Este tópico procura elucidar os fundamentos da representação da luz no desenho para que, com isso, consigamos exercitar nossa habilidade de criar luzes e sombras, consistentemente, a partir da imaginação.
Uma vez compreendido o conceito de valores, já estamos levando nosso desenho a um patamar que vai além das linhas - e, nesse patamar, luzes e sombras são um componente fundamental. A representação consistente de luzes e sombras no desenho permite a criação de uma ilusão mais completa de volume, forma, profundidade e espaço tridimensional... em uma superfície bidimensional, seja uma tela digital ou uma folha de papal - digo, papel.
Aprender a desenhar luzes e sombras de modo consistente aproxima o desenho da pintura.
Vamos tentar entender como criar luz e sombra no desenho a partir da nossa imaginação, sem termos que depender, necessariamente, de uma referência para copiar. Como um diretor de fotografia em um filme, queremos ser capazes de decidir como posicionar nossas luzes no set - e, com base nessa decisão, construir as luzes e sombras dos elementos que compõem nossos desenhos. Para isso, é preciso entender a lógica da luz, que envolve os seguintes elementos:
Fonte de luz (light source*) - É de onde vem a luz no desenho. Pode ser, por exemplo, a luz do sol ou uma luz artificial como uma vela, uma lanterna etc.
Áreas iluminadas - São as partes da cena no desenho que recebem luz diretamente. Nas áreas de luz, existem três sub-elementos:
Luz central (centerlight) - É a área que recebe luz direta em maior intensidade. É tudo o que está mais diretamente voltado para a fonte de luz.
Meios-tons (halftones) - São todas as demais áreas que recebem luz direta em menores intensidades.
Realces (highlights) - São pequenas áreas de brilho muito intenso que podem aparecer se a superfície do objeto for reflexiva.
Áreas de sombra - São as partes da cena no desenho que não recebem luz diretamente. Nas áreas de sombra, existem cinco sub-elementos:
Sombra da forma (form shadow) - É a área de um objeto qualquer que não recebe luz diretamente. Na sombra da forma em um objeto, é possível vermos ainda mais dois componentes:
Luzes refletidas (reflected lights) - São as partes do objeto que recebem a luz que reflete de outros objetos em seu entorno. Apesar de conter o nome "luzes", as luzes refletidas são parte da área de sombra. São sempre muito mais fracas do que a luz direta, mas ainda podem servir para criar uma variação de tons significativa.
Crista ou núcleo da sombra (core shadow) - É uma "faixa" de sombra que pode aparecer em objetos arredondados nas partes que não recebem nem luz direta, nem luz refletida.
Sombra projetada (cast shadow) - É a sombra que o objeto faz sobre uma superfície ou sobre outros objetos. O objeto bloqueia uma parte da luz direta e a impede de chegar em áreas que estão logo atrás.
Área de oclusão (occlusion shadow) - Se o objeto estiver em cima de uma superfície ou tocando o outro objeto onde projeta sobra, a área de oclusão corresponde à parte mais profunda da sombra projetada, geralmente situada próxima ao ponto de contato entre os objetos ou entre o objeto e a superfície.
Terminador (terminator) - É a "linha" que separa as área iluminadas das áreas de sombra em um objeto.
* Os nomes em inglês aqui são para que você possa referenciar cada elemento caso decida estudar por outros materiais sobre este mesmo assunto. Muitas aulas e tutoriais sobre luz e sombra utilizam termos em inglês, então pode ser útil saber quais as palavras correspondentes nos dois idiomas.
Assista os vídeos abaixo para ver uma explicação com exemplos visuais das principais partes integrantes da dinâmica da luz no espaço.
Duração: 9'51"
Duração: 3'51"
Duração: 15'35"
Começamos treinando desenhar luzes e sombras com formas simples porque... é mais simples. Formas geométricas contêm uma menor quantidade de planos, lados ou faces quando comparadas a objetos mais complexos, como objetos da vida real. E, por serem mais "óbvias", as formas geométricas nos possibilitam entender e praticar desenhar a lógica da luz com relativa clareza e controle.
Mas duvido um pouco que o seu objetivo com o desenho se encerre nas formas geométricas. Acredito que há grande probabilidade de você querer desenhar formas mais complexas, orgânicas, elementos da natureza, objetos reais, cenários e até personagens.
A boa notícia é que a dinâmica da luz no espaço é sempre a mesma, independentemente do que desenhamos. Em qualquer desenho, seja um cubo, a vista aérea de uma cidade ou uma gladiadora medieval em combate, a construção da iluminação é feita com base nos mesmos elementos, seguindo a mesma lógica. As duas únicas diferenças entre sombrear uma forma geométrica ou um objeto ou cena "real" são:
A quantidade de formas que precisaremos sombrear. Um cubo tem seis lados, e geralmente apenas três são visíveis; já um objeto mais complexo pode ter muito mais planos ou lados;
E a atenção que teremos que dar à relação espacial entre essas formas. Em uma cena com uma forma geométrica simples sobre uma superfície lisa, as sombras projetadas e luzes refletidas são poucas e mais fáceis de visualizar. Já em uma cena com diversos objetos, personagens e elementos, as luzes e sombras podem se "emaranhar" e criar diversas nuances e variações tonais mais sutis, complexas, em menores tamanhos ou em maiores quantidades.
Se você compreendeu como as luzes e sombras funcionam nas formas simples, já conhece toda a teoria necessária para saber como funcionam também nas formas complexas. Então, falta apenas praticar... e treinar a sua capacidade de visualizar qualquer objeto como formas simples. Lembra do manequim?
Veja alguns exemplos de luzes e sombras em formas complexas no vídeo abaixo.
Duração: 19'17"
As luzes e sombras podem começar a ser pensadas antes de começarmos a "sombrear" de fato, ainda na fase do desenho linear. Para isso, vamos conhecer a técnica de shadow mapping.
Traduzido literalmente, o termo significa "mapeamento de sombras". O shadow mapping consiste, simplesmente, em delinear, ainda na fase de esboço, as principais áreas da iluminação. Em outras palavras: uma vez feito o desenho propriamente dito - as arestas que compõem as formas -, incluímos, também, as arestas que representam as luzes e sombras daquelas formas.
O shadow mapping atua, portanto, como um "passo a mais" na fase de esboço e como uma forma de planejar, antecipadamente, a dinâmica das luzes e sombras que pretendemos criar no desenho.
De modo simplificado, podemos compreender o processo inteiro por meio do seguinte passo-a-passo:
ESBOÇO LINEAR - Primeiro, construímos o desenho em si - arestas, formas, espaços, perspectiva, proporções.
SHADOW MAPPING - Em seguida, decidimos a posição da fonte de luz / direção da luz e construímos o shadow mapping;
BLOCAGEM DE TONS (FLATS)- Depois, usamos diferentes valores para preencher, com tons sólidos e homogêneos ("flats"), as áreas de luzes e sombras delineadas, seguindo a lógica geral da luz e as condições de iluminação que definimos para nosso desenho.
BLENDING - Por fim (mas não de forma rápida), vamos mesclando os diferentes tons para obter o efeito que desejamos, dependendo das formas e das condições de iluminação que definimos. Essa etapa pode ser um pouco demorada, pois envolve decisões delicadas e um cuidado com a execução. Essa fase de acabamentos pode envolver adicionar variações tonais sutis aos meios-tons, suavizar arestas dos terminadores nas formas arredondadas e nas áreas de maior difusão de luz, refinar as luzes refletidas e sombras projetadas... Entender e trabalhar a natureza das arestas tonais de forma coerente, com blendings mais sutis ou mais intensos, pode ser determinante no aspecto final do desenho e em sua "credibilidade".
Observe imagens de exemplo desse processo no vídeo abaixo.
Duração: 11'33"
Com base na indicação do ângulo da luz em cada imagem, construa a iluminação completa das formas no espaço tridimensional. Comece com o shadow mapping, depois faça a blocagem dos tons e, por último, o blending.
Desenhe um personagem simples, escolha um ângulo de luz e faça o sombreamento. Tente visualizar, nos personagens, as mesmas formas simples estudadas anteriormente e lembrar como a luz se comporta em cada uma. De novo, siga o mesmo processo: após o desenho linear, faça o shadow mapping, depois, a blocagem dos tons e, por último, o blending.
Se quiser pular a etapa do desenho linear para se concentrar apenas no sombreamento, fique à vontade para utilizar um dos desenhos abaixo.
Com base nos conceitos e técnicas estudados nesta aula, experimente criar a iluminação de uma cena inteira. Siga o mesmo processo: defina o ângulo da luz; desenhe o shadow mapping; faça a blocagem de valores; e, só por último, trabalhe as arestas para fazer o blending e dar os acabamentos.
Fique à vontade para utilize um dos desenhos lineares a seguir como ponto de partida... ou para criar os seus próprios.
Quer expandir seus estudos? Aqui vão algumas sugestões de que você pode gostar.
(Vídeo) Autor: Proko
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