Início/fim do curso: 06 de novembro/ 18 de dezembro (sábados)
Horário: 16h-19h30 (2 horas de aula + intervalos/discussão).
Valor: 150,00 (com 30 reais de desconto para cada curso feito anteriormente neste ano).
Número de vagas: 40 para inscrição via Pix + 20 para inscrição via Mercado Pago (crédito com parcelamento de até 5x sem juros) + 20 10 gratuitas reservadas para pessoas negras que não tenham como pagar o curso.
Local: Zoom (ao vivo) / YouTube (gravação).
Chave Pix: porticojamaisnomeado@gmail.com.
Mercado Pago: mpago.la/1EqCL7m.
Inscrições: Enviar comprovante da transferência para porticojamaisnomeado@gmail.com até o dia 05 de novembro.
Filosofia Negra, Parte I:
Imagens da Noite.
desde antes da memória / o nascimento da escrita / tolos porém insistimos /
em talhar a palavra nova / só nossa / como se fôssemos imortais
(Paulo Colina)
Este curso é uma tentativa de reunir, no interior de sete arcos narrativos, uma multiplicidade que nem sempre é convergente, mas que tomo aqui como parte de um "universo filosófico" que pode ser chamado Filosofia Negra. Apesar do nome no singular, não se trata de dizer o que é isso que o nome nomeia, cercar uma teoria, um sistema, sequer um estilo. Os textos selecionados apresentam uma variedade significativa: artigos acadêmicos, poemas, autobiografias filosóficas, ensaios, experimentos, coisas que ainda não temos nome, talvez nunca tenhamos - talvez seja melhor assim.
Nessa primeira parte chamada "Imagens da noite", o foco será nas variadas maneiras de elaborar o mundo racializado, o mundo como o herdamos e experimentamos cotidianamente, herança colonial, cenário a partir do qual se desdobra o pensamento, pensamento que não pode e nem deve ser tratado como normalmente lidamos com o legado filosófico europeu. Pensar raça e pretitude [blackness] é um exercício de desaprendizado, desprendimento, desvio. Passaremos pelas colônias francesas nas Antilhas, pela Passagem do Meio, pelas praias onde chegavam as pessoas escravizadas, pelas plantações nas Américas, pelas nossas ruas e favelas e periferias - lugares onde o pensamento se fez/faz como urgência anticolonial e existencial, rota de fuga e variação do sopro vital.
Passando por nomes como Audre Lorde, Achille Mbembe, Christina Sharpe, Denise Ferreira da Silva, Édouard Glissant, Frank B. Wilderson III, Frantz Fanon, Fred Moten, Hortense Spillers, Katherine McKittrick, James Baldwin, Saidiya Hartman, Sylvia Wynter, W. E. B. Du Bois e muitos outros, parte da motivação para este curso foi o desejo de transmitir algo de uma constelação textual, rede costurada por diversas mãos, trabalho fundamentalmente incompleto. Muitos desses textos frequentemente remetem uns aos outros, são atravessados por fios conceituais comuns, operam no interior de um mesmo espaço filosófico, constituem um imaginário coletivo e aberto. Outros foram selecionados pelo modo como essa costura passa por mim. Não é um curso para encerrar o que quer que seja.
Em parte, é como puxar uma conversa. Em parte, é como tentar montar uma banda.
Em ainda outra parte, é como dar um curso sobre algo que você deveria saber.
Aula 1. "Eu cantaria porque saberia / como é o sentimento..."
"Para nós, só é possível falar de raça e racismo em uma linguagem imperfeita, cinzenta, talvez mesmo inadequada" (Mbembe). Começamos, então, com o problema da linguagem - começamos com o documentário Meeting the man, com James Baldwin, a partir do qual uma série de questões se desdobram no abismo que se abre entre o que é necessário dizer e o que o outro deseja ouvir. Qual é o sentido da comunicação? Quais as condições para a comunicação? Pode-se dominar uma linguagem instituída - ou encontrar uma outra linguagem radicalmente inédita - ou costurar as linguagens herdadas sem estar em uma ou em outra, navegando entre jogos de linguagem onde impera o equívoco, mantendo uma abertura constitutiva do pensamento (como Fanon, como muitas outras pessoas). Explicitamente ou não, o problema do método está sempre presente. Passando por McKittrick e Hartman, Lorde e Sharpe, Fanon e Mbembe, veremos algumas sugestões sobre como podemos nos desfazer de nossas maneiras usuais de pensar o pensamento, o texto, o filosófico, dando atenção às demandas práticas que acompanham a filosofia negra, às dimensões sensíveis do texto, à abertura do pensamento ao seus "outros".
Aula 2. "Onde viam verde, nós víamos vermelho".
Por que podemos dizer que a raça é simultaneamente instrumento de guerra e condição de sua possibilidade? Fanon e Mbembe nos oferecem maneiras de olhar a organização da sensibilidade colonial que nos permitem sentir / imaginar / conceitualizar as perspectivas do colonizador e das pessoas colonizadas. Essas perspectivas se situam no interior de um comércio de olhares sustentado por uma cegueira fundamental. O que veremos nesta aula é a guerra colonial e seus desdobramentos, sua sobrevida, suas atualizações como formas do não-ver emaranhadas em desejos, ficções, imagens, conceitos. O objetivo primário é reavaliar a violência racial no presente: não mais como algo que ficou, efeito indesejável de um terror que teria sido suprimido na Abolição - a mesma sensibilidade que alimentou a escravidão permanece hoje. Além disso, o que não foi visto não pode ser dissociado do que não é visto agora, do que não é visto quando pensamos e falamos sobre romper com a violência do agora, do que não vemos de revolucionário na fugitividade negra. Hartman e Moten encontram-se com Fanon e Mbembe no esforço de construir formas de pensar e desfazer a cegueira. No meio desse caminho, a questão da democracia racial é retomada, sob a perspectiva de Lélia Gonzalez, para pensarmos a mitologia que organiza o mundo racializado a partir das relações entre guerra e paz.
Aula 3. "Desde o início, por ouro e prata".
Do que é feito nosso mundo? Se raça pode ser pensada como matéria da qual algo é feito, será que podemos subir até a escala cosmológica e dizer que não foram apenas plantações e edifícios levantados pelas mãos de pessoas escravizadas, mas todo um mundo? Dizemos que da colonização até o presente, houve progresso - e como se calcula esse movimento e o que esse cálculo nos mostra? "Eles me jogam na cara os fatos, as estatísticas, os quilômetros de estradas, canais e ferrovias. Mas eu falo de milhares de homens sacrificados na Congo-Océan" (Aimé Cesáire). Em parte, vivemos uma civilização cuja existência concreta é impensável sem a extração colonial em todas as suas dimensões, incluindo o modo como a racialização fez do continente africano um depósito infinito de recursos para a manufatura deste mundo. Por que Denise Ferreira e Jota Mombaça nos falam em desejar o fim do mundo e não em progredir mais? E, por fim, se o "modo de produção da plantation é intrínseco ao sistema capitalista e não uma anomalia em seu interior" (Wynter), como podemos pensar as relações entre terra e escravidão que organizaram o mesmo capitalismo que, atualmente, imaginamos mais em termos da relação entre classe trabalhadora e burguesia? O que significa o escravo estar na fundação da ordem nacional das colônias, mas também na posição do não-pensado, como Hartman e Wilderson discutem?
Aula 4. "Não há como ir longe demais quando não se pode mais voltar para casa".
"Mas, para a Porta do Não-Retorno iluminada na consciência das pessoas negras em diáspora, não há um mapa. Essa porta não é meramente física. É uma localização espiritual. Talvez também um destino psíquico. Já que a partida nunca foi voluntária, o retorno foi, e ainda pode ser, uma intenção, ainda que profundamente enterrada. Como dizem, não há como entrar mais; não há retorno" (Dionne Brand). O ventre abissal do navio negreiro, como diz Glissant, é um lugar de dissolução: de identidades, de passados, de culturas, de mundos. Nesta aula, a proposta é pensar a experiência vivida das pessoas negras na diferença entre quem ficou e quem partiu. Quem sou eu neste novo mundo? Quem sou eu agora que o tempo passou e não retornei? A partir do fenômeno da dupla consciência (Du Bois), como pensar o problema do pertencimento e do enraizamento (Glissant, Wynters) em um mundo que, em certo sentido, não é nosso? Como pensar a dimensão traumática da vida na esteira do navio (Sharpe)? Como romper com a tentação de um "absolutismo étnico" que desqualifica toda "teorização sobre crioulização, métissage, mestizaje e hibridez"? O que temos aqui é o problema da própria vida em diáspora e suas mais variadas implicações - é possível reconstruir um mundo a partir de fragmentos ou devemos viver a partir de fragmentos?
Dada a variedade de conceitos de raça ou pretitude que encontramos na filosofia negra, poderíamos nos perguntar como decidir qual deles representa corretamente seu objeto - mas faz sentido essa pergunta? Quando falamos sobre essas coisas, do que exatamente estamos falando? Uma realidade social constante e universal em sua simplicidade? Uma construção instável por conta de sua dimensão imaginária? É uma estrutura objetiva, uma propriedade dos corpos, uma experiência intersubjetiva? Existe a possibilidade de uma ontologia da raça? Algo que muda significativamente entre os processos de hetero e autoidentificação? Posso eu, enquanto indivíduo, dizer o que é ser negro e sustentar o que digo diante do outro? Começando por Fanon, veremos como a experiência cotidiana da raça só se apresenta na linguagem por meio de uma costura de discursos: o psicanalítico, o existencialista, o fenomenológico, o poético. Há uma demanda por abertura e heterodoxia. Veremos, também, como esse exercício criativo se repete em Moten, Hartman, Glissant, Wilderson, Mbembe, Warren, Sharpe e tantas outras pessoas de variadas maneiras. Como se não houvesse maneira correta de falar do que desejamos e precisamos falar - mas isso não significa um relativismo radical. Por fim, o próprio destino da raça varia com sua elaboração: ela deve ser abolida? É algo a ser celebrado? Entre o otimismo negro e o afropessimismo, como pode a raça/pretitude ser pensada sem a tentação de clausura, de determinação, de definição?
Aula 6. "E eu tenho medo do escuro, do azul, do branco".
Há um tipo específico de poder envolvido na manufatura colonial de mundo: o necropoder, poder organizado na necropolítica. Mbembe nos mostra como ele encontra seu exercício mais fundamental na produção de espaço, de uma espacialidade que abarca todas as dimensões da existência negra em sociedade. Os sonhos de potência muscular e livre circulação que Fanon aponta serem comuns entre colonizados nos mostram algo crucial: a colonização é uma outra organização da mobilidade, uma que cria fronteiras e clausuras onde havia liberdade, liberdade onde havia interdições de ordem moral ou mesmo ética. Mas seria a morte social (Patterson) uma condição móvel? Há como um lugar ser mais ou menos mortífero para pessoas racializadas que outro? E os mesmos lugares organizados para a morte social negra, criando um ser-para-a-morte próprio da pretitude - seriam eles espaços onde nada mais é possível, onde a vida social negra é impossível? Ou, como Glissant pensa, os mesmos espaços onde nos condenaram são os que nos forneceram e ainda fornecem possibilidades radicais de movimento, de uma vida anticolonial? Se vivemos um mundo de prisões, fronteiras e migração forçada, também vivemos um mundo de quilombos e outros usos revolucionários do espaço - como pensar a relação entre geografia e política (McKittrick) para além de qualquer condenação ou destino?
Aula 7. "Ah, e assim como o rio, tenho corrido desde então".
Há um aspecto da experiência negra que entra em conflito com a imaginação linear do tempo histórico: por um lado, eventos destacados no tempo como a Abolição / Emancipação possuem efetivamente alguma densidade e marcam diferenças que não podem ser ignoradas; por outro, a experiência da violência racial frequentemente parece indicar uma mesmidade, um tempo que nunca passa. Se podemos falar em não-evento da emancipação (Hartman), o que isso diz sobre nossa relação com a colônia e o colonial? Mesmo quando se fala em pós-colônia, como Mbembe, o que quer dizer a permanência desse nome aparentemente do passado no presente? E se o tempo do agora é um entrelaçamento de temporalidades distintas, uma delas a colonial, até onde vai esse passado que não passa? Ou será que devemos pensar as violências de agora como reiterações de um mesmo evento racial (Denise) que, por sua vez, encontra-se fora do tempo, de modo que essas violências não podem ser explicadas por sequências lineares de acontecimentos? No fim, a questão é: como pensar contra essa sensação de um infinito, de uma circularidade indestrutível sem ceder à temporalidade progressista que nos deixa sempre no mesmo lugar estrutural?
Bibliografia resumida:
Abdias Nascimento: O quilombismo.
Achille Mbembe: Crítica da razão negra + De la postcolonie + Necropolítica + Políticas da inimizade.
Alexis Pauline Gumbs: Dub + M Archive + Spill.
Aimé Césaire: Discurso sobre o colonialismo.
Audre Lorde: As ferramentas do senhor nunca derrubarão a casa-grande + Os usos do erótico.
Barbara Christian: The race for theory.
bell hooks: Olhares negros.
Calvin Warren: Black Mysticism + Ontological Terror.
Christina Sharpe: In the wake + Monstrous intimacies.
Claudio Medeiros: Zumbimalê pivete.
Danez Smith: Black movie + Don't call us dead.
Denise Ferreira da Silva: A dívida impagável + Ninguém + O evento racial ou aquilo que acontece sem o tempo.
Dionne Brand: A map to the door of no return.
Édouard Glissant: Le discours antillais + Poétique de la Relation + Traité du Tout-Monde.
Frank B. Wilderson III: Afropessimismo.
Frantz Fanon: Condenados da Terra + Pele negra, máscaras brancas.
Fred Moten: Black and blur + In the break + Stolen life + The case of Blackness + The universal machine.
Hortense Spillers: Mama's baby, Papa's maybe.
Jamaica Kincaid: At the bottom of the river.
James Baldwin: A rap on race + Notes of a native son + The fire next time.
Jared Sexton: The Social Life of Social Death.
Jota Mombaça: O mundo é meu trauma + Veio o tempo em que por todos os lados as luzes desta época foram acendidas.
Katherine McKittrick: Dear Science and other stories + Demonic Grounds + "Freedom Is a Secret".
Lélia Gonzalez: A categoria político-cultural de amefricanidade + Racismo e sexismo na cultura brasileira.
Michelle Wright: Becoming Black + Physics of Blackness.
M. NourbeSe Philip: Zong!
Nahum Chandler: X - The problem of the Negro as a problem for thought.
Nathaniel Mackey: Bedouin Hornbook.
Neusa Santos Souza: Tornar-se negro.
Orlando Patterson: Escravidão e morte social.
Paul Gilroy: O Atlântico Negro.
Paulo Colina: Poesia reunida.
Saidiya Hartman: Scenes of subjection + Lose your mother + Fim da supremacia branca + Venus in two acts + Wayward lives, beautiful experiments.
Sylvia Wynter: Black metamorphosis + No humans involved + On how we mistook the map for territory.
Tiffany Lethabo King: The black shoals.
Valeska Torres: O coice da égua.
W. E. B. Du Bois: As almas do povo negro.