Início/fim do curso: 07 de setembro/ 26 de outubro (3ª feira)
Horário: 18h30-21h30.
Valor: 120,00*. 60,00.
Número de vagas: 40.
Local: Zoom (ao vivo) / YouTube (gravação).
Chave Pix: porticojamaisnomeado@gmail.com.
Inscrições: Enviar comprovante da transferência para filosofiadamente3@gmail.com até as 18h do dia 07 de setembro.
* 10% do valor será doado a uma mesquita.
Filosofia da Iluminação: Entrando em Hurqalya.
Quando você aprender, pelos tratados dos antigos Sábios, que existe um mundo dotado de dimensões e de extensão, um que não é a plenitude das Inteligências e nem o governado pelas Almas das Esferas, um mundo onde se encontram cidades cujo número é impossível estimar, dentre as quais o próprio Profeta mencionou JÂBALQA e JÂBARSÂ, não se apresse em acusar tudo de ser mentira, pois é o caso que peregrinos do espírito o contemplaram, e lá encontraram tudo quanto é objeto de seus desejos.
(Xaabe Aldim Surauardi)
A proposta deste curso é apresentar uma parte da Filosofia da Iluminação (Hikmat al-Ishraq) iniciada pelo dervixe persa Xaabe Aldim Surauardi no século doze. Apesar de sua obra ter produzido efeitos que ainda hoje se fazem presentes na cultura filosófica e religiosa iraniana, ela não foi traduzida do persa e do árabe para o latim ou qualquer outro idioma ocidental durante a Idade Média, o que é usualmente apresentado como fator principal para seu desconhecimento nos círculos acadêmicos para além do Irã. Essa situação começou a mudar com as traduções de Henry Corbin, no século vinte, dos textos iluminacionistas para o francês.
Boa parte do curso se orientará em torno do conceito de imaginal, expressão que vem da tradução feita por Corbin de ’ālam al-mithāl: mundus imaginalis, mundo imaginal, nome da realidade habitada por imagens, mundo intermediário entre o sensível e o inteligível. A decisão de Corbin por “imaginal” se deve a uma necessidade de afastamento dos usos do adjetivo “imaginário” que indicam irrealidade ou falta de compromisso com a realidade.
Enquanto encontramos em outras filosofias e sistemas uma desconfiança acerca da Imagem, uma degradação de tudo aquilo que pertence propriamente à Imaginação, o mundus imaginalis é sua exaltação, pois, na ausência desse elo, o esquema dos mundos fica desarticulado. (Henry Corbin)
A Filosofia da Iluminação deve fornecer um sistema de orientação, cartografia eficiente para um universo onde imagens possuem autonomia e realidade própria, onde o imaginal é o lugar que precisamos navegar para romper com a obscuridade do reino sensível. Seu objetivo não é meramente acumular e transmitir conhecimentos diversos sobre a natureza das coisas, tratando o conhecimento metafísico como fim em si mesmo, mas preparar alguém que tenha passado por experiências religiosas para uma iluminação mais intensa e melhor orientada.
Resumos das aulas:
Aula 1. Os destinos da imagem / Os usos do onírico.
Começamos com a construção moderna vitoriosa da imaginação como potência intrinsecamente enganosa da alma, incapaz de nos fornecer o que precisamos para organizar adequadamente o conhecimento dos fenômenos ao nosso redor. Pensar o destino da imagem na filosofia ocidental é fundamental para que possamos navegar na Filosofia da Iluminação, especialmente por ela começar com/em um sonho. Como pode o onírico interessar ao discurso filosófico? Não é precisamente quando sabemos que não estamos sonhando que encontramos certa segurança de que podemos compreender o real?
Segundo o testemunho de Surauardi, dado a partir de suas experiências espirituais, são quatro os universos: i) o mundo das Luzes dominantes ou arcangelicais (Jabarût), ii) o mundo das Luzes que governam corpos (das Almas, Malakût), iii) o mundo dos corpos que podem ser percebidos pelos sentidos (lugar das fronteiras, do barzakh) e iv) o mundo das imagens autônomas (Hurqalya). É o mundo das imagens que sustenta a validade dos recitais visionários, dos sonhos, das hierofanias e dos rituais simbólicos. É para ele que vamos quando meditamos, é nele que encontramos revelações divinas, visões proféticas e acontecimentos espirituais/eventos religiosos em geral.
Aula 3. Uma metafísica das luzes.
A partir de Allah, passando por âlam al-mithâl até chegar na vida terrena, as substâncias vão perdendo algo de sua intensidade luminosa (ou: algo de sua realidade) conforme uma é gerada a partir da outra em um processo de emanação. Mas algo permanece e podemos dizer que nossa alma também é dotada de alguma luminosidade – e, por isso, ainda guardamos algo em comum com a própria Luz das Luzes, ainda que distantes e na obscuridade do plano material. Nesta aula, veremos a construção da cosmologia que chamamos aqui de “metafísica das luzes”, especialmente por meio de suas influências neoplatônicas e masdeístas/zoroastras.
Aula 4. Iluminação.
A imaginação é o lugar de manifestação das imagens e isso inclui tudo o que podemos encontrar no mundo imaginal, que é o lugar ao qual as imagens realmente pertencem e onde elas possuem sua autonomia com relação a nós. Surauardi fala das imagens como suspensas em nós, como se estivessem ali apenas momentaneamente. O peregrino do espírito deve, antes de qualquer coisa, fazer com que certas imagens efetivamente se manifestem em seu íntimo, algo que depende de práticas de purificação e preparação, como se um espelho em seu interior devesse ser limpo o suficiente para refletir o que está em Hurqalya. Mas nem tudo que está nesse mundo serve à jornada: é preciso saber navegar para evitar as imagens sombrias e conduzir o espírito até o seu ponto maior de proximidade com as luzes para além do imaginal. A experiência mística é uma experiência luminosa.
Aula 5. Uma geografia visionária para o exílio ocidental.
Surauardi usava a risāla (epístola) como forma literária destinada à iniciação de neófitos interessados em se tornar peregrinos espirituais. Em geral, o objetivo era orientar essas pessoas de modo que elas pudessem encontrar o caminho para fora da escuridão material, onde a alma se encontra em exílio ao longo da vida, esquecendo sua origem e verdadeiro lar. O retorno era orientado por um discurso intensamente alegórico, como vemos no Conto do Ex´´ílio Ocidental. Ali, temos uma narrativa sobre dois irmãos aprisionados em um poço infinitamente profundo (escuridão sobre escuridão) depois de se perderem na Tunísia (que era a parte mais ocidental do mundo islâmico), onde recebem a mensagem de uma ave vinda do Iêmen (Oriente) dizendo: “Nós os desejamos, mas vocês não sentem nostalgia. Nós os chamamos, mas vocês não iniciam a jornada. Nós sinalizamos o caminho, mas vocês não compreendem”.
Aula 6. A hermenêutica de Mulla Sadra.
Mulla Sadra, outro iluminacionista iraniano, apresenta uma imagem da relação entre os mundos que difere da de Suraurdi: não mais uma sequência em que um começa onde o outro termina, mas uma relação de interioridade, de modo que um mundo está contido no interior do outro. A partir dessa diferença, podemos pensar o movimento espiritual como voltado para dentro e não para cima. Da mesma forma, sua hermenêutica do Corão é construída para lidar com significados que se encontram dentro de outros significados, como se o texto fosse composto por camadas semânticas que correspondem aos mundos e a modos de atividade espiritual.
Aula 7. Experimentar uma imagem.
Se os acontecimentos religiosos ou espirituais se dão em um mundo próprio habitado por imagens, podemos dizer que eles são efetivamente imaginários (imaginais). Construir a experiência mística dessa maneira implica rever nossos modos usuais de avaliação daquilo que acusamos de imaginário quando queremos dizer que algo simplesmente não aconteceu. É tradicional na filosofia separar a realidade de uma percepção (enquanto acontecimento psíquico) e a realidade do que se mostra na percepção (um objeto representado na psique) - mas estamos mesmo falando de objetos e representações quando falamos de imagem? Como podemos pensar uma crença religiosa a partir da Filosofia da Imaginação?
Aula 8. Política imaginal / Uma ontologia crítica do imaginário.
Seja porque vivemos (em) um mundo “dominado por imagens” em que “é o virtual - o irreal por definição - que arrisca se tornar o que temos de mais real” (Chiara Bottici), seja porque a dimensão imaginária de nossas vidas é parte fundamental dos modos como o próprio mundo (e o que há nele) se organiza e se manifesta para nós, estudos contemporâneos sobre imagem e imaginário têm se tornado fundamentais para lidarmos com uma série de questões éticas e políticas de nosso tempo. Nesta última aula, veremos como uma teoria do imaginal pode nos ajudar nesse sentido, especialmente por nos permitir escapar do “tédio que é criticar imagens de acordo com a verdade de sua representação” (Laura Marks).
Bibliografia (resumida)
CORBIN, Henry. History of Islamic Philosophy. Translated by Liadain Sherrard with the assistance of Philip Sherrard. London: Kegan Paul International, 1993.
CORBIN, Henry. Spiritual Body and Celestial Earth: From Mazdean Iran to Shī’te Iran. Translated by Nancy Pearson, with a new prelude to the Second Edition by the Autor. New Jersey: Princeton University Press, 1989.
SHĪRĀZĪ, Mullā Ṣadrā. On the Hermeneutics of the Light Verse of the Qu'rān (Tafsīr Āyat al-Nur). Translated, introduced and annotaded by Latimah-Parvin Peerwani. London: ICAS Press, 2004.
SUHRAWARDĪ, Shihāb al-Dīn al-. Oeuvres Philosophiques et Mystiques, vol. 1, ed. CORBIN, Henry. Tehran: Académie Impériale Iranienne de Philosophie; Paris: Librairie Adrien-Maisonneuve, 1976.
SUHRAWARDĪ, Shihāb al-Dīn al-. Oeuvres Philosophiques et Mystiques, vol. 2, ed. CORBIN, Henry. Tehran: Académie Impériale Iranienne de Philosophie; Paris: Librairie Adrien-Maisonneuve, 1977.
SUHRAWARDĪ, Shihāb al-Dīn al-. The Book of Radiance (Partu-Nama). A Parallel English-Persian Text, edited, translated and introduced by H. Ziai. Costa Mesa: Mazda, 1998.
SUHRAWARDĪ, Shihāb al-Dīn al-. The Philosophical Allegories and Mystical Treatises. A Parallel Persian-English Text, edited, translated and introduced by W. M. Thackston. Costa Mesa: Mazda, 1999.
SUHRAWARDĪ, Shihāb al-Dīn al-. The Philosophy of Illumination. A New Critical Edition of the Text of Hikmat al-Ishraq, with English translation, notes, commentary and introduction by J. Walbridge and H. Ziai. Provo: Brigham Young University Press, 1999.
SUHRAWARDĪ, Shihāb al-Dīn al-. The Shape of Light - Hayakal al-Nur. Interpreted by Shaykh Tosun Bayrak al-Jerrahi al-Halveti. Louisville: Fons Vitae, 1998.