Início/fim do curso: 19 de fevereiro/ 12 de março (sábados)
Horário: 16h-19h.
Valor: 90,00.
Número de vagas: 40 para inscrição via Pix ou Paypal (para pessoas fora do país) + 20 para inscrição via Mercado Pago (crédito com parcelamento de até 3x sem juros) + 20 gratuitas reservadas para pessoas negras que não tenham como pagar o curso.
Local: Zoom (ao vivo) / YouTube (gravação).
Chave Pix: porticojamaisnomeado@gmail.com.
Paypal: porticojamaisnomeado@gmail.com.
Mercado Pago: https://mpago.la/2KXaD6F.
Inscrições: Enviar comprovante da transferência para porticojamaisnomeado@gmail.com até o dia 18 de fevereiro.
Filosofia Negra, Parte II:
Estéticas da Ressurreição.
Estéticas da ressurreição — segunda parte do curso Filosofia Negra — é um conjunto de quatro aulas-ensaios sobre o que o corpo pode e efetivamente pode quando despido de seu mundo na travessia oceânica do comércio escravagista. Recuperando o sentido do estético como o que diz respeito aos poderes do corpo em sua sensibilidade, mas sem deixar de lado sua relação com o artístico, as aulas giram em torno de uma mesma questão em seus diferentes aspectos: como, a partir de uma vitalidade que é sempre excessiva e excedente, pode o corpo ser reanimado em sua totalidade contra a violência colonial e mesmo para além dela?
Se a obra colonial, em vários sentidos, é um constrangimento otimizado do movimento e da mobilidade e a imposição da morte social negra, tudo que pode começar de novo tem de começar em algum lugar, entre uma espacialidade e outra, onde encontramos o corpo que recupera os poderes que sempre teve. O sujeito diaspórico não tem origem, raiz firme e ancestral na terra onde se encontra, muito menos é um sujeito pronto, dado, mas uma série de improvisos, ritmos quebrados e sincopados, costurado por fios que carregam a descontinuidade e a ruptura e o perigo constante de uma perda na própria perda — perigo que deve ser afastado pela “audácia, não importa o quão quebrada, desse chamado à conexão” (Mackey).
Passando por textos de Achille Mbembe, Angela Davis, Amiri Baraka, Ashon T. Crawley, Audre Lorde, bell hooks, Fred Moten, Lélia Gonzalez, Muniz Sodré, Nathaniel Mackey, Saidiya Hartman e de outras pessoas; por diferentes gêneros musicais dos tempos da Escravidão (spirituals e outros cantos) e da “Liberdade” (blues, jazz, samba, reggae); pela multidão de usos da voz e performances sonoras que sustentaram e ainda sustentam vínculos de resistência, possibilidades de ressignificação, aberturas para outras formas de vida; passando por isso e permanecendo “longe do impossível conforto de origem” onde “reside o traço de nossa linhagem”, “onde o grito vira fala e fala vira música” (Moten), vamos mergulhar no reino do sensível para ir de encontro às estéticas da tradição radical negra.
Aula 1: “Deixe o negro alcançar os pulmões do próprio negro”.
Há um “excedente ineliminável” (Mbembe) que fez fracassar todo o empreendimento colonial em seus esforços de esvaziamento das pessoas racializadas: a partir e por meio dele, tudo recomeça. E como se recomeça sem retorno, sem a possibilidade de desfazer o que foi feito, incluindo a própria raça como construção imaginal costurada na pele? Um pensamento atento às demandas da ressurreição negra deve recomeçar de muitas maneiras, e esse é o tema da aula: é preciso desfazer, deseducar, descompartimentalizar, desordenar, misturar novamente o que sempre esteve misturado. Só podemos começar pensando o corpo em sua totalidade, em sua porosidade e sua impureza. Pensando aquilo que ficou de fora pela surdez colonial — como diria Baldwin: uma batida, uma tonalidade, um som. A fuga e a abolição não começam na razão, mas na reorganização do sopro vital e nos “usos do erótico” (Audre). Começamos, então, com uma aula sobre subjetividade, corporeidade e metodologia.
Aula 2: “Ele me chama pelo trovão”.
Sequestrada de seu mundo, a pessoa escravizada carrega consigo apenas seu corpo e a possibilidade de um novo começo, de um “enraizamento anoriginal e intraçável” que sustentará o improviso (Moten). Como se organizar e recuperar a dimensão social da vida quando nem mesmo a língua carregada na memória serve mais? O som produzido na ressignificação do idioma do colonizador, reelaborado no caldeirão de legados africanos, codificado nas “performances coreosônicas” (Crawley) — em suas variações enquanto “resistência dos objetos” (Moten), o som permanece irredutível à escrita e fonte produtiva da diferença entre presente imposto e futuro desejado. Pode a filosofia capturar esse som? Pode ela abordá-lo onde estiver — nos ring shouts negropentecostais ou nos gritos de campo semelhantes ao azan islâmico, por exemplo — sem sentir aversão? Nesta aula, as relações conflituosas entre oralidade e escrita e entre filosofia e vida social negra são pensadas nos cenários onde iremos de encontro às sonoridades afrodiaspóricas, começando nas plantações e no repertório escravo.
Aula 3: “Acho que vou ter de culpar os blues”.
Sob o “véu ideológico do branqueamento” (Gonzalez), qualquer arquivo sonoro ou oral que vincule o passado e o presente negros tende a ser ouvido — ou melhor: tende a ser não-ouvido — como aglomerado de “ruídos”, desprovidos da significância e do peso sociopolíticos e artísticos que poderiam ter caso não esbarrassem na surdez colonial. Por outro lado, essa mesma surdez pode ser usada contra a própria autoridade colonial: desprezando o que ouve e não ouvindo o que é efetivamente vocalizado, essa autoridade perde algo de seu poder, enquanto seu Outro, por isso mesmo, pode mais: as canções que indicam preparação para a fuga se tornam mera adoração religiosa, as críticas sociais se tornam estranhas canções de amor, a linguagem frequentemente parece não dizer nada de perigoso. As “comunidades estéticas” (Davis) criadas contra a violência são frequentemente objeto de reivindicações para que sejam ouvidas — mas, se tivessem sido ouvidas antes, não teriam cumprido sua tarefa fugitiva. O problema da escuta se bifurca aqui entre o reformismo e a luta anticolonial, e a permanência da sensibilidade colonial será abordada nesta aula junto dos dilemas que ela nos coloca.
Aula 4: “Você não vai me ajudar a cantar essas canções de liberdade?”
Se tudo começa na dimensão estética da ressurreição, isso não significa que os temas aqui elaborados estão confinados a um campo estético rigorosamente, verticalmente separado de outros campos — como o político, o religioso, o social etc. Estamos falando de algo que está, desde sempre, aberto e misturado, uma estética indissociável do transbordamento, da vitalidade excessiva, de uma espiritualidade com mais ou menos contornos religiosos — a luta, afinal, é contra o enclausuramento e o constrangimento coloniais. Isso tudo está, sempre esteve por aí: as comunidades estéticas também são comunidades fugitivas e nelas encontramos a vida social negra desde as plantações. Elas desdobram e florescem no subterrâneo, de onde podem ou não emergir para participar do regime sonoro dominante. O que resta então é um convite: desaprender o desejo de atender ao chamado pela ordem civilizatória e ouvir atentamente, generosamente o que parece estar fora de tom, fora de harmonia, “na quebra” (Moten). Celebrar o ensaio e o improviso, o anárquico e o anoriginário. Terminamos, assim, com uma aula sobre as condições para o deixar-se tocar pela música e ir ao encontro da própria pretitude como fonte inesgotável de paisagens sonoras excessivas e transbordantes.
Bibliografia resumida
Achille Mbembe, Crítica da razão negra.
Angela Davis, Blues legacies and Black Feminism.
Amiri Baraka, Blues people.
Ashon T. Crawley, Blackpentecostal breath.
Audre Lorde, Irmã Outsider.
bell hooks, Anseios.
Fred Moten, In the break + consent not to be a single being.
Kamau Edward Brathwaite, History of the voice.
Lélia Gonzalez, Por um feminismo afro-latino-americano.
Muniz Sodré, Samba.
Nathaniel Mackey, From a broken bottle traces of perfume still emanate.
Saidiya Hartman, Wayward lives.
Samuel Floyd, The power of black music.
Zora Neale Hurston, The sanctified church.
W. E. B. Du Bois, As almas do povo negro.