Ferramentas para descolonizar o museu

1. REPATRIAÇÃO/NAGPRA

A partir da década de 60 do século XX grupos indígenas, sobretudo na América do Norte e na Oceânia, organizaram e/ou intensificaram lutas de resistência às escavações arqueológicas, em resultado das quais haviam sido sistematicamente privados do acesso à sua cultura material, do tratamento dos restos mortais dos seus antepassados segundo as tradições por si escolhidas e da auto-determinação quanto à interpretação e à transmissão da sua cultura.

A lei NAGPRA (Native American Graves Protection and Repatriation Act) foi aprovada nos EUA em 1990 em resultado destas lutas, iniciando um processo ainda em curso de devolução de objectos e restos mortais alojados em instituições federais às comunidades de origem ou grupos descendentes. No caso de restos mortais de origem não identificada ou de povos desaparecidos, alianças entre comunidades indígenas e não-indígenas, como o projecto Return to the Earth, têm procurado assegurar o reenterramento dos restos mortais cativos em museus ou acervos científicos, através de cerimónias inter-culturais que procuram restaurar a sua dignidade.

2. DESCOLONIZAR O MUSEU

Na Europa, diversas colecções arqueológicas e etnográficas incluem objectos e restos mortais oriundos de comunidades indígenas, vivas ou desaparecidas, que foram adquiridos em contextos coloniais ou imperiais. Nos últimos anos, alguns museus europeus têm procurado lidar com esta herança problemática. Entre os esforços de descolonização contam-se a repatriação de objectos e restos mortais; a consulta e colaboração com membros das comunidades de origem; a incorporação nos quadros dos museus de especialistas cujo posicionamento metodológico questiona a unilateralidade das teorias científicas ocidentais, incluindo especialistas oriundos de comunidades que sofreram danos em resultado da pesquisa arqueológica e etnográfica; a criação de programas de investigação e criação artística para a reinterpretação das colecções; e a reformulação da linguagem museológica para envolver de raiz uma reflexão aprofundada sobre a relação dos aparatos científico e museológico com o colonialismo e os seus efeitos na sociedade de hoje.

3. ARQUEOLOGIAS INDÍGENAS

Escrita no plural, a expressão arqueologias indígenas designa uma multiplicidade de métodos de investigação não-coloniais usados por arqueólogos indígenas e não-indígenas para produzir conhecimento assente num compromisso ético para com as comunidades indígenas vivas. Estas práticas partilham um reconhecimento de que os objectos culturais não são recursos a ser explorados independentemente dos desejos dos seus produtores (mesmo quando estes já desapareceram), o que pode significar que certos objectos não são passíveis de ser retirados dos seus contextos ou revelados a pessoas exteriores às comunidades.

Por um lado, os praticantes das arqueologias indígenas têm auxiliado a recuperação de sistemas de conhecimento tradicionais perdidos e trabalhado em estreita colaboração com os guardiões do conhecimento das comunidades para a preservação de tradições orais. Por outro lado, uma parte significativa do seu esforço tem sido votado à tarefa de crítica e desconstrução da arqueologia de matriz ocidental no contexto académico e institucional e à condução do processo de repatriação de património cultural indígena e de complexificação das representações das culturas indígenas nas instituições ocidentais.

4. LUTAS DOS POVOS INDÍGENAS

Apesar de o direito dos povos indígenas às terras por si tradicionalmente ocupadas ser reconhecido na constituição de diversos países, em muitos casos os estados desrespeitam-no ao conceder licenças a grandes empreendimentos de exploração de petróleo, gás natural, minério ou das indústrias agrícola e pecuária intensivas. Neste momento, o povo indígena Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul (Brasil), está a ser alvo de graves agressões por parte de grupos violentos enviados por fazendeiros, em resposta à sua reocupação pacífica de terras. Esta luta é partilhada por diversas comunidades indígenas em todo o mundo, que sistematicamente se vêm privadas das terras que têm um papel vital na constituição e sobrevivência das suas culturas.

Muitas vezes, as empresas beneficiam da história colonial para alegar o seu direito à exploração das terras, mediante a apresentação de mapas e documentos em que a existência dos povos indígenas foi omitida. É comum ouvir-se que “não existem nem nunca existiram índios” nas regiões ocupadas por empresas extractivistas. Assim, a luta dos povos indígenas é uma luta pela visibilidade, pelo reconhecimento dos seus direitos políticos e pela remediação de um processo histórico de invisibilização que continua nos dias de hoje, tendo como resultado a discriminação e a perseguição violenta de comunidades indígenas.