Strasbourg

(...) A maior cidade da Alsácia é Estrasburgo. Isso não quer dizer que seja grande. Tem a medida exata para ser explorada em um dia. O seu bairro histórico, Petite France, assim como os demais deste roteiro, tem aquela atmosfera de conto de fadas, mesmo quando absolutamente congestionado de moradores e turistas, atraídos pelos mercados de Natal que se espalham por toda a cidade neste período de festas. Viu João e Maria por aí?

O bairro antigo merece ser explorado a pé. O passeio nos barcos envidraçados, um dos programas turísticos mais concorridos, não parece ser uma boa ideia, principalmente no inverno, quando os termômetros lá fora estão marcando algo próximo do zero grau, e acabamos embarcando em verdadeiros fornos lotados de visitantes. Mais agradável mesmo é ficar andando a pé, sem rumo, pelas ruas cercadas pelas casas típicas em estilo germânico, com madeirame à vista. Um pouco mais afastado da parte mais bonita da área histórica, o edifício moderno que é uma das duas sedes do Parlamento Europeu — a outra fica em Bruxelas, na Bélgica — talvez seja o único ponto que faça o passeio de barco valer mesmo a pena. Se ver o prédio arredondado, verdadeiramente belo, com paredes espelhadas, estiver nos planos, vale a pena encarar o calor e a multidão de turistas.

Mas o melhor de Estrasburgo é perambular pelo Centro. Ali encontramos tudo de que precisamos para um dia feliz, começando com as castanhas que assam em carrocinhas em formato de trem, perfumando irresistivelmente o ar.

Outro item fundamental num roteiro por Estrasburgo é o restaurante Au Crocodile, um dos mais famosos de toda a Alsácia, dono de uma estrela Michelin, localizado a poucos passos da Place Kleber, ao redor da qual está concentrado o comércio trés chic da cidade, com direito a filial das Galerias Lafayette. Ali na casa do chef Philippe Bohrer, as especialidades alsacianas são tratadas com cuidado e alguma influência estrangeira, resultando em receitas bem acertadas, como uma fantástica terrine de veado (chevreuil) à moda tradicional. Há lugar para inspirações estrangeiras, como o inesquecível cheesecake de frutas vermelhas com sorbet de framboesas, montagem sobre uma massa delicada, com camadas sobrepostas, um show de técnica e bom gosto.

Outra instituição de Estrasburgo é o restaurante Maison des Tanneurs, nas bordas de Petite France, endereço clássico para apreciar o melhor chucrute da cidade num ambiente agradável em um prédio histórico, erguido em 1572. Para explorar as especialidades regionais gastando um pouco menos, mas comendo tão bem quanto, o Chez Yvonne, no coração da zona histórica, é uma típica weinstub alsaciana, que tem entre os frequentadores o ex-presidente Jacques Chirac, com direito a foto na parede, fã confesso do presskopf e do tête de veau servidos ali, segundo informa a garçonete. Depois do presskopf (muito bom), fiquei no boudin noir, servido com purê de maçã, na divertida companhia de um pichet de um muscat da casa. Porque não precisamos de estrelas Michelin, nem de vinhos Grand Cru, nem de muitos euros, para sermos felizes e bem alimentados na Alsácia.

No silêncio de uma catedral

Ainda mais bela que os vitrais da Catedral de Notre-Dame, que arranha os céus de Estrasburgo com as suas torres góticas que alcançam 142 metros de altura, é a história de como eles foram salvos da destruição. Em 1939, quando os moradores da cidade tiveram a certeza de que o exército alemão invadiria impiedosamente Estrasburgo, decidiram evacuar a cidade. Mas eles não queriam deixar para trás esse conjunto precioso de painéis do templo, construído entre 1166 e 1439, que chegou a ser, por muitos anos, o edifício mais alto do mundo. Antes da fuga, desmontaram todos os painéis e os acondicionaram cuidadosamente em caixas que foram escondidas em uma mina.

Em 1944, Estrasburgo havia sido transformada num importante ponto de apoio do exército alemão e a construção foi atingida por bombardeios anglo-americanos, que danificaram a estrutura. Terminada a guerra, os vitrais foram recolocados. Apenas o painel do coro não é original: a única peça que não havia sido retirada foi afetada pelo ataque das forças aliadas.

Lindíssimo, também é o relógio astronômico, com 18 metros de altura e um complexo sistema de cálculos que indica, além da hora, o dia da semana, o ano, a Páscoa, a Lua, os signos do zodíaco e a posição de vários planetas. Quem não estiver acompanhado de um guia de turismo, vale a pena ficar atento aos grupos, que são conduzidos até lá geralmente nas horas em que os mecanismos são acionados, exibindo lúdicos desfiles de personagens animados.

Fortaleza indevassável e uma escapulida até a Alemanha

Ninguém jamais tentou invadir a cidadela de Neuf-Brisach, que está bem próxima à fronteira com a Alemanha. E a razão é relativamente simples: essa fortaleza simétrica, construída entre 1698 e 1707, era considerada indevassável por estrategistas de guerra. Não houve quem tivesse se arriscado a tomá-la. Trata-se de uma área central em formato de octógono, com 48 quarteirões, cada um com dez casas, solução urbana igualmente avançada para o período.

A fortificação foi projetada por Sébastien Le Prestre, mais conhecido como Vauban, autor de vários outros projetos famosos, como a Cidadela de Besançon, e é considerada uma das grandes obras da engenharia militar. No centro da cidadela está a Praça de Armas, ponto de partida para um passeio pelo lugar, que é um marco para pessoas interessadas em História e arquitetura. Uma murada com cinco metros de altura protege esse núcleo, ajudada por um sistema de valas e fossos com água, criando um formato de estrela que impediria a aproximação de canhões, pelotões de soldados e outros artifícios da infantaria. Para entender melhor o complexo sistema de defesa vale a pena visitar o Museu Vauban, localizado na Porta Belfort, uma das quatro entradas para a fortaleza. Ali uma maquete ajuda a visualizar todo o magnífico projeto.

Esse centrinho histórico é carente de bons hotéis e restaurantes, mas na localidade de Biesheim encontramos o agradável Aux Deux Clefs, ou simplesmente Hostellerie Groff, misto de pousada, brasserie e traiteur, com boa comida, apresentação cuidadosa e preços acessíveis. O menu de 25,50 começa com uma versão voadora do presskopf, feita com carne de pato, passa por um parmentier de carne bovina (espécie de escondidinho à moda francesa, feito com um purê de batatas) e termina com mil folhas ao Grand Marnier com coulis de cítricos.

Uma visita a Neuf-Brisach reforça ainda mais o caráter franco-germânico da Alsácia: a cidadela está muito próxima da fronteira com a Alemanha. Basta atravessar o Rio Reno para se chegar a Brisach, onde Nicolas Sarkozy passa o comando para Angela Merkel. É possível combinar uma visita às duas cidades fronteiriças, e um dia é o suficiente para se explorar as duas vizinhas.

Publicado por Bruno Agostini - 14/12/2011

Fonte : O Globo . Boa Viagem

Mercado de Natal Catedral