MANIFESTO DE BELO HORIZONTE
EM DEFESA DA DIVERSIDADE URBANA E DO PLANO DIRETOR DE BELO HORIZONTE
Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, está entre as dez maiores cidades do Brasil. Com uma população estimada em 2,6 milhões de habitantes, o antigo povoado do Curral Del Rey, transformou-se nesses pouco mais de cem anos de vida numa metrópole complexa com inúmeros problemas estruturais, humanos, urbanos, sociais, econômicos e ambientais.
Belo Horizonte, cidade nascida planejada, enfrenta em sua história, e de modo cada vez mais intenso, processos que desestruturam e desumanizam brutalmente a cidade.
Segundo site da Prefeitura de Belo Horizonte, BH possui “336 assentamentos (ZEIS e AEIS 2) que abrigam em torno de 480 mil habitantes e representam aproximadamente 20% da população. São cerca de 120 mil domicílios nos 218 assentamentos de vilas, favelas e conjuntos irregulares (ZEIS) e 34 mil domicílios nos 118 assentamentos de interesse social. Esses assentamentos foram definidos pelo novo Plano Diretor sancionado pela Lei 11.181/2019.” Importante salientar que esses 20% da população vivem concentrados em aproximadamente 5% do território municipal.
Durante décadas, um modelo de ocupação do território baseada na concentração de recursos públicos e infraestruturas na zona central da cidade, deixou grandes áreas, densamente povoadas, relegadas a um déficit da oferta de equipamentos públicos (sociais e de lazer) e precária infraestrutura sanitária e, em geral, edificações de baixa qualidade ou precárias.
Ao mesmo tempo, a ocupação da cidade concentrada na região Centro-Sul, baseada na verticalização e concentração de equipamentos e estruturas urbanas, proporcionou uma grande valorização do capital apropriado pela indústria da construção civil e das grandes incorporadoras que operam na cidade, em detrimento ao interesse coletivo.
As demais regiões da cidade foram, ao longo do tempo, absorvendo, a expansão populacional, fundamentalmente da classe trabalhadora, por meio de conjuntos habitacionais, bairros residenciais uni e multifamiliares. Essa expansão ocorreu principalmente de forma desassistida, com acesso precário às infraestruturas urbanas. Paralelamente a esse processo, vimos surgir em sua malha urbana, centenas de vilas e favelas, decorrente das necessidades habitacionais em função do crescimento populacional (seja natural ou devido a migrações) e do elevado preço e das dificuldades de acesso à terra urbana, o que fez com que essas populações fossem sendo impelidas a ocupar áreas de risco e impondo uma situação humana e social incompatível com as necessidades básicas de grande parcela dos moradores da cidade.
Um outro aspecto dessa forma de ocupação foi a desconsideração do ecossistema natural existente no território. Algumas pequenas florestas e bosques, assim como milhares de pequenos riachos, córregos, ribeirões Arrudas e Onça, nascentes, foram sistematicamente desconsiderados nos processos de parcelamento do solo, com os cursos d'água sendo, quando muito, aproveitado para a implantação de estruturas de transporte rodoviário ou coleta de esgoto. A destruição/impermeabilização das áreas de recarga, o desmatamento, a canalização ou tamponamento dos cursos d'água e a ocupação desenfreada de suas margens e várzeas estão diretamente relacionados às tragédias vivenciadas e anunciadas nos períodos de chuva.
No caso das áreas verdes e elementos naturais remanescentes, algumas poucas (ou pequenas partes dessas) foram transformadas em parques nesse processo, mas muito aquém das necessidades de lazer e bem-estar da população, principalmente aquela residente fora da região Centro-Sul. Mais recentemente, vimos dezenas de pequenos parques serem criados como medidas de compensação de empreendimentos imobiliários, mas os mesmos vêm sofrendo nos últimos anos, sendo abandonados e até mesmo destruídos pela falta de recursos orçamentários, incapacidade de controle, fiscalização e preservação dos mesmos pelos órgãos públicos encarregados de tais funções. Belo Horizonte, que um dia foi chamada de Cidade Jardim, hoje luta para manter o que sobrou de sua cobertura vegetal do acúmulo de anos de depredação devido à irresponsabilidade e omissão dos governantes e à especulação imobiliária.
Pensar e organizar a cidade para uma nova perspectiva transformadora é o que nos levou em 2013 a iniciar a luta pela atualização do Plano Diretor da cidade de Belo Horizonte. A atualização foi consolidada em lei em 2019. Com a aprovação da Lei 11.181 e as inovações que ela traz, foi consolidado um conjunto de instrumentos de política urbana capaz de, no médio e longo prazo, reorganizar e reestruturar a cidade de forma mais inteligente, acolhedora e humana.
Essa transformação é cada vez mais urgente. É necessário repensar a forma de organização urbana e ocupação nos aglomerados, em seus amplos aspectos, ambientais, econômicos e de saúde. É necessário repensar a estrutura hídrica e fluvial com destamponamento e aproveitamento de rios e ribeirões que cortam a cidade para construção de parques lineares e estruturas de aproveitamento ambiental, uma política agressiva de preservação das remanescentes áreas verdes da cidade. Precisamos incentivar novas centralidades urbanas capazes de desenvolver integralmente as várias regiões da cidade e evitar a super concentração na região centro sul. Também é urgente o desenvolvimento de um novo sistema multi-modal de transporte, onde todos os meios de transportes possam estar inseridos e integrados ao sistema de transporte público. É urgente o desenvolvimento de um amplo programa de moradia popular, com base no fundo público a ser potencializado pela Outorga Onerosa do Direito de Construir estabelecido pelo coeficiente 1 de aproveitamento dos terrenos, o que, se organizado no médio e longo prazo será capaz de superar a deficiência e precariedade de moradia onde vivem milhares de famílias em Belo Horizonte. Precisamos potencializar as áreas efetivas de interesses sociais, fortalecendo o uso das áreas AEIS e também expandindo essas áreas, produzindo novas moradias, formalizando imóveis não regularizados ou informais, implantando empreendimentos efetivamente para a população de baixa renda.
São esses e vários outros programas e interesses que estão em jogo na cidade de Belo Horizonte. A aprovação do plano diretor e seus instrumentos pela Lei 11.181 foi conquistada com muita luta e mobilização da sociedade. Movimentos populares, academia, ambientalistas, sem casas, agentes políticos e muitos outros agiram de forma unida e forte para a aprovação deste importante instrumento que poderá proporcionar em um futuro próximo uma cidade mais equilibrada e sustentável.
Sabemos que o espaço urbano é um grande ativo econômico, disputado palmo a palmo pelas elites econômicas e seus grupos de interesse. No processo de aprovação do Plano Diretor, a cidade se viu atacada por uma minoria de autocratas da construção civil e seus apoiadores nas estruturas de poder da cidade.
Na Câmara Municipal um pequeno grupo de Vereadores assumiu publicamente os interesses destes grupos empresariais do setor da construção civil. Mas foram derrotados pela posição firme e determinada da sociedade.
A partir de 2023 todos os instrumentos definidos no plano diretor da Lei 11.181 terão que ser integralmente aplicados à cidade. Esse momento crucial coincide com mudanças na gestão da prefeitura que emplacou a Lei, apesar de resistências do setor da construção civil. Paralelamente assistimos manifestações conservadoras e ultraliberais de alguns vereadores. Assim, vemos hoje, novamente, atores políticos subservientes aos interesses dos grupos econômicos e pretensos autocratas da cidade, desclassificando o plano diretor e atacando as pessoas e as organizações que proporcionaram a sua aprovação e defendem sua aplicação.
Uma CPI foi instalada na Câmara Municipal com o claro objetivo de desestabilizar a Secretaria de Políticas Urbanas e seus funcionários que, durante o processo de aprovação da Lei 11.181, souberam ouvir setores populares quase sempre negligenciados na discussão da cidade que queremos. A cidade é de todos e não é aceitável atender apenas alguns setores econômicos, sempre privilegiados em suas reivindicações. O objetivo real desse ataque parece claro: destruir os avanços aprovados e previstos na Lei 11.181 do Plano Diretor de Belo Horizonte.
Diante deste cenário tenebroso e de retrocessos anunciados, é que nós, organizações e lideranças da sociedade civil, subscrevemos este manifesto, convocando toda sociedade para um grande movimento, iniciado pelo Seminário Plano Diretor e Movimentos de Luta por Novos Horizontes, a ser realizado nos dias 28, 29, 30 de abril e 18 de maio de 2022, onde iremos discutir a cidade que queremos e a aplicação integral da Lei 11.181 do Plano Diretor de Belo Horizonte. No seminário serão tratados temas pendentes e candentes da cidade como: o aeroporto do Carlos Prates, a Mata do Planalto, moradias populares, áreas verdes, transporte público, o Ribeirão do Onça, Mata do Havaí, Mata do Izidora, Parque linear e outros. As ações previstas na Lei 11.181 do Plano Diretor precisam ser desenvolvidas e intensificadas para que seus resultados sejam o mais rapidamente incorporados à vida da cidade e de seus moradores.
Belo Horizonte, 10 de março de 2022
Arquitetas Sem Fronteiras - ASF Brasil
Articulação Metropolitana de Agricultura Urbana da RMBH - AMAU/RMBH
Articulação Resíduos Orgânicos BH
Associação Bairro Buritis - ABB
Associação Brasileira de Economista pela Democracia - ABED
Associação Brasileira de Engenharia Sanitária - ABES/MG
Associação Brasileira dos Engenheiros Independentes - ABRAEI
Associação Coletiva Movimento Parque Izidora
Associação Comunitária do Bairro Maria Goretti - ACBMG
Associação Comunitária do Planalto e Adjacências - ACPAD
Associação Comunitária Social Cultural e Desportiva dos Bairros Gameleira, Jardim América, Nova Suissa, Nova Granada e Salgado Filho - ACSCD
Associação Cultural Eu Sou Angoleiro
Associação dos Moradores e Amigos dos Bairros Luxemburgo, Coração de Jesus e Vila Paris - Amalux
Associação dos Agrimensores, Agrônomos, Arquitetos, Engenheiros, Geógrafos, Geólogos e Urbanistas da Prefeitura Municipal de BH - APLENA/BH
Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Brejinho
Associação dos Ciclistas Urbanos de Belo Horizonte - BH em Ciclo
Associação dos Docentes da PUC Minas - ADPUC
Associação dos Usuários de Transporte e Coletivo da Grande BH - AUTC
Associação Feminina de Engenharia, Agronomia e Geociências de MG - AFEAG/MG
Associação para o Desenvolvimento Comunitário e Habitacional do bairro Granja de Freitas
BR Cidades - Núcleo MG
Brigadas Populares
Casa Comum - Núcleo de Estudos Sociopolíticos - NESP - PUC Minas
Casa Socialista
Central dos Movimentos Populares - CMP
Centro Acadêmico Gestão Pública - CAGP
Centro Comunitário pro Construção e Desenvolvimento do Taquaril - Cecompcd -Teca
Cercadinho Projeto Ambiental
Coletivo Ah, É Lixo
Coletivo Alvorada
Coletivo Arte, Trabalho, Educação, Amos e Resistência - ArTEAR
Coletivo Articulando Redes - ArtRedes
Coletivo Cultural Noroeste BH
Coletivo da Juventude Olga Benário
Coletivo de Sambistas Mestres Conga - CSMC
Coletivo Habite a Política
Comissão Interinstitucional de Saúde Humana na sua Relação com os Animais
Comitê Popular de Luta por Democracia do Santa Tereza
Confederação Nacional das Associações de Moradores - CONAM
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação - Contee
Conselho Comunitário Unidos pelo Ribeiro de Abreu - COMUPRA
Conselho de Arquitetura e Urbanismo - CAU/MG
Conselho Regional de Economia de Minas Gerais - Corecon/MG
Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo - FeNEA
Grupo de Voluntários Greenpeace Belo Horizonte
Grupo Produção do Espaço Urbano nos brasis - Grupo PEU
Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB/MG
Instituto Gaicuy
Instituto Minas Gerais
Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável - INSEA
Instituto para Sensibilização e Realização de Política Públicas - IEMGPP
Kilombo Vela no Breu
Laboratório de Estudos Urbanos e Metropolitanos/UFMG
Movimento Cercadinho e Ponte Queimada
Movimento Cidade Sustentável dos Comuns
Movimento das Associações de Moradores de Belo Horizonte - MAM-BH
Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas - MLB
Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos - MTD
Movimento Deixem o Onça Beber Água Limpa
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto - MTST
Movimento Mineiro pelos Direitos do Animais - MMDA
Movimento Nacional de Luta pela Moradia - MNLM
Movimento Parque do Brejinho
Movimento Parque Jardim América
Movimento Parque Linear Unidos pelo Verde
Movimento Salve a Mata do Planalto
Movimento Salve a Serra do Curral
Movimento SOS Mata do Havaí
Movimento SOS Vargem das Flores
Movimento Tamboril Limpo
Núcleo Capão - Projeto Manuelzão
Núcleo Habitacional Central do Estado de Minas Gerais - NUHAC/MG
Núcleo Integrado Cascatinha - NIC
Observatório das Metrópoles/Núcleo RMBH
Observatório Metropolitano ODS - MetrODS
Pastoral Metropolitana dos Sem Casa MLUOS
Programa de extensão Natureza Política / Grupo de pesquisa Indisciplinar - Escola de Arquitetura - UFMG
Projeto Cercadinho Vivo
Projeto Manuelzão
Projeto Pomar BH
Rede ODS Brasil
Sindicato dos Arquitetos de Minas Gerais - Sinarq/MG
Sindicato dos Economistas do Estado de Minas Gerais - Sindecon/MG
Sindicato dos Engenheiros - SENGE/MG
Sindicato dos Metroviários do Estado de Minas Gerais - SINDMETRO-MG
Sindicato dos Sociólogos do Estado de Minas Gerais - SINDS/MG
Sub-Comitê da bacia hidrográfica do Ribeirão Arrudas - SCBH Arrudas
Sub-Comitê da bacia hidrográfica do Ribeirão da Onça - SCBH Onça
União da Juventude Socialista
União Estadual dos Estudantes
União Nacional dos Estudantes
União Nacional por Moradia Popular - UNMP/BH
Verdejar BH Jardim América
Vereador Pedro Patrus (PT)
Vereadora Bella Gonçalves (PSOL)
Vereadora Duda Salabert (PDT)
Vereadora Iza Lourença (PSOL)
Vereadora Macaé Evaristo (PT)