Vamos treinar nossa habilidade para visualizar padrões de claros e escuros e representar graficamente diferentes intensidades de luminosidade.
Em desenho, valor (às vezes, também chamado de "tom" ou "valoração") é um termo que remete a claros e escuros. É o componente visual que representa luminosidade.
Betty Edwards, que escreveu o livro Desenhando com o lado direito do cérebro, considera que aprender a perceber valores - reconhecer padrões visuais e claros e escuros - é a 4a habilidade essencial para o desenho de observação (as outras três são arestas, espaços negativos e relações espaciais... que já vimos em Desenho I).
O valor é um dos componentes da cor, e, talvez, o mais importante. O uso coerente e consciente dos valores em um desenho é a base para a construção de uma iluminação realista e de uma composição eficaz.
Ao trabalharmos com valores no desenho, costumamos utilizar a escala tonal, uma sequência de diferentes gradações de tons de cinza. Ela pode funcionar como uma "paleta" a partir da qual "pescamos" os tons para utilizar no desenho. Porém, mais que isso, ela pode também funcionar também como uma ferramenta para visualizarmos e compararmos diferentes valores em uma mesma imagem.
Uma escala tonal de 5 gradações.
Alguns critérios importantes para se ter uma boa escala tonal são:
Preenchimentos homogêneos. Que haja uma percepção de unidade e uniformidade em cada valor.
Tons distintos entre si. Ao semicerrar os olhos, devemos ver cada um dos cinco tons acima ainda separadamente. Se, ao apertar os olhos, dois ou mais tons parecerem se "mesclar", é preciso tentar criar uma distinção mais forte entre eles.
Intervalos regulares. Que a "distância tonal" do 1 para o 2 seja equivalente à do 2 para o 3, do 3 para o 4, e assim por diante.
O vídeo abaixo contém explicações adicionais para uma introdução aos principais conceitos envolvendo valores.
Duração: 9'07"
Dependendo do material que utilizamos para produzir o desenho, valores podem ser obtidos de diferentes formas. Por exemplo, em uma pintura com aquarela, é possível utilizar a cor preta ou a cor cinza como base e adicionar mais água à mistura para se obter tons mais claros, ou usar pouca água para manter a intensidade original do pigmento. Com tinta acrílica ou a óleo, adicionamos branco em vez de água. Em pintura digital, obtemos diferentes valores simplesmente selecionando a intensidade desejada no seletor de cores, embora as definições de fluxo e opacidade dos pincéis, bem como as configurações de sensibilidade à pressão da caneta digital, também possam afetar os tons que obteremos ao desenhar na tela. Em todos esses casos, pintamos tons sólidos com manchas e formas.
Por outro lado, também podemos obter valores utilizando instrumentos lineares, como lápis, canetas, penas e marcadores. Alguns materiais permitem que se obtenha valores diferentes com variações de pressão: por exemplo, se desenhamos usando lápis de grafite, bastão de carvão ou caneta esferográfica, podemos obter um traço mais claro ou mais escuro dependendo da pressão que exercemos no lápis sobre o papel. Já outros materiais, como penas com tinta nanquim e canetas com ponta de feltro liberam uma quantidade estável de tinta e produzem um traço sempre de mesma intensidade, independente da pressão que exercemos. Em todos os casos, porém, existe um artifício útil para representar valores através de linhas: as chamadas hachuras. O truque é aprender a controlar a quantidade de espaço em branco entre os traços: quanto mais espaçadas as linhas, maior a sensação de um tom claro; quando mais "fechadas" as hachuras, maior a sensação de um tom mais escuro.
Veja, abaixo, uma explicação sobre hachuras com exemplos.
Duração: 4'30"
Ao desenhar digitalmente, dispomos de uma gama ainda maior de possibilidades para executar e criar elementos visuais com diferentes valores: "balde de tinta", espectro de cores, ferramentas de seleção, ferramentas vetoriais, preenchimentos automáticos, variação de opacidade... e até mesmo pincéis que simulam os efeitos de hachuras com um lápis tradicional ou a textura de uma tinta espessa. Todos esses recursos digitais podem ser úteis e requerem diferentes formas de usar. Cabe a cada um de nós escolher qual a melhor ferramenta para o que buscamos.
Desenhar uma escala tonal e manter, em cada quadrinho, valores homogêneos e distintos entre si é um exercício útil para treinar nossa capacidade de controlar o processo de uso dos valores no desenho.
E ter áreas tonais separadas pode ser um recurso estilístico interessante. Artistas de HQ usam muito esse artifício, e muitos jogos e animações famosas são apresentadas com iluminação em cel shading. O resultado é sempre um visual mais estilizado e 2D.
Por outro lado, para um efeito mais realista e tridimensional, uma prática complementar à escala tonal (e igualmente útil) é mesclar tons - aprender a combinar diferentes tons para criar tons intermediários e, com isso, transformar a separação nítida entre um tom e outro em uma transição mais suave e gradual. Com prática, conseguimos controlar cada vez melhor a intensidade de suavização, e, com isso, é possível obter os mais variados efeitos de luz e forma no desenho.
A seguir, uma explicação sobre blending tonal, ou o processo prático de mesclar valores entre si.
Duração: 3'11"
Depois de todas as explicações, lembre-se de que o mais importante é experienciar a prática utilizando os materiais da sua preferência e direcionando sua atenção para os conceitos e fundamentos em foco. Treinar para saber como utilizar valores nesses exercícios mais iniciais é a base para construir luzes e sombras realistas e composições expressivas e completas futuramente.
Crie uma pequena escala tonal com cinco valores. É essencial que os cinco tons sejam visivelmente distintos entre si.
Tente criar a intensidade de cada tom combinando a variação de pressão do lápis sobre o papel e os espaçamentos ou cruzamentos entre as hachuras. No final, é legal que os preenchimentos estejam relativamente uniformes/homogêneos em seu respectivo quadrinho.
Dica: "aperte" os olhos para borrar um pouco a visão e perceber melhor os contrastes de valor!
Numere os tons de 1 a 5, sendo "5" o mais claro (o branco do papel) e "1", o tom mais escuro que o seu lápis permitir.
Se optar por fazer esse exercício digitalmente, fique à vontade para simular o que seria o efeito do lápis tradicional com hachuras (como no exemplo), ou para abraçar o 100% digital e usar ferramentas de preenchimento sólido.
Observe esses quatro sketches e procure identificar e localizar os valores utilizados em cada um com base na escala tonal que você criou no primeiro exercício. Se, por acaso, a imagem contiver tons que a sua escala tonal não contém, qual seria o valor mais próximo?
Pegando, como referência, uma imagem em tons de cinza, faça um estudo tonal simplificado usando a sua escala tonal como "paleta" e adaptando a correspondência de valores entre a referência, sua escala tonal e seu esboço para os valores mais próximos possíveis (por exemplo: se você não conseguir o preto, use o mais escuro que o seu lápis permitir, e ajuste o contraste com os outros valores de maneira correspondente).
Para este exercício ser eficaz, é essencial você treinar identificar qual valor está usando para qual área do desenho. Se quiser, você pode numerar também as áreas do seu desenho de modo a deixar mais clara a correspondência entre os tons do seu sketch e os da escala tonal.
Não se preocupe em desenhar exatamente igual à referência ou em desenhar detalhes - o seu desenho pode ser só um conjunto de formas abstratas só mais ou menos parecidas com a imagem.
Uma sugestão adicional para este exercício é utilizar, como imagem de referência, frames/quadros/stills de filmes! Escolha um filme da sua preferência, pause em uma cena com boa fotografia e composição e faça o seu estudo a partir daquela imagem.
Trabalhe em cima do seu resultado do Exercício 1 (escala tonal) e elabore transições graduais entre os tons da escala utilizando técnicas de blending.