João Burnay

Construção do Caminho de Ferro Transafricano-Empreitada Geral

"... em 16 de Julho de 1885 era publicada uma lei autorizando o governo a adjudicar, precedendo concurso, a construção e exploração do referido caminho de ferro; e, em decreto de 24 do mesmo mês, era aberto o referido concurso. Como consequência foi, em 25 de Setembro do mesmo ano, lavrado contrato entre o governo e Alexandre Peres, obrigando-se este a constituir, para esse fim, uma sociedade. Por força deste contrato, forma-se a Companhia Real dos Caminhos de Ferro Através de África, cujos estatutos são lavrados , no Porto, em 6 de Fevereiro de 1886, e aprovados por decreto de 10 do mesmo mês e ano.

Em 31 de Outubro de 1886, iniciou-se a construção da linha do Caminho de Ferro de Loanda, sob a direcção do engenheiro João Burnay, e nela trabalhavam nada menos que indivíduos de dez nacionalidades diferentes: portugueses, franceses, belgas, alemãs, ingleses, americanos, espanhois, italianos, um russo e um sueco."(1)

Placa da inauguração dos trabalhos de construção do CFL (2)

JOÃO BAPTISTA BURNAY também conhecido como JEAN-BAPTISTE (IV)BEAUPIN BURNAY , ou ainda mais comumente conhecido como o JOÃO BURNAY a que se referia Eça de Queiroz em vários dos seus inesquecíveis escritos.

João Burnay foi o terceiro dos treze filhos de JEAN-BAPTISTE (III) REMACLE BURNAY, que foi o primeiro membro desta família a imigrar, a partir de Inglaterra, para Portugal no princípio do século XIX.

Segue-se um texto do Dr. João Augusto Martins, que no seu livro Madeira, Cabo Verde e Guiné, (1891), inclui entre os filhos ilustres de Cabo Verde João Burnay:

“João Burnay, esse revolucionário da industria fabril, esse terror, desvanecido do sr. Colares e da fábrica de Massarelos, esse tão discutido empreiteiro da Penitenciária e do caminho-de-ferro de Ambaca, este espírito zig-zagante e mordaz, essa verve deliciosa de ‘humour’ essa personalidade acentuada, essa excentricidade irrequieta, que tem percorrido todas as gradações sociais desde as clássicas águas furtadas até ao palácio Pombalino, onde Fontes, Daupias e tantos outros exigentes se esqueciam nas delícias do ‘confortable’. João Burnay, esse benemérito da troça, inventor dos trajes com que hoje todos nós vestimos certas palavras, deformando-lhes o sentido com a mesma elegância com que o sr. Straus apura, dá cheios e esterlica disfarçando arestas nos seus comendadores infatuados; este homem que nas grandes lutas da sua vida tem conseguido ter sempre da sua banda os que riem e os que pensam, esse industrial que criou e lançou grátis à publicidade o ‘indígena’ esse papalvo malicioso; o ‘comendador central’, essa criação do Romulares; o ‘topa’, esse pesadelo eterno da rua dos Capelistas.

Esse simpático e inteligentíssimo moço, por sobre cujos lábios como que volitam a ironia e a graça; essa organização vigoríssima cuja grande alma se revela na chama ardente de uns pequenos olhos claros; louro, altivo e belo como é, … é filho de Cabo Verde”.

O director das obras era, então, João Burnay, um experimentado engenheiro em ferrovias. Era tão competente que em 31 de Outubro de 1888 foi inaugurado o percurso de 45 quilómetros entre Luanda e Funda.

O governador decretou feriado e o comércio de Luanda fechou para todos irem à Estação da Cidade Alta ver partir o comboio, puxado por uma moderna máquina Armstrong.

Imagens da inauguração, no dia 31 de Outubro de 1888, em Luanda, próximo da Ermida da Nazaret, do 1º troço Luanda- Funda

O discurso de João Burnay

"Allocução do constructor da linha ferrea, Exm.º Sr. Commendador João Burnay

É com o maior júbilo e satisfação que venho pedir a v. ex.ª para lançar os primeiros fundamentos desta obra de tanta valia para o desenvolvimento da prosperidade desta província de Angola, que v. ex.ª tão dignamente governa em nome do El-Rei de Portugal.

Como constructor da linha congratulo-me por ver removidas as dificuldades inevitáveis em cometimentos desta ordem, e resolvidas muitas das questões que demoravam o começo dos trabalhos, e como português regosijo-me por me ver hoje acompanhado nesta festa do trabalho e do progresso por tantos que nesta terra tomam a peito o desenvolvimento da sua prosperidade, antepondo às divergências de opinião política as tradições da nossa pátria na grande missão que o destino parece ter-nos reservado:-o desbravamento e a civilização do sertão africano.

Orgulho-me de ter sido escolhido, embora obreiro humilde, para realisar este trabalho ilustre, duro e esclarecido, tendo ao meu lado neste dia solene os representantes da minha fé, do meu Rei, da minha pátria."(2)

Máquina N.º1 do CFL

Um dos engenheiros americanos que trabalhava na construção da linha era James M. Reid, que trabalhou desde 1887 até 1890 na construção do Caminho de Ferro de Ambaca, altura em que regressou à Portugal de forma a prosseguir viagem com destino aos Estados Unidos.

Na imagem seguinte temos parte de uma carta enviada pelo eng. James L. Reid, 14 de Fevereiro de 1887.

fig.1-Fragmento de uma carta enviada por J.M. Reid para a mãe enviada a 14-2-1887

Na fig.2 temos um segundo fragmento de uma segunda carta, desta vez enviada para a sua irmã, 13 de Novembro de 1887.

Fig.2-Fragmento de uma segunda carta

Na mesma carta o eng. manifesta a intenção de regressar aos Estados Unidos no ano seguinte, e refere a visita de John Burnay a 28 de Novembro de 1887.

Existem várias outras cartas de 1888, 1889 e 1890 que mostram que J. M. Reid trabalhou no Caminho de Ferro de Ambaca pelo menos até Março de 1890.

Nas imagens seguintes (ebay 2014) estão dois sobrescritos timbrados do Caminho de Ferro Transafricano-Empreitada Geral. João Burnay, constructor, Loanda, enviados para os Estados Unidos, Texas para a irmã Miss M. L. Reid por J. M. Reid.

Fig.3-Sobrescrito do construtor João Burnay, enviado em 13 Novembro de 87 para os Estados Unidos, Texas (31 Dez 87) com trânsito por Lisboa (12 Dez 87), com portes de 250 reis.

Fig.4-Sobrescrito registado do construtor João Burnay, enviado em dezembro de 89 para os Estados Unidos, Texas (22 Jan 90) com trânsito por Lisboa (11 Jan 90), com portes de 250 reis.

Neste segundo sobrescrito registado (vendido no ebay), foi utilizada a marca REGISTRADA/CORREIO DE LOANDA, com o número do registo inscrito no interior da elipse menor.

Esta marca já tinha sido utilizada no período dos selos coroa.

E finalmente, mais uma imagem de outro sobrescrito registado, vendido no ebay, onde foi utilizada a mesma marca «REGISTRADA».

fig.5-Sobrescrito enviado em 15 Julho de 89 para os Estados Unidos, Texas (27 Jul 89) com trânsito por Lisboa (12 Jul 89), com portes de 100 reis.

Assim, já são conhecidas pelo menos três utilizações desta marca em substituição da etiqueta de registo.

Fig.6-Fragmento Ex Elder Correia.

________________________________________________________________________

(1) Castro, Eduardo Gomes de Albuquerque (1966). Angola: Portos e Transportes- Obra política-economica de consulta e divulgação, Luanda, Oficinas Gráficas ABC.

(2) Castro, Eduardo Gomes de Albuquerque (1938). Caminho de Ferro de Luanda- 50º aniversário do C.F.L., Luanda.