Início/fim do curso: 07 de junho / 26 de julho (2ª feira)
Horário: 19-22h.
Valor: 80,00. 40,00
Número de vagas: 50.
Local: Zoom (ao vivo) / YouTube (gravação).
Chave Pix: porticojamaisnomeado@gmail.com.
Inscrições: Enviar comprovante da transferência para filosofiadamente3@gmail.com até as 15h do dia 07 de junho.
Questões de metafilosofia, linguagem & metodologia;
ou: introdução à filosofia.
Este curso tem como objetivo ensaiar/experimentar uma forma de introdução à filosofia que passe - antes de qualquer coisa - pelos modos e materiais de construção de alguns elementos do discurso filosófico. A ideia é tomar um conjunto de exemplos textuais, passando por alguns pontos decisivos da história da filosofia ocidental para pensar uma série de problemas que podemos chamar de "metafilosóficos" ou "metodológicos".
"Metafilosofia" não significa aqui algo no sentido de nomear a investigação sobre o que é filosofia ou de uma busca ansiosa por definições, mas uma abordagem voltada aos usos filosóficos da linguagem, às condições e meios de produção do discurso filosófico, à dimensão performativa desse discurso, à formação de imaginários filosóficos, dentre outras coisas.
O curso é especialmente voltado para pessoas com o desejo de engajar com o texto filosófico para além de seu conteúdo - e de seu conteúdo mais óbvio, digamos assim, como argumentos, teses, conceitos etc. -, focando no que há em torno desse conteúdo e no que o torna possível. Além disso, buscando exemplos da tradição e do cânone, espero poder mostrar como lidar com o discurso filosófico para além da rejeição/aceitação, explorando uma visão mais instrumental da filosofia, de modo que poderemos pensar possibilidades de apropriação e variadas formas de abordagem crítica.
Por fim, cabe notar que o curso não é voltado a nenhum público específico - ele serve igualmente para pessoas que nunca estudaram filosofia e para as que fazem/fizeram alguma formação na área.
Resumos das aulas:
Aula 1. Como fazer surgir uma questão filosófica?
Começamos com a história de um dos conceitos mais importantes da história da filosofia ocidental: liberdade. Como foi possível que, a partir de um momento, as pessoas engajadas em filosofia (e, eventualmente, qualquer pessoa) tenham passado a falar em liberdade como algo que pertence ao humano, que até mesmo caracteriza o essencial do humano, que o humano precisa resolver enquanto uma questão? A eterna discussão sobre determinismo e livre-arbítrio ("liberdade" significa sempre livre-arbítrio?) teve um começo, como vemos na ausência dessa oposição nas antigas filosofias deterministas, como a do estoicismo grego. Algo teve de acontecer e isso envolveu uma nova forma de usar a linguagem filosoficamente. Paralelamente, analisaremos a forma como a discussão sobre a natureza do Belo é construída no diálogo Hípias Maior, um de muitos exemplos na obra platônica sobre como o estranhamento causado por uma inovação gramatical - a questão filosófica em sua forma mais tradicional [o que é X?] - instaura um conflito que, a princípio, deve ser solucionado filosoficamente e não de outra maneira.
Bem, um diálogo pode ser um texto filosófico - o que mais pode ser? Um poema pode? Mas o que significa um texto ser filosófico ou não? Se isso é radicalmente independente do que podemos chamar de "forma", isso não significaria que a forma não diz nada sobre o que é feito filosoficamente dos textos? Pode um texto ser interpretado independentemente de sua forma? Nesta aula, veremos o famoso poema de Parmênides, onde dizem que podemos encontrar algumas teses ontológicas - ou mesmo a própria fundação da ontologia! Mas o que seria uma tese? E o que seria a ontologia? Poderia isso ser uma projeção indevida no passado? Ou então: a projeção de uma forma de organizar o texto e o pensamento em algo que tinha outras finalidades? Se esse for o caso, um texto pode, ainda assim, defender uma tese independentemente da vontade de seu autor? Para lidar com todas essas perguntas, analisaremos alguns pressupostos sobre a história da filosofia grega, além de alguns insights das Investigações Filosóficas de Wittgenstein para pensarmos o modo como a linguagem aparece em nosso imaginário filosófico.
Aula 3. Uma história dos fracassos.
Partimos aqui de duas grandes tentativas de apropriação de método na história da filosofia: de um lado, temos Spinoza e sua famosa Ética demonstrada à maneira dos geômetras, em que elementos do que chamaríamos hoje de "ciências formais" (axiomas, definições, demonstrações...) são usados para a construção de um sistema filosófico; do outro, Hume e sua tentativa de introduzir o método experimental de raciocínio nos assuntos morais (tentando imitar o sucesso do trabalho de Newton na filosofia natural, que chamamos hoje de "ciência" - como essa mudança aconteceu?). Analisando a aplicação desses métodos, veremos como, em ambos os casos, podemos dizer que houve um fracasso, e é o sentido de um fracasso filosófico que trataremos nesta aula: devemos rejeitar aquilo que não funcionou? O valor dessas obras depende de tentarmos consertar as coisas e aperfeiçoar a aplicação do método? Há algo de condenável nessas apropriações metodológicas? A filosofia não deveria ter seu próprio método para finalmente funcionar? E o mais importante: o que significa funcionar ou não e como as obras filosóficas mantém sua pertinência com o passar do tempo?
Aula 4. Uma história das inseguranças.
Na história da filosofia, encontramos registros filosóficos das mais variadas tentativas, desde a antiguidade, de criar ou recuperar alguma forma de segurança que pudesse vincular o saber e o agir. A segurança do saber (epistêmica) pode vir de diferentes lugares, mas usualmente dependia de algo na realidade que ancorasse o sujeito com firmeza, uma segurança ontológica ou metafísica - como nossas ações podem manifestar alguma forma de justiça se não sabemos do que se trata a justiça para além da contingência de nossas opiniões? Por outro lado, o engajamento em práticas filosóficas de justificação e fundamentação cria outro problema: como sabemos que estamos justificando e fundamentando algo realmente justo? A histórica da filosofia está cheia de discursos que legitimaram algumas coisas bem terríveis... será que podemos pensar uma ética do discurso filosófico? De todo modo, sobra sempre o desejo de tentar, mais uma vez e de uma vez por todas, exorcizar o fantasma do ceticismo e do relativismo radical - mas o que diz esse fantasma? Nesta aula, vamos olhar os depoimentos de filósofos como Platão, Descartes, Kant... e ver algo sobre a dimensão autocrítica (e ocasionalmente autodestrutiva) da filosofia e a possibilidade de um progresso filosófico como afastamento dos fantasmas!
Aula 5. Navegar sem porto seguro. [Rafael Saldanha AKA metacomentários]
Acabou o tempo das grandes embarcações metafísicas e suas aventuras! O sonho de um sistema robusto, impecável, bem estruturado, pensado de uma ponta a outra, das bases axiomáticas às extremidades prescritivas, com variadas afirmações no meio produzidas com a pretensão de dizer algo sobre a realidade - esse sonho acabou. Como podemos nos orientar agora? E por onde estamos navegando quando falamos em práticas filosóficas? Se a filosofia envolve uma criação que não é a como a artística ou a científica, como diria Deleuze, que maneiras temos de fazer essa distinção sem ter de retornar a antigas formas de imaginar e organizar o saber e seus objetos?
Aula 6. Os jogos de linguagem filosóficos (II).
E se o discurso filosófico tiver como função primária a produção de um efeito sobre a percepção que não está definido previamente? É possível tentar dizer algo de verdadeiro ao mesmo tempo que se tenta fazer isso ou são coisas incompatíveis? Tomando os exemplos de Wittgenstein e Rancière, veremos como pensar intervenções críticas - na própria filosofia ou na teoria em geral - em termos de jogos de imagem que afetam a sensibilidade e a imaginação, ao contrário de práticas de esclarecimento e outras que visam movimentar a razão em alguma direção. Nesse sentido, como no caso de Rancière e de termos como "polícia" e "política", o próprio conceito ganha uma nova função e passa a operar também como um tipo específico de imagem. Veremos que tipo de imagem seria esse e quais as implicações disso tudo para o modo como decidimos qual conceito ou abordagem filosófica adotar - afinal, sempre tomamos uma decisão e é preciso pensar o que significa isso, pois nem sempre essa decisão envolve a construção autônoma da filosofia que precisamos, mas a adoção da que mais nos identificamos.
Aula 7. O imaginário filosófico.
"Se alguém resolvesse escrever uma história das imagens filosóficas, esse estudo seria bem aceito como parte da historiografia da filosofia?", pergunta Michèle Le Dœuff. Esse é o tipo de pergunta retórica que nos leva ao problema da relação entre filosofia e aquilo que ela rejeita para ser o que é. Ainda que a filosofia não tenha efetivamente começado com uma oposição à mitologia, por exemplo, ainda é comum ouvirmos sobre essa ruptura como o ponto de origem de um saber com identidade própria - movimento que não se resume à demarcação através do discurso sobre origens, pois a filosofia parece estar sempre em uma relação complicada (que vai do desconforto até a rejeição violenta) com aquilo que é pensado como pertencente ao plano do imaginário. O problema da demarcação através do conflito com um Outro da filosofia também nos leva a outro desconforto: o modo como o termo "filosofia" sai do controle das faculdades de filosofia, criando o que Butler chama de "espectro da filosofia fora da filosofia". Mas será que já houve mesmo algum controle? A filosofia pode mesmo ter uma identidade?
Aula 8. Eu li toda a história da filosofia e ainda não sei como filosofar - o que faço?
Especialmente para quem se envolve com filosofia institucionalmente, pode parecer um mistério a maneira como uma pessoa, em algum momento de sua trajetória, deixa de ser leitora de textos filosóficos e passa a escrevê-los. Como que isso funciona? Por imitação? Existe algum método? Será que precisamos sofrer tanto assim para chegar a algum lugar relevante? Por que as pessoas que recebem o título de "filósofo" ou "filósofa" parecem sempre (ou quase sempre) estar em outro país? Quem é que nos autoriza a sair da interpretação e do comentário para a criação, e por que essa saída aparece frequentemente coberta de certa vergonha? Para terminar o curso, essas questões serão discutidas para nos situarmos melhor no que diz respeito às condições sociais e subjetivas de produção da filosofia, especialmente no Brasil - o que, no fim das contas, também nos coloca a questão sobre o que poderia ser ou não uma filosofia brasileira.
Bibliografia (resumida)
Hípias Maior, República - Platão.
Sobre a Natureza - Parmênides.
Meditações Metafísicas - René Descartes.
Ética - Baruch de Spinoza.
Tratado da natureza humana - David Hume.
Crítica da razão pura - Immanuel Kant.
Investigações Filosóficas - Ludwig Wittgenstein.
O que é a filosofia? - Gilles Deleuze/Félix Guattari.
Dez teses sobre a política - Jacques Rancière.
"Fazer filosofia a partir das instituições: uma questão de vergonha" - Rafael Saldanha.
"Filosofia brasileira: uma questão?" - Rafael Haddock-Lobo.
"Can the 'Other' of Philosophy Speak?" - Judith Butler.
"The shameful face of philosophy" - Michèle Le Doeuff.