteja a viver num grande desconcerto. A poesia camoniana é intemporal, sempre existiram mudanças no mundo e sempre haverá um grande desconcerto. A mudança é inevitável e o desconcerto do mundo, sê-lo-á?

Joana Camoesas

Através dos seus poemas, Camões fala das injustiças no mundo, “Os bons vi sempre passar”, e da constante mudança, “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. O tema da igualdade de género, hoje em dia muito debatido, consegue abranger um pouco das duas temáticas.

Esta fotografia foi tirada durante uma manifestação de mulheres a favor da igualdade de género. Este é um tema muito abordado, no entanto, muito recente; apesar de ainda existir desigualdade, mais nuns países que noutros, já houve uma enorme evolução em relação ao século passado. Apesar disto, quando duas pessoas igualmente competentes mas de géneros diferentes se candidatam a um trabalho, ainda existe discriminação para com o género feminino, ou seja, infelizmente, ainda não atingimos a igualdade.

Resumindo, no poema “Os bons vi sempre passar” fala-se de injustiça, e a discriminação para com a mulher é uma injustiça. No poema “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” fala-se da mudança e felizmente houve, e continua a haver, mudança no sentido de diminuir a desigualdade.

Leonor Santos


Nestes tempos, todos nos familiarizamos com esta imagem. Ruas, que são conhecidas pela sua movimentação são agora avistadas desertas. Esta imagem como outras parecidas não são difíceis de encontrar. Antes, era rara a captação de uma imagem do Terreiro do Paço ou da Rua Augusta onde não se visse ninguém. Agora basta pesquisar “Lisboa" e aparecem variadíssimos locais vazios.

Não é por acaso que o título no site seja “A diferença da Lisboa de sempre e a Lisboa de hoje (em emergência)”. Houve uma mudança negativa e repentina. Esta situação pode ser relacionada com a lírica camoniana que retrata a mudança e o desconcerto no mundo. Estamos a passar por uma pandemia que não poupa ninguém. Na saúde ou no geral todos estamos a sofrer e ninguém merece. Faz lembrar o poema “Os bons vi sempre passar”; no entanto, nem os “maus” estão favorecidos. O poema “Mudam-se os tempos mudam-se as vontades” também é relacionável com o que enfrentamos, devido à mudança ocorrida na vida de todos.

Agora vivemos algo que identificamos na perfeição com o que Camões há cinco séculos escreveu. Os seus temas abordados são intemporais e este poeta é e sempre será contemporâneo.

Maria Azenha


A imagem que eu escolhi é uma peça de arte de HanLin, que não tem título, e foi feita com o objetivo de representar a situação atual por que muitos passam.

Na imagem pode-se observar várias pessoas a usarem máscaras estando elas umas ao lado das outras, dando a impressão que estão num sítio apertado ou por serem muitas. A mensagem que esta peça de arte tenta transmitir é a tristeza que afeta as pessoas durante a situação atual. Ao pintar[1] a maior parte dos cabelos, fatos e até caras de preto e também ao não mostrar nenhuma expressão facial, o autor consegue transmitir um sentimento de tristeza e medo.

Também é possível relacionar a mensagem transmitida com o tema do poema “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” pois nesse poema a mudança é apresentada como algo incontrolável, inacabável e inesperado sendo tão imprevisível que até a própria mudança mudou, enquanto na peça de arte o tema é a tristeza causada pela mudança que veio repentinamente e que apanhou muita gente de surpresa.

Concluindo, as temáticas camonianas podem ser facilmente aplicadas à atualidade pois problemas e situações que ocorreram no passado e que inspiraram as temáticas de Camões ainda permanecem no dia de hoje.

Manuel Gusmão


A imagem que escolhi é uma foto do site da Visão. Este retrata o trabalho de profissionais de saúde num hospital, durante a pandemia do COVID-19.

Primeiramente, os profissionais de saúde ajudam e salvam os outros, logo, representam os “bons” (Os bons vi sempre passar); no entanto, estão expostos, muitos acabando por ser infetados ao tentar tratar a doença dos outros. Assim, esta imagem é um exemplo onde os bons são castigados injustamente.

No entanto, milhares de pessoas continuam a morrer todos os dias, mas continuamos a sair, conscientes de que tal contribui para a infeção de mais pessoas; priorizamos a economia ao invés da saúde. Quando se tornou normal o dinheiro valer mais que vidas? Porque é que os empresários não podem arriscar fortunas, mas os profissionais devem arriscar as suas vidas? Isto devia deixar qualquer um perplexo. O mundo que nos rodeia e a ordem dos nossos valores são incompreensíveis.

Desde março que nada voltou ao que era, a quarentena de duas semanas acabou por durar mais de dois meses, não comunicamos com ninguém sem ser por meios eletrónicos, não há contacto cara a cara, pessoas continuam a morrer apesar dos esforços,… de facto, a vida é uma sucessão de males que só muda para pior: a mudança traz a tristeza.

Concluindo, associo esta imagem ao desconcerto do mundo e à mudança, e o que há de mais desconcertante do que uma pandemia? As temáticas camonianas são, de facto, intemporais, tanto que uns séculos depois ainda se aplicam à atualidade. A sociedade está sempre a evoluir e a mudar, e, por vezes essa mudança pode ser desconcertante…

Laura Fernandes