Cristalino vs. Não-cristalino

O que são vidros? Uma coleção de tampinhas de garrafa pode te ajudar a entender!

Quero propor um desafio! Você consegue responder a pergunta: O que uma coleção de tampinhas de garrafa e a estrutura de um vidro têm em comum? Faça uma pausa, pense e veja se consegue chegar em alguma resposta. Pensou? Ótimo! Agora vem comigo, porque nesta publicação vamos te mostrar como podemos usar uma coleção de tampinhas de garrafa para entender a estrutura de um vidro!

Figura 1. Fulguritos. Fonte: Anavidro.

Bem, antes de começar, você já ouviu falar em fulguritos? Os fulguritos são vidros naturais comumente conhecidos como “raios petrificados” encontrados na areia da praia (Figura 1). Eles ocorrem quando um raio atinge a areia, gerando altas temperaturas muitas vezes maiores que 1800 ºC, fazendo com que a areia derreta e forme curiosas esculturas de vidro. Isso ocorre porque a areia da praia é formada majoritariamente por óxido de silício (SiO2) que, por sua vez, são formados por pequenas unidades tetraédricas de [SiO4] que se juntam pelos vértices conforme esquematizado na Figura 2, formando o que chamamos de um sistema cristalino! Assim, quando um raio atinge a areia, naquela fração de segundo o SiO2 da areia é derretido para o seu estado líquido e, logo em seguida, quando o raio cessa, aquele líquido se resfria tão, mas tão rapidamente, que os tetraedros de [SiO4] não conseguem se organizar periodicamente e congelam de forma completamente desorganizada! Pronto, o estado vítreo não cristalino é formado!


Figura 2. "Bloco" de SiO4. Esfera vermelha = átomo de oxigênio e esfera azul (central) = átomo de silício. Estrutura feita pelo Software livre VESTA (Visualization for Electronic and STructural Analysis).

Lembra da coleção de tampinhas que foi citada no início da publicação? Pois bem, para entender a estrutura de um vidro vamos explorar essa analogia. Imagine que você tenha uma coleção de tampinhas de garrafa, todas iguais, guardadas organizadamente dentro de uma pequena caixa, todas empilhadas, umas sobre as outras. Um dia você decide contá-las, abre a caixa e espalha todas as tampinhas em cima da mesa. Mas, naquele momento, por algum motivo, você precisa sair imediatamente e não tem tempo para terminar a contagem e organizá-las novamente dentro da mesma caixa. Por não ter esse tempo, as tampinhas parecem não caber mais na caixinha e você precisa de uma caixa maior! E ao guardar as tampinhas na caixa maior, percebe que elas estão desorganizadas, ocupando aquele espaço maior de forma totalmente aleatória, uma “bagunça”! E aí, conseguiu ver alguma analogia com a formação do vidro? E se entendermos que aquelas pequenas unidades tetraédricas que formam o SiO2 como tampinhas de garrafas que não tiveram tempo de serem organizadas?

O vidro é um material que denominamos como não cristalino, ou seja, pensando na analogia com as tampinhas de garrafa, é um sistema sem organização periódica das unidades que o formam, é um sistema com as suas unidades estruturais arranjadas de forma aleatória. Os tetraedros mostrados na Figura 2, quando estão formando os grãos de areia de SiO2, estão bem compactados e organizados, como se fossem as tampinhas guardadas na pequena caixa, ocupando o seu volume da forma mais efetiva possível. Quando o raio atinge a areia e funde os grãos devido às altas temperaturas, aquelas unidades tetraédricas de [SiO4] que compõem a estrutura do SiO2 ficam completamente desorganizadas e logo resfriam rapidamente naquela fração de segundos que o raio acontece, não dando tempo para que os tetraedros se reorganizem na mesma forma que estavam no grão de areia, um sistema cristalino. Neste caso, ocorre um resfriamento muito rápido ou um choque térmico! A consequência da queda do raio na organização estrutural do SiO2 pode ser relacionada com o momento no qual as tampinhas organizadas na caixa pequena são espalhadas em cima da mesa e não cabem mais na mesma caixinha se estiverem desorganizadas. Assim, se tivéssemos tempo suficiente para organizar as tampinhas da mesma forma que estavam guardadas, todas caberiam na caixa ocupando o seu volume da forma mais efetiva possível. Podemos fazer uma analogia com a formação do vidro e dos fulguritos: o tempo muito curto entre o derretimento dos grãos de areia (unidades tetraédricas distribuídas de forma aleatória, como nos líquidos) e o seu resfriamento (momento no qual o raio cessa), não permite que as unidades tetraédricas se arrumem de forma organizada e periódica, e as unidades se arranjam de forma aleatória, desordenada, não cristalina, formando o vidro no seu estado vítreo. Ou seja, a estrutura aleatória dos tetraedros de [SiO4] no estado líquido (areia derretida) é congelada, resultando em um material que parece com um sólido, mas que apresenta uma estrutura aleatória, desorganizada, similar a estrutura dos líquidos, e que, consequentemente, apresenta um volume maior do que o seu sólido cristalino correspondente. Interessante, não? Agora você sabe o que esses dois conjuntos têm em comum se agrupados desorganizadamente. Conseguiu entender a analogia entre um sólido cristalino e um material vítreo?

Agora é mais fácil entender como seria um sistema cristalino, certo? Nos sistemas cristalinos, as unidades que compõem o material se organizam de forma periódica, padronizada, em toda a extensão do material (no grão de areia, por exemplo). Analogamente, é como se tivéssemos tempo suficiente para recolocar as tampinhas espalhadas na mesa de volta na caixinha que estavam guardadas, com o mesmo padrão organizacional. Por sua vez, um vidro, que é um sistema não cristalino, analogamente como a coleção de tampinhas, pode ser entendido como o agrupamento das tampinhas espalhadas na mesa de forma aleatória, não organizada, dentro de uma caixa com um volume maior do que a caixa original, uma vez que o arranjo aleatório das tampinhas (unidades tetraédricas nos vidros) que compõem a coleção (o vidro) ocupam um espaço maior devido a ausência de padrão organizacional comparado quando estão arranjadas organizadamente (grão de areia). Ficou claro? Que ótimo!

No nosso cotidiano, temos vários exemplos de materiais e compostos cristalinos e não cristalinos! Dentre os cristalinos, podemos citar os cristais de quartzo e gemas, o sal de cozinha, o diamante, a lataria do carro etc. Já os materiais não cristalinos estão na parafina das velas, na tela do celular, no caramelo, nos vidros da janela! Com certeza estamos constantemente utilizando e vendo vidros a todo momento! Aliás, se está lendo este texto, provavelmente está olhando numa tela de vidro! Fascinante, não? Achou legal né? Quer saber mais sobre o tema? Convidamos vocês a acessar os outros tópicos deste incrível material e visitar o Minimuseu do Vidro: Onde a Química e os Vidros se Encontram. Você se surpreenderá com o que vai aprender! Não deixe de nos seguir no Instagram @minimuseudovidro.


AUTORES:

Liane Miranda Carvalho e

Danilo Manzani.


Publicado em: 13 de julho de 2022.

Última atualização em: 18 de outubro de 2022.