Em tempos de crise, a transmissão de informação e a comunicação multilíngues são essenciais. A pandemia da COVID-19 não é o único exemplo de situações de crise em Portugal em que os migrantes se encontravam vulneráveis devido à falta de comunicação multilíngue.
Ao longo dos anos, a população migrante em Portugal tem vindo a aumentar. Porém, muitos destes migrantes vivem em condições precárias e estão sujeitos a diversos problemas e crises relacionados diretamente às suas condições de vida, tal como aconteceu no incêndio na Mouraria ou na pandemia em Odemira.
Numa situação destas, não compreender informação na língua nacional e não ter disponível informação numa língua que se compreenda pode ser o fator decisivo que leva a desfechos trágicos como este.
Ao ignorarmos a necessidade de transmitir informação em formato multilíngue, estamos a colocar estas comunidades em risco e a contribuir para a sua alienação.
Em 2022, as principais comunidades de estrangeiros não-nativos de português em Portugal eram de cidadãos do Reino Unido (36.639), da Índia (34.232), de Itália (33.707), de França (27.614), da Ucrânia (26.898), Roménia (23.967) e do Nepal (23.441).
Tendo isto em conta, as línguas mais faladas entre os migrantes em Portugal deverão ser inglês, línguas indianas como hindi e bengali, italiano, francês, ucraniano, romeno e nepalês.
Porém, quando olhamos para a informação disponibilizada pelo SNS ao longo da pandemia da COVID-19, verificamos que as informações disponibilizadas nestas línguas eram mínimas ou inexistentes. Além disso, entre a informação traduzida, encontrámos discrepâncias na quantidade e qualidade da informação de língua para língua. Por exemplo, para a língua russa foi disponibilizado um PDF com 7 páginas, mas para italiano o mesmo documento tinha apenas as primeiras 3 páginas do documento russo. Para nepalês, foi apenas disponibilizado um vídeo curto, mas com legendas em português.
Disponibilizamos alguns exemplos abaixo.
Documento com informações disponibilizadas em Russo
Documento com informações disponibilizadas em Chinês
Vídeo em Nepalês
Vídeo em Romeno
Vídeo em Criolo
Vídeo em Bengali
Apesar de a tradução automática ser uma tecnologia de ponta e em constante desenvolvimento, sabemos que este sistemas ainda têm algumas limitações.
Os tradutores automáticos entregam traduções com maior qualidade quando trabalham com inglês, seja como língua de chegada ou de partida, porque têm mais dados de treino nos pares linguísticos que envolvem inglês. Por exemplo, é mais provável haver erros numa tradução automática de português para ucraniano do que numa tradução de inglês para ucraniano ou numa de inglês para português. Isto acontece por causa da diferença, entre o inglês e as outras línguas, nas quantidades existentes de dados para treino de motores de tradução automática.
Além disso, algo que também influencia a qualidade da tradução é a falta de clareza e contextualização. Por exemplo, a palavra "shot" em inglês pode ter inúmeros significados dependendo da situação, desde "vacina", "shot" (bebida) até "foto" ou até "tiro". Nas imagens abaixo, exemplificamos esta problemática utilizando o Google Translate e até o tão aclamado ChatGPT, em que o termo "shot", que deveria ser "injeção" ou "vacina" nestes contextos, é traduzido para "foto" e "tiro". Quando damos um contexto maior, notamos que já temos um resultado melhor.