Obra: Cânticos do Espírito: O Lugar dos Salmos na Adoração a Deus Editor: Kenneth Stewart Editora: Publicações O Pacto Ano: 2018 (edição em português)
Cânticos do Espírito: O Lugar dos Salmos na Adoração a Deus é uma obra editada por Kenneth Stewart que se propõe a ser um chamado ao arrependimento e à reforma da igreja hoje. O livro, composto por artigos de diversos autores, como William Maclean e David Silversides, defende de forma veemente o Cântico Exclusivo de Salmos (CES) na adoração pública, sem o uso de instrumentos musicais. A tese central é que a adoração reformada original — praticada pela maioria das igrejas reformadas da Europa — foi abandonada em favor de composições humanas e instrumentos, e que a recuperação desta prática bíblica e histórica é crucial para a saúde espiritual e renovação da igreja. O livro se posiciona contra as significativas mudanças no conteúdo e estilo da adoração moderna, buscando restaurar o que consideram ser a forma de louvor divinamente ordenada.
O trabalho baseia sua argumentação no Princípio Regulador do Culto (PRC) , que postula que tudo o que é feito na adoração a Deus deve ser claramente mandado ou autorizado pelas Escrituras. Os autores refutam os argumentos utilizados para justificar a mudança na adoração congregacional:
A Refutação dos "Novos Cânticos": O livro enfrenta a ideia de que o mandamento "Cantai um novo cântico" (Salmos 33:3; 96:1; 98:1) ou os cânticos no Livro de Apocalipse (5:9-14; 14:3) autorizam a composição contínua de hinos humanos. Kenneth Stewart argumenta que os cânticos de Apocalipse são cantados no céu e referem-se a uma nova ordem de coisas no estado final ("novos céus e nova terra") , e não são um mandato literal para a adoração da Igreja militante na terra. Tentar copiar seletivamente a adoração celestial implicaria em incorporar todos os elementos litúrgicos do céu, como harpas, incenso e vestes brancas, o que demonstra a falha do argumento.
A Suficiência Cristológica dos Salmos: O livro contrapõe a objeção de que o Saltério seria insuficiente para a adoração da Nova Aliança por não mencionar Cristo explicitamente. Os autores afirmam que os Salmos são explicitamente messiânicos , e que o próprio Cristo se encontrou e abriu o entendimento dos discípulos para as profecias a Seu respeito nos Salmos (Lucas 24:44-45). Os Salmos são definidos como o manual fixo de louvores dado por Deus, sendo infalível e inspirado.
Interpretação de Efésios 5:19 e Colossenses 3:16: O Apêndice, um Relatório Minoritário de John Murray e William Young, reforça que os termos "salmos, hinos e cânticos espirituais" (do grego psalmois, humnois, odais pneumatikais) não designam três grupos distintos de composições líricas. Na tradução Septuaginta, essas palavras eram todas utilizadas para descrever os títulos e o conteúdo do Livro de Salmos. Portanto, o apóstolo Paulo estaria meramente indicando o Saltério como a única fonte de louvor inspirado e autorizado.
A obra cumpre seu propósito ao oferecer uma defesa acadêmica, bíblica e historicamente densa do Cântico Exclusivo de Salmos, sendo um excelente recurso para estudantes de Teologia e interessados na adoração reformada.
Pontos Fortes (Coerência e Profundidade):
Inflexibilidade como Virtude: O livro adota uma inflexibilidade rigorosa na defesa do Princípio Regulador do Culto, o que é um mérito crucial, pois a fidelidade à ordem de Deus não admite flexibilização humana. O texto desafia a tendência moderna de flexibilizar o culto, defendendo que o mandamento de cantar os Salmos inspirados por Deus não foi revogado e é, portanto, suficiente e autorizado.
Coerência Teológica e Histórica: A obra mantém uma rigorosa coerência com o princípio do Sola Scriptura e resgata a prática histórica da Reforma, estabelecendo um contraste necessário entre a adoração divinamente autorizada e as inovações litúrgicas contemporâneas.
Pontos a Criticar (Escopo Retórico e Estratégia Pedagógica):
Escopo Exclusivamente Declaratório: O gênero do texto é fortemente polemista e declaratório, configurando-se mais como uma defesa categórica da tese do que como um diálogo ou material didático introdutório. Embora essa abordagem seja essencial para o seu propósito de reforma, ela impõe um desafio retórico e pedagógico.
Estratégia Pedagógica (A Voz Ausente): O material (IRTC) propõe buscar a "história de quem não está sendo contada." Neste contexto, o ponto ausente não é a liberdade da Nova Aliança como refutação à tese (pois a tese se baseia na fidelidade de toda a Escritura), mas sim a dedicação a doutrinar os leigos que formam o público majoritário das igrejas. Dada a crescente deficiência doutrinária atual, o livro carece de um capítulo ou seção dedicada a preparar o leitor leigo nos temas básicos da fé que servem de alicerce para a compreensão do PRC. Ao rejeitar sumariamente a ideia de que o crente tem liberdade em questões de adiaphora, o livro assume um patamar argumentativo elevado, o que, embora teologicamente fiel, torna o documento menos acessível para a conversão de leigos que ainda não entendem a profundidade do Princípio Regulador.
Em suma, Cânticos do Espírito é uma obra de coragem e solidez doutrinária inquestionável. Seu maior valor reside na apresentação coerente e rigorosa do Cântico Exclusivo de Salmos. A crítica se concentra apenas no seu escopo estritamente declaratório, que, embora fiel à Escritura, impõe uma barreira comunicacional para as igrejas despreparadas. No entanto, é justo reconhecer que a culpa pela deficiência doutrinária não é da proposta nem da linguagem do livro, mas sim do estado atual de despreparo das igrejas.