Vicente Ferreira Pastinha (Salvador, 5 de abril de 1889 — Salvador, 13 de novembro de 1981)
Mais conhecido por Mestre Pastinha, nascido em 1889 dizia não ter aprendido a Capoeira em escola, mas "com a sorte". Afinal, foi o destino o responsável pela iniciação do pequeno Pastinha no jogo, ainda garoto. Em depoimento prestado no ano de 1967, no 'Museu da Imagem e do Som', Mestre Pastinha relatou a história da sua vida: "Quando eu tinha uns dez anos - eu fui franzininho - um outro menino mais forte do que eu tornou-se meu rival. Era só eu sair para a rua - ir na venda fazer compra, por exemplo - e a gente se pegava em briga. Só sei que acabava apanhando dele, sempre. Então eu ia chorar escondido de vergonha e de tristeza." A vida iria dar ao moleque Pastinha a oportunidade de um aprendizado que marcaria todos os anos da sua longa existência.
"Um dia, da janela de sua casa, um velho africano assistiu a uma briga da gente. Vem cá, meu filho, ele me disse, vendo que eu chorava de raiva depois de apanhar. Você não pode com ele, sabe, porque ele é maior e tem mais idade. O tempo que você perde empinando raia vem aqui no meu cazuá que vou lhe ensinar coisa de muita valia. Foi isso que o velho me disse e eu fui". Começou então a formação do mestre que dedicaria sua vida à transferência do legado da Cultura Africana a muitas gerações. Segundo ele, a partir deste momento, o aprendizado se dava a cada dia, até que aprendeu tudo. Além das técnicas, muito mais lhe foi ensinado por Benedito, seu professor africano. "Ele costumava dizer: não provoque, menino, vai botando devagarinho ele sabedor do que você sabe (…). Na última vez que o menino me atacou fiz ele sabedor com um só golpe do que eu era capaz. E acabou-se meu rival, o menino ficou até meu amigo de admiração e respeito."
Foi na atividade do ensino da Capoeira que Pastinha se distinguiu. Ao longo dos anos, a competência maior foi demonstrada no seu talento como pensador sobre o jogo da Capoeira e na capacidade de comunicar-se. Os conceitos do mestre Pastinha formaram seguidores em todo Brasil. A originalidade do método de ensino, a prática do jogo enquanto expressão artística formaram uma escola que privilegia o trabalho físico e mental para que o talento se expanda em criatividade. Foi o maior propagador da Capoeira Angola, modalidade "tradicional" do esporte no Brasil.
Em 1941, fundou a segunda escola de capoeira legalizada pelo governo baiano, o Centro Esportivo de Capoeira Angola (CECA), no Largo do Pelourinho, na Bahia. Hoje, o local que era a sede de sua academia é um restaurante do Senac.
Em 1966, integrou a comitiva brasileira ao primeiro Festival Mundial de Arte Negra no Senegal, e foi um dos destaques do evento. Contra a violência, o Mestre Pastinha transformou a capoeira em arte. Em 1964, publicou o livro Capoeira Angola, em que defendia a natureza desportista e não-violenta do jogo.
Entre seus alunos estão Mestres como João Grande, João Pequeno, Boca Rica, Curió, Bola Sete (Presidente da Associação Brasileira de Capoeira Angola), entre muitos outros que ainda estão em plena atividade. Sua escola ganhou notoriedade com o tempo, frequentada por personalidades como Jorge Amado, Mário Cravo e Carybé, cantada por Caetano Veloso no disco Transa (1972). Apesar da fama, o "velho Mestre" terminou seus dias esquecido. Expulso do Pelourinho em 1971 pela prefeitura, sofreu dois derrames seguidos, que o deixaram cego e indefeso. Morreu aos 92 anos.
Durante décadas, dedicou-se ao ensino da Capoeira, e mesmo quando cego não deixava de acompanhar seus alunos. Vicente Ferreira Pastinha morreu no ano de 1981, mas continua vivo nas rodas, nas cantigas, no jogo.
"Tudo o que eu penso da Capoeira, um dia escrevi naquele quadro que está na porta da Academia. Em cima, só estas três palavras: Angola, capoeira, mãe. E embaixo, o pensamento: Mandinga de escravo em ânsia de liberdade, seu princípio não tem método e seu fim é inconcebível ao mais sábio capoeirista."
Em 5 de abril de 1889, nascia Vicente Ferreira Pastinha, responsável pela difusão da Capoeira Angola, bem como pela reunião e organização dos princípios e fundamentos de um dos maiores símbolos da cultura brasileira.
Filho do espanhol José Señor Pastinha e da baiana Eugênia Maria de Carvalho, nasceu na Rua do Tijolo em Salvador, Bahia.
Na virada do século XIX para o século XX, Pastinha foi apresentado à capoeira, segundo ele próprio, por pura sorte. Quando tinha em torno de 10 anos, em consequência de um arenga de garotos, da qual sempre saía perdendo, conheceu Benedito, preto africano que se tornaria seu mestre.
“A minha vida de criança foi um pouquinho amarga. Encontrei um rival, um menino que era rival meu. Então, nós entrávamos em luta. E, na janela de uma casa, tinha um africano apreciando a minha luta com esse menino. Então quando acabava de brigar, que eu passava, o velho me chamava: ‘Meu filho, vem cá!’ Eu cheguei na janela e ele, então, me disse: ‘Você não pode brigar com aquele menino. Aquele menino é mais ativo do que você. Aquele menino é malandro! Você quer brigar com o menino na raça, mas não pode. O tempo que você vai pra casa empinar raia, você vem aqui pro meu cazuá.’ Então, aceitei o convite do velho, que pegava a me ensinar capoeira. Ginga pr’aqui, ginga pra lá, ginga pr’aqui, ginga pra lá, cai, levanta. Quando ele viu que eu já estava em condições pra corresponder com o menino, ele disse: ‘Você já pode brigar com o menino’. Então, eu saí. Quando eu vinha, a mãe dele via que eu ia passar, gritava: ‘Honorato, aí vem seu, camarada.’ O menino puca. De dentro de casa o menino pulava no meio da rua com o satanás. Aí, pegou a insistir e na hora que eu insisti, pum, passou a mão. Eu saí debaixo. Ele tornou a passar a mão em mim, eu tornei a sair debaixo. Ele disse: ‘Ah, você tá vivo, hein?!’ Ele insistiu a terceira vez, eu aqui rebati a mão dele e sentei-lhe os pés. Ele recebeu, caiu. Tornei a sentar o pé nele, ele tornou a cair. A mãe dele foi e disse: ‘Vê se não vai apanhar!’ Aí eu disse: ‘Vai ver ele apanhar agora!’.”
Tornou-se discípulo de Benedito e passou a frequentar sua casa todos os dias dado o grande interesse que a capoeira tinha conseguido despertar nele. Pastinha aprendeu além das técnicas, a mandinga. Benedito ensinou-lhe tudo o que sabia.
Durante esse período, o menino Pastinha também frequentava o Liceu de Artes e Ofício, onde aprendeu entre outras coisas a arte da pintura. Em 1902, Pastinha entrou para e escola de aprendizes marinheiros, onde passaria oito anos de sua vida. Na Marinha, praticou esgrima (treinou com espada e florete) e estudou música (violão), ao mesmo tempo em que ensinava capoeira a seus companheiros.
Em 1910, aos 21 anos, pede baixa da corporação. De lá já sai como professor de capoeira, atividade a qual decide se dedicar. Nesse período, tinha que ministrar suas aulas às escondidas na sua própria casa, pois a capoeira figurava no Código Penal como atividade proibida, com sujeição a pena de prisão de dois a seis meses, sendo esse período dobrado no caso dos “chefes ou cabeças”.
Foi exatamente o endurecimento da repressão à capoeira que levou Mestre Pastinha a interromper suas aulas. Entre os 1913 e 1934, teve que trabalhar de pintor, pedreiro, entregador de jornais e até tomou conta de casa de jogos.
Em 1941, Pastinha foi convidado por seu antigo aluno, Raimundo Aberrê, a assisti-lo na roda de capoeira da Jinjibirra (Gengibirra). Lá, de acordo com o próprio Pastinha, lhe aguardava uma surpresa:
“No Jinjibirra, tinha um grupo de capoeirista, só tinha mestre, os maiores mestres daqui da Bahia. O Aberrê me convidou pra eu ir assistir a ele jogar, num dia de domingo. Quando eu cheguei lá, ele procurou o dono da capoeira, que era o Amorzinho, que era um guarda civil. Chamou o Amorzinho, o Amorzinho no aperto da minha mão foi e entregou a capoeira pra eu tomar conta, dizendo: ‘Há muito que o esperava para lhe entregar esta capoeira para o senhor mestrar’. Eu ainda tentei me esquivar, me desculpando, porém, tomando a palavra o Sr. Antônio Maré disse-me: ‘Não há jeito, não, Pastinha, é você mesmo quem vai mestrar isto aqui’. Como os camaradas deram-me o seu apoio, aceitei.”
Assumindo a missão de organizar a Capoeira Angola e de devolver a ela seu valor e visibilidade, enfraquecidas pela emergência e popularização da Capoeira Regional, Mestre Pastinha funda o Centro Esportivo Capoeira Angola (CECA), localizado no Largo do Cruzeiro de São Francisco, a primeira escola de Capoeira Angola. Em sua academia, Pastinha adotou um uniforme com as cores de seu time do coração, onde treinou quando rapaz, o preto e o amarelo do Esporte Clube Ypiranga.
Em 1952, o CECA foi oficializado e três anos depois sua sede muda para seu endereço mais famoso: o casarão da Praça do Pelourinho, nº 19. Neste período, Pastinha já estava com 66 anos de idade.
Neste endereço, reuniam-se capoeiristas consagrados como Valdemar da Paixão, Noronha, Maré, Divino, Traíra. O CECA era uma escola de mestres, que transmitia a tradição dos angoleiros. Lá formaram-se outros grandes nomes da capoeira, como Curió, Albertino, Gildo Alfinete, Valdomiro, João Grande e João Pequeno.
Mestre Pastinha sempre prezou pela cordialidade entre seus alunos e pregava que os capoeiristas não deveriam apelar para a violência quando estivessem vadiando (jogando). Ao contrário, sustentava que a calma era a maior aliada do capoeira.
“É o controle do jogo que protege aqueles que o praticam para que não descambe no excesso do vale tudo. Note bem, estou falando em sentido de demonstração, e não de desafio, porque sempre traz consequências às vezes desastrosas. Tira toda a beleza e o brilho da capoeira […]”
Para o Mestre, as pessoas costumam se admirar com a capoeira ao percebem que se trata de uma luta em que “dois camaradas jogam sem egoísmo, sem vaidade. É maravilhosa e educada.”
Mestre João Pequeno, aluno que recebeu do próprio Pastinha a missão de dar continuidade ao CECA e ao seu trabalho, resumiu bem os ensinamentos do maior de todos os angoleiros:
“O capoeirista para bater não precisa encostar o pé. Ele deve ter seu corpo freado, manejado para quando ele levar o pé e vir que o adversário não se defendeu, ele frear antes do pé encostar. Porque quem tá de parte vê que não bateu porque ele não quis. Então para bater não precisa dar pancada no adversário.”
Como reconhecimento por sua contribuição à cultura afro-brasileira, em 1966, Mestre Pastinha realizou o seu sonho de conhecer a África ao representar o Brasil por meio da Capoeira Angola, no 1º Festival Mundial das Artes Negras, em Dacar/Senegal. Como ele já não estava enxergando bem, consequência de uma trombose que atingiu sua visão, não chegou a vadiar em terras africanas.
Apesar desse raro momento de reconhecimento do Estado brasileiro da importância de Pastinha, o Velho Mestre trabalhou e empenhou-se pelo crescimento da Capoeira Angola quase sempre sem qualquer apoio ou incentivo dos órgãos públicos. Ao contrário disso, em 1971, foi vítima do processo de gentrificação (higienização social) que se deu no Pelourinho, local que começava a ser visado pela especulação imobiliária dado o forte apelo turístico do lugar.
Obrigado pela Prefeitura de Salvador a se retirar do casarão, que entraria em processo de restauração, sob a promessa de retornar ao fim desse, Pastinha viu-se forçado a se mudar e nunca mais pôde voltar à famosa sede do CECA, que deu lugar a um restaurante do SENAC.
Segundo Mestre Curió, aluno de Pastinha, com muita resistência deram um espaço para a academia na Ladeira do Ferrão, conhecida como Ladeira do Mijo.
Com esse ato de destrato e desconsideração, Mestre Pastinha entrou em depressão e teve uma forte piora de sua saúde física. Pastinha viveu seus últimos dias morando num quarto escuro e úmido, na Rua Alfredo Brito n° 14, no Pelourinho. Além da terceira esposa, Maria Romélia, poucos foram os que ajudaram o Mestre.
Após esse período foi enviado para o abrigo para idosos Dom Pedro II, onde permaneceu até a sua morte. Mestre Pastinha morreu cego, quase paralítico e abandonado, no dia 13 de novembro de 1981, aos 92 anos. O Brasil perdia um dos seus maiores mestres. Não só o mestre da Capoeira Angola, mas o mestre da filosofia popular.
Após esse período foi enviado para o abrigo para idosos Dom Pedro II, onde permaneceu até a sua morte. Mestre Pastinha morreu cego, quase paralítico e abandonado, no dia 13 de novembro de 1981, aos 92 anos. O Brasil perdia um dos seus maiores mestres. Não só o mestre da Capoeira Angola, mas o mestre da filosofia popular.
O grande escritor Jorge Amado, admirador de Mestre Pastinha e também um dos que lhe deram suporte em momentos difíceis de sua vida, dizia que ele não era apenas um praticante da capoeira, mas um teórico dela. Em seu livro Capoeira Angola (1965), Pastinha defendia a natureza não violenta do jogo e afirmava que a capoeira conferia dignidade, honradez e decência aos seus praticantes.
Capoeira, patrimônio cultural
A história de vida e os ensinamentos de Mestre Pastinha, junto com a de outros mestres, que tenham sido seus alunos ou não, da Capoeira Angola ou Regional, motivou outras pessoas a praticar a capoeira, que se disseminou pelo país e pelo mundo, tornando-se um dos maiores símbolos da cultura brasileira.
A complexidade e expressividade da capoeira levaram o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) a registrar a Roda de Capoeira e o Ofício dos Mestres de Capoeira como patrimônios culturais imateriais brasileiros, em 2008, estando inscritos, no Livro de Registro das Formas de Expressãoe no Livro de Registro dos Saberes, respectivamente.
Seis anos depois, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) conferiu à Roda de Capoeira o título de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.
Até os dias de hoje, o nome de Mestre Pastinha é reverenciado onde quer que haja uma roda de capoeira.