Os professores que atuam na EJA convivem diariamente com inúmeros desafios no desenvolvimento de sua prática docente, dentre os quais se pode destacar a adequação das propostas metodológicas para o público dessa modalidade de ensino. Do nosso ponto de vista, para oferecer um ensino adequado aos educandos jovens e adultos, o professor precisa agregar às vivências do educando, novos conhecimentos, na perspectiva de despertar seu interesse pelo estudo e promover uma aprendizagem mais significativa.
A formação do professor para atuar nessa modalidade, seja ela inicial ou continuada, é um dos fatores que podem ajudar a promover boas práticas pedagógicas, pois além de possibilitar o conhecimento de referenciais teóricos, os quais caracterizam os sujeitos e suas especificidade, pode fomentar as trocas de ideias e experiências sobre a aprendizagem escolar nesse contexto. Portanto, o investimento na formação docente é necessário para qualificar as práticas e auxiliar os professores em seus processos de constituição de sua docência.
Os estudos de Zabala (1998, p.29), podem nos ajudar a pensar sobre essa perspectiva:
Em suas palavras:
“É preciso insistir que tudo quanto fazemos em aula, por menor que seja, incide em maior ou menor grau na formação de nossos alunos. A maneira de organizar a aula, o tipo de incentivos, as expectativas que depositamos, os materiais que utilizamos, cada uma destas decisões veicula determinadas experiências educativas, e é possível que nem sempre estejam em consonância com o pensamento que temos a respeito do sentido e do papel que hoje em dia tem a educação!
Na perspectiva da educadora Sônia Giubilei (http://lattes.cnpq.br/6157366864779742), pesquisadora e coordenadora do GEPEJA (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos, o trabalho do professor, nessa modalidade, é aguçar o pensamento crítico do aluno, de forma a prepará-lo para enfrentar os problemas que o mundo apresenta, para que isso ocorra é necessário que algumas práticas sejam essenciais ao profissional que trabalha com alunos dessa modalidade.
Valorizar os conhecimentos do aluno, ouvir suas experiências e suposições e relacionar essa sabedoria aos conceitos teóricos.
Dialogar sempre, com linguagem e tratamento adequado ao público.
Perguntar o que os estudantes sabem sobre o conteúdo e a opinião deles a respeito dos temas antes de abordá-los cientificamente. Dessa forma, o educador mostra que eles sabem mesmo sem se dar conta disso.
Compreender que educar jovens e adultos é um ato político e, para isso, ele deve saber estimular o exercício da cidadania.
Em especial, quando se pensa na função social da escola para a constituição da identidade dos educandos, um aspecto importante a ser considerado, especialmente nessa modalidade de ensino, são as subjetividades.
Edgar Morin (2007), explica que o sujeito se constitui na relação com o outro e é construído pela integração do sujeito psíquico, que tem uma história individual e, portanto, sonhos, desejos, fantasias, com o sujeito social, concebido como o sujeito de história social que a produz e dela recebe as transformações necessárias.
A subjetividade, por sua vez, relaciona-se a essa noção de sujeito oriundo de uma sociedade abrangente, competitiva e complexa, o que leva a escola a reconhecer essa complexidade e comprometer-se com a formação do ser humano em termos não só de aquisição do conhecimento, mas do significado e das representações que ele faz dos objetos e situações com os quais se relaciona.
Portanto, é por meio da cultura que o homem se realizar plenamente como ser humano. Morin (2002) entende “cultura” como o conjunto dos saberes, fazeres, regras, normas, proibições, estratégias, crenças, ideias, valores e mitos que é transmitido de geração a geração, reproduzindo-se em cada indivíduo, responsável por controlar a existência da sociedade e manter a complexidade psicológica e social.
O desenvolvimento humano corresponde ao desenvolvimento das autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie humana. “Compreender o humano é compreender sua unidade na diversidade, sua diversidade na unidade. É preciso conceber a unidade do múltiplo, a multiplicidade do uno” (MORIN, 2002, p.55).
Como um sujeito complexo, sócio-histórico, ator dos espaços culturais em que interage, o educando da EJA precisa se reconhecer como alguém que atua na construção da vida, do trabalho, do mundo, e nisso está uma das principais funções sociais da escola e do professor que atua nessa Modalidade de Ensino.
A partir da perspectiva dos autores apresentados, podemos dizer que cabe ao professor dessa modalidade de ensino mostrar a importância de valorizar os espaços sociais que esses sujeitos vivenciam no seu estar e ser no mundo, seja cultural, laboral, social, político e histórico. É necessário reconhecer os educandos da EJA como seres humanos em toda a sua complexidade, como sujeitos de sua história. Mais que tudo, é preciso oferecer espaço para conhecê-los e se deixar surpreender pelas suas subjetividades.
Caracterização das participantes
Com o objetivo compreender um pouco mais sobre o perfil dos professores que lecionam na EJA no município de Bento Gonçalves e região foi elaborado um questionário com dez perguntas. Esse instrumento foi aplicado no período de 15 de setembro a 10 de outubro. Dez professoras responderam, com idades que variaram de 29 à 54 anos de idade, duas com experiência docente inferior a três anos, três de 3 a 5 anos, duas de 5 a 10 anos e três com mais de 10 anos de docência na EJA.
As narrativas das professoras indicaram que suas experiências docentes na modalidade foram nas etapas do Ensino Médio (7) e Educação Profissional (4) e Anos Finais do Ensino Fundamental (3), alguns deles sendo primeiro contato como professor e outros já apresentando algumas experiências na docência. As etapas indicadas são as de formação do Curso de Licenciatura em Matemática, portanto contribuem fortemente para a formação pretendida pelos pesquisadores. Todas as participantes expressaram que tiveram um grande desafio, pois lecionar para essa modalidade de ensino exige do professor uma preparação diferenciada das aulas.
As participantes destacaram a necessidade de conhecer seus alunos, suas vivências e expectativas em relação ao retorno ao ambiente escolar, para a partir disso planejar e possibilitar interatividade entre os alunos, tornando assim as aulas mais produtivas, de forma a desenvolver o conhecimento a partir da diversidade cultural e social, respeitando a heterogeneidade de seus alunos.
O desafio de lecionar na EJA, na percepção das professoras, decorre das especificidades do seu público, que é formado na maioria de trabalhadores, que buscam no ambiente escolar o reconhecimento que a escola regular e a sociedade no geral não lhes deram. Na sua maioria, são pessoas que não acreditam mais no seu potencial criativo e de conhecimento para continuar a formação acadêmica e ter ascensão profissional. Mas, com um potencial fantástico trazido do mundo do trabalho e da vida, mesmo os mais jovens, portanto,
compreender o perfil do educando da EJA requer conhecer a sua história, cultura e costumes, entendendo-o como um sujeito com diferentes experiências de vida e que em algum momento afastou-se da escola devido a fatores sociais econômicos políticos e ou culturais (DCEs, 2005, p. 33).
Apoiados em sua prática docente, as professoras defendem que o docente dessa modalidade de ensino precisa ter uma mente aberta, pronto para enfrentar novos desafios, estando disposto a não somente ensinar, mas também aprender, através de um movimento de troca de saberes, como pode ser observado a seguir:
Com maior razão, pode-se dizer que o preparo de um docente voltado para a EJA deve incluir, além das exigências formativas para todo e qualquer professor, aquelas relativas à complexidade diferencial desta modalidade de ensino. Assim esse profissional do magistério deve estar preparado para interagir empaticamente com esta parcela de estudantes e de estabelecer o exercício do diálogo. Jamais um professor aligeirado ou motivado apenas pela boa vontade ou por um voluntariado idealista e sim um docente que se nutra do geral e também das especificidades que a habilitação como formação sistemática requer (PARECER CNE/CONEB, 2000, p. 56).
Para possibilitar as trocas de saberes, as metodologias propostas, além de respeitar a matriz curricular e os objetivos presentes no PPC, precisa ser adaptando aos conteúdos e necessidades dos alunos, de forma a torná-los úteis e aplicáveis, com o objetivo de promover o desenvolvimento integral do aluno, preparando-o para mundo do trabalho, para as relações interpessoais, e para o autoconhecimento.
Com relação ao planejamento da prática docente, os professores criticaram a preocupação com o cumprimento dos conteúdos em detrimento da aprendizagem dos estudantes. Um dos fatores problematizados foi a desconsideração das aprendizagens anteriores, ou sua falta. As narrativas indicaram a “falta de base”, como um impeditivo para a aprendizagem matemática pretendida.
Nessa perspectiva, a interdisciplinaridade é um ponto fundamental para o desenvolvimento dos objetos de conhecimento nessa modalidade, pois possibilita o relacionamento com as coisas do cotidiano da vida dos estudantes, além da abordagem metodológica da resolução de problemas para a aprendizagem dos conteúdos propostos. As professoras expressaram o desejo de querer que seus alunos aprendam não só os conteúdos ali ensinados, mas relacionem com sua vida própria, sua profissão, potencializando o aluno e valorizando o seu saber, bem como, dê condições para que ele continue seus estudos.
A avaliação foi outro aspecto mencionado pelos participantes, na perspectiva delas, deveria ser contínuo, baseado na evolução individual de cada estudante, principalmente ao se considerar que o processo de aprendizagem requer tempo, para que se percebam as dificuldades e sejam solucionadas. Desse modo, tornar a aula atrativa com materiais concretos, atividades em grupo, debates, vídeos, data show, dentre outros, são as estratégias metodológicas indicadas para a modalidade.
Esses recursos didáticos são facilitadores no processo de ensino e de aprendizagem, pois possibilitam que o aluno se interesse e tenha vontade de querer aprender, mostrando-lhes novas possibilidades de aplicação desses conhecimentos na própria vida.
Conhecer o que dizem os professores que atuam na modalidade EJA sobre sua prática e sobre a aprendizagem de seus alunos, é uma boa oportunidade para nós, licenciandos em formação, para a constituição da nossa docência.
FERREIRA, Daisy de Carvalho. Caderno Temático sobre a EJA (Educação de Jovens e Adultos). PDE, 2008. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/1711-6.pdf
MORIN, Edgar. Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro. 5. ed. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2002.
MORIN, Edgar. O médoto 5: a humanidade da humanidade. 4. ed. Porto Alegre: Sulina, 2007.
PORCARO, Rosa Cristina. Os desafios enfrentados pelo educador de jovens e adultos no desenvolvimento de seu trabalho docente. EccoS Revista Científica, núm. 25, enero-junio, 2011, pp.39-57 Universidade Nove de Julho São Paulo, Brasil. Disponivel em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=71521708003
THEES, Andréia; FANTINATO, Maria Cecilia. Professores que Lecionam Matemática na EJA: Concepções e Práticas Letivas. Revista Reflexão e Ação, Santa Cruz, v.20, n2, p.267-290, jul./dez.2012