Vidros comestíveis

Será que você anda comendo vidro por aí?

Se você chegou até aqui, com certeza já sabe um pouquinho sobre vidros! Já sabe que os vidros não foram uma invenção do homem, mas uma descoberta acidental, e que desde então tem sido usado e aprimorado para diversas aplicações, promovendo o desenvolvimento da humanidade. Sabemos que existem vidros naturais e anciãos, como as obsidianas, os fulguritos, os vitrais de igrejas seculares, os adornos mortuários, os cálices entre tantos outros objetos! Mas aqui, a pergunta que não quer calar é: será que você por aí comendo vidro e não sabe? Então saiba mais sobre os vidros comestíveis, tão comuns no nosso cotidiano!

Figura 1. Representação de uma molécula de sacarose formada por uma molécula de glicose e outra de frutose. Ver mais em: InfoEscola.

Você sabia que a sacarose (ver Figura 1), conhecida comumente como açúcar, é um sólido cristalino à temperatura ambiente? A palavra cristalino te lembra alguma coisa? Se não te lembra, dá uma pausa aqui e volta lá na publicação do Módulo 1. O açúcar é um carboidrato formado por moléculas de sacarose (C12H22O11), a qual é composta por uma molécula de glicose e uma de frutose, unidas entre si por uma ligação glicosídica covalente, conforme representado na Figura 1. No entanto, os grãos de açúcar são formados pelo arranjo periódico tridimensional de unidades de sacarose, um dissacarídeo, onde todas elas são atraídas umas às outras por forças intermoleculares fracas, ou seja, um tipo de interação que liga essas moléculas mais fracamente do que as ligações glicosídicas (ligações interatômicas).

Quando o açúcar é adicionado na água, algumas moléculas de sacarose começam a se separar porque são atraídas pelas moléculas polares de água, conforme representado na Figura 2. Quando as moléculas de sacarose e água estão suficientemente próximas, elas interagem através de forças intermoleculares similares às forças intermoleculares que ocorrem entre as moléculas de sacarose. De forma geral, a dissolução em água de uma certa quantidade de açúcar é limitada a uma dada temperatura e volume. Acima deste limite não ocorre mais dissolução do sólido. Neste momento dizemos que a solução está saturada! No entanto, se a temperatura do sistema for elevada, o processo de dissolução também é aumentado, ou seja, em temperaturas elevadas o equilíbrio dinâmico é afetado e é possível dissolver mais açúcar do que o limite de saturação à temperatura ambiente.

Figura 2. Quando cristais de açúcar são adicionados na água, são quebrados devido a atração das moléculas de água pelas moléculas de sacarose através de forças intermoleculares, resultando em uma solvatação das moléculas de sacarose pelas moléculas de água.

Com ampla utilização doméstica e aplicações na indústria alimentícia, a sacarose é encontrada em diversas plantas, sendo a beterraba e a cana-de-açúcar as plantas com maiores teores desse dissacarídeo. Até meados do século XVIII, o açúcar era considerado artigo de luxo e, por isso, não era usado na alimentação, mas apenas como calmante!

Assim como todos os sólidos cristalinos, o açúcar (sacarose) e a sílica (SiO2), quando aquecidos até a fusão, formam líquidos altamente viscosos que, se resfriados suficientemente rápidos para evitar a cristalização, formam vidros. Assim como a sílica, onde os tetraédros de [SiO4] estão ligados através de ligações interatômicas fortes, no açúcar as moléculas de glicose e frutose interagem via ligações glicosídicas fortes para formar as moléculas de sacarose, as quais, no sólido (açúcar), são mantidas através de ligações intermoleculares fracas. Assim, devido a diferença composicional e das interações interatômicas quando comparado com a sílica, e pela presença de interações fracas intermoleculares, o açúcar apresenta temperaturas de fusão muito mais baixas, fato que permite fundirmos açúcar numa panela sob um fogão doméstico.

Pode ser até que você já tenha feito isso em casa, mas quando aquecemos o açúcar em fogo brando, sem deixá-lo queimar (decomposição!), para fazer caramelo, estamos fundido açúcar e obtendo-o como um líquido viscoso e amarelado. Vertendo esse líquido viscoso sobre uma superfície fria, ele resfriará rapidamente e se tornará um material rígido com aspecto sólido, o qual, na verdade, é um vidro orgânico de açúcar! Sim, podemos comer vidro!

Para que um vidro de açúcar seja estável e bem parecido com o vidro real, é necessário que adicionemos outra substância a essa mistura, geralmente, glucose ou xarope de milho. Vamos explicar o porquê fazendo uma analogia bem simples. Imagine que você vá construir uma casa sobre um terreno de solo instável. Se você apenas empilhar os tijolos sobre o chão, conseguirá levantar uma parede, mas se vir uma grande chuva, por sua construção não estar firme o suficiente, ela cairá. Agora, se você construir com um alicerce mesmo sob grande chuva, não cairá. Assim é o vidro comestível, se usamos apenas água e açúcar na mistura, conseguimos formar um sólido, semelhante à casa construída sobre o chão. Com o decorrer do tempo, esse vidro absorve água do ambiente e perde a sua estabilidade química e se desfaz, voltando a sua forma inicial. Agora se na mistura é adicionado um estabilizador (semelhante ao alicerce da casa), que seria o xarope de milho ou glucose de milho, temos uma construção mais estável, devido a maior concentração de frutose e glicose presente, por essa razão tende a não cristalizar.

Aplicações: onde encontrar vidros comestíveis?

Os vidros cenográficos podem ser feitos de vidros de açúcar comumente vistos nas cenas de filmes e novelas. Sabe quando o herói ou o vilão voa através de uma janela ou porta de vidro que se estilhaça completamente, sem causar nenhum ferimento, ou ainda alguém que numa briga de bar quebra uma garrafa na cabeça do oponente? Estes vidros não são iguais aos que utilizamos nas janelas ou garrafas, são mais frágeis e quebram com facilidade. Os vidros comuns, ou vidros inorgânicos (à base de SiO2, por exemplo), são mais duros e menos frágeis. Tentar atravessar uma porta de vidro temperado não é uma boa ideia!

Claro, também comemos os vidros orgânicos com frequência! Provavelmente você não tinha parado para pensar sobre isso, mas eles estão nas pipocas carameladas, nos pirulitos, na maçã do amor, na bala baiana caramelizada, em algumas balas, e até aquele chocolate que tem “pedacinhos de diamante”!

E então, quer fazer seu próprio vidro? Veja a receita que deixamos aqui para você!

AUTORES:

Naiza Vilas Bôas e

Liane Miranda Carvalho.


REFERÊNCIAS

International Materials Institute for New Functionality in Glass: https://www.lehigh.edu/imi/scied/libraryglassedu.html.

Mundo Educação: https://mundoeducacao.uol.com.br/quimica/sacarose-ou-acucar-comum.htm#:~:text=A%20sacarose%20%C3%A9%20encontrada%20em,alimenta%C3%A7%C3%A3o%2C%20mas%20apenas%20como%20calmante.

Richard W. Hartel. Chapter 15 - Crystallization in Foods. Published online by Cambridge University Press: 14 June 2019.

Richard W. Hartel. Chapter 15 - Crystallization in Foods. Handbook of Industrial Crystallization , pp. 460 - 478 DOI: https://doi.org/10.1017/9781139026949.015. Editora: Cambridge University Press Print, 2019.

HUSBAND, Tom. The Sweet Science of Candymaking. 2014. Disponível em: https://www.acs.org/content/acs/en/education/resources/highschool/chemmatters/past-issues/archive-2014-2015/candymaking.html.

"Ingredients used in the preparation of canned foods". Acesso em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/B9780857096784000087.



Publicado em: 28 de julho de 2022.

Última atualização em: 19 de otubro de 2022.